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As formas de preconceito no futebol feminino

Las formas del prejuicio en el fútbol femenino

 

*Acadêmica do Curso de Educação Física (BAC) UFS

**Orientador. Professor DEF/UFS

***Professor. DEF/UFS

(Brasil)

Izabela Almeida dos Santos*

Ailton Fernando de Oliveira**

Rogerio Brandão Wichi***

bella_almeid@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          A discriminação sofrida pelas mulheres na sociedade do Capital é algo já estudado por vários estudiosos e fácil de perceber empiricamente. Dentro dessa discriminação, esse artigo pretende estudar as formas de preconceito sofridas pelas mulheres que jogam futebol. Como metodologia, desenvolvemos um estudo descritivo qualitativo, com utilização de questionário fechado com escala de intensidade de 1 a 5, acompanhado de um diário de campo. A amostra foi composta por 36 indivíduos do sexo feminino, com no mínimo 18 anos, praticantes de futebol, escolhidos aleatoriamente. Após a coleta, os dados foram tabulados e descritos quanto à freqüência das respostas. Nos resultados, foram encontrados diversos tipos de preconceito, como por exemplo: questionamentos sobre a sexualidade das praticantes, rejeições sofridas por parte de familiares e amigos, bem como, agressões verbais e físicas. Sendo assim, observamos que a discriminação presente na sociedade com relação às mulheres, não foge da particularidade das práticas esportivas e entre elas o futebol.

          Unitermos: Preconceito. Futebol feminine. Gênero.

 

Abstract

          The discrimination suffered by women in the society of money is something already studied by several scholars and easy to understand empirically. Within this discrimination, this article intends to study forms of prejudice suffered by women playing football. As methodology, we developed a qualitative descriptive study, using a questionnaire closed with intensity scale 1-5, accompanied by a field journal. The sample was composed of 36 females with at least 18 years, who play soccer, randomly selected. After collection, the data were tabulated and described according to the frequency of responses. In the results, we found many kinds of preconception, such as: questioning the sexuality of practitioners, rejections suffered by family and friends, as well as verbal and physical aggression. Thus, we observed that discrimination against women in society, does not escape the particularity of sports practices and among them the football.

          Keywords: Preconception. Women soccer. Gender.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 180 - Mayo de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O preconceito com relação às mulheres acontece desde o início da propriedade privada na qual o homem as tinha como propriedade e que serviam apenas para procriar, como relata Engels (2002). Sendo assim, as mesmas não poderiam expressar suas vontades e eram submissas aos homens. Por hipótese, podemos afirmar que esse preconceito se apresenta também nas atividades esportivas, e dentre elas o futebol. Já que as práticas esportivas não brotaram do chão nem desceram do céu, elas são frutos das contradições e mediação imposta pelo modo como o homem estabelece suas relações sociais que são determinadas pelo modo de produção e de reprodução da vida (MARX, 1985).

    O preconceito se apresenta de várias formas, como exemplo cultural, em que desde pequenas as crianças são influenciadas pelos familiares, como explica Daolio (1997), ao brincar com determinados brinquedos de acordo com o gênero, ou seja, se forem meninas, brincam de boneca, caso contrário, jogam bola, brincam de carrinho.

    Outra forma de preconceito é o de gênero, no qual se quer delimitar o tipo de esporte que se deve praticar de acordo com o sexo do indivíduo e não através do desenvolvimento corporal nas modalidades esportivas, independente de gênero. Em relação à mulher nas modalidades esportivas e neste caso, no futebol, o preconceito existe de diversas formas e apesar de haver diversos estudos sobre este tema, ainda há necessidade de conhecimento sobre o assunto abordado, sendo de suma importância para a sociedade.

    Através das informações adquiridas a respeito das formas de preconceito que existem no futebol feminino, nesta pesquisa, contribuiremos para que haja uma melhora para as praticantes deste esporte e uma diminuição do preconceito em relação à prática do futebol pelas mulheres. Sendo assim, será mesmo que existe preconceito contra as mulheres que praticam futebol? É o que responderemos neste estudo que tem como finalidade, conhecer a existência ou não do preconceito contra as mulheres no futebol feminino; identificando os tipos de preconceito e como se apresentam durante a prática esportiva.

