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Prevalência de desconforto-dor na coluna vertebral e
fatores associados em costureiras do setor calçadista

La prevalencia de malestar-dolor en la columna vertebral y factores asociados en las costureras del sector del calzado

 

*Quiropraxista, Mestre em Inclusão Social e Acessibilidade

**Prof. Ph.D. do Curso de Educação Física e do Mestrado em Inclusão Social e Acessibilidade

***Profa. Dra. do Curso de Design e Mestrado em Inclusão Social e Acessibilidade

Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS

(Brasil)

Tiago Augusto Zago*

João Carlos Jaccottet Piccoli**

Jacinta Sidegum Renner***

joaopiccoli@feevale.br

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo, buscou, verificar a prevalência de desconforto/dor na coluna vertebral e fatores associados em costureiras do setor calçadista da região do Vale do Sinos, RS. O estudo de característica descritiva, corte transversal, investigou 43 costureiras de uma indústria do setor calçadista, com idades variando entre 21 e 50 anos. Para coleta dos dados referentes ao perfil sociodemográfico da amostra foi utilizado um questionário para obter informações sobre a idade dos participantes, tempo de trabalho, função na empresa, postura adotada, peso e estatura. A presença de desconforto/dor na coluna vertebral foi identificada através do diagrama de Corlett e Bishop. Foi, ainda, verificado o IMC e o nível de atividade física das participantes do estudo. Os dados coletados para comparação dos fatores associados a dor foram submetidos a análise estatística não-paramétrica através do teste de Kruskal-Wallis e de correlação de Pearson. Os resultados obtidos sugerem haver uma alta prevalência de dor na coluna vertebral na população estudada (65%), e que, na maioria dos casos, este quadro se cronifica. Constatou-se, na população estudada, uma associação entre baixos níveis de atividade física e dor na coluna cervical, e uma associação entre IMC elevado e dor na coluna lombar. Conclui-se, a partir dos resultados, que esta população apresenta elevada prevalência de desconforto/dor na coluna vertebral e que a sintomatologia dolorosa pode estar associada a baixos níveis de atividade física e elevado IMC.

          Unitermos: Trabalho. Indústria calçadista. Atividade física.

 

Abstract

          The study was a cross-sectional descriptive investigation, with 43 seamstresses, with ages ranging between 21 and 50 years. To collect the data of the social demographic profile of the sample was used a questionnaire to obtain information about the participants' age, the labor time, job function, posture adopted during the work time, weight and height. The presence of disconfort/pain spinal cord was identified through the Corlett and Bishop diagram. It was also investigates BMI and physical activity level of the study participants. The data collected for comparison of factors associated with pain were analyzed statistically using the nonparametric Kruskal-Wallis test and Pearson correlation test. The results suggest a high prevalence of pain in the spinal column in the study population (65%) and, in most cases, this condition is chronic. It was found in this population, an association between low levels of physical activity and pain in the cervical spine, and an association between high BMI and low back pain. The results obtained suggest that this population has a high prevalence of discomfort / pain in the spine and the painful symptoms may be associated with low levels of physical activity and high BMI.

          Keywords: Labor. Shoe industry. Physical activity.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 175, Diciembre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A importância da atividade laboral na vida das pessoas é facilmente reconhecida, desde o momento da busca de inserção do jovem no mundo do trabalho até as implicações geradas pela perda ou prolongamento da condição de trabalhador (MOSER; KEHRIG, 2006). Sabe-se que o trabalho é um dos pontos de partida da inclusão social e da humanização do ser social e pode se constituir de um momento de busca de realização ou de condições de existência. Não obstante, o trabalho é capaz de influenciar tanto na personalidade quanto no equilíbrio e na saúde mental e física dos trabalhadores (AZAMBUJA et al., 2007).

    A qualidade de vida no trabalho reflete-se, diretamente na vida social e no relacionamento familiar do trabalhador e, também, a qualidade dos serviços prestados pode ser afetada por inúmeros fatores, como por exemplo as más condições de trabalho, o estresse, o cansaço e a fadiga provocados principalmente por postos e ambientes de trabalho inadequados (SILVA; SOUZA; MINETTI, 2002).

