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O torcedor e a seleção brasileira de futebol

El hincha y la selección brasileña de fútbol

 

*Mestre em Educação Física pela Universidade Federal de Viçosa

**Acadêmicas do Curso de Educação Física - Universidade Federal de Viçosa

***Doutor em Educação Física – Professor da Universidade Federal de Viçosa

(Brasil)

Roberto Andaki Junior*

Fernanda Resende Lobato**

Karen Cristine Rodrigues Alves**

Letícia Aparecida Fávero Freitas**

José Geraldo do Carmo Salles***

jgsalles@ufv.br

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo do estudo foi investigar a relação dos torcedores com o clube e a Seleção Brasileira de Futebol. Foram realizadas perguntas no intuito de saber: a idade; o gênero; a relação desses torcedores com o futebol; a freqüência com que assistiam aos jogos; o clube para qual torciam; o motivo que os levaram a torcer por essa equipe; sua relação com a Seleção Brasileira; e, também, sobre a distinção entre seu envolvimento com o clube em comparação com a Seleção Brasileira. Foram 286 entrevistados (204 masculino e 82 feminino), com idade acima de 18 anos. Os resultados apontam que, no caso do torcedor masculino, o vínculo afetivo social com o clube é superior em relação à Seleção Brasileira. As torcedoras, no entanto, se colocaram mais envolvidas com a Seleção Brasileira. Mais de 50% dos torcedores masculinos afirmaram viver o futebol intensamente, enquanto 50% das torcedoras disseram “gosto, mas não vivo intensamente”.

          Unitermos: Futebol. Torcedor. Clubes. Seleção Brasileira.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 184, Septiembre de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Parece não haver dúvidas quanto à estreita relação entre o futebol e a sociedade brasileira. Essa relação produz diferentes narrativas sobre a imaginação popular, sendo capaz de impulsionar a paixão por símbolos que retratam essa modalidade. Nessa perspectiva, bandeiras, camisas, escudos, entre outros, são dotados de simbologias utilizadas para reafirmar o pertencimento a uma determinada tribo, no sentido apontado por Maffesoli (1987). A equipe pela qual torce e seus símbolos dão sustentação a essa tribo escolhida pelo indivíduo, impulsionando os elos sociais. Argumenta o autor que para o sujeito se vincular a uma tribo, abre mão do individualismo para se posicionar socialmente.

    O futebol é também tratado em ensaios acadêmicos como um elemento fulcral da cultura brasileira (DAMATTA, 1982; LEVER, 1983; SOARES, 1994; DAOLIO, 1997; GASTALDO, 2005). Tendo isso em vista, Toledo (2000) argumenta que o futebol protagonizou os contornos de um processo de identificação que foi construído e engendrado por diferentes agentes sociais em interseção. Para o autor, o futebol está reconhecido no domínio público nacional, gerando identidades coletivas (ou identidades nacionais) a partir de formações individuais.

    Hall (2000) alerta para o fato de que “as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação” (p.48). Essa identidade individual forma uma rede a qual Anderson (1993) define como “comunidade imaginária”, uma vez que seus membros nem sempre se conhecem em sua maioria, mas que a mente de cada um vive a imagem de comunhão.

    Para Oliven e Damo (2001), a identidade é o local que ocupamos na estrutura social, tem relação com o fato de como nos imaginamos em oposição aos outros. Trata-se de uma construção social, estabelecida a partir de diferenças ora reais ora inventadas, as quais conferem um indicador de distinção.

    Na perspectiva apontada por Hall (2000), podemos entender o torcedor brasileiro de futebol como um processo da produção gerenciada por mecanismos ainda pouco claros e que demanda maiores investigações. Quais os mecanismos que operam na produção deste vínculo de paixão? Essa questão, por ora, é apenas uma reflexão para futuras investigações.

