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Mulher e envelhecimento: o corpo em evidência

Las mujeres y el envejecimiento: el cuerpo en la evidencia

 

*Graduada em Psicologia (UNIFRA) aluna do Curso de Especialização

em Pesquisa em Movimento Humano, Sociedade e Cultura (UFSM)

**Graduada em Pedagogia (UFSM), aluna do Curso de Especialização

em Pesquisa em Movimento Humano, Sociedade e Cultura (UFSM)

***Graduada em Educação Física- Licenciatura (UFSM), aluna do Curso de

Especialização em Pesquisa em Movimento Humano, Sociedade e Cultura (UFSM)

****Bacharel em Ciências Sociais (UFSM), aluna de Especialização em Pesquisa

em Movimento Humano, Sociedade e Cultura (UFSM)

Aluna do Curso de Graduação em Sociologia (UFSM)

Cristiane Savian de Oliveira*

Karine Jacques Hentges**

Suélen de Souza Andrés***

Tatiane Razeira Ojeda***

Trícia Andrade Cardoso****

razeiratati@bol.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente trabalho pretende abordar as temáticas envelhecimento, corpo e mulher, e como estão sendo articulados na sociedade contemporânea. O trabalho foi realizado através de uma análise bibliográfica dessas temáticas utilizando autores clássicos. Sendo assim, este trabalho buscou demonstrar como o corpo envelhecido passou por ressignificações, percebendo como as idosas buscam desnaturalizar a condição de seu próprio corpo. Isso está acontecendo devido ás representações sociais, que acabam por influenciar o modo de agir e pensar da sociedade, a qual prioriza a juventude e também o corpo jovem.

          Unitermos: Envelhecimento. Corpo. Mulher.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 177, Febrero de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Este artigo tem por finalidade analisar as articulações contemporâneas sobre o envelhecimento, corpo e mulher. Através de uma análise bibliográfica destas temáticas em textos clássicos, foi possível perceber que o corpo envelhecido passou por ressignificações ao longo dos anos.

    Esta análise foi feita com o objetivo de buscar os significados atribuídos sobre esses conceitos na sociedade contemporânea, a qual possui diferentes representações.

    O presente artigo utiliza o referencial da pesquisa bibliográfica, pois a “principal finalidade da pesquisa bibliográfica é levar o pesquisad@r1 a entrar em contato direto com obras, artigos ou documentos que tratam do tema em estudo”. (OLIVEIRA, 2005, p. 69).

    Para tanto buscamos relacionar autor@s clássicos que tocassem nas questões de corpo, envelhecimento e mulheres com autor@s atuais procurando imbricar suas perspectivas teóricas dentro dessas temáticas.

    Sendo assim, serão abordadas algumas perspectivas sobre o que compreendemos e refletimos a respeito dos temas corpo, mulher e envelhecimento.

Construções sociais e envelhecimento

    O envelhecimento humano se tornou uma das grandes preocupações sociais da atualidade. Tal tema está sendo cada vez mais discutido e trabalhado, através de Políticas Públicas e trabalhos desenvolvidos por acadêmic@s e professor@s de Ensino Superior. O Estatuto do Idoso (Brasil, 2003) traz que o Brasil deixou de ser um “país de jovens”, já que @s brasileir@s com mais de 60 anos representam 8,6% da população, chegando a 14% em 2025. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) existem mais de 19 milhões de pessoas idosas no Brasil (IBGE, 2007).

    Assim, o envelhecimento torna-se questão fundamental para as Políticas Públicas, pois, embora esse envelhecimento seja uma conquista, visto que há um aumento da expectativa de vida, não podemos esquecer que há conseqüências socioculturais nesse fato. Minayo e Coimbra (2002) chamam a atenção para a velhice enquanto questão pública, visto que o número de pessoas idosas vem crescendo continuamente, atribuindo um novo significado as/os idos@s de antigamente, tidos como “inativos”. @ idos@ está redefinindo as relações familiares, criando uma nova imagem de si e dando novos rumos à Política.