O preconceito e o futebol, um recorte da literatura

    O futebol é um esporte praticado tanto por homens quanto por mulheres. Apesar de, em sua maioria, ser praticado por pessoas do sexo masculino, as mulheres têm demonstrado bastante interesse em jogá-lo. Assim, a primeira partida de futebol feminino ocorreu entre as seleções da Inglaterra e da Escócia no ano de 1895. Já em 1922, foi criada em Paris a União Esportiva Feminina Internacional a qual organizou o esporte feminino com campeonatos mundiais em algumas modalidades esportivas, em incluso o futebol. Com isso, as mulheres foram se integrando aos esportes, principalmente com a primeira participação em Jogos Olímpicos no ano de 1928, em Amsterdã.

    No Brasil, apesar de serem proibidos jogos de futebol feminino na época da ditadura, algumas partidas eram divulgadas na capital paulista. Como por exemplo, o jogo em 1921 entre as Senhoritas Tremembenses e as Senhoritas Cantareirenses realizado no Tremembé F. C. em São Paulo-SP. Desta forma, não se sabe ao certo sobre o aparecimento das primeiras partidas de futebol feminino, já que as mesmas jogavam em campos, praias ou quadras, como as empregadas domésticas que jogavam à noite na praia no Leblon-RJ, pois trabalhavam pelo dia.

    Portanto, nesse período, segundo Darido (2002), eram feitos jogos realizados por diferentes boates gays e aconteciam jogos beneficentes, jogo entre vedetes, peladas de rua, fato que demonstra o quanto as mulheres estavam interessadas na prática deste esporte. E por ter se originado desta forma, pode ter sido um dos motivos para que houvesse manifestações de preconceito.

    Sendo assim, o preconceito é definido por Pessanha (2006) como a emissão prévia de opiniões e conceitos sem que haja uma análise mais aprofundada. Corroborando com o autor citado acima, Leite (2009) afirma que estas são opiniões aceitas a priori, sem exame prévio e que se têm como corretas chegando ao ponto de criar e formar atitudes favoráveis ou desfavoráveis a respeito de coisas, pessoas, povos, lugares, países, raças e religiões.

    Surgiu então, a criação do Decreto Lei nº 3.199, artigo 54 de 14/04/1941, o qual proibia às mulheres de praticarem desportos incompatíveis com as condições de sua natureza. Todavia, este decreto só foi regulamentado em 1965 pelo Conselho Nacional de Desportos, o qual estabeleceu normas em relação à prática esportiva pelas mulheres, não permitindo que as mesmas praticassem lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de praia, futebol de salão, halterofilismo, beisebol e pólo (MOURÃO e MOREL, 2005).

    De acordo com Sugimoto (2003), ainda surgiram médicos, os quais afirmavam que os choques que poderiam acontecer entre as mulheres durante as partidas, seriam prejudiciais aos órgãos reprodutores. Contudo, como eles chegaram a esse indício de que as mulheres poderiam se prejudicar na prática de esportes com altos índices de contato físico, se os homens, também praticantes destes esportes, possuíam órgãos reprodutores e não sofriam com problemas de saúde? Pelo contrário, a prática da atividade física só os beneficiava.

    Segundo o mesmo autor, houve o envio de uma carta datada de 25/04/1940, ao Presidente Getúlio Vargas pelo cidadão José Fuzeira, a qual repercutiu em toda imprensa. Fuzeira estava preocupado com o número de clubes femininos de futebol que estavam surgindo, tentando com este aviso, alertar o governo sobre o quanto afetaria a saúde das mulheres, se as mesmas continuassem a praticá-lo.

    Contudo, apesar de tantos relatos preconceituosos, a proibição foi revogada na década de 80 e teve como resultado, o surgimento de vários times femininos, sendo criados campeonatos com visibilidade nacional. Sendo assim, em 1981, apareceu o carioca Radar Futebol Clube, o qual começou a despontar no cenário futebolístico, realizando várias excursões para os Estados Unidos e para a América do Sul. Este time revelou grandes jogadoras, desmistificando o fato de que futebol era só para “macho”. Nesse mesmo ano, o futebol feminino era reconhecido como esporte no Diário Oficial da União através de uma resolução do Conselho Nacional de Desportos.

