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A beira da piscina como um campo masculino: um lugar ainda a ser conquistado pelas mulheres da natação paranaense. Reflexões

El borde de la piscina como un coto masculino: un lugar todavía
a ser conquistado por las mujeres de la natación paranaense. Reflexiones

 

*Mestre em Educação Física, UEM, PR

Professora da Faculdade Integrado de Campo Mourão, PR

**Mestranda Em Educação Física, UEL, PR

(Brasil)

Morgana Claudia da Silva*

morgana.silva@grupointegrado.br

Marta Soares Araújo**

msoaresaraujo@yahoo.com

 

 

 

 

Resumo

          Apontamos sobre o campo da natação competitiva, na qual a mulher técnica de natação no estado do Paraná, ainda necessita conquistar seu espaço. Partimos da reflexão do papel da mulher na sociedade, surgindo o questionamento de como é construída as relações dessas mulheres técnicas na beira da piscina. O mundo do esporte muitas vezes se constitui como um setor que reforça as diferenças entre homens e mulheres, fortalecendo assim a dominação que se dá de forma invisível, o fenômeno esportivo deveria e poderia contribuir para equacionar estas desigualdades em relação ao homem e mulher.

          Unitermos: Beira da piscina. Mulheres. Natação paranaense.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 177, Febrero de 2013. http://www.efdeportes.com/

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    O Século XXI é marcado pelas grandes transformações tecnológicas no mundo, onde diariamente o homem foi bombardeado por uma imensidão de informações possibilitando grandes avanços e evoluções na área da genética, da cultura, da informática, do esporte, da saúde, dos direitos humanos entre outros, contudo não podemos afirmar que em todas as áreas aconteceram e acontecem mudanças.

    Atualmente fala-se cada vez mais na igualdade de direitos entre homens e mulheres, mas é nítido ainda que em alguns setores a presença masculina se faz mais presente, sendo assim, percebe-se que ainda permeia no imaginário social ações atitudinais que reforçam “diferenças” entre homens e mulheres.

    A sociedade é considerada como o elemento gerador da subordinação feminina, enfatizando que é nela que as diferenças entre homens e mulheres se constroem paulatinamente, sendo o indicador do papel de cada um dentro da sociedade.

    De acordo com Perrot (1995), durante todo período histórico da relação homem e mulher foram construídos e implementados no imaginário social práticas diferenciadas dos papéis de cada um. Desta maneira, cabia ao homem prover a casa, daí ele passar a maior parte de seu dia fora de casa, e a mulher couberam tarefas e funções ligadas à ação de mãe permanecendo em casa, remetendo a sua imagem à fragilidade; mas não podemos esquecer de que não é apenas na maternidade que a mulher é representada, mas também ao conjunto de atividades domésticas. Do mesmo modo, dependendo do grupo social, a divisão do trabalho pode também impor à mulher o cuidado da terra, o preparo da comida, educar os filhos para a sociedade, entre outros.

    Seguindo o movimento histórico, a mulher da atualidade, além de trabalhar ocupando seu espaço na esfera pública, ela também aglutina tarefas construídas historicamente para a “fêmea” na esfera privada – a de ser mãe, esposa, educadora e dona de casa. Bourdieu (1999) nos aponta que para se alcançar a democracia, uma nova forma de negociação em pé de igualdade entre homens e mulheres devem ser negociada, equilibrando as responsabilidades, reconhecendo que atividades da esfera privada e pública tomam tempo, e que devem se de responsabilidade de ambos.

    O século XX é permeado pelas lutas feministas em torna da igualdade nas relações de gênero, ganhando corpo entre as décadas de 60 e 70 que foi marcada por conquistas significativas para a mulher, mas elas somente chegam a uma conquista mais plena de seu espaço no mercado de trabalho no século XXI. (MILL, 2006).

