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Projeto de extensão a comunidade: uma análise

dos processos educativos decorrentes do lazer

Proyecto de extensión a la comunidad: un análisis de los procesos educativos derivados de la recreación

Project scope of the community: an analysis of the educational process arising out of leisure

 

Graduado em Educação Física pela Unimesp, FIG

Especialista em Educação Física escolar pela Universidade Federal de São Carlos, UFSCar

Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos, UFSCar

Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP

Willian Lazaretti da Conceição

willianlazaretti@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo foi realizado na prática social de jovens que participam de um projeto de extensão realizado pelo Departamento de Educação Física e Motricidade Humana da Universidade Federal de São Carlos. Teve como objetivo compreender e identificar os processos educativos desencadeados nesta prática social. Para a realização desse estudo houve inserção nos treinos de voleibol para jovens do município de São Carlos que acontecem três vezes por semana. Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram a observação participante e diário de campo, para o registro da inserção. Por meio das análises e discussão dos resultados foi possível apontar que, a prática social inserida compreende tanto o lazer em si, como a educação pelo lazer, pois os (as) alunos (as) ressignificam suas relações, por meio do diálogo, da reciprocidade, da relação horizontalizada e de respeito um com o outro. No interior dessa prática eles e elas re-educam e re-fazem suas histórias, criando outras possibilidades; criando outras trajetórias de liberdade e humanização. Em síntese, identificam-se nesses pontos os principais processos educativos, desencadeados por essa prática social.

          Unitermos: Processos educativos. Lazer. Voleibol.

 

Resumen

          Este estudio se llevó a cabo en la práctica social de los jóvenes que participan en un proyecto de extensión realizado por el Departamento de Educación Física y Movimiento Humano de la Universidad Federal de Sao Carlos. Estuvo dirigido a comprender e identificar los procesos educativos que desencadenan esta práctica social. Para realizar este estudio se incluyó el voleibol para los jóvenes de Sao Carlos tres veces por semana. Los instrumentos de recolección de datos utilizados fueron la observación participante y el diario de campo para registrar la inserción. A través del análisis y discusión de los resultados es posible señalar que la práctica social comprende tanto la recreación en sí misma como la educación por la recreación, porque los (as) alumnos (as) resignifican sus relaciones a través del diálogo recíproco, la relación y horizontal respecto a los otros. Dentro de esa práctica ellos se re-educan y re-hacen sus historias, creando otras posibilidades, la creación de otros caminos de libertad y de humanización. En resumen, podemos identificar los puntos principales en los procesos educativos, provocados por esta práctica social.

          Palabras clave: Procesos educativos. Recreación. Voleibol.

 

Abstract

          This study was conducted in the social practice of young people participating in an extension project conducted by the Department of Physical Education and Human Movement at the Federal University of São Carlos. Aimed at understanding and identifying the educational processes triggered this social practice. To conduct this study was the inclusion of volleyball drills for youth in São Carlos that happen three times a week. The data collection instruments used was participant observation and field journal to record insertion. Through the analysis and discussion of the results was possible to point out that the social practice comprises both the leisure inserted itself as education for leisure, because (as) students (as) reframe their relations through dialogue, reciprocal , the relationship and horizontally respect to one another. Within that practice them and they re-educate and re-do their stories, creating other possibilities, creating other paths of freedom and humanization. In summary, we identify the key points in these educational processes, triggered by this social practice.

          Keywords: Educational processes. Leisure. Volleyball.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 178, Marzo de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O presente artigo decorre de uma pesquisa empírica desenvolvida no primeiro semestre de 2010, como requisito parcial para aprovação na disciplina de “Práticas sociais e processos educativos” ofertada pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos-UFSCar. A inserção se deu no projeto de extensão intitulado “Projeto comunitário de educação desportiva: do Esporte em-si ao esporte para-si” realizado pelo Departamento de Educação Física e Motricidade Humana da UFSCar. A escolha deste projeto de extensão se deu pela afinidade do pesquisador com a prática esportiva desenvolvida no projeto, o voleibol.

