efdeportes.com

A concepção de professores sobre o processo de escolarização de surdos em uma instituição pública estadual de ensino da cidade de Guanambi, BA

La concepción de los profesores sobre el proceso de escolarización de sordos
en una institución pública estatal de enseñanza de la ciudad de Guanambi, BA

 

*Licenciada em Educação Física. Especialista em Psicomotricidade

**Professor Auxiliar da Universidade do Estado da Bahia-DEDC-XII

Pesquisador LEPEAF/NuPAF

(Brasil)

Cármem Ribeiro Lima*

Claudio Bispo de Almeida**

cbalmeida@uneb.br

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo teve o objetivo de analisar qual a concepção de professores sobre o processo de escolarização de surdos em uma instituição pública estadual de ensino da cidade de Guanambi-BA. Como instrumento de coleta de dados foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas com três professoras de uma classe especial. As entrevistas foram gravadas e transcritas posteriormente, em seguida fez-se a análise de conteúdo dos dados coletados. Este trabalho fez parte da monografia intitulada “Contribuições da Educação Física para surdos”, defendida na Universidade do Estado da Bahia e aprovada pelo CEP/UESB sob o protocolo nº 050/2009. Desta forma, os resultados encontrados foram: a proposta de abordagem do colégio pesquisado é o bilingüismo; existe uma preocupação em acompanhar os alunos surdos com reforço escolar em Língua Brasileira de Sinais e Português; percebe-se um discurso voltado à inclusão de alunos surdos; e que as professoras relataram a necessidade de maior aporte visual ao seu trabalho. Assim, evidencia-se que, de acordo com os relatos obtidos na escola estudada, a atual forma de Educação do surdo visa atender as expectativas e as necessidades educativas de forma integral, pois, diferente de tempos atrás, a partir do bilingüismo, passa-se a respeitar as individualidades dos alunos.

          Unitermos: Educação. Educação Especial. Surdos.

 

Abstract

          The present study aimed to analyze the design of which teachers about the schooling process of the deaf in a public state education city Guanambi-BA. As an instrument of data collection were utilized semi-structured interviews with three teachers of a special class. The interviews were recorded and transcribed later then became a content analysis of the collected data. This work was part of the monograph entitled "Contributions of Physical Education for the deaf", defended at the Universidade do Estado da Bahia approved by CEP / UESB under protocol Nr. 050/2009. Thus, the results found were: the proposed approach the college search is bilingualism, there is a concern accompany deaf students with tutoring in Brazilian Sign Language and Portuguese; perceives a speech focused on the inclusion of deaf students; and that teachers reported the need for greater visual contribution to its work. Thus, it is evident that, according to reports obtained at the school, the current form of the Deaf Education aims to meet the educational needs and expectations fully, because, unlike long ago, from bilingualism, pass to respect the individuality of students.

          Keywords: Schooling. Special Education. Deaf.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 178, Marzo de 2013. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introdução

    Para estudar e compreender questões relacionadas à educação dos surdos é necessário conhecer um pouco de sua história, para que se tenha noção de como esse processo vem acontecendo. Aqui são apresentados apenas alguns pontos, como os métodos de educação do surdo utilizados no Brasil até os dias atuais, de forma geral, mas de relevância para o nosso estudo. A criação da Lei 10.436/2002 e do Decreto nº 5.626/2005 (BRASIL, 2005), ambos sobre a legalização da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), foi um passo importante no processo de escolarização de surdos. A LIBRAS passou a ser reconhecida no processo de construção da identidade surda, interferindo na dinâmica do processo de escolarização de surdos de todo o Brasil.

    Segundo Lima (2004), há registros falando sobre surdos de 4.000 anos atrás, tempo em que esses nem se quer eram considerados humanos. Por volta de 2000 à 1500 a. c. no Egito, de acordo as leis judaicas, ele tinha direito apenas à vida, mas não à educação. Para os romanos, os surdos eram desprovidos de desenvolvimento intelectual e moral, sendo que o surdo de nascença não poderia ser educado, pois não possuíam raciocínio e era considerado sujeito não capacitado para desenvolvimento cognitivo, no dizer de Aristóteles, isso por não possuir a fala. Essa idéia de que o surdo não era educável persistiu até o século XV, só a partir daí ouve-se relatos de preceptores que tentaram educá-los, falando em nível mundial.