    O atual contexto econômico e a lógica capitalista que criaram uma sociedade que busca, de forma interminável, o lucro a qualquer custo, servem como catalisadores deste processo de deteriorização da qualidade de vida do sujeito. Segundo Nascimento (2000) o aumento da produtividade, redução dos custos e introdução de novas tecnologias, impõem aos trabalhadores alterações significativas na sua forma de trabalhar, e que sem dúvida, vem a afetar seu estado de saúde.

    Estes agravos à saúde dos trabalhadores acabam, invariavelmente, afetando também a produção e a gestão das empresas. Ferreira (2000) salienta que as consequências da não realização de programas de prevenção e promoção da saúde para as corporações geram um aumento dos gastos com acidentes de trabalho; incapacitações e afastamentos; planos de saúde; custos com reposição de pessoal; aumento do absenteísmo e menor eficiência dos funcionários.

    Estes problemas relacionados ao trabalho podem gerar diferentes graus de incapacidade funcional, sendo considerados um dos mais graves problemas no campo da saúde do trabalhador. A literatura relata que a incidência é maior entre os trabalhadores jovens, sendo que as mulheres são as mais atingidas, prevalecendo a faixa etária entre os 20 e 39 anos (KERNS et al., 2003).

    Além dos gastos com afastamentos e indenizações já citados anteriormente, e, ainda, tratamentos e processos de reintegração ao trabalho, um outro aspecto importante para os indivíduos acometidos por essas lesões é que a partir da recidiva de queixas, o trabalhador é visto como um problema pela empresa ou empregador, podendo servir como critério para desligamento. Esse padrão de retorno dos sintomas, característica das afecções musculoesqueléticas em geral, é uma das características mais instigantes dos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) (MERLO, 2003).

    A dor é uma percepção subjetiva, desagradável, porém, vital, que serve como sinal de alarme para qualquer ocorrência nociva ao organismo. Atualmente, estima-se que, no mundo, 80% das consultas médicas devam-se à presença da dor (LE BARS; WILLER 2004). Já dados nacionais recentes demonstram que cerca de 75% dos pacientes que buscam atendimento médico nos serviços públicos de saúde brasileiro relatam a presença de dor crônica (HOLTZ; STECHMAN, 2008), afetando diretamente estes indivíduos também em suas atividades laborais. Esta alta prevalência torna-se, indubitavelmente, um grande problema de saúde pública, com significativo impacto econômico e social.

    No Brasil, um aumento na incidência de dores relacionadas ao trabalho apareceu no início dos anos 1980, em especial no setor de processamento de dados. Atualmente, no entanto, é comum encontrar casos em quase todas as atividades laborais e não apenas naquelas com uso de computadores (MERLO, 1999). Este mesmo autor destaca que é preocupante, também, o fato de que a perspectiva para os próximos anos seja de um crescimento ainda maior nestes agravos de saúde relacionados a atividade laboral, visto que apesar das propostas de reestruturação do processo de produção, o modelo de produção taylorista, com grande intensificação na realização das tarefas continua predominando. Em alguns ambientes de trabalho tem se encontrado um misto de idéias tayloristas com modelos orientais ou japonizados, nos quais é possível encontrar esteiras e linhas de produção juntamente com células de produção (MERLO, 2003). Essas transformações, segundo Assunção e Rocha (2003), acabam por intensificar ainda mais o processo de trabalho, com maior exigência e solicitação de tendões, músculo e articulações.

    Dentro das atividades laborais em indústrias, a função de costureira do setor calçadista aparece como um grupo de risco em relação ao desenvolvimento de lesões no sistema musculoesquelético por esforços repetitivos. As posturas e os movimentos assumidos repetidamente, durante anos, pelas costureiras para realizar suas funções, podem afetar principalmente a coluna vertebral e membros, resultando em dores que podem se estender além do horário de trabalho (MORAES; ALEXANDRE; GUIRADELO, 2002). Outras evidências (RANNEY, 2000) sugerem que o trabalho estático, como encontrado neste grupo específico, seja altamente fatigante, independente da peça a ser confeccionada. Além disso, a alta repetitividade dos movimentos realizados em posturas nem sempre adequadas predispõem estes indivíduos a desordens musculoesqueléticas (BRANDÃO; HORTA; TOMASI, 2005).

