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Educação Física escolar: notas historiográficas relativas ao esporte

Educación Física escolar: notas historiográficas relativas al deporte

 

Mestre em Educação Física pela Escola de Educação Física e Desportos

da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEFD-UFRJ)

(Brasil)

Alan Camargo Silva

alan10@zipmail.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O esporte é um dos principais elementos da cultura corporal de movimento praticado na Educação Física escolar brasileira. Em termos gerais, entende-se que o desenvolvimento do esporte na escola se consolidou por tal disciplina, rotulada, muitas vezes, de “competitivista” ou “esportivista”. No entanto, sabe-se que, a depender do referencial teórico, é questionável se (ou como) o fenômeno esportivo foi incorporado pela disciplina Educação Física na escola. Nesse sentido, a partir de diferentes perspectivas historiográficas, objetiva-se analisar e discutir em que medida ou como o esporte adotou um (não) lugar nas aulas de Educação Física em (ou a partir de) meados do século XX. Conclui-se que são evidentes as inúmeras tensões historiográficas relativas ao esporte no âmbito da Educação Física escolar.

          Unitermos: Educação Física. Esporte. Historiografia. Corpo.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 177, Febrero de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Considerações introdutórias

    Primeiramente, vale destacar que o esporte, de acordo com Barbanti (2006), é atravessado por três condições que moldam as suas diferentes definições: “Esporte refere-se a tipos específicos de atividades; Esporte depende das condições sob as quais as atividades acontecem; Esporte depende da orientação subjetiva dos participantes envolvidos nas atividades. (p. 54)”. Além disso, é importante lembrar que o esporte pode ser desenvolvido tanto na escola quanto em ambientes não-escolares (clubes, academias de ginástica, espaços de lazer, etc.).

    Diante da polissemia do termo e do uso do esporte em diferentes espaços onde a Educação Física intervém, o presente trabalho possui como propósito discutir sobre a incorporação do fenômeno esportivo especificamente pelo âmbito educacional brasileiro. O desenvolvimento do esporte na escola, por meio da disciplina Educação Física, rotulada de “competitivista” ou “esportivista”, já foi amplamente debatido por autores clássicos da área (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1988; BRACHT, 1999; CASTELLANI FILHO, 2003; DARIDO; RANGEL, 2005). Segundo Lazzarotti Filho et al. (2005), “A educação do corpo através do esporte escolar é um dos principais vetores presentes na escola.” (p. 151).

    No entanto, conforme Oliveira (2002), determinados discursos historiográficos da Educação Física registrou alguns “vícios” ou “limites” nas suas análises, na medida em que se perdeu de vista a relação entre aspectos micro e macroestruturais que envolveram o cotidiano escolar, não levando em consideração a sociedade brasileira como um lugar de conflito. Houve inúmeras análises macroestruturais que retrataram uma relação mecânica de causa e efeito entre o esporte e a reprodução da sociedade (MOURA; SOARES, 2012). Para Caparroz (2005), a trajetória da área parece ter sido marcada por um consenso epistemológico, isto é, “[...] não há observações sobre quais necessidades além das macroestruturais foram decisivas para que a educação física no âmbito escolar absorvesse os códigos da instituição esporte.” (p. 131).

    Desse modo, no presente trabalho, a partir de diferentes perspectivas historiográficas, objetiva-se analisar e discutir em que medida ou como o esporte adotou um (não) lugar nas aulas de Educação Física em (ou a partir de) meados do século XX.

Educação Física, esporte e escola: referenciais histórico-contextuais

    Barbanti (2006) afirma que “O esporte é um fenômeno cultural e social que influencia e sofre influência da sociedade e muitas vezes seus problemas são os mesmos da própria sociedade.” (p. 58). Com base na premissa de que pode ser considerado um fenômeno sociocultural (DAOLIO, 1998), o desenvolvimento do esporte na Educação Física escolar é estabelecido, mesmo que parcialmente, a partir de determinado referencial histórico-contextual.