    Assim, pretende-se analisar como os professores de uma instituição pública estadual de ensino da cidade de Guanambi-BA percebem o processo de escolarização de surdos.

A educação de surdos no Brasil

    Sobre o início da educação de surdos no Brasil, Lima (2004) afirma que ocorreu há aproximadamente 160 anos, sendo que havia pouca compreensão da psicologia do problema. Isso fazia com que os surdos fossem considerados desprovidos de inteligência, incapazes de aprender, o que na verdade acontece é que a ausência da linguagem interfere somente no seu desenvolvimento psico-social, pois podem compreender e se comunicar através da língua de sinais e, em alguns, casos até a falada.

    De acordo com Lacerda (1998), no Brasil a educação do surdo iniciou no segundo império, com o educador Francês Hernest Huet, que foi convidado pelo Imperador D.Pedro II, no ano de 1855, para iniciar um trabalho de educação com duas crianças surdas com bolsas pagas pelo governo. Em 26 de Setembro de 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos – Mudos, o atual Instituto Nacional de Surdos (INES). A educação no INES utilizava como metodologia a LIBRAS. A utilização de sinais com as mãos para a comunicação e aprendizagem era a filosofia vigente na época em todo o mundo, tendo o Brasil sofrido forte influência da língua de sinais francesa, devido à vinda de Huet para nosso país.

    Em 1911, o Brasil passou a adotar no Instituto o oralismo puro, tendência que buscava nada mais nada menos que uma padronização, uma adequação aos padrões preestabelecidos de normalidade dos ouvintes, pois se considerava que, para o surdo viver em sociedade, tinha que ouvir, objetivava-se tornar o surdo em falante, eliminando assim a diferença, e, para isso, eram utilizados aparelhos e técnicas para leitura labial, e exaustivos exercícios para que pudessem falar, ou seja, superar o “defeito” para ser aceito. Isso não só no Brasil, pois o oralismo dominou o mundo até a década de 1960.

    Na década de 1970, chega ao Brasil e, consequentemente, ao INES a comunicação total, este método a filosofia, segundo Lima (2004, p.27), “permite ao aluno surdo a utilização de todos os recursos possíveis e imagináveis, tais como: mímica, gestos, língua de sinais, fala, leitura labial e leitura-escrita”. Goldfeld (1997) diz que este método privilegia a comunicação e a interação, pois acredita que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais, não devem ser deixados de lado em prol do aprendizado exclusivo da língua oral. E, assim, caberá ao surdo escolher sua forma de comunicação.

    O movimento dos surdos contribuiu para que, em 1971, seja fundada a Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos (FENEIDA), que, mais recentemente, com sua reestruturação, passou a se chamar FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. Uma instituição sem apoio governamental que atua como representante do surdo voluntariamente, com o compromisso de fazer o melhor pelo desenvolvimento social, profissional, educacional e cultural.

    Nos caminhos traçados para a educação de surdos surgiram diferentes métodos de ensino, como a língua auditiva oral nativa (oralismo), a língua portuguesa, o manualismo e a datilologia, língua de sinais, bilingüismo, códigos visuais e até mesmo associando-os a chamada comunicação total. Quase todos os métodos tinham como base aproximar os surdos da língua portuguesa de forma oral, desprezando, assim, a cultura surda.

    Muitos dos métodos que foram adotados estavam mais preocupados com a comodidade dos ouvintes do que com a educação dos surdos, buscando mais eliminar do que entender e aceitar as diferenças, com o intuito de proporcionar ao homem experiências diversificadas. Neste contexto Faria (2002, p.1), afirma que o homem diante aquilo que não consegue entender sente-se desconfortável e incomodado, assim ele pode gerar duas reações: “tentar entender o porquê da diferença ou simplesmente eliminá-la”.

    Não há ainda uma abordagem consensual em nível mundial para ser adotada na educação do surdo (oralismo, comunicação total ou bilinguismo). Diante disso Goldfeld (1997, p. 33) diz que: “... todas as abordagens seriamente estudadas devem ter espaço”.