    De acordo com Oliveira e col. (2009)

    Práticas sociais decorrem de e geram interações entre os indivíduos e entre eles e os ambientes, natural, social, cultural em que vivem. Desenvolvem-se no interior de grupos, de instituições, com o propósito de produzir bens, transmitir valores, significados, ensinar a viver e a controlar o viver, enfim, manter a sobrevivência material e simbólica das sociedades humanas. (OLIVEIRA e col., 2009).

    Se os ambientes podem e devem considerar as implicações naturais, sociais e culturais, cabe apresentar brevemente cada um destes conceitos, a fim de relacioná-los a prática social vivenciada.

    De acordo com Sanches Neto e col. (no prelo), o ambiente “o ambiente consiste no contexto, em tudo aquilo que há no mundo, é formado pelos diversos fenômenos que se passam à nossa volta e, nesse sentido, as demandas ambientais são tudo aquilo que nos envolve constantemente, nos influenciando e sendo influenciadas pelos acontecimentos cotidianos”.

    Assim o ambiente deve ser compreendido de forma ampla e de acordo com Sanches Neto e Lorenzetto (2005, p. 140) uma possibilidade refere-se a uma integração do ser humano com o meio, e o corpo representaria uma continuidade entre a individualidade e o amplo contexto ambiental, que é físico, social, cultural, político, econômico etc. É praticamente a afirmação de uma continuidade entre o ser humano e o mundo, a noção de ser o corpo e não de tê-lo meramente, é de certa forma o ser-no-mundo tal qual propõe a fenomenologia de Merleau-Ponty. Esta noção de ser o corpo e não de possuí-lo está relacionada ao corpo próprio ou fenomenal, sendo este o que se vivencia nas experiências com sua dimensão de temporalidade e transcendência, que são realizadas pelo movimento intencional (BETTI e col., 2007). De acordo com Conceição (2010), o ser-no-mundo poderia, assim, ser compreendido de modo indissociado às dinâmicas específicas da Educação Física: vislumbramos o sentido do SER (que é ao mesmo tempo corpo e movimento) no MUNDO (que é ao mesmo tempo cultura e ambiente).

    Marilena Chauí (2000, p.62) “afirma que não há a Cultura, mas culturas diferentes, e que a pluralidade de culturas e as diferenças entre elas não se devem à nação, pois a idéia de nação é uma criação cultural e não a causa das diferenças culturais”, e que:

    a Filosofia se interessa por aquele instante em que a realidade natural (o mundo das coisas) e a histórica (o mundo dos homens) tornam-se estranhas, espantosas, incompreensíveis e enigmáticas, quando o senso comum já não sabe o que pensar e dizer e as ciências e as artes ainda não sabem o que pensar e dizer (p.16).

    Neste entrave sobre o que é cultural e o que é natural, podemos refletir:

    se a realidade natural e cultural possui leis causais necessárias e normas-regras obrigatórias, se tanto as leis naturais como as leis culturais não dependem de nós, se sermos seres naturais e culturais não depende de nós, se somos seres naturais e culturais cuja consciência e vontade são determinadas por aquelas leis (da Natureza) e normas-regras (da Cultura), como então falar em liberdade humana? A necessidade que rege as leis naturais e as normas-regras culturais não seria mais vasta, maior e mais poderosa do que nossa liberdade? O que poderia estar em nosso poder? (CHAUÍ, 200, p. 461).

    Chauí (2000, p.461) diz que “a realidade é feita de situações adversas e opressoras, contra as quais nada podemos, pois são necessárias (...)” e Freire (2001) diz que somente com a supressão da situação opressora é possível restaurar o amor que nela estava proibido.

    E por fim discutir a questão social, uma preocupação ao tratar da dinâmica do ambiente deve ser seu encaminhamento político. O processo de tomada de decisões sempre tem um caráter político na relação entre professor e alunos, mesmo quando as decisões se dão de modo autoritário, ou seja, por meio de ordens do professor para os alunos, ou quando há discussão para a tomada de decisão; em ambos os casos a relação é política, considerando-a como a conjugação das ações individuais e grupais, dirigidas para um fim comum (DALLARI, 1999 p.10). Se nos referimos à vida dos seres humanos integrados e organizados numa sociedade, ou ao estudo dessa organização e das decisões tomadas, o que também pode acontecer é uma pessoa se eximir do trabalho sem assumir a responsabilidade de decidir. Ela estaria, nesse momento, tomando uma decisão, ou seja, permitindo aos outros decidirem em seu lugar.