    Dados de 2007 (ABICALÇADOS, 2009) dão conta de que este setor coureiro calçadista seria responsável por gerar cerca de 300 mil empregos diretos, mais de cem mil destes apenas no Rio Grande do Sul. Ainda, indiretamente um milhão de pessoas estariam empregadas pelo setor, consolidando-o como indústria de importante mão-de-obra. Essa demanda por uso intensivo de mão de obra e as características do trabalho acabam gerando agravos a saúde dos colaboradores (LARA, 2007).

    Considerando-se o cenário anteriormente exposto e contextualizado, realizou-se a presente pesquisa que teve como objetivo geral: Verificar a prevalência de desconforto/dor na coluna vertebral e fatores associados em costureiras do setor calçadista da região do Vale do Sinos, RS. Como objetivos específicos da investigação pretendeu-se: identificar o perfil sociodemográfico (idade, tempo de trabalho, postura adotada) da amostra do estudo; avaliar a localização e intensidade de desconforto/dor na coluna vertebral das participantes do estudo; identificar, entre aquelas com desconforto/dor na coluna vertebral, quantas apresentam o sintoma há mais de três meses (dor crônica); verificar o índice de massa corporal e o nível de atividade física da amostra do estudo e comparar a presença de desconforto/dor percebida com o perfil sociodemográfico dos sujeitos, classificação do IMC e nível de atividade física na amostra.

Materiais e métodos

    Tratou-se de uma investigação descritiva, de corte transversal. Que teve como população-alvo composto por costureiras de uma indústria do setor calçadista localizada no Vale do Sinos, com idades entre 18 e 50 anos, que trabalhavam na empresa e no referido setor há pelo menos 6 meses.

    A amostra foi composta por 43 costureiras, com idades entre 21 e 50 anos, selecionadas de forma não probabilística, por conveniência, da população alvo. Foram excluídas aquelas que trabalhavam como costureiras há menos de seis meses, bem como, aquelas que realizavam mais de uma função dentro da empresa.

    Para coleta dos dados referentes ao perfil sociodemográfico da amostra, foi utilizado um questionário para se obter informações sobre a idade dos participantes, tempo de trabalho, função na empresa, postura adotada, tabagismo, massa corporal e estatura. Para coleta dos dados referentes à presença de dor/desconforto na coluna vertebral, utilizou-se o diagrama de Corlett e Bishop (1976) que consiste em um questionário bipolar que mostra nas extremidades de uma linha de 9 centímetros de comprimento, dois conceitos opostos, utilizados para avaliar as sensações subjetivas de desconforto e dor nas diferentes regiões do corpo. O sujeito da pesquisa foi solicitado que marcasse com uma caneta um ponto entre os dois polos, correspondendo a sua percepção de desconforto/dor na última semana. As marcações realizadas por estes foram então medidas com uma régua de 10 cm, e os resultados do diagrama de Corlett e Bishop foram classificados considerando o desconforto/dor de: 0 a 3 = dor leve; de 3 a 6 = dor moderada e, de 6 a 9 = dor grave para cada segmento do corpo.

    Para a obtenção dos dados necessários para o cálculo do Índice de Massa Corporal, utilizou-se uma fita com 200 cm, fixada na parede, através da qual se obteve a estatura dos sujeitos em centímetros. O peso foi obtido com uma balança digital HD313 – Tanita. O IMC foi obtido através do cálculo da massa corporal em relação à estatura ao quadrado (kg/m²) (PORTO, 2007) e seus valores foram, assim, classificados: <18,5 – baixo peso, 18,5 a 24,9 – normal, 25,0 a 29,9 – pré-obesidade, 30,0 a 34,9 – obesidade I, 35,0 a 39,9 – obesidade II, 40,0 ou acima – obesidade III (WHO, 2004).

    Para se determinar o nível de atividade física na última semana dos sujeitos da amostra do estudo foi utilizado a versão 8 do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ), formato curto, administrado através de entrevistas.

    Trata-se de um instrumento desenvolvido sob a chancela da Organização Mundial da Saúde, com a finalidade de estimar o nível de prática habitual de atividade física através de oito questões. Suas informações permitem estimar o tempo despendido por semana em diferentes dimensões de atividade física (caminhadas e esforços físicos de intensidades moderada e vigorosa) e de inatividade física (posição sentada), com os resultados transformados em METs (equivalente metabólico), quantidade de energia gasta por um corpo enquanto em repouso.