A educação de surdos em Guanambi

    O histórico da educação dos surdos da cidade de Guanambi foi baseado em informações obtidas através do relato da professora Joilce Karine Fernandes (Professora de LIBRAS da sala de Apoio Pedagógico no Colégio Estadual Idalice Nunes – Sócia fundadora da APADA de Guanambi e Região), considerando-se que não há nenhum documento registrando este assunto.

    As classes especiais de surdos em Guanambi começaram na Associação de Pais e Amigos de Excepcionais – APAE desta cidade. No início dos anos 90 houve uma modificação na estrutura de atendimento da APAE, que passou a se dedicar exclusivamente às pessoas com deficiência mental. Com isso, a APAE não podia mais continuar com as classes de surdos, passando estas turmas a funcionarem no então Grupo Escolar Idalice Nunes, atual Colégio Estadual Idalice Nunes, por ser esta a única escola que tinha salas disponíveis para receber as referidas turmas.

    Com esta mudança de espaço escolar, o número de alunos surdos que procuravam as classes especiais aumentou. Neste contexto, surge a APADA – Associação de pais e Amigos dos Deficientes Auditivos de Guanambi e região, fundada em 20 de março de 1998. Um marco histórico na Educação do surdo local que ampliou as oportunidades de contato dos profissionais que trabalhavam nessa área com outros órgãos e entidades de outros Estados, como a FENEIS e o INES no Rio de Janeiro.

    No mesmo período da fundação da APADA, a educação do surdo em Guanambi encontrava-se em uma fase de mudanças, passando da filosofia oralista, para a comunicação total. Fase esta que marca o início do uso da LIBRAS por nossos alunos e professores. Como o Colégio Idalice Nunes é mantido pelo Estado, os professores que trabalhavam nas classes especiais participavam de cursos de capacitação oferecidos pela Secretaria Estadual de Educação, em Salvador, nos quais tiveram os primeiros contatos com a LIBRAS.

    De 1999 a 2000, houve uma forte pressão para que os alunos passassem a frequentar as classes regulares, devido à nova política de integração defendida pelo MEC. Alguns alunos foram integrados a essas classes, porém, pela falta de recursos que os apoiassem, não obtiveram sucesso nos estudos.

    Em 2002, com o apoio da APADA, que oferecia aulas de reforço escolar no turno oposto, tem-se início o processo de “Inclusão”, com a matrícula de três alunos surdos na Escola Estadual Getúlio Vargas, em turmas de 2ª Série do Ensino Fundamental. Porém, encontraram-se dificuldades no entendimento dos conteúdos pelos alunos, por não ter um intérprete de LIBRAS na sala de aula. Foi então que com o apoio da APADA, inseriu-se no contexto escolar o profissional intérprete em LIBRAS, pois se acreditava que um dos pontos fundamentais para que houvesse a inclusão do aluno surdo, era a presença deste profissional.

    Em 2006 é fundada a Sala de Apoio Pedagógico na Área de Surdez no Colégio Idalice Nunes. Esta sala de apoio teve como principal objetivo, dar suporte educacional a alunos e professores que estejam em processo de inclusão, buscando melhorar o processo ensino-aprendizagem e promovendo uma maior interação entre toda a comunidade escolar, através da divulgação e estudo da LIBRAS.

    Os alunos frequentavam a sala de apoio no mínimo três vezes por semana, divididos em turmas organizadas conforme o nível de aprendizagem da Língua Portuguesa e da LIBRAS. Os horários eram previamente estabelecidos, sendo duas horas diárias para cada turma.

    Além dos alunos que estão em processo de inclusão, continuam funcionando no colégio Idalice Nunes as classes especiais, sendo uma composta por crianças e por duas de jovens e adultos, nas quais enfoca-se o bilinguismo, isto é, o estudo do português como segunda língua e da LIBRAS em momentos distintos, respeitando assim a peculiaridade linguística da pessoa com surdez. Em nível municipal, há aproximadamente dois anos, tem-se o Centro de Referência da Educação Inclusiva Operacional (CREIO), que é um Centro de apoio à inclusão de alunos com necessidades especiais, que também atende pessoas surdas.

    A partir dessas informações percebe-se que a educação do surdo em Guanambi vem crescendo bastante no sentido da inclusão. Afinal a realidade atual é de que todos têm direito a escola regular, inclusive os alunos que apresentem necessidades especiais, é o que diz a declaração de Salamanca (1994): crianças com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deve acomodá-los dentro de uma pedagogia centrada na criança e ser capaz de satisfazer tais necessidades.

