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O contexto familiar como oportunidade de desenvolvimento
e aprendizagem para uma criança com deficiência múltipla
com baixa visão

El contexto familiar como una oportunidad para el desarrollo del aprendizaje
para un niño con discapacidad múltiple con baja visión

 

*Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano, UDESC

**Prof. Dra. do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano, UDESC

(Brasil)

Daniela Bosquerolli Prestes*

Susana Cristina Domenech**

danibprestes@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Objetivo deste estudo foi avaliar a quantidade e a qualidade das oportunidades de estimulação motora presentes no contexto familiar de uma criança com deficiência múltipla com baixa visão residente em Florianópolis. Para verificação das oportunidades de estimulação motora do seu contexto familiar foi utilizado o questionário Affordances in the Home Environment Motor Development (AHEMD). Os resultados indicaram que os itens espaço interior e variedade de estimulação foram avaliados como muito bons, o espaço exterior da casa foi avaliado como fraco e a provisão de materiais de motricidade fina e de materiais de motricidade ampla foram classificadas como muito fracas. O escore total do questionário AHEMD apontou que a classificação total para a casa do indivíduo do estudo é média, providenciando oportunidades razoáveis para o desenvolvimento motor da criança.

          Unitermos: Contexto familiar. Desenvolvimento motor. Deficiência múltipla. Baixa visão.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 181 - Junio de 2013. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    No Brasil, o censo demográfico realizado no ano 2000 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011) indica que a população de indivíduos com algum tipo de incapacidade é de aproximadamente 24,5 milhões, sendo 48% de pessoas com deficiência visual, 23% com deficiência auditiva, 8% com deficiência intelectual e 4% com deficiência física. Quando se fala em pessoas com limitações mais severas, o percentual é de 2,5% do total da população brasileira. No total, 41,5% dos homens e 58,5% das mulheres apresentam mais de um tipo de deficiência no país.

    O termo deficiência múltipla é utilizado para designar pessoas que têm mais de um tipo de deficiência associadas, que afetam mais ou menos intensamente, o funcionamento individual e o relacionamento social (BRASIL, 2000). As pessoas com algum tipo de deficiência apresentam maior proporção de alterações oculares em relação às pessoas sem deficiência, chegando a atingir de 60 a 90% daquele grupo (REMÍGIO et al., 2006).

    A percepção acerca da deficiência vem evoluindo mundialmente. Desde a década de 1960, discussões sobre seu conceito estreitam a relação entre as limitações que as pessoas com deficiência enfrentam as estruturas ambientais e os aspectos sociais. A partir de 2001 a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) vem promovendo um modelo biopsicossocial, cujos contextos ambientais e as potencialidades individuais são enfatizados, em detrimento do modelo médico que valoriza as incapacidades e limitações da deficiência. Desta forma, considera-se que indivíduos com a mesma deficiência podem ter experiências e necessidades muito diferentes dependendo do contexto (BRASIL, 2010; OMS, 2012).

    Durante algumas décadas as pesquisas relacionadas ao comportamento motor preconizavam os aspectos filogenéticos do desenvolvimento. Contudo, apesar de avanços no conhecimento, algumas lacunas ainda existiam e o reconhecimento de que fatores ontogenéticos também influenciavam o desenvolvimento humano permitiu novas formas de pesquisa. A partir de então, a percepção de que o ambiente, as pessoas, os recursos existentes e interagentes nele são potencializadores desenvolvimentistas, trouxe evidências sobre a importância do contexto familiar para a promoção do crescimento e desenvolvimento da criança.

    A discussão sobre a necessidade de variedade de oportunidades para a estimulação motora parece já estar bem fundamentada e não haver discordâncias quanto a sua relevância (BEE, 2011; GALLAHUE; DONNELLY, 2008; GALLAHUE; OZMUN, 2002; HAYDARI; ASKARI; NEZHAD, 2009; MÜLLER, 2008; NOBRE et al., 2009; PAPALAIA; OLDS; FELDMAN, 2001; PERES, 2011; SHOBERT, 2008). No entanto, de que forma as oportunidades são ofertadas à criança com deficiência múltipla, este tipo de estudo é raro. Seguindo as orientações da OMS e do MEC, é imprescindível o conhecimento da singularidade de cada criança com deficiência para se pensar em inclusão. Por isso, a inclusão de uma criança com deficiência múltipla requer um estudo aprofundado de suas características biológicas, psicológicas e sociais, incluindo as oportunidades de desenvolvimento presentes nos contextos vivenciados por ela. Portanto, a avaliação do que é oferecido no contexto familiar é muito importante, pois poderá apontar novas condutas para enriquecer o repertório de habilidades a serem adquiridas a partir do que lhe é oferecido, bem como poderá sugerir substituição ou mudanças nos equipamentos e recursos de forma que as vivências motoras sejam incrementadas positivamente. Desta forma, objetivo deste estudo foi avaliar a quantidade e a qualidade das oportunidades de estimulação motora presentes no contexto familiar de uma criança com deficiência múltipla com baixa visão residente em Florianópolis/SC.

