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Ergonomia e música: estudo dos principais 

problemas ergonômicos no cotidiano de musicistas

Ergonomía y música: estudio de los principales problemas ergonómicos en la vida cotidiana de los músicos

 

*IFMG - Instituto Federal Minas Gerais

**UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto

(Brasil)

Nayara Borges dos Santos*

tborges@bol.com.br

Henrique Ibraim Nolasco**

henriquehin@yahoo.com.br

Jefferson Januário Mendes*

jefferson.mendes@ifmg.edu.br

Robert Cruzoaldo Maria*

robert.maria@ifmg.edu.br

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste estudo foi de avaliar problemas ergonômicos como dores musculoesqueléticas, exposição ao ruído, jornadas de estudo/ensaio em estudantes de Música da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e identificar os possíveis fatores de risco para os profissionais dessa área. Participaram da pesquisa 21 acadêmicos do curso supracitado. Foi aplicado um questionário com o objetivo de traçar o perfil dos estudantes e de subsidiar as abordagens para identificação de possíveis causas de sintomas musculoesqueléticos, tempo de jornada (ensaios, estudos e shows) e percepção de exposição aos riscos. A estruturação do questionário envolveu questões relacionadas à idade média dos estudantes e o tempo de experiência com a música, tempo diário de dedicação aos estudos, presença de sintomas musculoesqueléticos, regiões do corpo afetadas e intensidade da dor. A pesquisa possibilitou identificar as afetações ergonômicas da atividade nos estudantes e profissionais de música e que as medidas preventivas devem ser multifatoriais.

          Unitermos: Ergonomia. Fatores de risco. Dor musculoesquelética.

 

Abstract

          The objective of this study was to evaluate ergonomic problems such as musculoskeletal pain, exposure to noise, hours of study / test students in Music of the Federal University of Ouro Preto (UFOP) and identify possible risk factors for music professionals. Participants were 21 students of Music. A questionnaire was given to the objectives of profiling students and subsidizes approaches to identify possible causes of musculoskeletal symptoms, time of day (trials, studies and shows) and perception of risk exposure. The approach of the questionnaire involved questions related to the average age of students and length of experience with music, daily time dedication to studies, the presence of musculoskeletal symptoms, body parts affected, and pain intensity. The research allowed identifying ergonomic affectations of activity in students and professional music and those preventive measures should be multifactor.

          Keywords: Ergonomics. Risk factors. Musculoskeletal pain.

 

Presenteado em I Bioergonomics, Congresso Internacional sobre Biomecânica y Ergonomia, Manaus, Brasil, do 30 de maio ao 2 de junho.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 183, Agosto de 2013. http://www.efdeportes.com

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1.     Introdução

    A Ergonomia é definida como a ciência que estuda a relação homem-trabalho, considerando o bem-estar, a segurança e a eficácia de quem trabalha, colocando à disposição do músico tanto argumentos centrados na adaptação dos equipamentos ao homem e da melhoria das condições de trabalho, quanto à perspectiva da ergonomia da atividade, a qual pressupõe a análise das características e contradições presentes na situação de trabalho (FERREIRA e MENDES, 2003). Ao investigar o contexto da área musical, a ergonomia da atividade também sinaliza estratégias e mediações decorrentes da interação entre o músico e sua tarefa, expressas no custo humano no trabalho (CHT), englobando as dimensões física, cognitiva e afetiva, presentes na atividade humana.

    Dentre as diferentes iniciativas tomadas por algumas instituições no sentido de fornecer bases preventivas que contemplem fatores de proteção no desenvolvimento da carreira e promova a saúde dos músicos, a ergonomia aplicada às práticas musicais evidencia resultados de pesquisas que consideram fortemente o músico em ação, suas características e seus limites, trazendo como diferencial a articulação das dimensões do trabalho para uma melhor compreensão dos riscos ocupacionais e recomendações para minimizá-los (COSTA, 2003).

    Desfaz-se, desta forma, um equívoco presente no senso comum, o de que ergonomia trata exclusivamente de projeto de mobiliário e da avaliação do posto de trabalho. Dada a natureza da tarefa do músico, as condições ambientais existentes, tais como iluminação, ventilação, temperatura e ruído, também podem favorecer ou dificultar o desempenho dos músicos, levando-os a intensificar demandas cognitivas. Soma-se a este item a regulação constante da variabilidade presente na situação de trabalho, o que pode se justapuser a padrões físicos que resultem em tensão excessiva na execução do instrumento ou mesmo na ocorrência de dor (COSTA, 2003).