    De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB), lei nº 9394/96 art.58, cabe a escola oferecer a esses alunos uma educação especial, apresentada como "a modalidade de educação oferecida principalmente na rede regular de ensino, para portadores de necessidades especiais" (AMORIM, 2007, p.71). No caso do colégio Estudado são utilizadas metodologias específicas para a escolarização dos surdos.

    Sendo assim, são necessárias definições específicas para cada tipo de deficiência, bem como metodologias que as contemplem dentro da educação formal. Dentro dessa perspectiva o aluno em sala de aula é deficiente auditivo (DA) ou surdo? É importante saber quem é o aluno “real”.

Uma questão de identidade: deficiente auditivo ou surdo?

    É comum encontrarmos tanto um termo (DA) quanto o outro (surdo), quando falamos da questão da audição. No entanto, os termos costumam diferir-se em seu significado. Quando se trata da Política Nacional de Educação Especial, essa considera deficiência auditiva como sendo a "perda total ou parcial, congênita ou adquirida da capacidade de compreender a fala através do ouvido" Brasil (1997), não usando a nomenclatura surdo.

    Santos Filha (2005, p.2) diz que a expressão deficiência auditiva "sugere a diminuição ou ausência da capacidade para ouvir determinados sons, devido a fatores de quaisquer partes do aparelho auditivo". Já o decreto nº 5. 626, de 22 de Dezembro de 2005, "considera a deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1000Hz, 2000Hz, 3000Hz". E ela ainda define a pessoa surda sendo aquela que pela perda auditiva interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da LIBRAS.

    Santana e Bergamo (2005) colocam essa mudança de patologia para fenômeno social não como apenas uma mudança de terminologias. Neste sentido, Palma (2000), coloca que há ainda outra diferenciação entre os termos DA e surdo, no qual o DA é normalmente utilizado quando se refere a parte clínica e/ou déficit de audição, a deficiência biológica no aparelho auditivo, e surdo refere-se a parte pedagógica, linguística e de aprendizagem, entendendo que o surdo não é apenas o que não ouve, mas o que desenvolve potencialidades psíquicas, sociais e culturais diferentes dos ouvintes.

    Nota-se assim que não há mais uma necessidade de cura, de normalização do surdo para que se iguale ao ouvinte, como aconteceu em todo o período que o oralismo que dominou a educação do surdo no mundo na década de 60. Quando se fala em surdo não estamos falando de pessoas incapazes, como muitas vezes nos remete o termo deficiente.

    Assim, apresentam-se definições tanto de DA quanto de surdo, no entanto, percebe-se que apenas um dos termos considera o individuo e não apenas a ausência da audição, aquele indivíduo que encontramos na sociedade, pois, ao contrário do que muitos pensam, a diferença entre o surdo e o ouvinte não está apenas na questão da audição, mas sim no modo de ser, uma questão sociocultural.

    Sá (2006) possui uma definição bem ampla da definição de uma pessoa surda, que contempla bem tal termo:

    Podemos definir uma pessoa surda como aquela que vivencia um déficit de audição que o impede de adquirir, de maneira natural, a língua oral/auditiva usada pela comunidade majoritária e que constrói sua identidade calcada principalmente nesta diferença, utilizando-se de estratégias cognitivas e de manifestações comportamentais e culturais diferentes da maioria das pessoas que ouvem.

    Esclarece assim que não será apenas déficit da audição que caracterizará o termo surdo, mas seu comportamento, sua cultura. Os alunos surdos que frequentam a escola pesquisada preferem essa denominação. A partir de uma conversa, informal e registrada no diário de bordo, com uma professora que trabalha com estes alunos, foi percebido que, entre eles, não se chamam de “DA”, mas se definem como “surdos” por entenderem que esse termo evidencia a forma cultural e linguística que utilizam, e não simplesmente a ausência da audição como o termo anteriormente citado. Assim, essa comunidade utiliza o termo DA para aqueles componentes que não se identificam enquanto culturalmente surdos.