    O futebol feminino, com o crescimento abrangente que foi demonstrando possuir, teve que ser incluído nas Olimpíadas, como aconteceu em Atlanta, em 1996. Com isso, a seleção brasileira de futebol feminino foi se destacando e conquistando vários campeonatos como o primeiro lugar nos Campeonatos Sul- Americanos de 1991, 1995, 1998 e 2003, os Jogos Pan-Americanos de 2003 e 2007, além das medalhas de prata nos Jogos Olímpicos de 2004 e 2008 e do vice-campeonato Mundial em 2007. Medina (2007) descreveu que os Estados Unidos, país que possuía a maior quantidade de mulheres futebolistas, apresentou um número de mais de sete milhões de praticantes.

    No caso da Alemanha, a qual apresentava menos de dois milhões de mulheres que jogavam futebol, existia um número expressivo de praticantes de futebol no mundo, o preconceito ainda persiste e é encontrado nas escolas, clubes, universidades, nas famílias, ou seja, na sociedade em si. Desta forma, algumas meninas se retraem quanto à prática do futebol para não se tornarem um alvo do preconceito, pois em alguns casos, não encontram apoio familiar, de amigos, e mesmo até de autoridades do governo, as quais não investem de forma adequada no futebol feminino.

    Em uma pesquisa realizada por Freitas (2003), a qual fez uma análise sobre os discursos de professores, alunos, pais e árbitros que organizaram e participaram da VI Copa de Futebol Infantil das escolas de João Pessoa em 2002, foram apontadas opiniões de professores que preferiam ministrar aulas aos meninos a que às meninas. Os mesmos explicaram situações em que os garotos tiveram mais facilidade no aprendizado, na disposição de material esportivo e de transporte para o local de um eventual amistoso do que as garotas. Alguns entrevistados as apontaram como frágeis, as quais não suportavam atividades com um alto índice de desgaste físico como o futebol, sugerindo assim, a prática do futsal por ser em um espaço menor.

    Viana (2012) mencionou a forma de ensino diferenciada em sua pesquisa através da observação de uma das aulas de um determinado professor da escola na qual este ensinava. Aconteceu uma situação em que uma garota estava no gol e na hora do pênalti, o professor pediu para que o garoto deixasse uma menina bater, pelo motivo de ser outra garota que estava no gol. O time era misto e na percepção do professor, o mesmo estava criando uma situação de igualdade deixando uma menina cobrar o pênalti, pois assim, não ocorreriam riscos à goleira. Porém, meninos também estão suscetíveis a quaisquer acontecimentos devido a um chute ou choques físicos e nem por isso tem alguma “proteção”, então por que as garotas devem ter? É daí que percebemos aquela idealização de que os garotos são fortes, viris, másculos e desta forma, estão prontos para acontecimentos desse tipo.

    Segundo Freitas (2003), outros professores citaram a violência como parte do futebol masculino, o que não seria suportado pelo feminino. Já nas famílias, o preconceito se fez presente quando alguns pais não permitiam que as filhas jogassem como é colocado também por um professor neste estudo. De acordo com um docente, pais desinformados tendiam a proibir a prática do futebol pelas filhas, o que não era visto em escolas particulares, pois os pais dos alunos eram mais informados.

    Sendo assim, podemos observar as várias formas de preconceito existentes nas escolas e nas famílias das alunas praticantes. Já que as opiniões relatadas pelos professores, em sua maioria, eram preferenciais ao treinamento do futebol para os meninos, sendo justificadas de diferentes formas, no entanto, com o mesmo intuito de que é menos trabalhoso ministrar aulas de futebol para os meninos. Podemos perceber que se há um menor incentivo para que as meninas pratiquem o futebol, pode-se justificar assim o porquê de encontrarmos um menor número de praticantes femininas.