    Tal fato corrobora para a desconstrução do envelhecimento como um fator natural, como sendo a “última fase” da vida (como colocam alguns/mas autor@s). O fato é que o número de idos@s cresce a cada dia, e é preciso pensar sobre tal tema, adequando alternativas de ser pensar o corpo velho e o que é ser velh@ hoje. Salienta-se que a Organização das Nações Unidas (ONU) estabelece uma idade para o início da velhice (60 anos para países em desenvolvimento e 65 anos para países subdesenvolvidos) (BLESSMANN, 2004) em resposta às mudanças evolutivas comuns à maioria das pessoas dos vários grupos etários, considerando os fatores biológicos, históricos e sociais, segundo Neri e Freire (2000).

    A sociedade em que vivemos supervaloriza @s jovens, pois o corpo jovem possui uma representação que o faz ter mais relevância social que um corpo envelhecido.

    Neste sentido, entende-se a sociedade como um conjunto de pessoas que instituem crenças, valores, tradições, religiões, ponto de vistas, sistemas simbólicos, etc. Dessa forma, se constitui as culturas que norteiam os indivíduos, em relação à maneira de pensar, agir, julgar, apreciar e consumir. Conforme afirma Geertz (2008), o homem é um ser amarrado à teia de significados sendo através dessas analises que se constitui o Discurso social.

    “Ao individuo auto-suficiente, ela opõe o homem social; considera cada homem, não mais como uma encarnação particular da humanidade abstrata, mas como um ponto de emergência mais ou menos autônomo de uma humanidade coletiva, particular de uma sociedade. No universo individualista, essa visão, para ser real, deve assumir a forma de uma experiência, quase uma revelação pessoal, eis por que falo de uma apercepçao sociológica. Assim escreveu o jovem Marx, com o excesso de um neófito: “È a sociedade que pensa dentro de mim”. (DUMONT, p.53, 1966)

    O conceito de representação social, proposto por Durkheim (1978), seria o de formas coletivas de agir e/ou pensar, que estariam exteriores a realidade do individuo, ao modo que as representações sociais teriam existência própria, assim sendo,

    “o termo “representação social”, ou “representação coletiva” foi proposto, como é sabido, por Durkheim, que desejava enfatizar a especificidade e a primazia do pensamento social em relação ao pensamento individual. Para esse autor, assim como a representação individual deve ser considerada um fenômeno psíquico autônomo não redutível à atividade cerebral que a fundamenta, a representação coletiva não se reduz à soma das representações dos indivíduos que compõem a sociedade. Ela é também uma realidade que se impõe a eles: “as formas coletivas de agir ou pensar tem uma realidade fora dos indivíduos que, em cada momento, conforma-se a eles. São coisas que têm existência própria. O individuo as encontra e nada pode fazer para que sejam ou não do que são”. (HERZLICH, p.58, 2005).

    As representações sociais alteram a realidade d@s idos@s. A sociedade prioriza a juventude, ou seja, o “corpo jovem”, fazendo com que @s idos@s procurem desnaturalizar o conceito de ser velh@, buscando manter seus corpos rejuvenescidos, através de plásticas, maquiagens, tinturas e cosméticos. Antes de fazer a relação de envelhecimento e corpo é preciso pensar nos significados de envelhecimento e de corpo.

    A sociedade moderna exalta a racionalidade e o trabalho produtivo e criativo próprio para @s mais jovens, desta maneira, a velhice passa a ser reconhecida pela decadência física e ausência de papéis sociais. Esta é uma imagem negativa da velhice com a qual convivemos no século XX, pautada sobretudo na fragilidade biopsíquica e na decadência, resultante da perda do status, de poder econômico e social, quando o mundo passa a ser dominado por quem detém a ciência e a técnica, ou seja, @s mais jovens (BLESSMANN, 2004).