    Faria (2002) diz que para quebrar o paradigma da deficiência é preciso enxergar as restrições de ambos, surdos e ouvintes. Afirma ainda que os ouvintes creem que ser ouvinte é melhor que ser surdo, porque para eles ser surdo é ter perdido uma habilidade disponível para a maioria dos seres humanos, dessa forma, se nenhum ser humano é exatamente igual à outro, conclui-se que ser surdo não é melhor nem pior que ser ouvinte, mas apenas diferente.

    Destaca-se que é por não tratar necessariamente de uma perda, mas de uma diferença, que muitos surdos, especialmente congênitos, não tem a sensação de perda auditiva” (FARIA, 2002,p.01). Essa diferença vem expressa claramente no meio de comunicação do ouvinte e do surdo, sendo a língua de sinais uma das grandes conquistas dos surdos, que agora possuem uma língua própria.

    Para Santana e Bergamo (2005, p.567) “conferir a língua de sinais o estatuto de língua não tem apenas repercussões lingüísticas e cognitivas, tem repercussões também sociais”, visto que a aceitação dessa língua traz para o surdo bem mais que um meio de comunicação, mas também uma nova concepção.

    A linguagem de sinais veio oferecer à criança surda a oportunidade de se comunicar e se expressar, com uma linguagem própria, mostrando sua capacidade de comunicação, propondo que a respeitem e a aceitem como ela é (NASCIMENTO, 2002). Segundo Gesueli (2006), a aceitação de uma língua implica sempre na aceitação de uma cultura. Sendo assim, a língua de sinais está intimamente ligada à cultura surda, essencial na escola para a construção da identidade surda, visto que é a língua que media a aquisição da cultura, que é construída na sua fala e na fala dos outros. No caso do surdo, isso ocorre dentro de uma cultura visual.

    De acordo com Santana e Bergamo (2005, p.567) “o uso ou não da língua de sinais seria aquilo que definiria basicamente a identidade do sujeito, identidade que só seria adquirida em contato com outro surdo”. O que é complementado por Faria (2002, p.03), quando diz que os “surdos possuem história de vida e pensamentos diferenciados, possuem, na essência, uma língua... que gera uma modalidade visual-espacial”. Modalidade que se encaixa o meio de comunicação adotado pelos surdos, ela diz ainda que é por meio da cultura que uma comunidade se constitui, integra as pessoas e lhes dá a pertinência de identidade.

    Assim, a cultura ajuda a construir a identidade surda, estando o surdo mais próximo da cultura surda, a depender da identidade que assumem na sociedade. Dentro dessa perspectiva a língua de sinais seria a única capaz de oferecer a identidade ao surdo, por quebrar o isolamento social, pois amplia suas possibilidades ligadas a uma multiplicidade de práticas e interações sociais.

    Neste contexto, Faria (2002) diz que a preferência dos surdos em se relacionar com seus semelhantes fortalece a construção e definição de sua identidade. Esse reconhecimento das potencialidades dos surdos assegura sua inserção na sociedade e nas mais variadas atividades que essa é capaz de lhes oferecer.

O surdo na escola

    A partir das definições já apresentadas nota-se que existem diferentes graus de surdez, e que podem ocorrer em diferentes fases da vida, por motivos e formas variadas, sendo sua maior conseqüência à incapacidade para ouvir a voz humana. Essa diminuição ou ausência da audição faz com que os alunos surdos tenham um desenvolvimento escolar mais difícil e lento que os ouvintes. Santos Filha (2005, p.02) diz que “o indivíduo pode ter dificuldade no relacionamento e na comunicação, na compreensão de conceitos e regras, na compreensão de conhecimentos através dos meios mais comuns (a língua oral e textos)” a depender da época da instalação da deficiência e do grau da perda auditiva.

    Por essas dificuldades, a educação do surdo geralmente se inicia em uma classe especial, classe em escola comum que atende educando em ambiente físico adequado, com professores, equipamentos, métodos e técnicas específicas.

Procedimentos metodológicos

    Constituiu-se em uma pesquisa de campo do tipo exploratória, aproximando-se do método dialético, método esse que fornece base para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade (GIL, 2006).

    Os sujeitos da pesquisa foram 03 professoras da classe especial, identificadas neste trabalho como: AM, JK e ME. Todas elas preencheram voluntariamente o termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com a resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2000), que trata de pesquisas com seres humanos.