    O Futebol Feminino não teve o apoio merecido de grande parte da mídia esportiva a qual dava ênfase ao masculino e, portanto, ofereceu menos incentivos para que houvesse uma continuidade e um aumento de praticantes neste esporte. A mulher, no esporte em geral, foi lembrada não por seu desempenho ou conquista, mas pela sua beleza e sexualidade frente ao que a mídia retratava. O jogo bonito de se ver não estava relacionado ao jogo em si, nem ao aspecto estético das belas jogadas, mas às pernas das jogadoras, às sainhas e bermudas, enfim, associado à imagem veiculada e vendida pela indústria cultural, determinando o padrão de beleza feminino, que confundiu a estética do jogo com a estética do corpo (BRUHNS, 2000).

    De acordo com Franzini (2005), foi registrado pelo jornal Folha de São Paulo a existência de um projeto, elaborado pela Federação Paulista de Futebol e pela empresa Pelé Sports & Marketing, no qual uns dos pontos de sucesso de um determinado torneio seriam “ações que enalteçam a beleza e a sensualidade da jogadora para atrair o público masculino” (FRANZINI, 2005, p. 316- 317). Assim, notamos a valorização da beleza física das atletas ao invés do enfoque na qualidade técnica e/ou tática, isso era o que menos interessava.

    A Federação Paulista de Futebol (FPF) realizou, em 2001, um campeonato de futebol o qual visava divulgar e impulsionar o futebol feminino. Viana (2012) relatou sua decisão, junto com outras meninas, de participar para que ganhasse um salário e pudesse sobreviver do futebol, já que estariam presentes ao evento diversos meios de comunicação porque o campeonato estava sendo bastante divulgado pela mídia. Entretanto, o real objetivo do evento, de acordo com o folder, não era divulgar o futebol feminino em si, porém mostrar que as mulheres que o praticavam eram bonitas, femininas e heterossexuais, como foi descrito pela autora nesse trecho:

    ... O folder de divulgação trazia uma frase que mostrava, nitidamente, quais eram as intenções da FPF. A capa tinha uma mulher bonita segurando uma bola; era a atriz Patrícia de Sabrit convidando todas as meninas para fazer parte do “novo futebol feminino”. Por que uma atriz na capa como referência a uma jogadora?... O folder não explicava, explicitamente, o que constituía o novo futebol feminino, mas pelas imagens percebe-se que a beleza estava acima do “saber jogar”. Além disso, as imagens eram de mulheres brancas com cabelos longos. Uma delas aparecia abraçando um homem. Os ícones do folder, insinuavam, de certa forma, que o objetivo era afirmar socialmente que as jogadoras de futebol sabiam jogar, eram bonitas e heterossexuais (VIANA, 2012, p. 31 e 32).

    Todavia, já é possível notar uma melhora nessa divulgação, mesmo sendo em menor grau se comparado com o masculino. Porém, ainda existe um déficit no quesito de investimentos públicos e privados. Com isso, ainda subsistem outros problemas como a falta de estrutura, recursos, condições de prática do esporte. Quando relacionadas com o futebol masculino, observamos o quão distintas são as condições de prática nesse esporte. Contudo, existem exceções como é o caso da China e dos Estados Unidos, os quais possuem estruturas equiparáveis com à do masculino, além de os Estados Unidos serem o país que possui o maior número de jogadoras.

    Nos EUA, segundo Sugimoto (2003), o futebol era visto como esporte feminino. Enquanto em 1994 foi o vice-presidente quem entregou a Taça ao capitão da seleção brasileira, Dunga, em 1996 foi o próprio Bill Clinton quem entregou a Taça pelo mesmo evento, porém feminino. O que não significou que a mulher era bem mais reconhecida lá do que era aqui nos esportes, frente que a mesma não tinha vez no futebol americano e no beisebol, dois dos esportes mais difundidos nos EUA.

    A cultura exerceu grande influência com relação ao preconceito no futebol feminino, pois delimitou desde crianças, espaços e brinquedos lúdicos específicos para meninos e para meninas. Daolio (1997) explanou que as crianças, ao nascerem, eram condicionadas, dependendo de qual era o sexo, a agir de uma forma determinada, terem certas preferências. Sendo meninas ganhavam bonecas, miniaturas de utensílios domésticos; sendo meninos ganhavam carrinhos, bonecos de super-heróis. Por conseqüência da cultura de que meninas deveriam ficar em casa ajudando as mães nos afazeres domésticos enquanto os meninos deveriam ficar pelas ruas correndo, pulando, jogando bola, andando de bicicleta, enfim, se divertindo, é que pode ter influenciado os meninos a desenvolverem melhor a capacidade motora nos esportes.