    Guerrero (2000)1 argumenta que a relação de vínculo do público com o futebol no México pode se localizar em quatro vertentes: seio familiar, na escola, no trabalho e pelos meios de comunicação. Essas vertentes de identificação acerca da vinculação dos torcedores de futebol no México parecem similares às ocorridas no Brasil, ou seja, os torcedores brasileiros também seguem as mesmas raízes de identificação.

    Damo (2009) coloca que o vínculo clubístico é em última instância à identidade social e, por essa razão, ele a conceitua como pertencimento. Segundo o autor, “o pertencimento é herdado, salvo raras exceções, da parentela masculina consanguínea (Avô, pai, irmão, tio, primo, etc.), ou de amigos tão próximos que do ponto de vista afetivo, são significados como parte da família” (p.8).

    Archetti (2003) afirma que o futebol no Brasil e na Argentina está atrelado ao projeto de modernização dessas sociedades, permitindo, em alguma medida, a experiência de mobilização social.

    Neves (1979) já alertava para o fato de que ninguém escolhe o grupo social em que está inserido. Entretanto, o clube pelo qual irá torcer pode ser escolhido livremente pelo indivíduo. O autor argumenta que essa liberdade está condicionada, em geral, pela interferência dos familiares ou dos grupos infantis de cada um.

    O futebol, analisado como um fenômeno cultural brasileiro, parece conseguir mobilizar grande parcela da população, ainda que esse vínculo ocorra operando em graus de envolvimentos diferenciados. Alguns torcedores são inteiramente conectados aos seus clubes cotidianamente, apropriando-se de todas as informações que os mantêm orientados diante desta paixão, mantendo um grau de conectividade de interação social. Para esses torcedores fanáticos, muitas vezes o real e a fantasia se confundem. O clube pelo qual torcem torna-se a “quinta essência” de sua razão2. Outros, no entanto, mantêm o vínculo apenas em momentos especiais, conseguindo abstrair o real da fantasia (SALLES, 2003). Todavia, entre os grupos de fanáticos e os torcedores moderados (ou simpatizantes) podemos encontrar outras estruturas de vinculações. Categorizar esses torcedores nos parece uma tarefa árdua.

    Para Fernandes (2011)3, “a relação do torcedor com seu time sempre teve traços de religiosidade e de absurdo completos”. Pareceu-nos uma análise pouco cuidadosa diante das diferentes formas de vinculações dos indivíduos na condição de torcedores e seus clubes. A razão de se torcer opera com grande desvio entre os indivíduos. Entretanto, se para alguns o clube pelo qual torce toma a dimensão de religiosidade, para outros, isso parece irreal.

    Segundo Vallerand et al (2008), a paixão pode ser definida como uma forte tendência para uma atividade em que o indivíduo investe tempo e energia. Além disso, estas atividades prazerosas podem servir para representar elementos centrais da nossa identidade, portanto, essa paixão pode definir a pessoa. O torcedor, para Vallerand et al. (2008), em seu modelo dualista de paixão pode ser classificado em dois tipos distintos: o torcedor obsessivo e o harmonioso. O torcedor obsessivo tem um desejo incontrolável pela equipe, e esta atividade eventualmente ocupa um espaço desproporcional na identidade da pessoa e causa conflito com outras atividades da vida. Este torcedor se identifica com a equipe de tal forma que a vitória do time é uma vitória individual para ele. Por outro lado, o torcedor harmonioso exerce um controle sobre essa paixão, se a atividade começa a envolver comportamentos negativos ele consegue parar com essa atividade. A paixão no torcedor harmonioso é uma atividade que ocupa um lugar importante, mas não esmagadora, na identidade da pessoa.

    Torcer por um clube e/ou torcer pela Seleção Brasileira fomenta diferentes perspectivas de diálogo que dota o futebol de uma singularidade capaz de mexer com a emoção de grande parte da população em momentos específicos (Copa do Mundo e finais de campeonatos). Na condição de lazer voluntário (seja na prática, seja na condição de torcedor), o futebol atinge a possibilidade de interação, criando elo entre diferentes classes de atores (Salles; Soares, 2003).