    Não é possível dizer que existe velh@ “em pluralidade de imagens socialmente construídas e referidas, a um determinado tempo de ciclo de vida” (Britto da Motta, p.78, 2006).

    “É, portanto, a heterogeneidade que caracteriza o envelhecimento, como todo fenômeno social. Diferenciam-se os idosos segundo a classe social que pertençam, segundo o seu sexo e as relações gênero que estabelecem , suas características étnico-raciais e até conforme seus diferentes grupos de idade, enquanto idosos, na sociedade longeva atual. (Britto da Motta, p.78,2006)”

    Entender as formas de gestão da velhice na contemporaneidade traz como exigência, segundo Debert (1999), um engajamento em direção à elucidação de como os múltiplos discursos sociais atuam na construção social do envelhecimento. Uma característica recente no campo da Gerontologia refere-se, segundo a autora, às tentativas da desnaturalização do envelhecimento humano como experiência e processo homogêneos e universais, com discursos voltados para a qualidade de vida, sendo ambas, velhice e qualidade de vida, produzidas como resultantes de interações interpessoais em contextos em transformação.

    Há, segundo a autora, um consenso quanto às inúmeras transformações na experiência do envelhecimento ao longo do século XX, resultando na mudança de paradigma sobre a velhice, e numa maior variedade de possibilidades e alternativas de modelos.

    Velh@, idos@, melhor idade, terceira idade não se tratam apenas de diferentes nomes que se aplicam sobre uma determinada terminologia. Esses diferentes termos trazem fortes implicações políticas, sociais e culturais.

    Portanto, esses termos fazem mais do que descrever corpos, mas dizem respeito à produção de práticas e discursos sobre envelhecimento em um processo ativo e conflitante, que transformam aquilo a que se referem, produzem sujeitos, conjuntos de enunciações que permitem reconhecer e agrupar sujeitos como velhos ou não, além de definir estatutos corporais.

    Conforme Peixoto (2006), a representação de pessoa velha sofreu uma série de transformações ao longo do tempo, a partir das alterações nas políticas sociais para a velhice, exigindo assim a criação de novas formas de classificação, adaptadas à nova condição moral e à mudança na percepção sobre estas pessoas.

    Com a criação da categoria aposentad@, as pessoas que estão envelhecendo tornam-se ainda mais valorizadas, pois adquirem um estatuto social reconhecido. Este novo recorte proporcionado pela aposentadoria confere uma nova identidade ao universo da velhice, transformando hábitos e comportamentos em uma luta contra o estigma de ser velh@.

    “Se a velhice é considerada uma etapa, assim como a infância e a juventude, é nela que se concentra o momento mais dramático de mudança de imagem corporal, porque é difícil aceitar uma imagem envelhecida em uma sociedade que tem como referência a beleza da juventude.” (BLESSMANN, 2004, P. 27)

    Desta forma, entende-se que o conhecimento que se tem sobre envelhecimento, na atualidade, é produto de um tipo de homem e de mulher, inserido em um contexto sócio-histórico-cultural.

    Com as mudanças no mundo, @s velh@s mudam e a concepção de velh@ também, se até o século XIX a sabedoria dos velh@s tinha um valor simbólico, a partir do século XX este passa por uma transformação, pois a velhice passa a ser reconhecida pela decadência física e ausência de papéis sociais, todavia nos dias atuais se tem uma nova visão para a velhice, onde esta é estimulada a participação social e assim percebida como um novo contingente a ser explorado pelo mercado.

    Esta visibilidade proporcionou para @s velh@s uma nova concepção de ter/ser um corpo, pois é no corpo que as marcas do envelhecimento se tornam mais visíveis, envelhecer implica em mudanças e em vários aspectos: físicas, sociais, fisiológicas e psicológicas, essas eram encaradas apenas como perdas, que num processo de mudanças isso implicaria em ganhos se pensarmos que novas possibilidades surgem.

