efdeportes.com

As contribuições do legado adorniano à
formação do profissional de Educação Física

Las aportaciones del legado de Theodor Adorno a la formación del profesional de la Educación Física

 

*Mestranda em Educação do PPGE da Universidade Federal de Pelotas, seguindo

a linha de pesquisa Filosofia da Educação. Integrante do Grupo de Pesquisa

FEPráxiS, Filosofia, Educação e Práxis Social. Bolsista CAPES

**Graduada em Licenciatura em Educação Física pela Faculdade Anhanguera

Priscila Monteiro Chaves*

Francine Moraes Pereira**

pripeice@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Compreendendo o potencial discursivo de Theodor Adorno como um dos autores que mais contribuem à crítica de uma educação domesticadora, o presente trabalho objetiva estabelecer relações entre a proposta de educação emancipatória de tal filósofo e a formação do profissional de Educação Física.

          Unitermos: Educação Física. Theodor W. Adorno. Crítica.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 175, Diciembre de 2012. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

    Sabe-se que uma das maiores mazelas do sistema educacional brasileiro consiste na fragmentação do saber, abordagem muito discutida, porém, pouco solucionada. Dessa forma, diversos estudos se interpolam na luta agarrada pela direção na formação das futuras gerações, e em especial no debate ocupado por aqueles que investigam a construção da teoria pedagógica, em especial da teoria pedagógica da Educação Física.

    No que compete a tal formação, as propostas advindas da Teoria Crítica da Sociedade, mais especificamente das considerações estabelecidas pelo legado de Theodor W. Adorno são de extrema valia, por atentarem à relevância de fazer das diferentes disciplinas propostas pelo Currículo educacional, potentes contribuintes para uma formação emancipada do sujeito. Oportunizando, inclusive, ao contexto acadêmico educacional algumas proposições pedagógicas da Educação Física, que a norteiam no sentido desse processo de formação, tanto na academia quanto no cerne das escolas públicas do Brasil.

Theodor W. Adorno

    Dessa forma, parece justa e urgente uma problematização também da disciplina de Educação Física, à luz da crítica proposta por Theodor W. Adorno em virtude de sua concepção de formação do homem que a sociedade deveria objetivar.

    Adorno consagrou-se como um dos pensadores mais significativos do século XX, e ainda que pouco discutido no cerne da Educação Física, suas reflexões são atuais e de grande valia para a educação bem como para as decisões culturais de valores ainda (e sempre) em curso, visto que não muito do que tem sido escrito desde então é comparável à ambição e originalidade deste precursor.

    Portador de um suposto negativismo exposto em um paradigma da impossibilidade trazido pós-genocídio e impetuoso em sua luta contra a especialização e qualquer maneira tecnicista de fazer educação - ainda que alguns espíritos da contemporaneidade não o conceituem como tal, não resistindo à sua constante insistência em delatar a tamanha negatividade do existente -, Adorno faz parte do grupo que denuncia o projeto proposto pela modernidade como inacabado, questionando a maneira como a razão dominou os homens que queriam utilizá-la para dominar a natureza das coisas. O filósofo pensava que a ciência ainda sofre com o fetiche a uma interpretação completa do mundo, exaustiva e quimericamente coerente. Ofertando uma enganadora segurança e uma sólida estabilidade, bastante atrativas em tempos de falta de referências como os que se vive. Percebe-se isso chez Adorno, também entendido o fato de que

    no cerne de sua obra reside um profundo sentido de ambivalência sobre a possibilidade da liberdade no mundo contemporâneo, e uma interrogação das promessas feitas por nossa liberdade por meio da tradição intelectual do Ocidente a partir de Kant, a saber: que a liberdade depende da afirmação de nossa autonomia como indivíduos; que a liberdade se origina em nossa submissão às normas sociais – ou nossa revolta contra elas” (THOMSON, 2010, p.10).

    Defensor de uma espécie de reflexão que não admite quietação, que não cessa o questionamento do mundo e de si mesma, o autor é lembrado também pela vasta crítica anacrônica que não sucumbia aos cantos da sereia da indústria cultural, apontando assim a estética contida na arte como uma das poucas saídas do caos.