    Para a classificação dos sujeitos nos níveis de atividade física, utilizou-se as categorias oficiais do IPAQ: Insuficientemente ativos – aqueles sujeitos que não se enquadrassem em nenhuma das categorias que se seguem ou que não praticassem atividades físicas; Suficientemente ativos – aqueles sujeitos que praticassem 3 ou mais dias de atividade vigorosa de no mínimo 20 minutos por dia ou 5 ou mais dias de atividades moderadas ou caminhadas de no mínimo 30 minutos por dia ou 5 ou mais dias de qualquer combinação de caminhada,atividades moderadas ou vigorosas alcançando o mínimo de 600 MET-min/sem e Muito ativos – aqueles sujeitos que praticassem no mínimo 3 dias de atividades vigorosas e acumulassem um mínimo de 1500 MET-min/semana ou 7 ou mais dias de qualquer combinação de caminhada, atividade moderada ou vigorosa alcançando no mínimo 300 METs-min/semana.

    Foi utilizada a estatística descritiva para apresentar os resultados através das distribuições de freqüências absolutas (n) e relativas (%), valores mínimos e máximos, médias aritméticas e seus respectivos desvios-padrão. Os escores dos níveis de desconforto e/ou dor foram testados quanto à normalidade através do teste de Shapiro Wilk. Utilizou-se a estatística não-paramétrica para comparar os escores dos níveis de desconforto e/ou dor entre as categorias da “postura no trabalho”, “tempo na função”, “faixas etárias”, “classificação do IPAQ” e “classificação do IMC” através do teste de Kruskal-Wallis. As relações de causa-efeito entre o nível absoluto de atividade física (METs Total) e os níveis de desconforto e / ou dor foram analisadas através da correlação linear de Pearson-Bravais (r). Todos os procedimentos estatísticos foram executados no software SPSS (Versão 16.0), adotando nível de significância em p ≤ 0,05.

Resultados e discussão

    A amostra da pesquisa foi composta por 43 sujeitos, costureiras, todas do sexo feminino e que exerciam a função há pelo menos seis meses na empresa. Ao analisá-la percebe-se que a maior parte das costureiras (n=26) que fizeram parte da pesquisa, no que diz respeito a sua postura de trabalho, realiza a sua atividade laboral em ortostatismo (60,5%), ao passo que 15, ou 34,9%, o fazem sentado (n=15). Apenas dois sujeitos que fizeram parte da pesquisa realizam alternância postural durante a jornada de trabalho. Com relação ao tempo na função, a maioria das costureiras (n=24) estava desempenhando a atividade entre um e dois anos (55,8%), enquanto 32,6% o faziam há um período superior a 2 anos (n=14) e uma minoria, 11,6%, há menos de 1 ano (n=5).

    Quando analisada a faixa etária, obteve-se uma média de idade de 34,3 anos, sendo que a maioria dos sujeitos investigados tinha entre 31 e 40 anos, discriminando-se: 21 a 30 anos (n=11, 25,6%; 31 a 40 anos (n=24, 55,8% e 41 a 50 anos, n=8, 18,6%).

    A maior parte das costureiras investigadas (n=26), 60,5%, enquadrava-se dentro do peso normal segundo a classificação do IMC, e outra parte considerável (n=11), 25,6%, dentro da classificação de pré-obesidade. Apenas dois sujeitos (4,7% cada) estavam em baixo peso, bem como em obesidade grau I e obesidade grau II. Apenas 4,7% da amostra (n=2) encontrava-se classificada como baixo peso.

    No que diz respeito ao nível de atividade física obtido obido através do IPAQ, a maioria dos investigados (n=27) foi classificada como suficientemente ativa (62,8%), ao passo que 30,2% (n=13) foi classificada como insuficientemente ativa e um percentual bem menor, 7% (n=3), muito ativa.

    Um dos objetivos estabelecidos na pesquisa era o de verificar a presença de dor/desconforto na coluna vertebral nos sujeitos. Para a coleta destes dados, foi utilizado o diagrama de Corllet e Bishop e foram consideradas somente as queixas álgicas na coluna vertebral. As demais queixas, referidas em outras regiões do corpo, foram desconsideradas nesta pesquisa.