    Observou-se na pesquisa de Viana (2012) que através das experiências corporais trazidas de outras modalidades, tanto meninas quanto meninos eram ajudados na aprendizagem do futebol. Através da realização de entrevistas com alunos (as) de uma determinada escola esportiva, percebeu-se que aqueles que vivenciaram outras práticas esportivas apresentaram um desenvolvimento nas atividades corporais que contribuiu para a aprendizagem do futebol. Todavia, os alunos que praticaram futebol desde cedo, seja menino ou menina, tinham mais habilidade em relação aos que começavam tardiamente.

    Contudo, percebeu-se que o sexo em si, não influenciava no “saber ou não saber jogar”, mas sim, o período em que se iniciava a prática deste esporte. Observou-se também, pela autora, que havia uma menina que jogava mais do que alguns meninos, e isso podia ser relacionado ao fato de que a mesma iniciou a prática do futebol bem cedo, jogando nas ruas, como aconteceu com a maioria dos meninos. Já um garoto que não tinha um nível elevado de habilidade, iniciou a prática de forma tardia e numa escolinha de futebol. Esta pesquisa foi bem interessante, pois desmistificou a idéia de que somente os meninos sabiam jogar, exatamente por serem meninos.

    De acordo com Viana (2012), meninas que tinham preferências por esportes que tinham hegemonia masculina, sofriam bastante preconceito. A autora teve esse tipo de experiência em casa, através dos pais os quais não a queriam jogando futebol. A mãe a colocou no balé, o qual participou dos 4 aos 14 anos, pois era “coisa de mulher” já que era delicado, feminino, enquanto o futebol era “coisa de homem”. A mesma citou que não sabiam informá-la sobre o que era “ser feminina”, nem mesmo “ser masculino”, porém era algo que ela escutava com freqüência e não entendia o significado.

    No entanto, mesmo sem o consentimento dos pais, Viana (2012) praticou futebol em um time formado apenas por meninas de 15 a 20 anos. Outro preconceito observado pela autora foi o relacionado à orientação sexual das meninas. Aquelas que escolhiam usar bermudas largas, camisas grandes, e tinham cabelos curtos, eram tidas como homossexuais, já que na concepção de algumas meninas, o tipo físico, a forma com que algumas praticantes se vestiam, eram indícios de que eram homoafetivas e por isso, não seriam bem vindas ao time.

    Esta idealização em relação aos homossexuais vem de um estereótipo de que mulheres que se vestem parecidas com os homens, são gays e vice-versa, está impregnada na cultura brasileira e em conseqüência, nas práticas esportivas. Não é somente no futebol que acontece esse tipo de preconceito. Em diversos esportes que têm uma denotação de serem “somente para homens” também é encontrado.

    Contudo, sabe-se que não é bem assim. Tanto mulheres “femininas” como homens “masculinos” também são homossexuais. Daí, podemos perceber o quão enraizado está o preconceito, que é exposto de variadas formas e através de diferentes pessoas; adolescentes, adultos, em ambos os sexos.

Material e métodos

Tipo de pesquisa

    Esta pesquisa possuiu uma abordagem qualitativa que atuava em níveis de realidade na qual os dados se apresentavam aos sentidos e tinham como campo de práticas e objetivos trazer à luz fenômenos, indicadores e tendências observáveis. A investigação qualitativa trabalha com valores, crenças, hábitos, atitudes, representações, opiniões e se adéqua a aprofundar a complexidade de fatos e processos particulares e específicos a indivíduos e grupos (MINAYO, 2004).

    A abordagem qualitativa é empregada, portanto, para a compreensão de fenômenos caracterizados por um alto grau de complexidade interna (PAULILO, 1999). E descritiva na qual procurou identificar as várias formas de preconceito que ocorrem no futebol feminino através de uma entrevista estruturada e transversal, pois a entrevista somente foi realizada num determinado momento não havendo necessidade de repetição.