    A massificação esportiva se potencializou suposta e significativamente após o fim da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, durante a Segunda Guerra Mundial e, em especial, a partir do Golpe Militar de 1964. O esporte se tornaria hegemônico no Brasil em um contexto de liberalismo e de tendências pedagógicas de caráter tecnicistas. Soares et al. (1992) apontam que “[...] a influência do esporte [...] apresenta um grande desenvolvimento, afirmando-se paulatinamente em todos os países sob a influência da cultura européia como elemento predominante da cultura corporal.” (p. 54). Há um entendimento de que o aumento da divulgação e da prática esportiva também foi devido ao “[...] alto grau de avanço científico das áreas da Fisiologia do Esforço, da Biomecânica, do Treinamento Desportivo etc.” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1988, p. 30). Bracht (1999) menciona que havia da ideia de que o:

    Aumento do rendimento atlético-esportivo, com o registro de recordes, é alcançado com uma intervenção científico-racional sobre o corpo que envolve tantos aspectos imediatamente biológicos, como o aumento da resistência, força etc., quanto comportamentais, como hábitos regrados de vida, respeito às regras e normas das competições etc. Treinamento esportivo e ginástica promovem a aptidão física e suas conseqüências: a saúde e a capacidade de trabalho/rendimento individual e social, objetivos da política do corpo. (p. 74)

    Sobre o período referente aos governos de Juscelino Kubitschek, de Jânio Quadros e de João Goulart em meados do século XX, houve a ideia acerca da marcante influência estrangeira no país. Ghiraldelli Júnior (1988) discute sobre os fatores determinantes para o Golpe Militar de 1964 que, de certo modo, foram cruciais para o processo de inclusão do esporte na Educação Física escolar:

    [...] diria que tal desfecho veio “resolver” um problema latente na sociedade brasileira dos anos 60 que, basicamente, se expressava na contradição entre a ideologia oficial e a prática enredada pela política econômica de boa parte das elites dominantes representadas pelos governos populistas. [...] parte das elites dirigentes tentava seduzir os trabalhadores através do nacionalismo-desenvolvimentista, que anunciava o progresso com a instalação de um “capitalismo nacional”, voltado para o mercado interno e capaz de gerar frutos para todas as classes sociais. [...] O que se verificava no âmbito estrutural era uma economia internacionalizada e cada vez mais aberta à penetração e predomínio do capital estrangeiro. (p. 42)

    Nessa época, ao longo do processo de legitimação da Educação Física como disciplina curricular da escola, para a maioria dos autores da área, o esporte foi visto eminentemente pelos princípios da concorrência e do rendimento. Para Medina (1990), tal fato se deve justamente pela conjuntura histórica brasileira:

    [...] ao longo do processo histórico dos países de capitalismo periférico, se concretiza e se estabelece não só uma relação interna de dominação de certos grupos sociais (dominantes e opressores) sobre outros (dominados e oprimidos), como também uma relação externa de dependência econômica, com reflexos políticos e sociais, onde os chamados países de capitalismo central exercem uma exploração econômica sistemática sobre os países periféricos. (p. 37)

    Tendo como referência o período de meados do século XX, muitos autores da área mencionam que no Brasil, houve um avanço e uma massificação esportiva no âmbito escolar, possivelmente, valorizada e dirigida pelo governo militar. Castellani Filho (2003) aponta que o esporte tinha “[...] capacidade de catarse, de canalizar em torno de si, para seu universo mágico, os anseios, esperanças e frustrações dos brasileiros [...]” (p. 115). Oliveira (1987) destaca que “Em relação ao esporte de alto nível, o Brasil projeta-se como potência em quase todas as modalidades no confronto sul e pan-americano.” (p. 59). Nessa direção, Darido e Rangel (2005) apontam que:

    Os governos militares que assumiram o poder em março de 1964 passam a investir pesado no esporte, na tentativa de fazer da Educação Física um sustentáculo ideológico, na medida em que ela participaria na promoção do país através do êxito em competições de alto nível. Nesse período, a idéia central girava em torno do Brasil-Potência, no qual era fundamental eliminar as críticas internas e deixar transparecer um clima de prosperidade e desenvolvimento. (p. 4)

    Desse modo, tendo em vista o contexto ditatorial brasileiro, versar sobre o esporte na escola pela disciplina Educação Física significaria fundamentalmente alienar os alunos (MOURA; SOARES, 2012). Segundo Soares et al. (1992), a Educação Física escolar seria o prolongamento da instituição esportiva resumida em alguns princípios, tais como, “[...] de rendimento atlético/desportivo, competição, comparação de rendimento e recordes, regulamentação rígida, sucesso no esporte como sinônimo de vitória, racionalização de meios e técnicas etc.” (p. 54)