    O estudo constatou uma prevalência de desconforto/dor na coluna vertebral de 65% da amostra. Este valor, se comparado a achados em outras pesquisas, é um pouco elevado. Schneider et al. (2005) investigaram a prevalência de dor nas costas em um estudo transversal com uma amostra representativa da população alemã e encontraram uma prevalência de 60%, enquanto Thomas et al. (1999), em um estudo de coorte encontraram uma prevalência de 48% nos últimos três meses para dores na costas.

    Ainda, segundo Assunção e Rocha (2003), o trabalho em linhas de produção, como acontece com as costureiras do setor calçadista, acaba por intensificar ainda mais o processo de trabalho, com maior exigência e solicitação de tendões, músculo e articulações. Outro dado importante é o de que a incidência destes problemas envolvendo a coluna vertebral é maior no sexo feminino, com cerca de 70% do total de casos, consequência provável da jornada dupla executada pela maioria das mulheres (ISSY; SAKATA, 2005). Vale salientar que para Ferreira (2000) a atuação preventiva é o melhor caminho e que as consequências da não realização de programas de prevenção e promoção da saúde para as empresas acabam gerando um aumento dos gastos com acidentes de trabalho, afastamentos, custos com reposição de pessoal; aumento do absenteísmo e também menor eficiência dos funcionários.

    Outros autores concordam que a existência de sintomas álgicos diminui a produtividade do indivíduo em sua atividade laboral (MARTINEZ; FERRAZ; SATO, 1995; CAILLIET, 2001; MACIEL; FERNANDES; MEDEIROS, 2006).

    De acordo com os dados obtidos, 59% dos sujeitos pesquisados apresentavam algum sintoma álgico na coluna vertebral há pelo menos três meses, demonstrando o caráter crônico do mesmo. Se forem levados em consideração apenas aqueles que apresentavam dor em alguma parte da coluna do vertebral, 89% o percebiam, em alguma das regiões, há pelo menos três meses. Estudo semelhante realizado por Almeida et al. (2008) em Salvador, revelou dados na ordem de 14,7% para prevalência de dor crônica e Kreling, Da Cruz e Pimenta (2006) apontam para uma prevalência de até 40% para presença de dor crônica na população de Londrina (PR), porém, considerando, neste caso, todas as regiões do corpo. Valores semelhantes foram encontrados por Wijohoven, de Vet e Picavet (2006) com uma prevalência de 39% para homens e 45% para mulheres.

    Já, Mello et al. (2001) verificou em sua pesquisa que por volta de 60% dos trabalhadores do setor de costura, a sintomatologia dolorosa evolui para uma condição crônica e que tal condição tem impacto não apenas na atividade laboral, mas também em atividades cotidianas e com repercussões que vão além do físico, atingindo o psíquico (MELLO et al., 2001).

    O estudo apontou que as médias do nível de desconforto/do são baixas e se encontram todas, na classificação de dor leve segundo Corlett e Bishop (1976). A região anatômica com maior média de dor foi a coluna cervical, seguida pela coluna inferior. Kelley et al.(1997), Ferrari e Russel (2003) sugerem que justamente o sexo feminino parece mais propenso a apresentar este quadro álgico na coluna cervical, ainda que os mecanismos para isto não estejam claros. Ferrari e Russel (2003) salientam, ainda, que a qualquer momento, cerca de 10% da população apresenta dor nesta região da coluna. Este valor foi inferior ao encontrado na presente investigação.

    Tal achado pode ser explicado, por exemplo, pelas características específicas do trabalho das costureiras, que exige posturas assimétricas, repetidas e mantidas por períodos prolongados, bem como a execução de movimentos e repetitivos, descritos como possíveis causas de sobrecarga nos tecidos e potencialmente lesivos, principalmente para a coluna vertebral (VIEIRA; KUMAR, 2004). Ainda, Renner (2006), afirma que este grupo de trabalhadores tem tendência a desenvolver dor/desconforto na região em questão dadas as exigências de motricidade fina e alta acuidade visual da atividade laboral, na qual há tendência a aproximação (anteriorizar e fletir) a coluna cervical, aproximando os olhos do objeto a ser costurado.

    Já, a região lombar é o local de dor mais comum da coluna vertebral por receber mais carga (FOSS, 2009) e a presença de dor nesta região pode atrapalhar a realização de atividades diárias e o desempenho no trabalho (MATOS et al., 2008). Marras (2000) e Valat et al., (2000) afirmam que fatores como fumo, baixa atividade física e exposições da vida diária (vibração, movimentos repetitivos e inadequados, posição viciosa), também, tendem a predispor o indivíduo a dor lombar, enquanto Cailliet (2001) afirma que a perda funcional é considerada a consequência principal da dor nesta região da coluna vertebral.