    As práticas sociais se desenvolvem nestes ambientes, com o objetivo de produzir bens, transmitir valores, significados, ensinar a viver e a controlar o viver. As práticas sociais se constroem no relacionamento interpessoal, entre eu-mundo, de forma a repassar valores, tradições, posições e posturas políticas (OLIVEIRA e col., 2009).

    Considero que as práticas sociais contribuem para o autoconhecimento, de acordo com Espírito Santo (2007) o autoconhecimento, é fundamental para que o ser humano desperte do sono, ou seja, acorde e viva sua realidade, encare e supere os obstáculos que surgirem, mas tal transformação é difícil e demorada. O autor afirma que, se o educador estiver tão somente preocupado com o universo externo, a criança crescentemente perderá o caminho em direção a si mesma, e afirma também que só na adolescência torna-se possível o desenvolvimento de um autoconhecimento, pois antes desse período seria inviável o surgimento da consciência profunda de si mesmo.

    Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, utilizando como técnicas, a observação e registros em diários de campo. As técnicas de observação variam por seu grau de estruturação e pelo grau de proximidade entre o observador e o objeto de sua observação. A observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações e utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade e que além de ver e ouvir também examina os fatos e fenômenos que se deseja estudar.

    De acordo com Laville e Dionne (1999):

    As breves indicações registradas ao vivo (...) os relatórios mais exaustivos redigidos em seguida constituem as notas descritivas do observador: devem ser tanto quanto possível neutros e factuais para melhor corresponder à situação. (LAVILLE E DIONNE, 1999, p.180).

    As autoras ainda afirmam serem possíveis outras notas, chamadas analíticas, estas se juntam as descritivas. Nesta segunda opção, o pesquisador fala de suas reflexões pessoais compreendendo idéias ou intuições freqüentemente surgidas ao decorrer das aulas e logo registradas sob forma de breves lembretes.

    Segundo Bogdan e Biklen (1994), os registros são um relato escrito daquilo que o investigador, em um estudo qualitativo, observa atentamente no ambiente da pesquisa, inclusive refletindo sobre os dados coletados. Também André (2005) compartilha de tal premissa entendendo que no decorrer das observações ou após as mesmas é necessário realizar um registro muito acurado dos eventos de modo a fornecer uma descrição incontestável que sirva para futuras análises e para o relatório final.

    A identificação dos diários de campo (DC) foi realizada através da numeração dos mesmos, contendo trechos que são analisadas nos resultados, sendo diário de campo, número correspondente ao dia da aula em algarismos romanos de I à VIII, número da unidade de significado e sua categoria (DC nº- unidade de significado).

Lazer e processos educativos em busca da libertação

    No que tange a classificação de conteúdos propostos, temos uma elaborada por Dumazedier (1980) que diferencia os interesses do lazer em físico-esportivos; manuais; sociais; artísticos e intelectuais. E outra realizada por Marcellino (2006) os interesses estão divididos em artísticos; intelectuais; físicos; manuais; turísticos e os sociais. Como utilizarei os conteúdos físico-esportivos (DUMAZEDIER, 1980) ou apenas físicos (MARCELLINO, 2006), aprofundarei as especificidades deste interesse.

    Os interesses físicos são constituídos por “práticas esportivas, passeios, pesca, ginástica e todas as atividades onde prevalece o movimento, ou exercício físico, incluindo as diversas modalidades esportivas” (MARCELLINO, 2006, p. 18).

    Nesta perspectiva nesta pesquisa enfatizarei a participação dos adolescentes em atividades relacionadas à temática do lazer, que segundo Marcellino (2006), a compreensão de lazer está ligada aos aspectos de tempo e atitude, ou seja, devemos considerar a intenção de cada pessoa ao realizar uma determinada atividade e não apenas a ação, uma vez que, pode trazer satisfação para ela e a mesma atividade pode não ser satisfatória para outra pessoa e tais atividades devem ser desenvolvidas no tempo livre das obrigações profissionais, familiares, sociais e religiosas.