    O discurso midiático projeta-se sobre esse sentimento do brasileiro com o futebol, criando sentido e buscando explicações para fenômenos projetados a cada encontro esportivo. Dessa forma, o discurso permanece atualizado, constante, tornando-se um meio de sociabilidade e de espelho do cotidiano. Os vínculos emocionais com o esporte nas diferentes camadas sociais e todo o aparato midiático (jornais, revistas e informações televisivas), fazem com que o interesse permaneça pleno entre os atores sociais (Salles; Soares, 2003).

    Os narradores esportivos brasileiros, sejam nas redes de canais televisivos seja nos jornais e rádios, criaram e disseminaram jargões sobre esta estreita relação entre o futebol e o povo brasileiro: “o futebol está no sangue”, “o futebol está na alma”, “a Seleção Brasileira é uma grande paixão nacional”. Pode-se observar que estas marcas passam a pertencer ao discurso popular e funcionam como indicativos desta estreita união: futebol e sociedade brasileira.

    Tais narrativas impulsionam a sustentação de um discurso que permanece vivo, latente, sempre que se quer justificar o futebol como produto da cultura brasileira (SALLES; SOARES, 2003).

    Nessa perspectiva, procura-se algo que busca dar sentido a uma tradição que expressa e justifica o futebol como pilar da cultura. Algo que serve para referendar o futebol como produto que demonstra a nossa capacidade. O brasileiro gosta de reproduzir a ideia de que temos o melhor futebol do mundo. E, por isso, sustenta uma narrativa popular de que o futebol revela uma das nossas principais virtudes no campo das relações internacionais.

    A vinculação do brasileiro ao futebol surge como uma tradição inicialmente impulsionada pelas relações afetivas familiares. O indivíduo, em geral, acaba por manter os vínculos já sustentados na família. Torcer por um clube sugere uma herança que é transposta pelas gerações.

    Hobsbawn e Ranger (1984) argumentam que as tradições inventadas e institucionalizadas socialmente, buscando incorporar valores e comportamentos sustentados na repetição. Os autores alertam para o fato de que muitas tradições são de origem recente. Assim, pareceu-nos que estas argumentações possibilitam o entendimento dos vínculos dos brasileiros com o futebol.

    O objetivo desta pesquisa foi de investigar o vínculo afetivo dos torcedores de futebol e suas relações com a Seleção Brasileira e os seus respectivos clubes preferidos. Buscou-se saber como esse vínculo se sustenta; quais suas raízes; e a força do clube em contraposição ao selecionado brasileiro.

    Partindo do pressuposto de que o vínculo do brasileiro com a seleção nacional parece ser uma tradição inventada por mecanismos institucionalizados. Hobsbawn e Ranger (1984) esclarecem que alguns pressupostos que orientam estas práticas “visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado” (p.9).

    Seria o futebol, no caso brasileiro, uma tradição inventada?

A estrutura do futebol brasileiro

    O futebol brasileiro é gerenciado peal Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Essa entidade é responsável pela organização dos Campeonatos Brasileiros e a Copa do Brasil. O Campeonato Brasileiro é realizado em quatro séries, disputadas por 100 clubes, assim divididos: 20 equipes na Série A; 20 equipes na Série B; 20 equipes na Série C; e 40 equipes na Série D. A forma de disputa difere entre as séries, sendo que nas séries A e B são pelo sistema de ponto corridos em dois turnos. Nas séries C e D são formados grupos de cinco equipes cada. As equipes disputam as séries obedecendo ao critério de classificação para a mudança de série e descenso para o ano seguinte.

    A Copa do Brasil reúne representantes de todos os 27 estados brasileiros. Em função da representatividade do estado no cenário do futebol são estabelecidas números de vagas, bem como o ranking da CBF que destina vagas para os dez clubes com melhor colocação. Isso implica que alguns estados como, por exemplo, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, tenham mais representantes nesta competição em relação aos demais.

    A classificação para a Copa do Brasil se dá pela colocação do clube nos campeonatos estaduais que são organizados pela federação de cada estado. Cada estado tem autonomia sobre a sua forma de gerenciamento da competição.