    Portanto, inúmeras perspectivas historiográficas acerca da Educação Física escolar transpareceram que os valores incutidos no esporte seriam imutáveis e negativos para a sociedade, haja vista os referenciais histórico-contextuais relativos aos aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais que permeavam o país. A apropriação do esporte pela Educação Física escolar até os dias atuais ainda mantém relações com esta (única?) interpretação que tende a considerar o esporte como algo “ruim” para o processo ensino-aprendizagem. Caparroz (2005) esclarece que:

    A crítica operada em relação à influência da instituição esporte, no extremo, acaba por, paradoxalmente, hipervalorizar essa prática cultural como conformadora da educação física como componente curricular, que, por ser, dentro da concepção hegemônica, perniciosa à educação física escolar, necessita ser superada. Ou seja, é como se a educação física fosse positiva em si, para os intentos de uma educação integral, e o esporte fosse um elemento negativo quando visto de outra forma. Assim, recorre-se a uma visão idealista, que procura propor um esporte que seja bom (porque ajuda na formação da consciência, transformadora, emancipadora) contra um esporte que é mau (dominador, opressor, alienante). (p. 134)

Prática pedagógica da Educação Física escolar: professor, aluno e esporte

    Para Soares et al. (1992), houve alterações nas relações interpessoais nas aulas de Educação Física escolar, na medida em que foi estabelecida a mudança da ideia de “[...] professor-instrutor e aluno-recruta para a de professor-treinador e aluno-atleta.” (p. 54). Para Darido e Rangel (2005), a noção que permeava as aulas de Educação Física era a busca da construção de um atleta-herói, ideia esta que supostamente já vinha sendo compartilhada nas escolas desde o período do Estado Novo (PARADA, 2009). Mediante esta possível perspectiva de performance da prática esportiva na escola, buscada pelos alunos e cobrada pelos professores de Educação Física, Caparroz (2005) pondera que:

    Afirmar que toda a relação professor/aluno que ocorre nas aulas de educação física [...] baseia-se única e exclusivamente na forma treinador/atleta, parece ser uma generalização tão extremada que redunda em reducionismo. Se essa relação ocorre da forma como sustentam, por que nossos resultados esportivos são inexpressivos se levarmos em conta então o número de alunos que participam das aulas de educação física? Essa relação professor/treinador e aluno/atleta chega a concretizar-se de fato na grande maioria das escolas brasileiras ou fica apenas na intenção de que assim fosse? Ou seja, as aulas de educação física contavam com equipamentos, materiais, com professores preparados e comprometidos para tal finalidade e que colocavam em prática o desenvolvimento desse trabalho ou apenas em alguns centros se observava isso, ficando muito mais na intenção do que na concretização de tal finalidade? (p. 129)

    Questiona-se, portanto, que a prática pedagógica do professor de Educação Física escolar da época se pautaria eminentemente na definição de esporte no sentido stricto de Barbanti (2006): “Esporte é uma atividade competitiva institucionalizada que envolve esforço físico vigoroso ou o uso de habilidades motoras relativamente complexas, por indivíduos, cuja participação é motivada por uma combinação de fatores intrínsecos e extrínsecos”. (p. 57). Ao longo das décadas, o desenvolvimento do esporte regido por tal norte pedagógico teria contribuído sobremaneira para uma compreensão estereotipada e de efetivação mecânica eminentemente prática do movimento humano (KUNZ, 2004; SANTOS et al., 2006).

    Outro exemplo de que reforçaria essa possível incorporação acrítica do esporte na Educação Física escolar, seria a exigência da divisão de turmas por sexo, respalda pelo Decreto n. 69.450/71, em seu artigo 13 (CASTELLANI FILHO, 2003). O professor de Educação Física teria o suposto papel de docilizar os corpos de homens e mulheres, estratégia essa também associada à qualificação de mão-de-obra. Além disso, exemplarmente, a Secretaria de Educação de São Paulo com a resolução 18-2-71 atribuiu uma nova função para o profissional de Educação Física que era ministrar as chamadas turmas de treinamento no interior da escola. Ghiraldelli Júnior (1988) acredita que “[...] certamente, não é preciso nenhum critério científico para percebermos que ela reproduz, no interior da aula de Educação Física, a perversa divisão classista da sociedade.” (p. 44).