População e amostra

    Este estudo foi composto por 36 indivíduos do sexo feminino, com no mínimo 18 anos, participantes de equipes desportivas do estado de Sergipe, que foram entrevistados através de um questionário.

Critério de inclusão

    Meninas com no mínimo de 18 anos que jogam futebol.

Instrumentos e material

    Utilizou-se um questionário fechado com respostas em escala de intensidade de 1 a 5 e opção de não responder (9). Essas perguntas foram respondidas marcando-se um X nos números na escala de 1; 2; 3; 4; 5; e 9, representando uma escala de intensidade com as seguintes opções, de acordo com o quadro abaixo:

1.

Sempre

2.

Quase sempre

3.

Algumas vezes

4.

Quase nunca

5.

Nunca

9.

Não sabe ou não quer responder

Quadro A. Escala de intensidade do questionário

    Esse questionário foi elaborado, levando em consideração experiências de outros questionários que estabelecem escala de intensidade e a partir das necessidades apontadas pela pesquisa. Após a sua elaboração, foi submetido à avaliação de três pesquisadores e realizado uma pré-testagem. A esse instrumento foi acrescido um diário de campo para anotações de observações colhidas.

Procedimentos para coleta de dados

    Contataram-se as equipes de futebol de Aracaju e depois da autorização dos indivíduos, foram coletadas as informações mediante o preenchimento do questionário. O termo de consentimento livre e esclarecido foi apresentado aos indivíduos participantes da coleta dos dados.

Análise dos dados

    Os dados foram tabulados e descritos quanto à freqüência das respostas e submetidos a uma análise qualitativa do conteúdo, agora expresso em perfil do grupo de sujeitos estudados.

Resultados

    Com relação a ter questionada sua sexualidade pelo fato de jogar futebol, verificamos que 100% das entrevistas já foram questionadas sim, sendo que 35% sempre foram questionadas, 24% quase sempre, 23% algumas vezes e 18% quase nunca, como é visto na Figura A.

Figura A. Freqüência dos questionamentos sobre a sexualidade!

    Quando perguntamos se já vivenciaram alguma experiência que possa ser definida como preconceito no futebol, todas, ou seja, 100% delas responderam que sim. A freqüência dessas experiências apresentou-se da seguinte maneira: 41% responderam que sempre as vivenciaram, 29% algumas vezes, 18% quase sempre e 12% quase nunca, como mostra a Figura B.

Figura B. Freqüência das experiências definidas como preconceito!

    Esse dado fica evidenciado quando 42% das entrevistadas afirmaram que perderam alguma amizade feminina por conta de jogar futebol, bem como, 45% delas perderam amizade masculina por jogar futebol.

    Com relação à rejeição que sofreram por jogar futebol, encontramos os seguintes dados: 80% das entrevistadas citaram que foram rejeitadas por parte dos meninos que jogam com elas, não querendo que elas fizessem parte de sua equipe; 50% das entrevistadas sofreram rejeição também de meninos e meninas que não jogam futebol; e 55% sofreram rejeição por parte dos familiares. Como observamos nas Figuras C.1, C.2 e C.3.

Figura C.1. Sofre rejeição por parte das meninas que não jogam!

Figura C.2. Sofre rejeição por parte dos meninos que não jogam!

Figura C.3. Sofre rejeição por parte da família por jogar bola!

    Com relação a sofrer agressão verbal durante um jogo por um menino, 89% disseram que sim, 8% que não e 3% não quiseram responder. Já em relação a sofrer agressão física, 77% responderam que sim, 17% que não e 6% não quiseram responder, como veremos nas Figuras D.1 e D.2.

Figura D.1. Sofre alguma agressão verbal durante o jogo por um menino!

Figura D.2. Sofre alguma agressão verbal durante o jogo por um menino!

    Observamos que as reações das entrevistadas com relação a essas agressões são diversas, pois todas se sentiram ofendidas quando uma menina foi agredida fisicamente ou verbalmente por um menino. No entanto, nem todas se retiraram do jogo quando um caso desses ocorreu. Apenas 61% retiraram-se quando a agressão foi verbal e 58% quando a agressão foi física.