    Este estudo é parte da monografia intitulada “Contribuições da Educação Física para Surdos”, defendida no curso de Educação Física da Universidade do Estado da Bahia, e aprovada pelo CEP/UESB, protocolo nº050/2009.

    Os dados apresentados foram coletados no período de 13 de julho a 08 de Outubro de 2009, em um colégio estadual localizado na cidade de Guanambi - Ba. A realização da pesquisa foi consentida pela direção do Colégio através de um ofício para a liberação da pesquisa. A escolha desta unidade de ensino foi por ela ser a pioneira a trabalhar especificamente com surdos na cidade.

    Como técnica para coleta de dados utilizou-se entrevista semi-estruturada, que, segundo Apolinário (2006), oferece ao entrevistado uma maior flexibilidade e espaço para informações espontâneas sobre o tema. Foi criado e aplicado um roteiro de entrevista para as 03 professoras. As entrevistas foram registradas através de gravações em um gravador do tipo MP4 player marca TRC modelo NT, e transcritas posteriormente.

    Os dados foram interpretados através da análise do conteúdo, método que é considerado um meio para estudar as “comunicações”, analisando o conteúdo das mensagens com o auxílio de um conjunto de técnicas (TRIVINOS, 2006).

Análise e discussão dos dados

    Todas as entrevistadas possuem formação acadêmica em Pedagogia, e concluíram a graduação há no máximo sete anos. Em relação a curso de pós-graduação foi constatado que todas possuem duas especializações, sendo que pelo menos uma é na área da educação de surdos. Quanto ao tempo de experiência na área de educação do surdo é de 05 a 10 anos.

    Ao serem questionadas sobre as motivações que as levaram a trabalhar com surdos temos os seguintes relatos:

    “o que me fez interessar pelo trabalho com surdos foi primeiro ter alunos incluídos na minha sala de aula no primário [...] depois uma pesquisa que eu e um grupo de colegas fizemos quando estávamos fazendo graduação [...] eu fiz o curso de LIBRAS com uma colega especializada em Educação Especial [...] e depois eu fui convidada pra trabalhar na sala de apoio [...] ai fiz alguns cursos na área e to há quatro anos na sala de apoio, atendendo exclusivamente alunos surdos” (AM).

    “O que me levou a isso foi um convite da professora, na época coordenadora da DIREC, como tinha uma professora que ia fazer faculdade, né? Elas estavam procurando uma professora, como eu já trabalhava na... trabalhei na APAE um tempo, então elas achavam que eu tinha o perfil pra poder trabalhar com essa classe Especial” (JK).

    “Eu comecei trabalhando com o EJA, era... era uma turma de inclusão, depois eu fui fazer um curso em Salvador [...] É, é... e no ano seguinte surgiu a oportunidade, deu pegar a turma de Classe Especial. Peguei e ... gostei, e continuei até hoje”.(ME)

    A partir dos relatos percebe-se que a abordagem educacional para o surdo utilizada no colégio pesquisado atualmente é o Bilinguismo, modalidade que, segundo Lima (2004, p. 29) é uma proposta de ensino que tem sido utilizada por escolas que se propõem tornar acessível ao surdo duas línguas, no espaço escolar: a língua de sinais e a língua portuguesa, em sua modalidade oral e/ou escrita.

    Na classe especial com a modalidade bilíngüe, ou seja, ele aprende primeiro a língua de sinais, sua língua materna, para que tenha suporte para aprender outra língua, no caso, o português. A partir do momento que ele sabe LIBRAS, tem certo domínio da escrita da língua portuguesa e conhecimentos básicos da matemática. Ele é encaminhado para a 3ª série regular, turma de inclusão, com um interprete em LIBRAS na classe. Este mediará o conhecimento e a relação desse aluno com os demais alunos e o professor.

    Na cidade de Guanambi acontece da seguinte forma: os alunos que nunca frequentaram a escola são recebidos, matriculados a partir dos sete anos de idade. Para definição da classe que irão frequentar, a infantil ou adulto, são consideradas suas idades, para que possa atender esses alunos em todas as esferas de sua vida escolar. Ressaltando ainda que paralelamente a essa classe de inclusão o aluno recebe um acompanhamento e reforço, participando da sala de apoio pedagógico.