    Para isso, Beauvoir (1990) ressalta que a velhice é vivida no corpo, e quando sabemos que ela o habita, nos inquieta. A aceitação da velhice não pode ser pormenorizada, pois se associa a velhice com a imagem de um corpo decadente, feio e indesejável. Velh@ é sempre o outro! Percebemo-nos velhos, mas não inCORPOramos essas transformações.

Corpo e envelhecimento

    Csordas (2009) traz o conceito de corporeidade como um paradigma de compreensão dos sujeitos humanos inseridos em sua cultura. A corporeidade, na concepção de autor, fundamenta-se na análise da percepção de Merleau-Ponty e na teoria da prática social formulada por Pierre Bourdieu. Na leitura de Csordas, esses autores buscam colapsar as dualidades referentes à corporeidade. Tal colapso exige que o corpo seja não-dualista, ou seja, se veja em interação com a mente. Assim, para Merleau-Ponty, o corpo é um “contexto em relação ao mundo”, e a consciência é o corpo se projetando no mundo (conceito de pré-objetivo). Bourdieu traz o corpo como socialmente informado, “princípio gerador de todas as práticas”, onde a consciência é fundida com um sistema de potencialidades objetivas (conceito de habitus).

    O corpo surge então como “o solo existencial da cultura”, onde se articulam sujeito e objeto, conhecimento e autoconhecimento, subjetividade e alteridade. A corporeidade é a síntese desta “encarnação” da cultura que constitui os seres humanos historicamente situados e o lócus privilegiado de articulação da dualidade sujeito e objeto. Csordas (2009) chama a atenção para a dialética entre o corpo, enquanto unidade material da existência, e a corporeidade, enquanto condição projetada e objetificada reflexivamente da existência dos sujeitos no mundo. E conclui que, ao mesmo tempo em que o corpo (material) se apresenta como a condição dos sujeitos no mundo, ele (enquanto corporeidade) também é o locus da revelação do ser do mundo que, embora se expresse nos corpos individuais, não se esgota neles.

    É preciso compreender que o corpo é algo que está extremamente relacionado com a consciência, que sofre grande influencia da representação social, condicionando os indivíduos a exaltar a sociedade jovem. Isso acontece através de uma intensa influência da mídia que busca vender cosméticos, remédios e produtos “que eternizariam o corpo jovem”. @s idos@s acabam sendo um grupo alvo, como consumidores da busca de um corpo rejuvenescido. Por isso, @s idos@s buscam desnaturalizar e ressignificar a condição de ser velh@.

    Dessa forma, percebe-se o corpo enquanto uma construção histórica, cultural e social onde,

    “um corpo não é apenas um corpo. É também o seu entorno. Mais do que um conjunto de músculos, ossos, vísceras, reflexos e sensações, o corpo é também a roupa e os acessórios que o adornam, as intervenções que nele se operam a imagem que dele se produz, as máquinas que nele se acoplam, os sentidos que nele se incorporam, os silêncios que por ele falam, os vestígios que nele se exibem, a educação de seus gestos... enfim, é um sem limites de possibilidades sempre reinventadas, sempre à descoberta e a serem descobertas. Não são, portanto, as semelhanças biológicas que o definem, mas fundamentalmente os significados culturais e sociais que a ele se atribuem” (GOELLNER, 2008, p. 28).

    Portanto, não é apenas pensar um corpo enquanto um dado natural e biológico e sim na inter-relação entre natureza e cultura, pois a construção dos corpos se difere de pessoa para pessoa, de sociedade para sociedade e estando os corpos nesse emaranhado de questões biológicas, sociais e psicológicas que refletimos sobre as representações dos corpos no processo de envelhecimento.

    Nesse início de século XXI presencia-se um aumento na oferta de formas de manipulação do corpo para que esse permaneça com aparência jovem, existe um controle sobre o corpo, acarretando pelas novas técnicas médicas e tecnologias estéticas, novos medicamentos e cosméticos, dietas e exercícios milagrosos. Tudo a serviço de uma sociedade que quer ver e mostrar corpos jovens, belos e padronizados artificialmente.