2.     O desenvolvimento motor

    O desenvolvimento é um processo de contínuas mudanças que ocorrem ao longo da vida, desde o nascimento até a morte do individuo. É resultante da relação intrínseca entre o processo de desenvolvimento das áreas cognitiva, afetiva e motora. Diversos fatores podem afetar o processo de desenvolvimento, como o tempo de gestação, peso ao nascer, estado nutricional da criança, convívio com outras crianças e adultos, oportunidades para praticar habilidades motoras, etc. (BEE, 2011; GALLAHUE; DONNELLY, 2008; GALLAHUE; OZMUN, 2002; PAPALAIA; OLDS; FELDMAN 2001).

    O processo do desenvolvimento motor é revelado por meio das alterações no comportamento motor que estão envolvidas no permanente processo de aprender a mover-se com controle e competência frente aos desafios diários. De acordo com Gallahue e Ozmun (2002), a evolução deste processo pode ser classificada em fases-estágios descontínuas e sobrepostas, separadas por faixas etárias. A fase motora reflexiva se refere à atividade motora involuntária presente no período fetal até aproximadamente um ano de idade. Nesta fase, a atividade motora reflexa auxilia o bebê a codificar informações e a partir do quarto mês estes reflexos diminuem e são gradualmente substituídos pela ação motora voluntária. A fase motora rudimentar inicia ao nascimento e vai até aproximadamente os dois anos. Os movimentos rudimentares são determinados pela maturidade e são necessários para a sobrevivência. Apesar de seguirem uma ordem altamente previsível de aparecimento, o nível de habilidade destes movimentos depende dos fatores biológicos, ambientais e da tarefa. A partir dos dois anos, aproximadamente, inicia-se a fase de movimentos fundamentais, que segue até mais ou menos os sete anos. Neste período crianças exploram e experimentam ativamente suas capacidades motoras e seus corpos. É nesta fase que as crianças desempenham uma variedade de movimentos estabilizadores, locomotores e manipulativos, primeiro isoladamente e depois de forma combinada. Estes movimentos devem ser desenvolvidos já nos primeiros anos da infância e as condições do ambiente, como oportunidades para a prática, encorajamento, instrução e o ambiente em si têm grande participação no desenvolvimento destes padrões de movimentos. Os movimentos fundamentais dão lugar aos movimentos especializados que aparecem na fase motora especializada, aproximadamente a partir dos sete anos de idade. Nesta fase o movimento é uma ferramenta para muitas atividades motoras complexas existentes no cotidiano, na recreação e nos objetivos esportivos. Neste período, as habilidades estabilizadoras, locomotoras e manipulativas fundamentais são progressivamente refinadas e combinadas para situações cada vez mais complexas. O aparecimento e o nível de desenvolvimento das habilidades motoras especializadas dependem intensamente de muitos fatores relacionados à tarefa, ao indivíduo e ao ambiente.

    As diferenças desenvolvimentistas do comportamento motor são provocadas por fatores próprios do indivíduo (fatores biológicos), do ambiente (experiência) e da tarefa em si (aspectos físicos/ mecânicos). As circunstâncias ambientais e biológicas em conjunto com as necessidades específicas da tarefa motora determinarão o nível de desenvolvimento que cada indivíduo poderá atingir. Conforme o indivíduo cresce, uma série de fatores desenvolvimentistas é necessária para progressão gradual das capacidades motoras. A disponibilidade de recursos, equipamentos e tempo são fundamentais para proporcionar à criança a prática de suas habilidades motoras em desenvolvimento (GALLAHUE; OZMUN, 2002). Para ilustrar os aspectos que influenciam o desenvolvimento motor e o processo de desenvolvimento total segundo a teoria de Gallahue e Ozmun (2002), foi elaborado um esquema (figura 1):

Figura 1. Aspectos que influenciam o desenvolvimento motor e o processo de desenvolvimento total