    Esse processo ficou claro nas falas a seguir, Segundo AM,

    “Aqui... (na escola) ...a gente procura atender o aluno em todas as esferas que ele percorre em sua vida escolar. Então, primeiro ele é atend..., vai pra classe especial, onde a modalidade de ensino é basicamente bilíngüe [...]. porque o surdo precisa primeiro aprender a língua dele, a língua de sinais, ele tem que ter suporte lingüístico para aprender outra língua, depois que ele sabe um pouco da língua de sinais, o professor começa a ensinar a língua portuguesa NE, como segunda língua, e depois que ele ta alfabetizado...é, em língua portuguesa e sabe LIBRAS, ai ele é incluído no ensino regular, no ensino regular ele tem um interpreten a sala de aula pra mediar o conhecimento e a interação entre ele, os alunos ouvintes e o professor também. E tem um atendimento também na sala de apoio”.

    Descrição que vem reforçada por JK, que ainda salienta ser um trabalho estadual:

    “Bom aqui a nível de estado, que é o que a gente tem [...] aqui no Idalice Nunes.Tem três classes especiais, que ai os alunos que nunca freqüentaram a escola [...] são matriculados nessa classes especiais, observando a idade né? O nível de conhecimento, que pra gente poder separar as classes [...] a partir do momento que a gente percebe que esses alunos já estão alfabetizados, ele já tem um certo domínio do português e da Língua de Sinais e o conhecimento básico de matemática, a gente inclui... encaminha esses alunos para escola regular, normalmente isso acontece a partir da 3ª série”.

    De acordo ME, o processo de escolarização acontece da seguinte forma:

    “... a gente recebe esses alunos surdos aqui, com sete anos de idade. Eles são alfabetizados aqui, depois eles vão pra turma de inclusão. Nas turmas de 3ª e 4ª série. Pra preparar, treinar, pra ingressar no... no, no colégio na 5ª série”.

    Quando questionadas se desenvolviam trabalho apenas com alunos surdos, 66,6% (2) disseram sim e apenas 33,3% (1) disseram não. Dai surge outra indagação referente à qual seria a diferença deste tipo de trabalho. Neste caso, 66,6% (2) fizeram diferenciação entre trabalho com surdos e pessoas sem deficiências, enfatizando a questão visual, a necessidade de utilização de mais recursos visuais sendo que desses 50% (1) acrescentou ainda a questão do tempo, os resultados são mais lentos, sempre em longo prazo.

    AM, diz que “trabalhar com outras disciplinas não daria [...] tem que usar muito recurso visual”.

    ME, aponta duas diferenças: “A diferença está, mais... no, no tempo. Porque o aluno surdo, ele... você não obtém um resultado imediato. Há uma questão de tempo. Eles demoram mais de acordo com suas limitações, isso é normal [...] trabalhar com o aluno surdo você tem que trabalhar muito com o visual, também com a memorização porque é... é a forma, assim de aprendizagem, mais significativa para ele. O visual!”.

    Outro dado obtido dos relatos das professoras pesquisadas foi que todas elas acreditam que a presença da componente curricular Educação Física poderia auxiliar na aprendizagem dos alunos surdos e, conseqüentemente, em seu processo de escolarização.

Considerações finais

    O processo de alfabetização do surdo é primordial para sua inclusão de fato na escola e na sociedade. Este processo é o período que fornece a base, o alicerce de toda a vida escolástica. Dentro dessa perspectiva, é essencial que seja empregado todos os recursos possíveis para fortalecimento desse alicerce.

    Evidencia-se que a atual forma de Educação do surdo visa atender as expectativas e as necessidades educativas de forma integral, pois diferente de tempos atrás, a partir do bilinguismo, passa-se a aceitar o aluno como ele é. Conforme relato das professoras entrevistadas. Percebe-se a preocupação com o apoio ao ensino da LIBRAS e da Escrita em Língua Portuguesa aos alunos surdos, bem como com a utilização de recursos audiovisuais durante às aulas, que também foi destacado pelas entrevistadas.

    Assim, nota-se que o surdo deixa de ser visto apenas como um “ouvido com defeito”, que precisa ser consertado, quando comparados aos ouvintes. Mas passa a possuir uma língua própria que contribui para a construção de sua identidade e, consequentemente, sua cultura.

Referências

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 17 · N° 178 | Buenos Aires, Marzo de 2013
© 1997-2013 Derechos reservados