    Os campeonatos estaduais são competições de curta duração com poucos jogos, sendo disputados com as principais equipes em formação, um mês no início da temporada. As competições estaduais, de uma forma geral, exceto nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, têm o título disputado entre duas ou três equipes de forma igualitária. As demais equipes disputam a competição pelo terceiro, quarto e quinto lugar por geralmente não terem as mesmas condições financeiras das principais forças, o que faz destes campeonatos uma disputa de rivalidade regional.

    Essa explicação justifica-se para entender o fato de que alguns torcedores manterem o maior o interesse pela competição regional. Clubes de menores expressões não conseguem facilmente vagas para o campeonato brasileiro Série A e Série B e, portanto, a Copa do Brasil e os Campeonatos Estaduais tornam-se as principais competições.

    Tal situação gera distintas formas de relação do torcedor com o futebol, a saber: a) alguns torcedores dos clubes menores aportam mais interesse pelos títulos regionais se comparado com as conquistas da seleção brasileira, visto que as competições realizadas pelos clubes são mais cotidianas. A seleção brasileira fica muito tempo fora de ação, apenas realizando amistosos a cada mês, dificultando a criação de vínculo permanente; b) o fato de saber das limitações de seu clube regional devota maior interesse pela seleção brasileira, julgando que esta lhe causa mais contentamento devido às conquistas internacionais, ainda que as competições para a seleção sejam escassas; c) os torcedores dos clubes de maiores expressões, mesmo que apenas nos estados, mantêm-se mais atrelados aos clubes devido à constante possibilidade de competições e conquistas de títulos, fomentando uma rivalidade permanente entre os clubes; e d) alguns torcedores de clubes periféricos, principalmente nas regiões em que o futebol é menos desenvolvido, acabam vinculando-se também a um time das regiões as quais se encontram as principais forças do futebol brasileiro, como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

Metodologia

    Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa exploratória, de caráter quantitativo realizado por meio de questionários fechados, aplicado para ambos os sexos4.

    Este questionário foi aplicado para torcedores durante o período da Copa do Mundo da África do Sul, em 2010. O recorte temporal foi do início da Copa (11 de junho) até um dia antes de o Brasil ser desclassificado (1º de julho). Este recorte justifica-se pelo fato de não captar as respostas tensionadas de forma negativa diante da desclassificação do Brasil nas quartas de finais pela seleção Holandesa. Foi estabelecido de antemão que sempre finalizaria as etapas de contato com o torcedor um dia antes do jogo do Brasil. Portanto, abordamos os torcedores apenas nos momentos em que a expectativa de vitória do selecionado brasileiro ainda estivesse sustentando a magia proporcionada pelo grande evento e a representatividade do futebol no imaginário social.

    O local de aplicação deste questionário foi a cidade de Viçosa, no Estado de Minas Gerais. Essa cidade está situada na Zona da Mata Mineira e, pela sua localização geográfica, em relação ao futebol, recebe influência das principais equipes brasileiras localizadas no eixo Rio-São Paulo (Flamengo5, Fluminense6, Botafogo7, Vasco8, Palmeiras9, Santos10, São Paulo11, Corinthians12). No Estado de Minas Gerais também se destacam duas forças do futebol nacional: Cruzeiro13 e Atlético Mineiro14. A amostra sustenta-se como um retrato do Brasil, visto que, devido à presença da Universidade Federal de Viçosa15, e sua abrangência, pode-se encontrar torcedores de praticamente todos os estados brasileiros.

    A aplicação do questionário teve como critério para inclusão do entrevistado na amostra duas perguntas. A primeira foi: Você gosta de futebol? Se a resposta fosse negativa, mais ou menos ou às vezes, o entrevistado não participaria da pesquisa. Em caso de a resposta ter sido positiva, a segunda pergunta era realizada: Cite o nome de dois jogadores da atual Seleção Brasileira de Futebol. Caso não fosse citado ou a resposta fosse errada, o entrevistado também era excluído da amostra. O torcedor que atendesse às questões anteriores responderia a um total de nove perguntas, selecionando uma opção dentro das respostas dadas pelo questionário.