    O mundo esportivo fica aparentemente demarcado como um espaço onde a mulher para provar sua competência, muitas vezes deixa de lado seu lado “feminino” e necessita em alguns momentos ter atos em sua atuação técnica que remeta ao masculino, “se impor” uma atitude masculina para provar sua competência. Desta forma, poderíamos dizer que o olhar do mundo público possui o olhar do homem, e o esporte também não foge a esta regra, o mundo do esporte se constitui em um campo masculino.

    Do ponto de vista legal, a legislação brasileira durante um grande período, procurou manter as mulheres restringidas a determinadas modalidades esportivas feminina tendo como base os pressupostos biologicistas. Castellani Filho (1997) aponta a questão da participação da mulher no esporte, abordando como os ideais sexistas determinaram as diferenças nas práticas esportivas entre homens e mulheres.

    De acordo com Rubio (2004) o esporte se apresenta para a sociedade como um fenômeno de grande abrangência social, tanto no ponto de vista de espetáculo como também como uma atividade profissional e comercial. O valor que é computado ao esporte pode estar baseado na excelência e motivação individual e social voltada para a produção. Pois desde cedo, a sociedade capitalista que vivemos prepara o jovem para buscar e ter o sucesso de vida, tomando como base formarem indivíduos altamente competitivos. Entretanto, estes valores podem ser considerados como responsáveis por vários problemas éticos e morais encontrados também no mundo do esporte.

    A dominação masculina se dá por práticas e símbolos marcadores da diferença de gênero – do domínio dos cargos estratégicos, do capital, da legitimidade, do conhecimento; ou seja, do núcleo do poder; mas dentro destes aspectos há uma conduta pedagógica, metodológica e técnica que não separa homens e mulheres, pois o conhecimento é universal, e como elemento central para atuar como técnico é possuir o conhecimento técnico científico que estruturem os modelos de treinamento esportivo vigentes.

    Quando buscamos na história a presença da mulher no campo esportivo ela surge timidamente como atleta. Devide (2003) aponta que a modalidade da natação no Brasil foi considerada como a porta de entrada das mulheres no esporte competitivo, interpretado como o esporte ideal para a mulher “atleta”. No caso da natação, Devide (1998) aponta que professoras entrevistadas em sua pesquisa admitiram a predominância masculina nas atividades de treinamento, ficando muito mais difícil o ingresso das mulheres na direção de equipes esportivas competitivas.

    Quando pensamos na natação brasileira, nos remetemos a três campos masculinos: o campo da água que é do atleta; o campo da piscina que é o mundo do técnico(a) e o campo administrativo que foge ao atleta. Desta forma, o mundo da água já foi conquistado pela mulher atleta, pois Devide (2003) nos aponta que Maria Lenk, Piedade Coutinho e Edith Groba conquistaram o espaço da água nos Jogos Olímpicos de 1932, 1936, 1948 e 1952, e este espaço foi consolidado no final da década de 60 em diante pelas atletas Maria Elisa Guimarães, Patrícia Amorim e um pouco depois por Fabíola Molina quando trazem a figura da mulher de volta à cena esportiva, e na atualidade podemos afirmar que nomes como Joana Maranhão, Gabriela Silva, Poliana Okimoto, Fabíola Molina, Daynara de Paula, Flávia Delarolli entre outras se consolidaram e deram real destaque ao papel da mulher atleta na última olimpíada. Na esfera da administração temos várias mulheres como presidentes de Federações de Natação a frente de seus estados onde podemos destacar os estado do Mato Grosso do Sul, Brasília e o Paraná. Na natação paranaense o mundo administrativo foi conquistado quando dentro de seus 45 anos de existência assume a presidência da FDAP1 pela primeira vez na história uma mulher2, que está em processo de consolidação deste espaço conquistado. E o campo técnico?

    O mundo técnico aqui será representado pela “beira da piscina3”, que na natação paranaense ainda é um campo masculino: um lugar a ser conquistado pelas mulheres. Remetemos-nos aqui ao espaço que é área de atuação direta do técnico(a) de natação. Então surge o questionamento: Como fica construída a relação desta mulher na beira da piscina? No seu trabalho do dia-a-dia que demanda na construção da periodização anual, semestral, mensal e diária para a preparação dos treinos? E as viagens para as competições? Poderíamos chamar este como um espaço demarcadamente masculino?