    O objetivo desse estudo foi avaliar a incidência de problemas ergonômicos como dores musculoesqueléticas, exposição ao ruído, jornadas de estudo/ensaio em estudantes de Música da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e identificar os possíveis fatores de risco para esses profissionais.

2.     Procedimentos metodológicos

    A amostra desse estudo foi composta por 21 estudantes de música, com idades entre 19 e 35 anos, de ambos os sexos.

    Foram avaliados estudantes de canto, violão, percussão, piano e instrumentos de sopro (saxofone, trombone, flauta, clarineta), sendo 03 alunos que se dedicam ao canto, 02 violonistas, 04 percussionistas, 05 pianistas, 03 saxofonistas, 02 trombonistas, 01 flautista e 01 clarinetista. Um questionário foi aplicado aos acadêmicos com vistas a traçar o perfil dos estudantes de música e de subsidiar abordagens para a identificação de possíveis causas de sintomas musculoesqueléticos, verificação do tempo de jornada (estudo, ensaios, shows) e da exposição ao ruído.

    A primeira parte do questionário referiu-se ao músico e ao seu instrumento, abordando questões relativas ao tempo dedicado a essa profissão e ao tipo de instrumento musical utilizado. A segunda parte investigou a saúde, sintomatologia e tratamentos adotados pelos músicos. A terceira parte referiu-se à acústica das salas de estudos da UFOP, a exposição dos músicos a altas freqüências sonoras, ao dimensionamento físico dos mobiliários (cadeiras, encosto, presença de regulagens) e às condições de iluminação das salas. As duas últimas perguntas questionaram se a universidade oferece disciplinas que focam a ergonomia e se seu corpo docente aborda a importância da ergonomia durante o curso, preocupando-se com o bem-estar dos alunos. Todos os respondentes foram informados sobre o objetivo da pesquisa e consentiram livremente em participar após este esclarecimento.

    O questionário foi entregue no intervalo das aulas e/ou ensaios, sendo recolhidos após uma semana, permitindo ao entrevistado responder as perguntas com tranqüilidade.

3.     Resultados

    Dos Vinte e um estudantes de Música que participaram desse estudo, 11 eram do sexo masculino (52,38%) e 10 do sexo feminino (47,62%). A idade média da população estudada de foi 23,47 anos, sendo 19 e 35 a idade mínima e máxima respectivamente.

    Somando o tempo de estudo, ensaios e apresentações, a amostra estudada dedica-se ao seu instrumento uma média de 15,62 horas por semana, sendo que desse tempo, aproximadamente 1,95 horas por dia é dedicado ao estudo. Em relação ao tempo de experiência com a música, observou-se que 66,68% tinham 05 anos ou mais.

    Quando questionados se são feitos intervalos durante o período de estudo/ensaio 85,72% responderam que têm o hábito de fazer essas pausas, enquanto 9,52% disseram que apenas às vezes realiza essas intermitências e apenas 4,76% não realiza pausas regulares. Tratando-se da realização de alongamento, 66,68% realizam esse exercício.

    Na amostra estudada, 85,72% dos músicos relataram apresentar algum tipo de sintoma musculoesquelético. Em relação às regiões corpóreas mais acometidas, verificou-se que as regiões dos ombros direito e esquerdo foram as mais abordadas seguidas da coluna lombar e da mão/punho. Os músicos que apresentavam sintomas associaram a ocorrência dos mesmos a determinados períodos de suas atividades. Nota-se que aproximadamente 43% dos entrevistados afirmaram que os sintomas aparecem durante o ato de tocar, 23,8% apontaram que os efeitos são sentidos logo após tocar. Para 9,53%, a dor ocorre durante e depois de tocar. 4,76% dos estudantes disseram que os sintomas ocorriam pelo ato de carregar o instrumento. Outros 4,76% associaram a dor com atividades variadas do dia a dia e 14,29% disseram não sentir dor. No que diz respeito à freqüência da dor, 76,2% dos músicos relataram apresentá-la toda semana, 9,52% queixaram da presença de dor diariamente e 14,29% relataram não sentir dor alguma.

    Quanto à intensidade da dor, 33,3% dos músicos instrumentistas relataram dor moderada, 52,38% dor leve e apenas 4,76% relataram dor intensa e 9,56 não apresentam dor. Quando os músicos foram questionados quanto à impossibilidade de tocar em decorrência da presença de dor, 52,38% responderam que não deixam de tocar por estar sentindo algum tipo de dor e 47,62% disseram sim, não participariam de algum evento em decorrência da dor.