    Nessa época, ainda houve a criação do programa “Esporte para Todos” (EPT) que tentava, de certo modo, realizar a democratização esportiva a partir da campanha “Mexa-se” em um período intensamente liderado pelos militares (OLIVEIRA, 1987; SOARES et al., 1992). Para Castellani Filho (2003):

    Braço direito do Desporto de massa, apresentado como uma proposta de esporte não formal, inspirado no quadro teórico da Educação Permanente, encontrou o EPT, campo fértil para a sua propagação [...] a partir da necessidade sentida pela classe governante, de convencer aos segmentos menos favorecidos [...] de que, o desenvolvimento econômico propalado na fase do “milagre”, tinha seu correspondente, no campo social. Essa idéia foi apreendida nos sinais tidos como significativos de melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro (abstratamente considerado, por desconsiderar a divisão da sociedade em classes sociais). O EPT, assim, seria a comprovação de que, ao desenvolvimento econômico alcançado no início da década de 70, correspondia o desenvolvimento social da sociedade brasileira, expresso [...] no acesso às atividades físicas de lazer pela camada da população, até então, dela alijada [...]. (p. 116)

    Tal estratégia de apoio governamental reiterou a ideia de que o professor da disciplina Educação Física seria sinônimo de treinador de esportes. Baseando-se em Ghiraldelli Júnior (1988), pode-se afirmar que tal massificação esportiva servia principalmente como um analgésico social para canalizar as energias do movimento operário, isto é, como “um aríete das classes dirigentes na tarefa de desmobilização da organização popular.” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1988, p. 20). Contudo, é preciso levar em consideração a observação de Oliveira (2002) que:

    [...] talvez seja exagero considerar a tese que afirma que o interesse primeiro da divulgação das atividades esportivas pelo governo fosse de “analgésico social”, como conclui Guiraldelli Jr. O autor, a partir de algumas premissas que são mais ideológicas que epistemológicas, confirma suas inferências a partir de uma leitura apenas parcial dos documentos. Havia um debate na Revista por ele utilizada e havia denúncias da própria orientação esportiva para a educação física brasileira. (p. 63)

    Assim, do mesmo modo que há décadas o professor de Educação Física escolar supostamente tinha como principal função higienizar a sociedade brasileira (SILVA, 2012), o esporte, por meio de tal disciplina, objetivaria não somente desmobilizar a classe trabalhadora durante o período ditatorial, como também torná-la mais produtiva, como pode ser visto nas palavras de Castellani Filho (2003):

    Restabelecer convenientemente a compensação do desgastes de forças, mediante a prática dos exercícios adequados, constitui a missão da Educação Física nos estabelecimentos fabris. Este revigoramento e fortalecimento corporais, mediante os desportos e jogos ao ar livre e ao sol, devem compensar o esforço realizado no desempenho da profissão, proporcionando forças, alegria e saúde [...] colocar ao alcance do operário as possibilidades de divertir-se, melhorando a saúde depois de um dia de trabalho, é deveras empolgante pelos seus maiôs amplos e benéficos resultados [...]. (p. 97)

    Esta possível exaltação do esporte e da Educação Física a favor dos interesses do Estado no sentido de alienar os operários também foi aplicada aos estudantes universitários. Pelo Decreto-lei número 705/69 a Educação Física iria “[...] colaborar, através de seu caráter lúdico-esportivo, com o esvaziamento de qualquer tentativa de rearticulação política do movimento estudantil.” (CASTELLANI FILHO, 2003, p. 121). Teoricamente, a construção do projeto de sociedade, dirigida pelo governo militar, poderia progredir com menos obstáculos se o esporte pudesse abafar os ideais dos intelectuais do país.

    Os Métodos Ginásticos como “[...] o Método Natural Austríaco desenvolvido por Gaulhofer e Streicher e o Método da Educação Física Desportiva Generalizada, divulgado no Brasil por Auguste Listello” (SOARES et al., 1992, p. 54), aparentemente teriam sido usados pelos professores de Educação Física na escola para contemplar os interesses do regime ditatorial da época. Alguns discursos historiográficos sugerem que tais Métodos Ginásticos na Educação Física escolar objetivavam melhorar a performance esportiva, a formação corporal global, a compensação e a estética do movimento, bem como a preocupação simultânea com o corpo, o espírito, o caráter e o senso social. Mais precisamente sobre o Método Desportivo Generalizado na escola, havia a premissa de que o esporte formava e preparava o indivíduo para a vida coletiva, bem como para a iniciação à técnica esportiva. No entanto, segundo Caparroz (2005), houve:

    [...] um tratamento superficial [..] não havendo um aprofundamento sobre as razões de o esporte ser introduzido na escola, dos motivos que fizeram com que o Método Desportivo Generalizado fosse apropriado, de uma verificação em relação a tal método ter sido o indutor de tal inclusão ou o sistematizador de uma prática que já se desenvolvia no interior da escola. São questões que não podem ser respondidas sem que se vá às fontes, sem que se operem estudos mais consistentes e aprofundados sobre as formas, as causas e as conseqüências da referida inclusão. (p. 136)

    Parece que o professor de Educação Física, de modo acrítico, se engajou pedagogicamente nas questões de cunho esportivo a fim de alienar a sociedade por meio do conjunto de ações ditatoriais ocorridas na época. De acordo com Oliveira (2002), os argumentos a favor da esportivização brasileira no âmbito educacional eram expressivos:

    [...] o esporte codificado, normatizado e institucionalizado pode responder de forma bastante significativa aos anseios de controle por parte do poder, uma vez que tende a padronizar a ação dos agentes educacionais, tanto do professor quanto do aluno; noutra, porque o esporte se afirmava como fenômeno cultural de massa contemporâneo e universal, afirmando-se, portanto, como possibilidade educacional privilegiada. Assim, o conjunto de práticas corporais passíveis de serem abordadas e desenvolvidas no interior da escola resumiu-se à prática de algumas modalidades esportivas. As práticas escolares de educação física passaram a ter como fundamento primeiro a técnica esportiva, o gesto técnico, a repetição, enfim, a redução das possibilidades corporais a algumas poucas técnicas estereotipadas. (p. 53)

    Aparentemente, em relação à Educação Física escolar e ao esporte, grande parte dos discursos historiográficos generalizou acerca do processo ensino-aprendizagem. Darido et al. (2005) citam que nas aulas de Educação Física na escola havia a seleção dos mais habilidosos, os procedimentos metodológicos eram extremamente diretivos e o professor era bastante centralizador na sua prática, baseada em uma repetição mecânica dos movimentos esportivos.

    Nesse sentido, parece que houve somente uma educação do movimento em que o professor de Educação Física privilegiou apenas o “gesto pelo gesto”, analisado e cobrado à luz de pressupostos ligados a um racionalismo técnico-esportivo. De acordo com Castellani Filho (2003), consolidou-se “[...] a percepção da Educação Física acoplada, mecanicamente, à ‘Educação do Físico’, pautada numa compreensão da saúde de índole bio-fisiológica [...]” (p. 108).

    É inegável que “O esporte parece de fato ter sido, e ainda ser, um forte vetor a potencializar o domínio do corpo. [...] identidades se constroem em torno do corpo, e o quanto a sociedade moderna está impregnada pelo princípio do rendimento, o quanto ela é esportivizada.” (VAZ, 1999, p. 92). Contudo, observa-se que há ideias unívocas (portanto, questionáveis) acerca de como o esporte era (ou é) tratado efetivamente nas aulas de Educação Física escolar. Como pode ser visto em Caparroz (2005), os discursos historiográficos da área:

    [...] parecem incorrer numa visão mecanicista do esporte como reflexo da estrutura econômica, política e social, entendendo que esta, irredutivelmente, determina o conteúdo escolar. [...] isso redunda numa visão simplista [...] acredita-se piamente que o discurso da escola como “celeiro” de campeões se efetivou a contento, os objetivos traçados para o esporte escolar foram plenamente alcançados, o esporte cumpriu o seu papel de disciplinar e alienar, não havendo em seu percurso resistências, contestações; ou seja, tudo ocorreu como predeterminado. (p. 134)

    Atualmente, sabe-se que há diferenças entre o esporte da escola e o esporte na escola (CAPARROZ, 2005; SANTOS et al., 2006). Embora o professor desenvolva criticamente o ensino do esporte nas aulas de Educação Física escolar, este profissional ainda enfrenta certas resistências por parte da sociedade (CAPARROZ, 2001). No imaginário social, influenciado pela mídia, há uma “espetacularização do esporte” em que os alunos acabam levando para as aulas de Educação Física um modelo de atividade em que o “[...] ‘ídolo’ exerce papel fundamental, onde os lances ‘espetaculares’ emocionam e ‘adrenalinam’, onde os produtos ligados direta ou indiretamente ao esporte são os mais consumidos pelos alunos.” (SANTOS et al., 2006, p. 22). Lovisolo (1995) em sua pesquisa com pais e alunos identificou justamente que as noções de praticar esporte e competir seriam as principais atividades ou funções da Educação Física na escola.