    Os resultados encontrados na presente investigação, que apontam médias de dor mais elevadas para a região do pescoço e coluna lombar, estão de acordo com os achados de Cote, Cassidy e Carrol (2000) que ao avaliar a coluna vertebral verificaram que a lombar foi a região mais acometida. Na pesquisa de Picavet e Schouten (2003) foi encontrada alta prevalência e níveis de dor para a coluna cervical.

Tabela 1. Distribuição das freqüências absolutas, postos médios e valor de “p” dos níveis de 

desconforto e/ou dor em função da postura no trabalho e segmento anatômico (n = 43)

    A função da costureira no setor calçadista exige um trabalho estático que predispõe o sujeito a desenvolver queixas músculo-esqueléticas (GUIMARÃES; RENNER, 2003) e, neste cenário, um dos objetivos da pesquisa foi comparar a presença de dor na coluna vertebral em função da postura de trabalho (em pé, sentado, alternado). Analisando-se os postos médios do teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis, apresentados na tabela 1, identifica-se diferença estatisticamente significativa para a presença de desconforto/dor e as posturas adotadas durante a jornada de trabalho na região costas-superior (p=0,026) e, também, na região cervical (p=0,007) para esta mesma postura de trabalho. As costureiras que realizam alternância tendem a apresentar nível de dor superior as que trabalham em pé ou sentadas. Para a região do pescoço e costas inferior, ainda que não exista diferença estatisticamente significativa, parece haver uma tendência de que estes mesmo sujeitos que realizam alternância postural tenham maiores níveis de dor.

    Estes dados diferem da maior parte da literatura a respeito, que sugere exatamente o oposto. De acordo com Moraes, Alexandre e Guiradelo (2002), posturas estáticas, sejam em pé ou sentado, adotadas por períodos prolongados afetam o sistema musculoesquelético, em especial a coluna vertebral e o mesmo autor sugere ainda que o trabalho estático sobrecarrega os músculos. Isso pode elevar a pressão dentro do tecido muscular, comprimindo os vasos e diminuindo a circulação, podendo levar a fadiga e acúmulo de metabólitos (IIDA, 1998).

    Em contraponto, o trabalho dinâmico ocorre pela alternância postural e de contração e extensão do músculo, havendo mudança no comprimento da fibra muscular, normalmente de forma rítmica. Essa repetição de movimento ativa a circulação nos capilares, com isso o músculo acaba por receber mais oxigênio, aumentando a sua resistência a fadiga e por conseguinte evitando o aparecimento de dor (IIDA, 2005).

    Grandjean (1998) afirma que a posição sentada aumenta a pressão intradiscal, elevando o risco de hérnia no disco intervertebral e Marras (2000) sugere que cargas na coluna são sempre maiores na posição sentada do que na postura em pé, devido aos elementos posteriores da coluna vertebral que formam uma carga ativa quando em pé. No entanto, na posição sentada não há participação destes elementos de força antigravitacional, permitindo assim que os discos intervertebrais recebam uma carga maior e por conseguinte sejam mais facilmente lesionados.

    É importante, todavia, salientar que apenas dois sujeitos da amostra realizavam alternância postural, e talvez isso possa ter interferido nos resultados obtidos. Colaborando com os autores citados anteriormente, Renner (2007) afirma que independente da postura assumida durante a atividade laboral, após a segunda ou terceira hora que se adota um mesmo posicionamento e/ou que se realiza uma mesma atividade de trabalho o funcionário passa a sentir dor/desconforto, fadiga, formigamento e outros sintomas decorrentes a postura continua, indicando que existe necessidade de realizar alternância postural.

    Também neste sentido, Parnianpour, Sparto e Chen (1997) afirmam que a maioria dos casos de lombalgia sofrida por trabalhadores é atribuída à postura estática e posturas que requerem um trabalho pesado excessivo, em especial com movimentos de flexão anterior do tronco. Já, para Navarro (2003), é inegável que qualquer trabalho realizado em pé, em uma mesma postura, durante toda a jornada, trará problemas de saúde.

