Introdução
A evolução social determina a importância da atividade física e esportiva na
melhoria dos padrões de vida, na saúde e na formação das crianças e jovens
(MOTA, 1991). A inatividade física implica diretamente na prevalência do
sobrepeso e no desenvolvimento do desempenho motor da criança. Desenvolvimento
este, definido como o comportamento do indivíduo em relação à execução de
alguma atividade motora (CARMINATO, 2010). As atividades motoras representam um
dos pilares do desenvolvimento motor das crianças (MALINA, 1980) e são
fundamentais tanto na escola como em casa. As habilidades motoras básicas são
vistas como o alicerce para a aquisição de habilidades motoras especializadas,
na dimensão artística, esportiva, ocupacional ou industrial (TANI et al,
1988).
Essas habilidades além de determinadas pela maturação, também podem ser
influenciadas pela prática, pela motivação e pela instrução (GALLAHUE,
2005). Segundo Gallahue (2002) o movimento pode ser classificado de acordo com
seu nível de desenvolvimento e apresentam as fases: reflexiva, rudimentar,
fundamental ou especializada de desenvolvimento motor. Os movimentos na fase
reflexiva de desenvolvimento são involuntários por natureza e caracterizados
pelo reflexo primitivo e de postura da infância precoce. Os movimentos
rudimentares são caracterizados pelas habilidades básicas de movimento da
infância e da fase de engatinhar. A aprendizagem de habilidade de movimento
utilizada por crianças na pré-escola ou nos primeiros anos do ensino
fundamental é característica de fase fundamental de desenvolvimento do
movimento. Finalmente, a fase de habilidade de movimento especializada é
simbolizada pela aprendizagem de habilidade de movimento mais complexa da
criança em uma idade mais avançada, adolescentes e adultos. Em outras
palavras, a idade cronológica é apenas um indicador geral da fase em que se
está na hierarquia de desenvolvimento de aprendizagem de habilidade de
movimento.
Segundo Kiphard (1976 apud GORLA 2009), a coordenação motora é a interação
entre o sistema musculoesquelético do sistema nervoso e do sistema sensorial
com a finalidade de produzir ações precisas e equilibradas. Deus et al (2008)
ressaltaram a influência da coordenação motora no desenvolvimento psicomotor
e cognitivo da criança. Estudos com crianças em idade escolar relacionam a
aprendizagem motora e controle motor nas mais diversas tarefas diárias, bem
como as implicações pedagógicas e educativas que decorrem das aulas de
Educação Física (LOPES et al, 2003). A coordenação motora pode ser
analisada segundo três pontos de vista: o biomecânico, que estuda os impulsos
de força numa ação motora; o fisiológico que aborda as leis que regulam os
processos de contração muscular; e o pedagógico que relaciona as fases de um
movimento ou ações parciais deste a aprendizagem de novas habilidades
(MARTINEK et al, 1977 apud LOPES, 2003).
Professores de Educação Física em geral identificam a insuficiência no
rendimento motor das crianças Maia et al, 2007 tendo a Educação Física
Escolar o papel de identificar e corrigir essas insuficiências (LOPES, 1997).
Um método para identificar os níveis de coordenação motora na infância e na
juventude é o Teste de Coordenação Corporal para Crianças (Körperkoordination
Test für Kinder - KTK) desenvolvido por Kiphard e Schilling (1974 apud
GORLA, 2009). Esse teste é composto por quatro atividades (equilíbrio
retrocedendo, saltos monopedais, saltos laterais e transposição lateral) que
visam à caracterização de facetas da coordenação corporal total e o
domínio corporal (KIPHARD e SCHILLING, 1974 apud GORLA, 2009). As tarefas
apresentam dificuldades acrescidas conforme a idade. Aumenta da altura ou
distância, aumento da velocidade, maior precisão na execução em função do
maior número de acertos em um determinado número de tentativas são fatores
que podem ser alterados de acordo com a idade (KIPHARD, 1976 apud GORLA, 2009).
A Escola em Tempo Integral é um projeto do governo de Minas Gerais que amplia o
tempo médio diário de permanência na escola, com a prioridade para o
atendimento de crianças e jovens em áreas de vulnerabilidade social e com a
participação da comunidade escolar no acompanhamento de seus resultados
(GOVERNO DE MINAS). Sendo assim, crianças participantes deste projeto são bons
modelos para se testar o desenvolvimento motor, pois estas apresentam aumento na
carga de atividade física. Este trabalho tem como objetivo avaliar o desempenho
motor de crianças e jovens que participam da Escola em Tempo Integral no
Município de Ibituruna/MG através da bateria de testes do KTK. Espera-se que
os alunos apresentem desempenho motor de acordo com a classificação de
Gallahue devido às variadas atividades físicas que estes participam.