Discussão

    Como observado nos dados, o preconceito com relação à mulher que pratica futebol foi citado em diversas formas de manifestação, através dos questionamentos sobre a sexualidade, perda de amizades, rejeições, agressões verbais e físicas. O questionamento sobre a sexualidade em meninas que jogavam futebol foi freqüente, como relataram os resultados acima, tendo sido citados por todas as entrevistadas. Esse tipo de preconceito adveio do modo de se vestir das mesmas, do tipo de corte de cabelo, do tipo físico, ficando evidenciado por Viana (2012).

    Como podemos manifestar a opinião sobre a forma de ser de cada pessoa, só pelas vestimentas, pelo porte físico de cada um? Dizer que determinado indivíduo é homossexual só pela forma que se porta, que se veste, é um pré-julgamento. Porém, mesmo que tenha ficado clara a orientação sexual da pessoa, a mesma não deve sofrer rejeição, nem ser tratada de um jeito diferente das outras, já que os indivíduos, independente do sexo, possuem diferenças e isso deve ser respeitado.

    As experiências definidas como preconceito trataram do que pôde ser vivenciado e, de acordo com a opinião da entrevistada, relatado como preconceito. Neste quesito, todas responderam positivamente. Com isso, observamos que esse preconceito foi encontrado nas perdas das amizades, tanto masculinas quanto femininas, somente por jogarem futebol, o que não deveria ocorrer, pois os indivíduos têm o direito de escolher e praticar qualquer atividade desportiva. O mesmo aconteceu com relação às meninas que foram rejeitadas por parte de meninos, os quais não as querem como companheiras de equipe; por parte de meninos e meninas que não jogam futebol e pelos próprios familiares.

    Assim, como foi citado na pesquisa de Freitas (2003), professores preteriram as meninas, pois as tiveram como frágeis; pais que não quiseram que as filhas praticassem este esporte por acharem que não eram adequados. Sendo assim, então qual esporte seria adequado às meninas? Um que houvesse a disputa de quem era a melhor dona de casa? Essa idealização de que a mulher é o sexo frágil é também cultural, na qual os meninos teriam que brincar de carrinhos, enquanto as meninas deveriam brincar de “casinha”, de bonecas; Daolio (2007) exemplificou assim essa visão cultural.

    Desta forma, os meninos desenvolviam melhor a prática de atividades físicas. Já que possuíam tempo livre, jogavam bola, brincavam de variadas formas, podendo aprimorar cada vez mais o desenvolvimento motor, enquanto as meninas estavam auxiliando as mães com afazeres domésticos. Isso influenciou, de certa forma, num retardo na apreensão de atividades desportivas nas meninas, como explicitou Viana (2012) no seu estudo, o qual citava que através das experiências corporais trazidas de outras modalidades, tanto meninas quanto meninos eram ajudados na aprendizagem do futebol.

    Pode ser que, por causa dos motivos já exemplificados, algumas meninas tiveram uma maior dificuldade no aprendizado do futebol e de outros esportes, do que os meninos. O que não quer dizer que não existam meninas que saibam jogar futebol tão bem quanto os meninos. Nesta mesma pesquisa da autora já citada, foi observado que havia meninas e meninos que demonstravam uma maior habilidade em relação a outros meninos, exatamente por terem iniciado a prática esportiva desde cedo e nas ruas, em relação aos que começaram tardiamente e em escolas de futebol. Daí, percebemos que o importante é a vivência, a aprendizagem prolongada em determinada modalidade esportiva, para que o praticante possa se aperfeiçoar naquela atividade, independente do gênero.

Conclusão

    O preconceito no futebol feminino advém de fatores culturais, sociais, os quais precisam ser revistos, já que são fatores limitantes do desenvolvimento não somente do futebol, mas do esporte feminino como um todo. Necessita assim, de apoio das instituições desportivas para que gere uma valorização das praticantes no esporte e no meio em que vivem, a fim de que possibilite uma diminuição ou extinção do preconceito relacionado às mulheres.

Referências

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