Fonte: produção do próprio autor

3.     O contexto familiar como oportunidade de desenvolvimento

    Diferentes autores reconhecem que o desenvolvimento motor é influenciado por fatores genéticos e ambientais. As condições do ambiente, como oportunidades para a prática, encorajamento, instrução e o ambiente em si, têm participação máxima no desenvolvimento dos padrões fundamentais de movimento, que devem ser desenvolvidos desde a primeira infância e que darão suporte para os movimentos especializados em fase posterior (GALLAHUE; OZMUN, 2002; RODRIGUES; GABBARD, 2005). O interior e exterior da casa são os primeiros ambientes de convivência e aquisição de experiência, pois é no ambiente familiar que as crianças têm as suas primeiras interações com os membros da família, e a disponibilidade e qualidade dos recursos contribuem para o estabelecimento das interações. Certas condições se caracterizam como indicadores importantes na avaliação da qualidade do ambiente domiciliar, como a disponibilidade de materiais pedagógicos, brinquedos, engajamento dos pais em atividades de leitura com a criança e a freqüência com que os pais se envolvem em brincadeiras e jogos com seus filhos (UNESCO, 2005).

    O contexto familiar, nos seus vários aspectos, tem sido estudado. Contudo, as relações entre as habilidades motoras infantis e as condições existentes no lar ainda permanecem incertas (MIQUELOTE; SANTOS, 2010; MOREIRA; SANTOS, 2010; NOBRE et al. 2009; RODRIGUES; SARAIVA; GABBARD, 2005). Tais pesquisas associam o comportamento motor infantil às oportunidades provenientes de casa e afirmam a sua relevância para a modelação do desenvolvimento infantil. Estes estudos constataram a importância da estimulação precoce e regular que o ambiente proporciona ao desenvolvimento das crianças. Os espaços internos e externos existentes na casa, os diferentes tipos de chão, a presença de escadas, rampas ou declives, a variedade de brinquedos e jogos, as diferentes práticas parentais, a maior ou menor liberdade de movimentos proporcionada pela roupa, o nível socioeconômico familiar, a supervisão dos pais nas atividades infantis e a presença ou ausência de irmãos na família podem estar relacionados ao nível de desenvolvimento motor da criança (RODRIGUES; SARAIVA; GABBARD, 2005).

    As oportunidades para praticar as habilidades motoras são essenciais ao desenvolvimento infantil. Segundo Gallahue e Donnelly (2008), os recursos, equipamentos e tempo disponíveis são fundamentais para este processo. As cidades populosas, apartamentos ou casas com pouco espaço, espaços comunitários restritos para brincar ou a falta de equipamentos apropriados, como brinquedos diversos e adequados à faixa etária impõem restrições às oportunidades de práticas motoras. Além disso, o tempo que a criança possui para brincar/ jogar, comumente é restringido em função das atividades escolares, tarefas de casa, televisão ou até mesmo pela falta de estímulo que os pais proporcionam.

    Para a criança com deficiência múltipla estes fatores são ainda mais marcantes, pois ela necessita de mais tempo para compreender o objeto ou o ambiente e, a presença e disposição de adultos ou outras crianças são imprescindíveis para o desenvolvimento da auto-confiança, da mobilidade segura e da independência (BORCA, 2010; GIL, 2000; SIAULYS, 2006).

4.     Metodologia

    O presente estudo é caracterizado como estudo de caso, com delineamento de sujeito único (GAYA, 2008). Primeiramente será feita a descrição das características biopsicossociais e clínicas do indivíduo do estudo. Na segunda etapa, serão descritas as oportunidades de estimulação motora do seu contexto familiar utilizando o questionário Affordances in the Home Environment Motor Development (AHEMD), criado por Rodrigues, Saraiva e Gabbard (2005), traduzido por Rodrigues (2005). O questionário é composto por 67 perguntas, dirigidas aos pais, com o objetivo de verificar a caracterização familiar, o espaço físico da habitação, as atividades diárias da criança e os brinquedos e materiais existentes no lar. É disponibilizado em quatro diferentes faixas etárias: 0 – 6 meses; 6 – 12 meses; 12 – 18 meses e; 18 – 42 meses. Nesta pesquisa será utilizada a versão 18 - 42 meses.

    Os itens affordances, entendidos como oportunidades, estão dispostos em cinco subescalas: (1) Espaço exterior – espaço físico e materiais; (2) Espaço interior – espaço físico, materiais, superfícies, e espaço para jogos e brincadeiras; (3) Variedades de estimulação – itens de estimulação, liberdade, incentivo e de atividades diárias; (4) Materiais de motricidade fina – bonecos de faz de conta, quebra-cabeças, jogos, brinquedos de construção educacional e; (5) Materiais de motricidade ampla/ grossa - brinquedos musicais, manipulativos, de locomoção, de exploração corporal e outros diversos.