    Compreendo o lazer como uma prática social, e como prática social um conjunto de ações coletivas que têm como objetivo manter ou transformar uma realidade (CONCEIÇÃO, 2009, 2012). Essas ações estão relacionadas à cultura (mitos, festas, costumes, tradição, trabalho, religiosidade, movimentos sociais) e são organizadas com regras e normas, por grupos de pessoas que freqüentemente se reúnem para refletir sobre situações e fenômenos vivenciados no dia a dia.

    De acordo com Maranhão (2009), é nas práticas sociais que as pessoas objetivam seus processos educativos e o saber não deveria nunca desligar-se da função humanizadora da cultura. A pesquisa em práticas sociais, nesse contexto, traz muito forte o conceito da ciência para legitimar o sistema vigente. Não é, pois, uma ciência da consciência: ainda que integrando a prática teórica das ciências em sua práxis total, é, sobretudo, opção e luta, opção pela humanidade e luta pela desalienação. O saber da cultura é a cultura do que se sabe por destinação originária. Pois só o saber não liberta a humanidade, porém seu correto exercício não poderia perseguir outro fim (MARANHÃO, 2009).

    De acordo com França (2003, p.35) “as vivencias corporais na perspectiva do lazer considerando seus aspectos educativos contribuem para a compreensão do no mundo social e a intervenção nele”, sendo assim, podemos pensar no teor educativo nas relações entre os educandos ressaltando o aspecto político-social buscando a melhoria na qualidade vida, por meio de vivências conscientes e consistentes.

    Na perspectiva de educação pelo lazer devemos refletir sobre o valor histórico-educativo do lazer assegurando o acesso a conteúdos produzidos em nossa história, para produzir, reproduzir e transformar de maneira crítica os conteúdos que fazem parte de nossa cultura.

    De acordo com Marcellino (2006) o lazer ligado a educação deve considerar seu caráter de desenvolvimento pessoal e social, cumprindo objetivos consumatórios relacionados ao relaxamento e o prazer advindos das vivências de lazer, e também objetivos instrumentais quando o lazer contribui para a compreensão da realidade, reflexão sobre as responsabilidades sociais a partir da sensibilidade pessoal e de solidariedade.

    O fato de aprender por meio de vivências que geram prazer o processo educativo se torna mais significativo e é possível considerar que muitas atividades de lazer culminam em um aprendizado interdisciplinar.

    Na educação pelo lazer faz-se necessário estar atento para transcender um possível caráter funcionalista e considerá-lo como uma possibilidade de educar para a conscientização das responsabilidades. Nessa perspectiva, o papel educativo do animador cultural não está restrito à liderança das práticas de lazer, mas em poder mostrar as infinitas possibilidades de participação social e de auto-realização através do lazer (CAMARGO, 1999).

    Um outro aspecto pode ser identificado quando se pensa em educação pelo lazer: há a necessidade de explicitar o significado, incentivar a participação e propiciar espaços de cooperação. Nesse sentido, Marcellino (2010) defende que a prática positiva das atividades de lazer implica na necessidade de aprendizado e estímulo de modo a possibilitar a evolução de níveis simples para os mais complexos, com enriquecimento crítico, tanto na prática quanto na observação.

    Nesta prática social, é possível, no decorrer da experiência, aprender a educação para o lazer, que deve servir como um instrumento de defesa contra a homogeneização e internacionalização dos conteúdos veiculados pelos meios da comunicação de massa (MARCELLINO, 2006).

    A ação conscientizadora da prática educativa, inculcando a idéia e fornecendo meios para que as pessoas vivenciem um lazer criativo e gratificante, torna possível o desenvolvimento de atividades até com um mínimo de recursos, ou contribui para que os recursos necessários sejam reivindicados, pelos grupos interessados, junto ao poder público (MARCELLINO, 2006, p.51).

    Para Lombardi (2005), as vivências dos conteúdos culturais do lazer podem contribuir para a formação do homem integral, crítico e criativo, capaz de participar culturalmente, vivenciando e gerando valores questionadores da ordem social vigente e que prepara mudanças na sociedade como um todo.