Material
e métodos
Amostragem
Participaram do estudo 28 alunos (17 meninos e 11 meninas), com faixa etária
entre 11 a 14 anos, matriculados do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental da
Escola Estadual Júlio Bueno e participantes do projeto Escola em Tempo Integral
do Governo de Minas Gerais no Município de Ibituruna. A participação
dos alunos foi condicionada a assinatura do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecimento (TCLE), pelos pais ou responsáveis. As análises estatísticas
e o gráfico utilizados no estudo foram feitos com auxilio do programa
GraphPad® 5.0.
Teste
KTK
O instrumento utilizado para avaliar a coordenação motora dos alunos foi o
Teste de Coordenação Motora para Crianças e Adolescentes (Körperkoordination
Test für Kinder – KTK) de Kiphard e Schilling (1974 apud GORLA, 2009),
composto por uma bateria de quatro testes: equilíbrio sobre a trave, saltos
laterais, saltos monopedais e transferência sobre plataformas. A análise dos
resultados da bateria KTK foi realizada por meio da soma dos pontos atingidos em
cada uma das tentativas de cada prova e, através da relação destes com a
idade dos escolares, obteve-se um quociente motor (QM), derivado de uma tabela
de referência para cada uma das quatro tarefas. A soma dos quatro QM (QM de
cada tarefa) equivale a um escore que varia de 42 a 148 pontos. A
classificação por meio deste escore, na proposta inicial de Kiphard e
Schilling (1974), determinava o nível de desenvolvimento coordenativo em: alta
coordenação (131≤ QM ≤145), boa coordenação (116≤ QM
≤130), coordenação normal (86≤ QM ≤115), perturbações na
coordenação (71≤ QM ≤85) e insuficiência de coordenação (QM
<70). Os resultados foram analisados pelo QM geral.
Resultados
Os meninos apresentaram coordenação motora Boa (71%) ou Muito Boa (29%),
enquanto as meninas apresentaram coordenação motora Normal (36%) e Boa (64%)
(figura 1). A tabela 1 mostra a porcentagem de alunos por idade em cada
classificação. Não houve correlação linear significativa entre idade e
coordenação motora. O valor de p obtido, para meninos e meninas, em uma
correlação linear para idade e coordenação motora foi maior que 0,05 com
valor de r² de 0,22 para meninas e 0,04 para meninos.
Figura
1. Porcentagem de meninos e meninas por classe de coordenação motora
segundo o teste KTK
Tabela
1. Nível de coordenação motora dos alunos (%) pela idade segundo o teste
KTK
Discussão
Os resultados obtidos através do teste KTK foram eficientes para a avaliação
da coordenação motora dos alunos que participam do projeto Escola em tempo
Integral. A Figura 1 mostra que houve distribuição dos alunos em três classes
de coordenação motora. Isso confirma que as atividades do teste as quais os
alunos são submetidos conseguem separá-los por habilidade motora. Essas
atividades avaliam as habilidades básicas necessárias para a coordenação
motora e, além disso, o QM obtido leva em consideração a faixa etária do
aluno. O KTK vem sendo estudado por autores internacionais desde a década de
70, se acentuando no final dos anos 90 e anos 2000 (LOPES, 1997; LOPES e MAIA,
1997; MAIA e LOPES, 2002; LOPES et al, 2003; FAUSTINO et al, 2004a; FAUSTINO et
al, 2004b; FAUSTINO et al, 2004c; LOPES, 2006; DEUS et al, 2008; MAIA e LOPES,
2007; VALDIVIA et al, 2008). Os valores obtidos em estudos nacionais com o KTK
podem apresentar diferentes padrões quando comparados a estudos internacionais
(MAIA e LOPES, 2007), porque estudos com este teste no Brasil se iniciaram nos
anos 2000 (GORLA, 2003; ELIAS et al, 2007; BOTTI, 2008). Essa diferença pode
estar ligada a mudanças na realização da prática esportiva, mudanças
alimentares e aumento do sedentarismo.
Os estudos brasileiros que envolvem a avaliação motora pelo KTK são
associados à prática da educação física escolar (LOPES, 2006; COLLET et al,
2008; GORLA, 2008; LIMA, D. A. CAVALARI, N. 2010; NETO et al, 2010) reforçando
assim que a escola tem importante papel no estímulo do desenvolvimento motor.