    Nos anos 1950 e 1960, Adorno tece suas reflexões sociológicas e filosóficas, (essas que para ele eram disciplinas que não deveriam ser dicotomizadas), sobre a necessidade de que Auschwitz não caia no esquecimento. Reflexões escritas em um contexto histórico bastante preciso: o da reconstrução da Alemanha e da progressiva instauração de um modelo capitalista triunfante na República Alemã durante os anos de Adenauer, em um ambiente de afirmação de uma nova identidade dessa nação (GAGNEBIN, 2003).

    Em sua obra publicada postumamente intitulada Educação e Emancipação, constituída por um emaranhado de entrevistas cedidas à rádio Hessen em 1965, Adorno utiliza uma assertiva que resume a preocupação de todo seu legado, lida por seus comentadores como um novo imperativo categórico por ele proposto: “Que Auschwitz não se repita!”, a partir desta torna-se possível emblemar seu pensamento de maneira concentrada, nega-se que ele tenha feito de Auschwitz seu tema central, até mesmo porque em sua extensa obra, as referências expressas a este genocídio não são tão numerosas assim (ZAMORA, 2008), porém, toda ela é pensada a partir desta ruptura no processo histórico da humanidade. O que faz com que outra notória atualidade no seu legado seja o trabalho formativo em torno da memória do indivíduo, visto que, enodando suas percepções às teorias de Bergson, entende-a como parte subjetiva do sujeito capaz de auxiliá-lo na atitude autônoma de efetuar novas escolhas, o que é extremamente relevante ao interpretar essa preocupação adorniana com uma nova barbárie.

    Esse é um cuidado de grande parte de seus comentadores mais renomados, que fique claro que o reproche desse não-esquecimento não é nenhum “apelo a comemorações solenes; é, muito mais, uma exigência de análise esclarecedora que deveria permitir – e isso é decisivo – fornecer instrumentos de análise para melhor esclarecer o presente” (GAGNEBIN, 2003, p. 41).

    Não se preocupando em oferecer um relato da história do Holocausto, Adorno focaliza práticas sociais que se mostram necessárias, em vista dos processos, concepções e tendências, ocultos na história dos fatos do mesmo, abrindo descobertas para seu uso nas ciências sociais e na filosofia. Interpretando-o de maneira a emergir sua relevância para os mais demandantes, atuais e alguns ainda marginais, temas atrelados à evolução do conhecimento e do comportamento humano. Fragilizando uma das críticas posteriores do renomado sociólogo Zygmunt Bauman (1998), que protestava quanto à utilização da temática no campo das ciências sociais, alegando que,

    se eventualmente abordado em textos sociológicos, o Holocausto é no máximo apresentado como triste exemplo do que uma indomada agressividade humana inata pode fazer e, então, usado como pretexto para exaltar os benefícios de domá-la através de um aumento da pressão civilizatória e outra lufada de resolução de problemas por especialistas. Na pior das hipóteses, é lembrado como uma experiência privada dos judeus, como assunto dos judeus e daqueles que os odeiam (p.30).

    No que compete ao valor ético da formação do sujeito, provavelmente não se tenha no contexto educacional ainda encontrado assertiva mais explícita, objetiva e pertinente que esta que recentemente foi apontada como seu imperativo norteador, o que faz com que o leitor perceba toda sua preocupação com o poder de provocação de um olhar aguçado sobre as catástrofes dos tempos atuais, sobre as mais correntes barbáries camufladas nas contradições da sociedade de hoje. Não somente a partir do grafado, mas do não dito também, mostrando-se inexoravelmente crítico perante seus princípios, suas razões, e extremamente piedoso com as vítimas de tamanha barbárie, em seu posicionamento. Pensar Auschwitz a partir de seu legado, indicando algumas articulações teóricas do projeto adorniano, significa pensar as questões de poder, ética e democracia não como fecundantes, fertilizadoras “primárias (como ocorre na obra de Foucault, por exemplo), mas derivadas no curso do desenvolvimento determinado da formação social” (MAAR, 1995, p.22). Autorizando o leitor a pensá-lo não apenas como representação de um genocídio num campo de extermínio, mas o simbolismo de uma “tragédia da formação na sociedade capitalista” (1995, p.22), que se conserva até os dias atuais, designado por Adorno como semiformação, a qual abordar-se-á no desenvolvimento das problematizações trazidas por este texto. E com isso, fazendo jus ao que Nechama Tec, citado por Bauman (1998), em suas investigações do espectro social pós-genocídio constatou: “o Holocausto tem mais a dizer sobre a situação da sociologia do que a sociologia é capaz de acrescentar, no seu estado atual, ao conhecimento que temos do Holocausto” (p. 21).