    As vivências podem ser realizadas mesmo diante da falta de equipamentos específicos, mas, com a superação do conformismo e o desenvolvimento do senso crítico é possível que as pessoas em um movimento de resistência, venham a reivindicar melhores e mais diversificados espaços dos quais possam usufruir.

    Para se alcançar os objetivos propostos por Lombardi (2005), a educação pelo e para o lazer deve necessariamente contar com um animador sociocultural. No entender da autora não basta pensarmos que as pessoas em um movimento de resistência reivindiquem, pois estas necessitam de educação para o lazer que sinalize as demandas desta área para que tenham consciência de que a resistência pode, em alguns casos, gerar resultados positivos.

    Além disso, nesse movimento de educação, o animador sociocultural deve apresentar as possibilidades de lazer existentes, não se restringindo apenas à utilização de equipamentos, que por vezes, encontra-se apenas na esfera privada. Nesse sentido, o agente cultural será orientador dos cidadãos, para que além de reivindicarem a manutenção da qualidade tenha também uma participação ativa no controle do uso dos equipamentos públicos.

    Nesse sentido, a transmodernidade e a interculturalidade (DUSSEL, 2005), compreendida sob os aspectos de uma filosofia da libertação, consiste em uma revolução cultural feita pelo povo, com o máximo de criticidade possível da cultura do centro, que com as suas manifestações totalizadoras culturais, políticas e econômicas, foi responsável pela opressão e alienação do povo. Dussel aponta a filosofia da libertação como a faculdade da razão capaz de estabelecer um diálogo, um discurso intersubjetivo com a razão do outro, como razão alternativa, de modo a negar o “Mito sacrificial da modernidade”, para afirmar o momento libertador racional da Ilustração da modernidade, como “Trans-modernidade” (DUSSEL, 2005, p. 167). Em síntese, um projeto de libertação que se diz humano, alternativo, com relações de reciprocidade e respeito mútuo ao Outro - proximidade - deve, portanto, ser constituído com o povo.

Resultados

    A prática do voleibol de jovens no projeto de extensão se configura como uma prática social, considerando que repassam conhecimentos, valores, tradições, posições e posturas diante da vida.

    O professor ainda questionava alguns alunos que brincavam demais nos treinos questionando inclusive que futuro queriam, o que pensavam da vida, que ele estava ali para ajudar, mas que precisariam também querer ser mais, não ficar na mediocridade.

    Pude compreender que o professor buscava expandir a participação política desses alunos, para que deixassem o conformismo de lado, propondo transformações na estrutura social, nas formas de racionalidade, de pensar e de agir tentando garantir direitos sociais, culturais, econômicos, políticos e civis.

    Segundo Oliveira e col. (2009) as práticas sociais são construídas pelos participantes, considerando que sua duração depende dos atores que a constroem, desenvolvem, mantém e dos objetivos ao dela participar.

    No projeto tem participantes de diferentes gêneros, faixas etárias, com diferentes percepções e conhecimentos, sendo que todas estão em idade escolar e freqüentam as escolas, pois este é um dos requisitos do projeto, e há a intenção de verificar o acompanhamento dessas crianças na escola.

    Podemos identificar processos educativos entre professor e aluno, entre os (as) participantes, entre família e participantes, entre monitor e monitoras e participantes e também com o professor, neste convívio uns com os outros temos a experiência de nos relacionarmos de modo respeitoso entre gêneros, idade, etnias, condição social, escolaridade, cultura e níveis de habilidade motora.

    O educar-se no encontro de alteridades, no encontro entre culturas, no encontro do "Ser" com os outros, uma relação de exterioridade - frente a frente -, na qual se reconhece, valoriza e respeita o outro, que transcendem as determinações impostas pelas relações de totalidade.

    Neste sentido Larrosa Bondía (2002), relata que a experiência é necessariamente o que nos passa, o que nos acontece e o que nos toca, ou seja, não apenas o que se passa ao redor, mas o que nós efetivamente experienciamos, não podemos viver a experiência do outro. Não posso compreender a essência como se dá uma relação numa determinada prática social sem me inserir, sem ir-a-coisa-mesma.