Projetos como a Escola em Tempo Integral do Governo de Minas Gerais são
enriquecedores com relação ao ganho em habilidades motoras, pois estimulam a
prática esportiva, disponibilizam mais tempo para o aluno praticar esportes e
estão associados à assessoria técnica especializada.
Em estudos realizados por Lopes et al (2003) e Valdivia et al (2008) os meninos
se destacaram na classificação de níveis de coordenação motora, obtendo
classificações melhores do que as meninas. Nesses dois estudos as meninas não
conseguiram atingir o nível de Muito Boa coordenação. Esse comportamento foi
semelhante ao observado para o nosso estudo. Outros estudos (MAIA e LOPES, 2002;
LOPES et al, 2003; FAUSTINO et al, 2004; MAIA e LOPES, 2007) mostram que as
meninas se destacam em algumas atividades específicas da bateria do teste KTK.
Esse melhor desempenho geral dos meninos pode estar associado a um comportamento
cultural onde meninas têm maior participação em atividades domésticas,
diminuindo assim o tempo para a prática esportiva. Uma das maneiras de mudar
esse paradigma é a atuação do professor de Educação Física no estímulo a
prática esportiva extra-aula, tanto dos meninos quanto das meninas. Novamente,
ressalta-se a importância de projetos como a Escola em Tempo Integral que
disponibilizam aos alunos mais tempo a prática esportiva.
O estudo mostrou que os meninos se saíram melhor nos testes, todavia, as
meninas se classificaram nas classes Normal e Boa. Isso deixa claro que meninas
e meninos não tiveram rendimento motor insatisfatório. Habilidades normais
estão dentro do esperado por Gallahue e Ozmun (2003) para a faixa etária de 11
a 14 anos. Em outras palavras, esperamos para essa faixa etária, que as
habilidades estabilizadoras, locomotoras e manipulativas fundamentais estejam
progressivamente refinadas, combinadas e elaboradas para o uso em situações
crescentemente exigentes. Como nenhum aluno teve coordenação motora abaixo da
classe Normal, podemos dizer que todos os alunos avaliados estão dentro do
desenvolvimento motor esperado, já que as atividades do KTK testam varias
habilidades motoras básicas.
O aumento da idade não foi determinante para um melhor desempenho motor como
nos estudos de Lopes et al (2003) e Valdivia et al (2008). O menor desempenho
motor dos alunos mais velhos quando comparados a alunos mais novos pode estar
relacionado à falta de estímulo para a pratica esportiva em fases anteriores
do desenvolvimento. Quanto mais cedo as crianças começarem a prática
esportiva, seja por projetos sociais governamentais ou do terceiro setor, mais
cedo essas crianças atingirão níveis adequados de coordenação motora.
Projetos deste tipo, são importantes porque culturalmente o Brasil pouco
investe em programas olímpicos ou de formação de atletas. Alguns estudos
evidenciaram que o aumento da prática esportiva pode influenciar nos resultados
de estudos que avaliam o desenvolvimento motor (FAUSTINO et al, 2004; LOPES,
2006; ELIAS et al, 2007). Isto demonstra que o aumento de estímulo com
atividades esportivas extras para as crianças e jovens pode sim, melhorar e
evitar que os alunos tenham rendimento motor insatisfatório para idade. No
estudo realizado a maior parte dos alunos apresentou Boa coordenação motora,
ressaltando que a atividade física habitual pode influenciar positivamente nos
níveis de coordenação motora. Diferente do encontrado para os alunos do
projeto Escola em Tempo Integral do município de Ibituruna alguns estudos (MAIA
e LOPES, 2002; DEUS et al, 2008; VALDIVIA et al, 2008) mostram que com o aumento
da idade dos alunos ocorre aumento da coordenação motora.
Conclusão
O estudo mostrou que projeto Escola em tempo integral proporciona aos alunos
estímulo ao desenvolvimento motor pela prática esportiva já que os alunos
não apresentaram rendimento motor abaixo da classe Normal de coordenação
motora. Mesmo os meninos tendo coordenação motora melhor que as meninas, elas
tiveram coordenação motora satisfatória. O estudo mostrou ainda que a idade
não influenciou no desenvolvimento motor, contudo todos os alunos avaliados
pelo teste KTK se encontram com desenvolvimento motor dentro do esperado por
Gallahue.
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Outros artigos em
Portugués
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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 180 | Buenos Aires,
Mayo de 2013
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