    Assim sendo, quanto mais às situações passam a ser novas e surpreendentes, tanto mais os insights e as cautelosas análises críticas do pensador alemão vão se comprovando, não como oráculos diante dos quais se curvam seus adeptos, mas como provocações para os novos tempos (OLIVEIRA, 2001). Expressando-se mais fundamentalmente como uma práxis social que mantém viva e cada vez mais atuante a interpenetrabilidade entre a ótica filosófica e a intenção pedagógica. Interpenetrabilidade esta também fortalecida pelo seu modo de utilização tanto dos argumentos históricos quanto dos conceitos. Adorno tenta implodi-los em vez de acatá-los, entendida sua ausência de declarações diretas sobre o modo como o mundo é, explorando os conceitos e argumentos que afirmam dizer algo sobre a realidade (THOMSON, 2010), visto que, mudar a direção dos conceitos, curvando-os para a não-identidade é a chave de sua dialética, pensando o insight no seu caráter constitutivo do não-conceitual.

    Refletir sobre o próprio significado das coisas e da maneira como se apresentam na sociedade torna-se a saída da ilusão de o conceito ser-em-si-mesmo uma unidade de sentido (ADORNO, 1995a), uma vez que “crítica da sociedade é crítica do conhecimento, e vice-versa” (ADORNO, 1995b, p.189).

    Na visão crítico-emancipatória, uma das empreitadas que provoca o profissional de Educação Física, em tempos normativos contemporâneos, seria o desenvolvimento de competências para transformar didaticamente o esporte e a cultura de movimento, a fim de reposicioná-los na esfera do mundo vivido, mundo este em que a veracidade e a adequação de normas sociais possam ser reconstruídas consensualmente pela racionalidade comunicativa (PIRES, 2004). Crítica que tangencia o conceito de Semiformação proposto por Adorno.

    Quanto a este quesito elucidado por Pires, Adorno é um autor-chave para a compreensão do papel da Educação Física calcada em sua proposta crítico-emancipatória. Alertando aos profissionais desta área que objetivem o estimulo por uma maior autonomia por parte dos educandos, oportunizando aos mesmos, que eles sejam os sujeitos da sua própria cultura de movimento, e não objetos da atividade de outrem.

    Para Kunz (1994), a abordagem crítico-emancipatória é um dos desdobramentos da tendência crítica e estima a percepção crítica do mundo (FREIRE, 2005), o olhar para o mundo com olhos de ser mais (FREIRE, 1996) questionando a sociedade e suas relações, sem a pretensão de domesticar esses elementos por meio do conhecimento científico organizado (ADORNO; HORKHEIMER, 1985), ou por meio do saber escolar.

    A partir da relação entre as considerações dos autores citados: Kunz; Pires; Adorno e Freire, é possível perceber que a maneira (ante)pedagógica pela qual vem sendo conduzida a Educação Física, que castra a autonomia do sujeito, que se apresenta de forma regressiva, calcada na fetichização (ADORNO, 1995a) do trabalho corporal, vem valendo-se da padronização dos conhecimentos corporais que coisifica as relações entre os sujeitos. Tornando de extrema urgência a necessidade de uma proposta crítico-emancipatória nas aulas de Educação Física.

Referências bibliográficas

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 17 · N° 175 | Buenos Aires, Diciembre de 2012
© 1997-2012 Derechos reservados