    Quanto à prática de atividade física percebe-se que a maior parte realiza exercícios físicos, visto que 42,85% relataram não praticar algum tipo de atividade como, por exemplo, caminhada, ciclismo, natação, musculação, tai chi chuan, entre outros.

    Quando perguntado ao músico se o mesmo tem outra atividade remunerada 42,85% responderam sim, como por exemplo: professor (05 participantes), professor de música (02 participante), química (1participante), produtor musical (01 participante) e recepcionista (01 participante), mostrando que uma parcela significativa, 52,38%, tem como fonte de renda apenas a música.

    Foi questionado aos estudantes quanto a sua exposição a altas intensidades sonoras. Verificou-se que 52,38% dos entrevistados sentem incômodo devido a este motivo durante os estudos, ensaios, práticas e apresentações. Quando questionados quanto à utilização de protetores auriculares, apenas 23,8% disseram fazer uso desses EPI (Equipamento de Proteção Individual). E durante um show/concerto apenas 38% se preocupam em organizar o espaço físico de forma que sua exposição a altas freqüências sonoras sejam minimizadas. Também foi observado que apenas 23,8% dos estudantes já realizaram o exame que avalia a audição, a audiometria. Quanto à adequação da dimensão física e tratamento acústico das salas de estudo do curso de Música da UFOP, segundo 33,3% dos alunos, as salas possuem dimensão física e um tratamento acústico adequado, possibilitando assim práticas saudáveis.

    Em relação ao mobiliário (cadeiras, estantes, encosto, presença de regulagens) disponibilizado para os alunos, 85,71% dos entrevistados se preocupam com esta característica, afirmando que isso pode interferir na execução e desempenho de suas atividades. A realização de regulagens constantes nas cadeiras ou bancos, na estante para partituras e no suporte para o instrumento é executada por 76,2% alunos, a fim de minimizar os esforços para manutenção de postura e gerar menos desgastes físicos que podem dificultar a atividade em si. Quanto às condições de iluminação das salas de aula, 47,62% dos alunos disseram se preocupar com essa questão, afirmando que as salas de estudo possuem uma iluminação adequada para este fim.

    Quando indagado se a ergonomia é abordada em alguma disciplina específica no curso de Música 85,72% dos alunos disseram que não e os outros 14,28% disseram não saber. Questionados em relação à preocupação dos professores em abordar aspectos ergonômicos durante o curso, 42,85% responderam que alguns professores abordam a importância da ergonomia durante o curso, preocupando-se com o bem-estar dos alunos.

4.     Discussão

    Tocar um instrumento musical é uma atividade que exige um bom condicionamento físico, para o qual esportes apropriados, alongamentos específicos e a realização de pausas sistemáticas são fundamentais. O treino intensivo de um instrumentista para atingir altos graus de destreza demanda anos de prática, implicando várias horas por dia no período de formação. Para manter as habilidades adquiridas são necessárias estratégias para evitar o adoecimento, visto que os danos geralmente ocorrem durante o tocar.

    Para Caus (2000) os riscos da profissão não decorrem do instrumento ou da música em si, mas da forma como a atividade é exercida. A atenção às solicitações físicas da prática musical auxilia no resguardo dos limites do músico, facilitando o respeito à musculatura frente às solicitações de resistência, de velocidade e de manutenção de posições não fisiológicas que podem provocar condições patológicas e afetar seu funcionamento, colocando os músicos em risco de inatividade.

    O incentivo à prática visa motivar e encorajar a obtenção de expertise e domínio de um instrumento, o que requer horas e anos de investimento para ser bem sucedido. A maneira como os estudos ocorrem pode, no entanto, prejudicar uma carreira promissora. A música, assim como as demais atividades artísticas, compromete e solicita a totalidade da pessoa, sendo seu próprio corpo o instrumento de trabalho (CAUS, 2000).

    O condicionamento muscular adequado e a preparação para tocar parecem ser fundamentais para a preservação da saúde do músico. Arranjos no seu posto de trabalho que permitam um posicionamento ótimo em relação ao maestro, possibilitando uma visão alternada entre partitura e batuta, assim como a escolha de cadeiras que propiciem um suporte postural adequado à atividade e a colocação da estante de maneira a facilitar a leitura, podem evitar malabarismos posturais.