    Os cursos de formação de professores de Educação Física ainda estão arraigados também com a exclusividade da dimensão técnica do esporte, seja em relação ao corpo docente ou à estrutura curricular da graduação (DAOLIO, 1998). Contudo, no âmbito acadêmico-profissional da área, é evidente que cada vez mais o movimento crítico acerca da intervenção da Educação Física escolar com o esporte progride em termos teórico-metodológicos, o que, na visão de Moura e Soares (2012), deve ser explorado paulatinamente com a finalidade de apresentar elementos mais concretos no desenvolvimento de saberes e de práticas docentes.

Considerações finais

    Considerando o objetivo do presente trabalho que foi, a partir de diferentes perspectivas historiográficas, analisar e discutir em que medida ou como o esporte adotou um (não) lugar nas aulas de Educação Física em (ou a partir de) meados do século XX, conclui-se que são evidentes as inúmeras tensões historiográficas relativas ao esporte no âmbito da Educação Física escolar.

    Percebe-se que os referenciais histórico-contextuais foram usados determinantemente por grande parte dos autores que se debruçaram na historiografia da Educação Física brasileira com a finalidade de explicar (ou especular?) sobre a incorporação do esporte na escola. Ademais, entender que a prática pedagógica da Educação Física foi resumida a uma atuação do professor como treinador esportivo e a uma prática do aluno como uma performance de atleta é pensar de modo reducionista acerca do esporte na escola. Compreende-se, portanto, que há a necessidade de relativizar e analisar criticamente os aspectos macro e microestruturais referentes ao esporte na Educação Física escolar.

    Conforme exposto em notas historiográficas, independentemente do processo de análise sobre a constituição do fenômeno esportivo na escola pela disciplina Educação Física, cabe ressaltar que “[...] o tempo entre a elaboração da crítica e o momento atual é ainda muito ‘curto’ para a efetivação de mudanças, ou ainda que a disseminação ideológica da concepção hegemônica de esporte é infinitamente maior [...].” (CAPARROZ, 2001, p. 39).

Referências

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  • BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da Educação Física. Caderno Cedes, Campinas, v. 19, n. 48, p. 69-88, ago. 1999.

  • CAPARROZ, F. E. O esporte como conteúdo da Educação Física: uma “jogada desconcertante” que não “entorta” só nossas colunas, mas também nossos discursos. Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, supl., p. 31-47, 2001.

  • CAPARROZ, F. E. Entre a Educação Física na escola e a Educação Física da escola. 2. ed., Campinas: Autores Associados, 2005.

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  • LAZZAROTTI FILHO, A.; BANDEIRA, L. B.; JORGE, A. C. A educação do corpo em ambientes educacionais. Pensar a Prática, Goiânia, v. 8, n. 2, p. 141-161, jul./dez. 2005.

  • MEDINA, J. P. S. O brasileiro e seu corpo. 8. ed., Campinas: Papirus, 1990.

  • MOURA, D. L.; SOARES, A. J. G. Cultura, identidade crítica e intervenção em Educação Física escolar. Pensar a Prática, Goiânia, v. 15, n. 4, p. 78-94, out./dez. 2012.

  • OLIVEIRA, V. M. O que é educação física. 6. ed., São Paulo: Brasiliense, 1987.

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  • PARADA, M. Educando corpos e criando a nação: cerimônias cívicas e práticas disciplinares no Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio – Apicuri, 2009.

  • SANTOS, E. A. et al. As diferenças entre o esporte da escola e o esporte na escola. Revista Treinamento Desportivo, Curitiba, v. 7, n. 1, p. 21-28, 2006.

  • SILVA, A. C. Educação Física higienista: discursos historiográficos. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, año 17, n. 171, Agosto 2012. http://www.efdeportes.com/efd171/educacao-fisica-higienista-discursos.htm

  • SOARES, C. L. et al. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

  • VAZ, A. F. Treinar o corpo, dominar a natureza: notas para uma análise do esporte com base no treinamento corporal. Caderno CEDES, Campinas, v. 19, n. 48, p. 89-108, ago. 1999.

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