    As questões do instrumento de levantamento de dados visaram colocar o torcedor numa situação em que comparasse seu interesse entre o clube pelo qual torcia e a Seleção Brasileira. Foram realizadas perguntas no intuito de saber: (a) a idade; (b) o gênero; (c) a relação desses torcedores com o futebol; (d) a frequência com que assistiam aos jogos; (e) o clube para qual torciam; (f) o motivo que o levaram a torcer por essa equipe; (g) a relação com a seleção brasileira; e, também, (h) sobre a distinção entre seu envolvimento com o clube em comparação com a seleção brasileira.

    A análise estatística foi realizada por meio do programa SPSS 17.0, em que foram utilizadas a análise descritiva e a correlação de Pearson pelo procedimento crosstabs.

Resultados

    A amostra foi constituída por 286 informantes, distribuídos nas seguintes faixas etárias: 18 - 29 anos (97 pessoas); 30 - 39 anos (58 pessoas); 40 - 49 anos (56 pessoas); 50 - 59 anos (44 pessoas) e mais de 60 anos (31 pessoas). Os clubes mais citados pelos entrevistados foram: Cruzeiro (37%), Atlético Mineiro (21%), Flamengo (16,8%), Corinthians Paulista (4,9%), Outros (correspondendo a menos de 4% da amostra - Botafogo, São Paulo, Vasco, Palmeiras, Fluminense, Santos, Ipatinga16, América Mineiro17, Grêmio18 e Ponte Preta19).

    Na questão referente à relação do informante com o futebol (Tabela 1), estes responderam que gostam de futebol, mas não vivem intensamente (31,1%). Entretanto, quando separamos os grupos por gênero masculino e feminino, foi observado que o grupo masculino apresentou um equilíbrio entre as respostas, 5 e 4, respectivamente – “Vejo tudo sobre futebol, e quero saber o que está acontecendo, inclusive com as outras equipes” (25%) e “Sou fascinado pelo futebol” (25,5%). Enquanto no grupo feminino a resposta 2 – “Gosto, mas não vivo intensamente” (50%) – foi apontada pela metade das informantes.

Tabela 1. A relação do torcedor com o futebol

    Os torcedores quanto à frequência semanal que assistem futebol a opção preferida com 42,66% foi a resposta duas vezes por semana, conforme se pode observar na Tabela 2. Ao categorizar a amostra versus a frequência que estes assistem futebol versus as categorias de relação com o futebol, foi apresentado uma correlação entre essas duas variáveis. O teste de Pearson apresentou uma correlação média (r = 0,573).

Tabela 2. Freqüência em que assiste futebol por semana versus relação com o futebol

    A influência familiar foi o motivo mais citado pelos torcedores como o que teria influenciado na escolha do clube favorito (45,5%). Não foi encontrada nenhuma correspondência entre a relação do torcedor com o futebol versus a influência escolha do time favorito (r = -0,55). Em todas as opções de relação dos torcedores com o futebol a escolha da equipe pela influência familiar foi o mais apontado pelos entrevistados.

Tabela 3. Motivo da escolha do clube favorito

    Na Tabela 4, os torcedores foram questionados sobre o que representava para eles a Seleção Brasileira de Futebol. A resposta mais citada pelos entrevistados foi que a Seleção é uma grande paixão (41,30%), seguida pelas respostas 5 - “Só me interessa no momento dos grandes eventos, como Copa do Mundo, Copa América e Jogos Olímpicos (24,5%), e 6 – Gosto muito, mas não tanto como gosto do meu time” (24,1%). Não foi encontrada nenhuma correlação entre o sentimento do torcedor pela Seleção Brasileira em razão das relações do torcedor com o futebol (r = 0,26).