    A pontuação do AHEMD é calculada utilizando o Microsoft Excel – AHEMD calculador VPbeta 1.5.xls, criado pelo autor do instrumento. Cada subescala é classificada nas seguintes categorias: 1 (muito fraca), 2 (fraca), 3 (boa), 4 (muito boa). O valor do AHEMD total, que representa a quantidade e qualidade das oportunidades de estimulação motora presentes no contexto familiar é classificado em três categorias: Baixa (5 a 9); Média (10 a 15) e Alta (16 a 20).

5.     Resultados

    O indivíduo do estudo foi caracterizado como uma criança do sexo feminino, com 11 anos completos e massa corporal de 26 kg. Nasceu às 38 semanas de gestação, pesando 2086 gramas e medindo 48 cm. Seu índice de APGAR foi 8:6. O pai do indivíduo do estudo possuía ensino médio incompleto e trabalhava como pedreiro. A mãe do indivíduo do estudo possuía ensino médio completo e era do lar. Os pais eram separados e o indivíduo do estudo morava com a mãe e um irmão com meses de vida.

    As avaliações multiprofissionais da FCEE, com dados do ano de 2006, revelaram que o indivíduo do estudo tinha diagnóstico médico de deficiência múltipla, apresentando sinais de déficit de atenção e hiperatividade, estereotipias provavelmente secundárias à toxoplasmose congênita e afacia após catarata infantil.

    Os dados obtidos pelo instrumento AHEMD revelaram que a criança morava em uma casa de dois quartos há mais de 12 meses, com um adulto (a mãe) e um irmão (bebê). Na ocasião do preenchimento do questionário, o indivíduo do estudo tinha um irmão com alguns meses de idade.

    A casa possuía espaço exterior amplo que, apesar de não ser especialmente destinado para as crianças brincarem, o indivíduo do estudo podia brincar livremente. Neste espaço existia mais de um tipo de solo, mas não possuía superfícies inclinadas, objetos que a criança pudesse utilizar para se pendurar, escadas e superfícies que ela utilizasse para trepar, descer ou saltar.

    O espaço interior da casa era suficiente para o indivíduo do estudo brincar e andar livremente. A casa tinha escadas e mobílias ou objetos que a criança podia utilizar para trepar, descer e saltar. Dentro de casa não havia mais de um tipo de superfície, tampouco superfícies ou materiais em que a criança pudesse cair em segurança. Não existiam objetos em que ela pudesse se pendurar com segurança. Não havia um quarto de brinquedos ou um lugar especial para guardar os brinquedos, onde a criança pudesse acessá-los facilmente de forma a escolher com o que brincar.

    A mãe do indivíduo do estudo tinha um momento diário para brincar com ele. Habitualmente, procurava utilizar brincadeiras, movimentos ou jogos que o ensinassem a reconhecer diferentes partes do corpo. Procurava ensinar palavras relacionadas a ações ou movimentos como “para”, “corre”, “anda”, “engatinha”. A criança podia escolher com quais brinquedos brincar e as brincadeiras que queria fazer. Utilizava roupas que permitissem liberdade de movimento e habitualmente andava descalço em casa. Contudo, a criança não brincava todos os dias com outras crianças, nem com outros adultos além dos pais. A criança não era encorajada a alcançar e agarrar objetos.

    Em um dia típico, enquanto estava acordado, quase sempre o indivíduo do estudo podia andar livre por toda a casa. Quase nunca era carregado por adultos no colo ou em algum dispositivo de transporte ou ficava sentado em cadeira alta de mesa, carrinho, sofá, ou outro tipo de dispositivo. Além disso, quase nunca ficava no berço ou cama ou limitada a um espaço ou zona específica da casa.

    Os resultados do questionário AHEMD (Gráfico 1) apontam que a classificação total para a casa do indivíduo do estudo é “média”, providenciando oportunidades razoáveis para o desenvolvimento motor da criança. Os itens “espaço interior” e “variedade de estimulação” foram avaliados como “muito bons”, proporcionando ótimas oportunidades de desenvolvimento motor para a criança. Entretanto, o “espaço exterior da casa” foi avaliado como “fraco”, oferecendo poucas oportunidades para o desenvolvimento motor da criança. Além disso, a provisão de “materiais de motricidade fina” e de “materiais de motricidade ampla” foram classificadas como “muito fraca”, oferecendo poucas oportunidades para o desenvolvimento motor da criança.