    Assim, as escolhas pessoais relacionadas à aparência se fazem a partir de relações sociais permeadas de valores, crenças, cor, gênero entre outros. A sociedade impõe que @s velh@s pareçam jovens, bonit@s e saudáveis e essa medida de referencia em seu processo de envelhecimento, é dele próprio.

    A sociedade cria mecanismos de controle sobre os sujeitos que nela vivem, através de artifícios midiáticos, imagens e discursos veiculados nos meios de comunicação, fazendo-os pensar a partir de um ideal de corpo, quase sempre vinculando a beleza associada à juventude.

Mulher e envelhecimento

    A partir do exposto acima, pode-se pensar a articulação dos conceitos de corpo e envelhecimento com a questão de ser mulher, feminina, jovem e sempre bela, pois Perrot (apud SANT’ ANNA,1995) defende que a idéia de que a beleza está para o feminino assim como a força está para o masculino, atravessa os séculos e as culturas. Denotando assim, as concepções de gênero atreladas ao ser feminino e masculino. Nesse sentido entende-se gênero pela construção cultural do homem e da mulher. Diniz (apud, MORI e COELHO, 2004, p.178) afirma que as características, comportamentos e traços de mulheres e homens não são produtos da biologia e sim atribuições culturais construídas a um ou outro sexo.

    Frente às inúmeras imposições que a cultura dominante incute sobre homens e mulheres, cabe refletir como isso se apresenta para as mulheres idosas. Quais são os fatores que influenciam essa mulher a se produzir como tal. Atualmente “o envelhecimento tem sido, para algumas mulheres, tempo de realização de sonhos e desejos postergados. Essas mulheres ocupam-se de si mesmas e saem do lugar de resignação que até então lhes era imposto” (MORI e COELHO, 2004, p.178).

    Diferente das velhas do século passado que se preocupavam em salvar sua alma, as velhas de hoje tem a preocupação de salvar seus corpos da rejeição social.

    “Nosso tormento não é o fogo do inferno, mas a balança e o espelho... decrepitude, agora, culpada, pois o prestigio exagerado da juventude tornou a velhice vergonhosa.” (DEL PRIORE, 2000, p. 10) na mesma linha de pensamento Mori e Coelho (2004) referem que as mudanças corporais, presentes no processo de envelhecimento, impactam a auto-imagem feminina e potencializam um sofrer psíquico que está atrelado a visão de cada sociedade em relação à mulher.

    Sendo assim, percebe-se que existe uma feminilidade hegemônica, padrão, que embasa os discursos do “que é” e “como ser” feminina. Esta feminilidade é uma construção de gênero, muito associada à juventude e seus padrões estéticos e comportamentais à sexualidade. Pois

    “não cabe mais a personificação da mulher idosa com um coque no alto da cabeça, fazendo crochê ou tricô, na cadeira de balanço, na varanda de sua casa. Hoje, a mulher sexagenária mostra-se ativa e cheia de planos para o futuro, atrevendo-se a dançar nos bailes da terceira idade, a viajar com grupos de amigas, a paquerar e até mesmo a arriscar-se em relacionamentos efêmeros e sem compromissos” (RODRIGUES E JUSTO, 2009, p. 172-173)

    As preocupações e os cuidados com o próprio corpo, buscando uma aparência saudável e próxima à da juventude, são comportamentos socialmente esperados às mulheres e dizem respeito a esta feminilidade hegemônica, construída, muito fortemente, nesta relação das mulheres com seus corpos.

    Portanto, a velhice parece ser uma fase em que a preocupação com o corpo é acentuada, seja pelas modificações corporais, intensificadas a partir daí, seja por uma forte pressão social, estimulada pela mídia, que vê como inevitáveis as crises identitárias nesta fase.