Tabela 4. Sentimento pela Seleção Brasileira de Futebol

    Na Tabela 5, os torcedores foram questionados sobre qual dos acontecimentos os deixariam mais felizes: “Ver a seleção brasileira torna-se vencedora da Copa do Mundo?” ou “Ver o seu clube tornar-se Campeão Estadual?”. Ganhar a Copa do Mundo foi a opção com 83% das preferências dos torcedores em relação ao Campeonato Estadual. Este resultado categorizado versus o sentimento pela Seleção Brasileira detectou que há um equilíbrio entre os grupos que optaram pelas respostas “não gosto”, “gosto mais ou menos” ou “sou indiferente”. As alternativas estavam entre a seleção ganhar a Copa e o clube preferido ser campeão estadual. O coeficiente de Pearson foi r = 0,31, apresentando uma correlação fraca entre as variáveis.

Tabela 5. Preferência entre a Seleção Brasileira ser Campeã Mundial ou o clube preferido ser Campeão Estadual versus Sentimento pela Seleção Brasileira

    No entanto, os mesmos entrevistados, quando foram questionados se o que lhes ocasionariam mais felicidade era ver a Seleção Brasileira ganhar a Copa ou o seu clube preferido se tornar Campeão Brasileiro, 61,53% dos torcedores da amostra apontaram que ficariam mais felizes com o título de Campeão Brasileiro. Esse resultado categorizado versus o sentimento pela Seleção Brasileira foi encontrado em 44,25% (50 de 113) dos torcedores do grupo que identificaram o sentimento como “uma grande paixão” pela Seleção Brasileira e optaram pela vitória desta em oposição ao Campeonato Estadual, mudaram de preferência para a conquista do clube preferido pelo Campeonato Brasileiro como o fato que lhe trariam mais felicidade, conforme pode ser visto na Tabela 6. O coeficiente de Pearson foi r = - 0,09, não apresentando correlação entre as variáveis.

Tabela 6. Preferência entre a Seleção Brasileira ser Campeã Mundial ou o clube preferido ser Campeão Brasileiro versus o Sentimento pela Seleção Brasileira

    Confrontando as questões de preferência entre a Seleção Brasileira ganhar a Copa do Mundo e/ou seu clube preferido conquistar o Campeonato Estadual ou o Campeonato Brasileiro, podemos observar, na Tabela 7, que 54% (128 dos 238) dos indivíduos que optaram pela Seleção Brasileira ganhar a Copa do Mundo em oposição ao clube ganhar o Campeonato Estadual mudaram de opinião nesta hipótese, optando por verem seu clube conquistar o Campeonato Brasileiro.

Tabela 7. Copa do Mundo ou Campeonato Estadual versus Copa do Mundo ou Campeonato Brasileiro

    Na Tabela 8, quando realizamos outra análise dos resultados da preferência entre Copa do Mundo e Campeonato Brasileiro nas categorias de relação do torcedor com o futebol, pôde-se observar que no grupo “Vejo apenas de vez em quando, apesar de gostar muito” há uma relação oposta quanto à preferência do grupo “Sou fascinado por futebol”. Os torcedores que apresentaram um vínculo menor com o futebol tinham como preferência a conquista da Seleção Brasileira em detrimento ao clube favorito conquistar o Campeonato Brasileiro. Esta relação apresentou uma correlação fraca pelo coeficiente de Pearson (r = 0, 317).

Tabela 8. Relação com o futebol x Preferência entre Copa do Mundo ou Campeonato Brasileiro