    Não é o corpo do eu que se integra no mundo; não é o corpo que o eu possui, mas o corpo que ele é; é seu corpo que se objetiva no mundo. E assim experimentamos a objetividade de uma experiência que nunca pode chegar ao seu termo, pois neste reaparece a presença que presentifica e objetiva: o sujeito. Ao contrário, se experimentamos o sujeito como presença presente a si mesmo, essa experiência tampouco se esgota na pura subjetividade, pois, na transparência desta, o eu corpóreo se reencontra também como objetividade (FIORI, 1991, p. 68)

    No projeto vivenciado pelas crianças considero a prática do voleibol como um momento de lazer, compreendendo lazer como:

    um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou, ainda, para desenvolver sua informação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais” (DUMAZEDIER, 1976, p.34).

    Assim torna-se possível educar pelo lazer de modo que os adolescentes têm a oportunidade de se educar nas vivências considerando seu duplo aspecto educativo, mas enfatizando a educação pelo lazer e não para o lazer e assim compreender como se educam em suas relações ao decorrer das atividades de conteúdo físico, sendo os esportes o principal.

    No primeiro dia de observação, ainda de fora da quadra, olhava atentamente da arquibancada o professor conversando com os alunos uma grande roda e que também participava uma mãe de aluna do projeto.

    Observava a quantidade de crianças que tinha neste dia, os materiais disponíveis, infraestrutura do ginásio, mas me chamou a atenção que tinha apenas um professor para atuar com faixas etárias e níveis de habilidades distintos, ainda assim estava chamando a atenção dos (as) alunos (as), pois estava observando a falta de comprometimento com o projeto, faltavam e não avisavam, gastavam a verba de vale transporte para irem a outros lugares e depois faltava para se deslocarem ao projeto.

    Depois da conversa, começaram a treinar. Observava atentamente as crianças que estavam participando, e a fala do professor foi legitimada a medida que foi possível perceber que algumas alunas não tinham o comprometimento que ele tanto almejava. O treino terminou e acabei por sair do ginásio antes das crianças e do professor, mas certo de que queria participar mais ativamente neste projeto.

    O coordenador do projeto me convidou a conhecer e participar do projeto e que o mesmo acontecia as terças, quintas e sábados, mas que temporariamente não estava tendo de terça-feira, pois as crianças não tinham como vir por falta de verba.

    No próximo dia de treino, estava eu presente na arquibancada, e quando o professor chegou resolvi descer as escadas e entrar na quadra, ainda encabulado sem conhecer as pessoas que lá estavam.

    Eu esperava que falasse mais coisas, mas já que não comentou também não me senti a vontade para falar. Mas logo que começamos as atividades algumas alunas começaram a fazer perguntas. Considerando que era ainda o primeiro dia eu estava me sentindo mais a vontade a partir do momento que as alunas e alunos começaram a conversar e de certo modo me acolher. Ao decorrer do dia estava me sentindo mais a vontade, mas não fiz muitas perguntas.

    No primeiro dia de contato com os jovens, já houve uma boa interação, de modo que pudemos permanecer praticando, dialogando até após o treino ter terminado, representando a acolhida do professor-pesquisador ao grupo.

    Tendo em vista a falta de profissionais e voluntários para trabalharem neste projeto, muitas vezes os adolescentes que treinavam há mais tempo participavam como monitores do treino, e sempre que o professor precisava se ausentar estes é quem assumiam as aulas. Em dado momento da aula os próprios alunos quem se encarregavam de organizar as atividades ou o desenvolvimento destas, tornando-se alunos-monitores.

    A ação de uma aluna-monitora revelou que a convivência e a experiência e participação no projeto a colocava hierarquicamente acima dos demais, embora não valia-se de arrogância, pelo contrário, a possibilidade de ser aluno e “professora” a fazia refletir como gostaria que fosse advertida quando estivesse fazendo algo errado, o que de fato colaborou para que a mesma orientasse e explicasse os motivos para que tais alunos permanecessem na quadra.

    No texto “conscientização e educação” de Fiori (1986), o autor menciona que o homem não pode libertar-se, se ele mesmo não for protagonista de sua história.