    Sendo assim Motta (1999) e Debert (1999) ressaltam diferentes formas de vivenciar a velhice, combinadas entre classe social e gênero. Onde

    “mulheres de classe baixa e média tendem a afirmar-se pela atividade e pela participação em espaços de lazer e convivência e tendem a usar esses espaços como símbolos de liberdade, muitas vezes ate ultrapassando os limites das convenções sociais. As de classe média tendem a ir para as universidades, que lhes oferecem a oportunidade de atualizar-se e de aprender sobre o mundo e sobre si próprias, num contexto a que sempre sonharam pertencer. A indústria da beleza, da saúde e do bem-estar contribui para disseminar atitudes fantasiosas a respeito da velhice entre mulheres dos segmentos médios urbanos. A feminização da velhice também é indicada pelo crescimento relativo da taxa de mulheres idosas que são chefes de família, e que fazem parte da população economicamente ativa” (NERI, 2001 p. 7).

    Todavia, garantir sua ascensão social está condicionado ao seu poder aquisitivo e aos espaços que freqüenta, procurando sempre estar de acordo com as normas simbólicas estabelecidas.

    Pois as mulheres, sendo elas as responsáveis pelas mudanças na imagem da velhice, essas estão livres de compromissos anteriores, elas podem vivenciar experiências das quais até então eram privadas e a velhice para elas se apresenta como um período propício para realizações e cuidar se si.

    Mas da mesma forma que estão livres de compromissos anteriores, como casa, filh@s e outros, acabam estabelecendo outros, agora a difícil tarefa de manterem-se jovens, saudáveis e bonitas, buscando uma representação de corpo sempre jovem.

Considerações finais

    Este trabalho buscou demonstrar como o corpo envelhecido passou por ressignificações, percebendo como as idosas buscam desnaturalizar a condição de seu próprio corpo. Isso está acontecendo devido às representações sociais, que acabam por influenciar o modo de agir e pensar da sociedade, a qual prioriza a juventude e também o corpo jovem. A sociedade em que vivemos lança o corpo como um objeto de consumo, o que marginaliza cada vez mais pessoas que não possuem esses “corpos idealizados”, como @s velh@s.

    Na medida em que o envelhecimento passa a ser considerado uma construção social, as pessoas se desenvolvem e se constroem a partir dos parâmetros, limites e possibilidades da própria sociedade. Os sentidos á socialmente construídos sobre o mesmo emergem como necessidade desnaturalização de algumas das concepções hegemônicas que circulam no nosso dia-a-dia e que acabam por embasar algumas compreensões sobre a velhice.

    Nesta perspectiva, o envelhecimento, a maneira como o produzimos, são construções sociais negociadas, e os conceitos de velhice, terceira idade, idos@ e derivativos, representam categorias construídas socialmente, cujo rótulo e abrangência estão sob múltiplas formas de vivenciar o envelhecimento e toda suas singularidades possíveis (COSTA, 1998). Assim, Blessmann (2004) afirma que o que define corpo é o seu significado, o fato de ele ser tanto natural como produto da cultura, difere para cada pessoa e para cada sociedade, o que vai além das semelhanças biológicas que são universais.

    Portanto, a velhice pode ser entendida uma etapa da vida, assim como a infância, a adolescência e a vida adulta. Porém, dizer que a velhice inicia aos 60 anos é mero produto de uma definição social. A sociedade estabelece uma idade para o início da velhice em resposta às mudanças biológicas, sociais e culturais comuns à maioria das pessoas dos vários grupos etários.

Notas

  1. Ao longo do trabalho adotarei o uso do símbolo @ no lugar do artigo o e/ou do a, trata-se de uma nova grafia para contemplar simultaneamente mulheres e homens em substituição ao sistema de universalização de sujeitos apenas no gênero masculino. Ver SANTOS, P.16, 2008

Referências

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  • _________. Corporeidade e envelhecimento: o significado do corpo na velhice. Estudos Interdisciplinares sobre envelhecimento. Porto Alegre, v. 6, p. 21-39, 2004.

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