Discussão

    Na primeira questão (Tabela 1), em que se buscou explorar a relação dos torcedores categorizando seu vínculo afetivo com o futebol, foi observado que os torcedores da amostra gostam de futebol, mas não vivem intensamente (31,1%). As afirmativas mitificadas de que o futebol está no sangue dos brasileiros, que o futebol está na alma, podem ser assumidas como tradição inventada, na perspectiva apontada por Hobsbawn e Ranger (1984). Quando esses dados da amostra são categorizados entre os gêneros, pode ser demonstrado que os torcedores do sexo masculino têm um vínculo afetivo maior com o futebol, pois apresentam respostas mais afirmativas “Sou fascinado pelo futebol” (25,5%) e “Vejo tudo sobre futebol, inclusive o que acontece com as outras equipes” (25%); em oposição ao grupo feminino, em que a metade delas optou pela alternativa “Gosto, mas não vivo intensamente”. Esse resultado mostra que homens e mulheres, apesar do aumento do público feminino, ainda se diferem amplamente na questão do vínculo afetivo em relação futebol no Brasil. Se pensarmos na classificação de paixão proposta por Vallerand et al. (2008), o grupo masculino da amostra seria composto em mais da metade por torcedores com características obsessivas e o grupo feminino em mais da metade (Tabela 1 – “Vejo apenas de vez em quando”, 17,1%, e “Gosto, mas não vivo intensamente”, 50%) por torcedores com características harmoniosas.

    Quanto à frequência com que assistem ao futebol durante a semana, foi apontado que 42,66% assistem duas vezes por semana, seguida pela resposta “uma vez por semana”, com 37,06%. Esta frequência pode ser relacionada devido ao calendário das competições do futebol no Brasil, bem como pela exigência da mídia televisiva aberta, detentora dos direitos de transmissão dos campeonatos. A Série A do Campeonato Brasileiro é disputada com jogos em um dia ao meio da semana (quase sempre às quartas-feiras) e um jogo no final de semana (sábado ou domingo). Os torcedores que acompanham mais de duas vezes por semana são aqueles que têm acesso aos canais de televisão pagos que transmitem todos os jogos.

    Os torcedores apontaram a influência familiar como principal motivo da escolha de seu clube favorito, nos demonstrando que a opção de escolha do clube preferido é tida como uma espécie de herança, que é passada de geração a geração dentro da família, construindo uma tradição (45,5%). Segundo Hall (2000), na modernidade, “as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes da identidade cultural” (p.47).

    O sentimento pela Seleção Brasileira de Futebol foi declarado por 41,26% dos torcedores como uma grande paixão. Esta preferência do sentimento pela seleção versus o sentimento pelo futebol só não foi a predileta dentro do grupo que declarou: “gosto, mas não vivo intensamente”. Esses resultados revelam que 41,26% dos torcedores fomenta o discurso da tradição da Seleção Brasileira de Futebol como uma paixão nacional.

    Quando o torcedor foi questionado sobre qual situação o deixaria mais feliz, ver a Seleção Brasileira de Futebol conquistar a Copa do Mundo ou ver o seu clube preferido tornar-se Campeão Estadual, a primeira alternativa foi a mais escolhida (80%). No entanto, quando trocada a opção de Campeonato Estadual por Campeonato Brasileiro – um título de maior importância nas representações de rivalidades dos torcedores –, eles optaram pelo Campeonato Brasileiro (60,5%). Comparando o grupo que declarou o sentimento pela Seleção Brasileira como “uma grande paixão” nas questões de preferência entre a Copa do Mundo ou o Campeonato Estadual e/ou o Campeonato Brasileiro, tem-se que 44,5% (50 de 113) dos torcedores deste grupo – que no primeiro momento preferiam a Copa do Mundo em detrimento ao Campeonato Estadual – mudaram de opinião na questão posterior em que se trocou o Campeonato Estadual pelo Campeonato Brasileiro.

    Explorando um pouco mais nas duas questões de preferência entre a Seleção Brasileira e o clube preferido, têm-se os dados que 54% (128 de 238) dos torcedores que preferiam a Copa do Mundo ao invés do Campeonato Estadual mudaram sua escolha quando se referia ao Campeonato Brasileiro. Além disso, foi identificado que os torcedores que apresentaram uma relação de paixão menos intensa com o futebol tinham como preferência a conquista da Seleção Brasileira do que o clube favorito conquistar o Campeonato Brasileiro. Esse resultado nos revela que a grande maioria dos torcedores da amostra, quando se refere a um título de expressão nacional, e não regional (estadual), demonstrou ter maior vínculo afetivo pelo clube. Tais constatações parecem confirmar que parte da mídia esportiva nacional opera com uma tentativa de influenciar no perfil comportamental dos brasileiros em relação ao futebol, utilizando as expressões de cunho indutivo, como por exemplo: a seleção é uma grande paixão nacional. Seria a confirmação de uma tradição inventada pela mídia em relação ao brasileiro e a seleção de futebol, conforme argumentam Hobsbawm e Ranger (1984)?