Gráfico 1. Escores estandardizados do protocolo AHEMD por subescala e somatório total das 

subescalas para as oportunidades de estimulação motora no contexto familiar do indivíduo do estudo

Fonte: produção do próprio autor

6.     Discussão

    Alguns estudos utilizando o questionário AHEMD foram realizados em diferentes regiões e com diferentes populações dos lares brasileiros. Todos eles partiram da premissa de que o desenvolvimento motor de crianças está relacionado às oportunidades de estimulação motora no contexto familiar. Shobert (2008) investigou o desenvolvimento motor de bebês e as características ambientais de suas famílias e das creches que freqüentavam em Erechim-RS. O estudo revelou que os bebês cujas famílias proporcionavam oportunidades de estimulação suficientes, apresentaram melhor desenvolvimento motor. Muller (2008) verificou os efeitos de intervenção motora em bebês com atraso no movimento residentes na periferia de Porto Alegre-RS e constatou que em mais da metade dos lares as oportunidades de estimulação motora eram muito fracas. Nobre et al. (2009) analisaram as oportunidades para o desenvolvimento motor em ambientes domésticos de crianças com diferentes níveis socioeconômicos em Juazeiro do Norte- CE e constataram que os lares cearenses pesquisados não promoviam oportunidades de desenvolvimento motor às suas crianças. Miquelote (2011), em seu estudo descritivo longitudinal, relacionou as possíveis mudanças no ambiente familiar e o desempenho motor e cognitivo de lactentes, apontando relações positivas significativas entre o ambiente familiar e o desenvolvimento motor das crianças. No estudo de Peres (2011), que analisou o comportamento motor de crianças com deficiência visual em seus contextos vivenciais, a maioria dos contextos familiares das crianças apresentou a classificação total do AHEMD como média. O mesmo resultado foi encontrado para o indivíduo deste estudo, o que sugere alerta. Pois, o contexto familiar é o primeiro, senão o único, ambiente onde a maioria das crianças brasileiras passa a maior parte do tempo nos seus primeiros anos de vida e a influência dele acarreta conseqüências no desenvolvimento total do indivíduo.

    A variedade de estimulação do contexto familiar do indivíduo deste estudo foi muito boa, corroborando com o encontrado por Müller (2008), Nobre et al. (2009), Peres (2011) e Shobert (2008). Nobre et al. (2009) supuseram que tal escore se deu pela presença de mais crianças e adultos nos lares uma vez que, mesmo os lares onde o nível socioeconômico é mais baixo, geralmente apenas o pai trabalha fora, ficando as crianças sob os cuidados da mãe. Além disso, é possível que com a presença de outras pessoas na casa, a criança tenha mais liberdade para movimentar-se e receba mais incentivo para ações exploratórias. O convívio com outras crianças estimula ações e interações, encorajando-as a realizar novas descobertas. Ao observar crianças mais velhas, as mais novas tendem a repetir seus comportamentos. E quando há adultos que as estimulem, as crianças são encorajadas a novas experiências, incrementando seu repertório motor.

    O espaço interior da casa do indivíduo deste estudo foi classificado como muito bom. O mesmo foi encontrado para os estudos realizados na região sul (MÜLLER, 2008; PERES, 2011; SHOBERT, 2008). Supõe-se que a liberdade e incentivo proporcionados pela variedade de estimulação sejam semelhantes ao que é encontrado ou permitido dentro de casa. Ou seja, é permitido às crianças subir, descer, saltar, trepar e andar livremente por degraus, escadas, mobílias ou diferentes superfícies, enriquecendo as possibilidades e favorecendo o incremento de seu repertório motor. Mesmo que não haja muitos objetos ou mobílias no interior da residência, a criança pode explorar o que há, favorecendo novas possibilidades de movimentos e descobertas.