    E aqui não falamos do gênero homem e mulher, falamos de “atitudes masculinas”, que requerem ações e atitudes másculas que remetem segundo Jaggar4 apud Oliveira (2002, p.01) “nas diferenças do trato de homem e da mulher, como a folclórica frase: “homem não chora”, ancorada pelos meninos, como se o “choro” fosse o símbolo da fragilidade, atribuída a figura feminina. Aos homens associa-se a razão, relacionada ao mental, ao cultural, ao universal, ao público”.

    A FDAP é o órgão que comanda as competições oficiais da natação dentro do Estado do Paraná, e está ligada diretamente à CBDA5, também não foge a esta regra. . Teve sua fundação em 22 de agosto de 1967, e somente na última década é que uma mulher chegou à presidência deste órgão. Durante este período passaram pelas equipes esportivas do estado, até hoje, um número muito maior de homens no comando de equipes do que mulheres. Nos 45 anos de existência legal da FDAP tivemos como técnicas esportivas de natação somente 20 mulheres, das quais somente 4 delas conseguiram chegar a ser técnica de uma equipe principal6.

    Sendo assim, o pressuposto aqui encontrado a partir dos dados da FDAP é que na natação paranaense este espaço é predominantemente masculino. Desta forma, os dados sugerem que o espaço é desigual nas oportunidades entre homens e mulheres na sua atuação como técnico(a) esportiva. Sabemos que ao escolher este tema estamos adentrando numa área complexa para estudos, pois se há tempos anteriores não poderíamos imaginar uma mulher comandando uma equipe esportiva, hoje isto é presente, mas qual será o ônus que esta mulher tem que pagar para tal?

    È neste cenário, dentro do mundo do esporte predominantemente masculino, e com o olhar de uma mulher que já foi técnica de natação que desenvolveremos nossa reflexão,

    A partir das experiências da própria pesquisadora ao longo de 18 anos como técnica de natação, dois fatores me remeteram a levantar a reflexão aqui proposta. Primeiramente minha história de vida que creio ser relevante, pois destas 4 mulheres técnicas de natação no Paraná de equipe principal, eu fui à única que cheguei com uma atleta à seleção brasileira e a acompanhei em 3 viagens fazendo parte indiretamente da comissão técnica da seleção. O segundo fator é que também estas 4 mulheres, após conquistarem o topo da cadeia constituída pelos homens como o cargo mais importante dentro de uma equipe largaram o comando técnico, e hoje atuam na academia em universidades e faculdades dentro de áreas distintas: treinamento esportivo; fisiologia do exercício e na área da licenciatura.

    Desta forma, buscamos refletir como o papel de técnica é constituído no imaginário e quais devem ser os fatores primordiais que dificultaram a conquista da beira da piscina, interpretando e elaborando diariamente suas representações em um universo considerado masculino. Aparecem dúvidas que levam a indagar: Como estas mulheres técnicas de natação lidam com os conflitos que aparecem diariamente? Falamos da “mulher historicamente e socialmente construído e, conscientemente ou não de sua marginalização nesta área de atuação, até hoje reservada aos homens em sua maioria”. (OLIVEIRA, 2002, p.14).

    Portanto o fato de o espaço social ser marcado por um número elevado de homens atuando com técnicos em relação às mulheres não significa que as atitudes tomadas sejam atitudes masculinas. Alguns autores compreendem o esporte com um espaço masculino, mas fica aqui uma dúvida: O que é uma atitude masculina e uma feminina no esporte? O esporte é um campo relativamente autônomo de práticas e que tem uma lógica própria, mesmo que fundadas nos princípios liberais da igualdade da competição (se este existir).

    Ao pensarmos sobre essa proposição levantamos questionamento de porque mulheres que chegam ao topo dessa cadeia chegam e largam progressivamente seu espaço no mundo esportivo masculino?