    A educação é, pois, processo histórico no qual o homem se produz, produzindo seu mundo. Todos que colaboram na produção deste, deveriam reencontrar-se, no processo, como sujeitos de sua destinação histórica, autores de sua existência. A condição do sujeito só pode ser preenchida pelos que trabalham o mundo. Esses são verdadeiramente o povo - a comunhão pessoal só tem um nome: colaboração do mundo comum (FIORI, 1986, p.10).

    Para Freire (1983), não há educação fora das sociedades humanas e não há homens e mulheres no vazio. Neste sentido, é fundamental a concepção de que homens e mulheres são seres de relações; eles e elas não estão apenas no mundo, mas com o mundo. O estar com o mundo, com os outros e consigo mesmo resultam de sua abertura a realidade que os constituem e os fazem ser os entes de relações que são. Ao mesmo tempo, essa realidade possibilita que homens e mulheres compreendam as sutilezas dessas relações e os sentidos nelas imbricados, no sentido de, por elas poderem educar-se e serem refeitos. A educação não deve ser alienante; ela deve ser transformação. Uma educação para o homem sujeito e histórico.

    Por outro lado, cabe destacar a concepção de Freire de que "ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo" (2001, p.68). Tal perspectiva rompe com a visão verticalizada de educação, em virtude da construção de processos educativos construídos nas interações, no encontro entre alteridades, com o Outro (DUSSEL, 1977). É o educar-se em comunhão, juntos, em relação de reciprocidade, cooperação, que tem como ponto central o diálogo que se configura como a essência da educação como prática da liberdade. "Não penso autenticamente se os outros também não pensam, simplesmente não posso pensar pelos outros nem para os outros nem sem os outros" (FREIRE, 2008, p.117). É o diálogo que demarca a presença democrática entre os diferentes sujeitos do processo educativo.

    A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, na ação reflexão (FREIRE, 2001, p.78).

    Sendo, portanto, o diálogo uma exigência existencial da condição humana, o ato de educar-se, de refletir e agir sobre o mundo não deve pautar-se, ou reduzir-se ao ato de depósito e imposição de idéias de um sobre o outro, nem reduzir-se a simples troca de idéia a serem consumidas mediante ao uso de palavras destituídas de suas dimensões de ação e reflexão; dimensões que são centrais à práxis libertadora (FREIRE, 2001).

Considerações

    Os processos educativos decorrentes da prática social do lazer neste projeto de extensão se revelaram importantes na trajetória de vida destes e destas jovens, sendo possível identificarmos contribuições para a construção de ideais, relacionamento com o Outro, de modo que aprendiam podia desenvolver o autoconhecimento, e o respeito mútuo.

    As opções de atividades de lazer que esse público tem estão restritos aos espaços públicos, e por vezes são desprovidos de recursos financeiros que possibilitem deslocar a estes espaços, de modo que o repasse de verbas são necessários para que a juventude tenha acesso a estes espaços de construção coletiva do conhecimento, por meio da convivência entre diferenças etnicorraciais, de gênero e de geração.

    La comunidad se forma y se armoniza a partir de la creación, la asimilación y la integración de nuevos quehaceres, sentimientos y convicciones que fundamentan la unidad a partir de diferentes puntos de vista, diferentes maneras de vivir. Este movimiento de asimilación, de aprendizaje, de interacción y de intercambio de valores, comportamientos y quehaceres de orígenes diferentes constituye y define la dinámica grupal o comunitaria entendida como convivencia (OMER, MARGALLI, MUÑOZ, 2012, p. 02).

    Tais diferenças constituem-se favorecem o desenvolvimento de processos educativos que certamente poderão ser utilizados em outros espaços e/ou instituições, tais como escola, trabalho, família etc.

    Um aspecto interessante é a forma como os alunos mais habilidosos e aparentemente há mais tempo no projeto acabam ensinando os mais novos, numa relação de paciência e respeito, assim como pode ou deveria acontecer também no ambiente escolar, no qual a maioria das vezes as meninas ficam sentadas nas arquibancadas, pois os meninos que se julgam habilidosos tendem a não querer a participação delas em quadra.

Referências

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