    A prática enquanto sente dor pode levar o desconforto a cursos mais severos, afetando por longo período a saúde do músico. São fatores que predispõem ao adoecimento: o aumento súbito das sessões ao instrumento, o condicionamento físico inadequado, os hábitos errôneos na prática instrumental como a falta de aquecimento e alongamento musculares, as questões técnicas do instrumento como pegas com tensão e força excessiva, a troca de instrumento, a reabilitação inadequada de lesões prévias, as posturas e o uso inadequado do corpo. Questões de variabilidade anatômica individual e de gênero, o uso de cadeiras inapropriadas, a execução de atividades extras musicais que estressam a musculatura, as condições ambientais, como baixo iluminamento e a falta de consciência corporal também são fatores ergonômicos relevantes.

    Em se tratando de som, matéria básica da música, a adequação da dimensão física e o tratamento acústico dos espaços de estudo e de performance estão diretamente relacionados ao conforto dos sujeitos e à sua saúde. A preparação destes espaços pode influir diretamente em casos de perda auditiva (o caso de instrumentistas expostos a volumes sonoros excessivos no seu cotidiano, a exemplo de percussionistas e instrumentistas de metais) ou de desconforto físico (o caso de instrumentos de grande porte que precisam de espaços devidamente planejados).

    A educação deve ser considerada um fator preventivo, pois o professor é responsável pela atenção à ocorrência dos primeiros sinais que estejam alterando a prática. Para tanto, professores e alunos precisam conhecer mais sobre anatomia e fisiologia do corpo relacionado à prática musical. A idéia de que os alunos menos dotados se lesionam ao tentarem compensar através do tempo de estudos possíveis limitações precisam ser confrontadas às metodologias aplicadas e à necessidade de desenvolver modos mais saudáveis de tocar e ensinar o instrumento.

    Os responsáveis pelo ensino do instrumento, cientes de que a dor é um entrave ao desempenho e à permanência na carreira musical, precisam rever a efetividade de seus métodos e pressupostos, repensando a idéia de que a existência do dom musical possa reverter à ocorrência de dor no período de formação. O ensino ocupa uma posição chave neste campo, pois há fortes indicativos de que o sofrimento dos músicos pode ser decorrente de uma técnica errada adquirida e não de características individuais ou falta de talento. A ortodoxia de certos métodos, ao perpetrarem a dor como ritual necessário, a torna permanente e conduz os músicos ao sofrimento individual, racionalizado e negado. A dor muitas vezes é fruto de uma grande desinformação sobre processos físicos, e da falsa idéia de que ela desaparece com a insistência em tocar apesar do sintoma (ANDRADE & FONSECA, 2000).

5.     Conclusão

    A pesquisa possibilitou identificar as afetações ergonômicas da atividade nos estudante e profissionais de música e que as medidas preventivas devem ser multifatoriais, considerando mudanças de hábitos pessoais, alteração na organização do trabalho, técnicas ao tocar e ao manusear os instrumentos.

    Os primeiros sinais de alteração na prática instrumental ocorrem no período de formação, a educação é considerada um fator preventivo, sendo o professor responsável por alertar acerca de riscos ocupacionais, de posturas e técnicas mais adequadas. Neste sentido, também precisam ser abordados tópicos como consciência corporal e o correto dimensionamento do espaço de estudo, que podem repercutir em aumento ou diminuição das tensões musculares.

    Um ensino preventivo, que possibilita ao aluno apropriar-se dos conhecimentos obtidos em campos como a ergonomia, pode contribuir efetivamente para a manutenção de sua saúde, colaborando sensivelmente para a formação de profissionais mais críticos, incrementando pesquisas na área e promovendo conscientização para ações individuais e coletivas.

    A dimensão física evidenciada na atividade do músico está interligada às demais dimensões, sendo que a implementação de ações preventivas passa, necessariamente, pela existência de margem de manobra para negociações nas situações laborativas, a exemplo da duração da jornada de trabalho.

Referências bibliográficas

  • ANDRADE, E. Q.; FONSECA, J. G. M. Artista-atleta: reflexões sobre a utilização do corpo na performance dos instrumentos de cordas, 2000. p. 118-128.

  • CAUS, C. J. Las enfermedades laborales de los músicos. [S.l.]: La vanguardia ciencia y salud, 2000.

  • COSTA, C. P. Quando tocar dói: análise ergonômica das atividades de violistas de orquestra. Brasília: Universidade de Brasília, 2003.

  • FERREIRA, M. C.; MENDES, A. M. Trabalho e Riscos de Adoecimento: o caso dos Auditores-Fiscais da Previdência Social Brasileira. Brasília: LPA e FENAFISP, 2003.

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