    Compreendendo a complexidade da rede de elementos que constitui o cenário da natação paranaense, e verificando que nesse cenário no ano de 2012 a Federação de Desportos Aquáticos do Paraná, é constituído por homens, sendo também a equipe técnica cientifica da mesma. Partindo dessa premissa, e focando nossa lente para o campo aquática.

    Traçando uma busca na diretoria da natação paranaense foi possível identificar que esta entidade sempre foi presidida por homens, e ela nasce em 1947, e conforme dados da FDAP (atas de reuniões), a presença de mulheres técnicas está presente nas categorias de base – petiz a infantil. Para Devide (1998) os estereótipos femininos e masculinos são presentes na cultura da sociedade, pois ao se remeter as mulheres de sua pesquisa que são professoras de Educação Física, e consideradas “tias” nas escolas ou equipes de preparação técnica, e que muitas até almejam o trabalho de técnica de uma equipe, mas, não podemos esquecer que ao buscarem incorporar o ser “técnica” de uma equipe principal, elas podem estar incorporando nos termos de Bourdieu7a dominação masculina, sobretudo na questão da capacidade feminina para o trabalho”.

    O mundo do esporte muitas vezes se constitui como um setor que reforça as diferenças entre homens e mulheres, fortalecendo assim a dominação que se dá de forma invisível, o fenômeno esportivo deveria e poderia contribuir para equacionar estas desigualdades em relação ao homem e mulher.

Notas

  1. FDAP: Federação de desportos Aquáticos do Paraná.

  2. Presidente da FDAP: Mirley Lemos Corrado assume a presidência deste órgão em 1997 e continua até hoje à frente desta Federação, entrando em seu 3º mandato consecutivo como presidente da FDAP.

  3. BEIRA DA PISCINA: chamaremos assim o espaço onde o/a técnico/técnica atua diretamente na formação e preparação técnica de seus atletas, tanto nos treinamentos como nas competições.

  4. JAGGAR, Alison M. Amor e conhecimento: a emoção na epistemologia feminista. In: Alisson, M. Jaggar & Susan, R. G.Bordo (ed.) Gênero, Corpo e Conhecimento. (p.157-185) Rio de Janeiro: Record/Rosas do Tempo, 1997.

  5. CBDA: Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos.

  6. TÉCNICA DA EQUIPE PRINCIPAL: cargo mais almejado, pois além de dar status profissional, é este cargo que demarca a construção técnica de todas as categorias começando na base até chegar a principal. È o cargo mais importante, mais bem remunerado e de maior prestígio dentro do mundo aquático em cada clube/ agremiação ou academias.

  7. BORDIEU, P. A dominação masculina. São Paulo: Editora Bertrand, Brasil.

Referencia

  • BORDIEU, Pierre. A dominação masculina. São Paulo: Bertrand Brasil, 1999.

  • CASTELANNI FILHO, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. Campinas: Papirus, 1997.

  • DEVIDE, Fabiano Pries. A representação da atuação da mulher na área de treinamento e iniciação esportiva na natação, segundo professores de iniciação de Teresópolis – RJ. Anais do I Congresso Estadual de Educação Física e Ciência do Esporte. Rio de Janeiro: Secretaria estadual do CBCE/UFRJ, 1998.

  • _______________________ História de mulheres na natação brasileira no século XX: das adequações as resistências sociais. Tese de Doutorado da Universidade Gama Filho: Rio de Janeiro, 2003, 357 p.

  • MILL, John Stuart. A sujeição das mulheres. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal, São Paulo: Escala, 2006.

  • OLIVEIRA, Gabriela Aragão Souza de. Representações sociais de mulheres técnicas sobre o comando de equipes esportivas de alto nível. Tese de mestrado da Universidade Gama Filho. Rio de Janeiro, 2002,142 p.

  • PERROT, Michelle. De Marianne a Lulu: as imagens da mulher. In: SANT´ANNA, B.D. (org.). Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995.

  • RUBIO, Kátia. Memória e imaginário de atletas medalhistas olímpicos brasileiros. Tese de Livre Docência, Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004.

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