Considerações finais

    O presente estudo objetivou investigar o vínculo afetivo dos torcedores com o clube preferido e a Seleção Brasileira de Futebol, revelando que o torcedor brasileiro gosta do futebol, mas não vive intensamente a seleção, como sugere a mídia. Os torcedores da amostra, no geral, assistem ao futebol com a frequência de duas vezes por semana. A influência familiar foi o principal motivo apontado na escolha do clube preferido. Além disso, o sentimento pela Seleção Brasileira de Futebol foi declarado como uma paixão nacional, embora, ao cruzar as opções frente ao envolvimento com o futebol, este sentimento apareça afrouxado.

    Os torcedores, quando questionados sobre qual opção os deixariam mais felizes; se ver a Seleção Brasileira tornar-se vencedora da Copa do Mundo ou ver o seu clube tornar-se Campeão Estadual, afirmaram ser o triunfo da seleção. No entanto, quando trocada a opção de Campeonato Estadual pelo Campeonato Brasileiro – um título de maior importância –, eles optaram pelo Campeonato Brasileiro. Esse resultado nos revela que a maioria dos torcedores da amostra, quando se refere a um título de expressão nacional, e não regional (estadual), declarou maior satisfação pela conquista do seu clube, contrariando o discurso midiático nacionalista sobre a Seleção Brasileira.

    Em relação ao gênero feminino, a vinculação à seleção como símbolo nacional se mostrou mais intensa, o que parece demonstrar que a mulher estabelece vínculo global coletivo mais forte do que o homem. Para as torcedoras, as vitórias da Seleção são mais valorizadas em relação às conquistas dos clubes.

    Portanto, a Seleção Brasileira de Futebol é também uma paixão nacional, mas o futebol dos clubes provoca maior apelo e interesse dos torcedores masculinos, principalmente para aqueles que vivem intensamente o cotidiano dos seus clubes.

Notas e informações complementares

  1. Argumentos apresentadas por Guerrero (2000) em sua dissertação de mestrado defendida na Escuela de Comunicacion Universidad Iberoamericana-León.

  2. Obviamente o autor faz uma brincadeira com a relação do torcedores fanáticos e a teoria do filósofo Aristóteles que argumentou que o universo era composto de quatro elementos principais: terra, água, ar e fogo (SALLES, 2003).

  3. FERNANDES, E. O torcedor de futebol: um enigma. 2011. Disponível em: http://obviousmag.org./archives/2011/02. Acesso em 10 de agosto de 2011.

  4. O projeto foi registrado e todos seus procedimentos aprovados pelo comitê de ética da Universidade Federal de Viçosa sobre o número de referência 30/2011.

  5. Clube de Regatas do Flamengo.

  6. Fluminense Football Club.

  7. Botafogo Futebol e Regatas.

  8. Clube de Regatas Vasco da Gama.

  9. Sociedade Esportiva Palmeiras.

  10. Santos Futebol Clube.

  11. São Paulo Futebol Clube.

  12. Sport Club Corinthians Paulista.

  13. Cruzeiro Esporte Clube.

  14. Clube Atlético Mineiro.

  15. Cotidianamente circulam aproximadamente 15 mil pessoas pelo campus universitário. Em geral são alunos oriundos de todos os estados da federação.

  16. Ipatinga Futebol Clube.

  17. América Futebol Clube (MG).

  18. Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.

  19. Associação Atlética Ponte Preta.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 184 | Buenos Aires, Septiembre de 2013
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