    Em contrapartida, os estudos de Müller (2008), Nobre et al. (2009) e Shobert (2008) apontaram que o espaço exterior das casas foi classificado com fraco ou muito fraco. O mesmo resultado foi verificado pelo AHEMD do indivíduo deste estudo. Neste sentido, resgata-se o exposto por Gallahue e Donnelly (2008) que reportam às cidades populosas, apartamentos ou casas com pouco espaço, espaços comunitários restritos para brincar ou a falta de equipamentos apropriados, como restringentes das oportunidades de práticas motoras. Estas características são condizentes com a realidade em que vivemos onde a insegurança e a prevalência do baixo poder econômico da população imperam. Nobre et al. (2009) sugerem a necessidade de promover a aproximação entre engenharia civil, arquitetura e educação física a fim de elaborar estratégias arquitetônicas para melhor estruturar o espaço físico das residências e espaços públicos. Acredita-se que mais profissionais devam ser envolvidos para que realmente haja mudanças, além de se pensar em estratégias que envolvam diferentes setores da sociedade, como conselhos comunitários, escolas, gestores municipais, etc.

    Os resultados sobre as subescalas materiais de motricidade fina e materiais de motricidade para o indivíduo deste estudo foram classificadas como muito fracas. Tal constatação se repetiu em diferentes estudos, independentemente do nível socioeconômico familiar (NOBRE et al., 2009; PERES, 2011; SHOBERT, 2008), o que é muito preocupante já que existe correlação positiva entre a motricidade fina e a cognição (SHOBERT, 2008). Para Nobre et al. (2009) este fato é catastrófico uma vez que a relação entre o indivíduo e o ambiente nos primeiros anos de vida são determinantes para o seu desenvolvimento.

    Diante da exposição dos resultados e a comparação com os achados por diferentes estudos, cabe ressaltar algumas evidências. Os dados sobre a caracterização familiar do indivíduo do estudo são semelhantes aos descritos por Muller (2008), Shobert (2008) e Nobre et al. (2009). Diferente do esperado, tanto Nobre et al. (2009) quanto Muller (2008) não observaram relações entre o nível socioeconômico e o resultado do AHEMD. Porém, assim como no presente estudo, as três pesquisas acima citadas somadas à de Miquelote (2011) identificaram nível de escolaridade das mães superior ao nível dos pais, o que ratifica a hipótese de que mães com melhor nível de escolaridade têm mais acesso a informações sobre o desenvolvimento infantil e desta forma, promovem um ambiente mais propício ao desenvolvimento e interagem mais adequadamente com seus filhos. Esta hipótese justifica o escore muito bom alcançado pelos fatores variedade de estimulação e espaço interior, já que os itens destes fatores estavam mais relacionados a aspectos que não dependem de aquisições materiais, como liberdade para escolha de brinquedos e brincadeiras, incentivo para exploração e movimentação pelo espaço interior da casa, onde as mães passam mais tempo, devido aos seus afazeres domésticos.

    Haydari, Askari e Nezhad (2009) fizeram um estudo de validade e confiabilidade no Irã e contataram que realmente existe correlação positiva entre o resultado do questionário AHEMD e o nível de desenvolvimento motor das crianças entre 18 e 42 meses de idade. Ainda, confirmaram a hipótese de que existe correlação positiva entre os cinco fatores e o escore total do AHEMD, sendo que o fator motricidade fina é preditor para o escore total do questionário. Provavelmente por este motivo, mesmo que a variedade de estimulação motora e os ambientes internos das casas tenham sido bons ou muito bons para as oportunidades de desenvolvimento motor, se não houve variedade e quantidade de materiais de motricidade fina, o escore total do instrumento foi diminuído.

7.     Conclusões

    O presente estudo pode verificar que as oportunidades de estimulação motora presentes na casa de uma criança com deficiência múltipla residente em Florianópolis é semelhante às oportunidades encontradas nos lares de crianças em diferentes cidades do Brasil. Pôde-se contatar que os lares ofereceram condições suficientes ou abaixo do esperado para o desenvolvimento motor de suas crianças. E esse resultado se deu principalmente pela pobreza de materiais de motricidade fina e materiais de motricidade ampla ofertados nas residências. Além disso, o espaço exterior das casas também se mostrou insuficiente para estimulação motora.

    Sugere-se pensar em alternativas para aqueles fatores que dependem mais de condições econômicas como estrutura física/arquitetura dos lares e aquisição de materiais. Estes itens podem ser melhorados por meio de parceria entre universidades e órgãos governamentais que conduzem as ações de atenção básica, ou seja, aquelas mais próximas da população. Por exemplo, terapeutas ocupacionais, profissionais da educação física e pedagogos das prefeituras podem orientar em encontros nos centros comunitários ou nas escolas como confeccionar brinquedos ou criar brincadeiras utilizando recursos mais baratos. Terapeutas ocupacionais, junto a arquitetos, podem planejar mudanças simples no ambiente das casas a fim de melhorar os espaços para fomentar o desenvolvimento motor das crianças.

Referências

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