    Outro objetivo da pesquisa foi comparar a presença de dor na coluna vertebral com o tempo de função dos participantes do estudo. Para esta análise, foram criados três diferentes grupos: costureiras que realizavam a função na empresa até um ano, entre um e dois anos e acima de dois anos. Segundo a tabela 2, não foi encontrada qualquer associação estatisticamente significativa entre estas variáveis. Todavia, exceto para a região costas inferior, em todas as outras regiões, quando comparados os sujeitos que estavam na função até um ano com aqueles que exerciam a atividade há mais de dois anos, estes últimos apresentavam níveis de dor mais elevados.

Tabela 2. Distribuição das freqüências absolutas, postos médios e valores de “p” dos escores 

dos níveis de desconforto e/ou dor em função do tempo na função por segmento anatômico (n = 43)

    Esta tendência encontra respaldo na literatura, visto que alguns autores apontam que a função de costureira apresenta característica de risco para o aparecimento de dores no sistema musculoesquelético, tais como trabalho estático, alta repetitividade, motricidade fina (COUTO, 2002; GUIMARAES, 2002). Portanto, quanto maior o tempo de função e, por consequência, de exposição aos fatores de risco anteriormente citados, maiores, poderão ser os níveis de dor dos sujeitos. Em uma pesquisa realizada com trabalhadoras do setor têxtil, Maciel, Fernandes e Medeiros (2006), relataram que funcionários que trabalhavam há mais de seis meses na mesma ocupação e os que possuíam outros problemas de saúde apresentaram cerca de três vezes mais chances de terem algias em mais de uma região corporal.

    Também neste sentido, Moraes, Alexandre e Guiradelo (2002) salientam que as posturas e os movimentos assumidos repetidamente, durante anos, pelas costureiras para realizar suas funções, podem afetar principalmente a coluna vertebral e membros, podendo resultar em queixas álgicas permanentes. Ainda, Brandão, Horta e Tomasi (2005) concordam ao afirmar que esse alto grau de repetitividade característico da função de costura predispõe o sujeito a distúrbios musculoesqueléticos.

    Já, para a região anatômica costas inferior, foram encontrados níveis de dor mais elevados nos indivíduos que realizavam a função há menos tempo, ou seja, naqueles que trabalhavam entre seis meses e um ano na empresa. Esse resultado vai de encontro, portanto, aos estudos de Couto (2002), Guimarães (2002), Maciel, Fernandes e Medeiros (2006). Ainda que a região lombar seja o local da coluna vertebral mais comumente acometido por queixas álgicas (COX, 2002), não foi encontrada na literatura pertinente associação que esclareça o achado da presente pesquisa.

    Quando comparadas a presença de dor e a faixa etária da população estudada, cujos dados estão colocados na tabela 3, constata-se que não foi encontrada qualquer associação estatisticamente significativa. No entanto, os dados encontrados apontam para uma maior chance de dor na região do pescoço e costas inferior nos indivíduos mais velhos, entre 41 e 50 anos, nas regiões anatômicas do pescoço, costas superior e costas inferior. Esse achado corrobora os resultados encontrados por Silva, Fassa e Valle (2004) que encontraram uma tendência de aumento linear na presença de dor lombar crônica em mulheres conforme aumentava a idade dos sujeitos. Dados semelhantes foram encontrados por Cote, Cassidy e Carrol (2000), que avaliariam a região do pescoço e cervical e encontraram uma prevalência maior de dor na população em geral entre 40 e 49 anos. Os autores sugerem que esta faixa etária seria mais propensa ao aparecimento destas algias devido às atividades laborais.

    Kerns et al. (2003) suportam a idéia de que a faixa etária mais acometida por dores relacionadas ao trabalho está entre os 20 e 39 anos. Todavia, para as demais regiões avaliadas, nenhuma associação ou tendência foi encontrada.

Tabela 3. Distribuição das freqüências absolutas, postos médios e valores de “p” dos escores 

dos níveis de desconforto e/ou dor em função da faixa etária por segmento anatômico (n = 43)

    Em contrapartida, essa tendência de aumento nos níveis de dor nos sujeitos mais velhos parece, no entanto, se inverter para a região cervical. Neste segmento da coluna, justamente os indivíduos mais jovens, entre 21 e 30 anos, apresentaram, ainda que de forma muito discreta, uma média de dor superior aos sujeitos mais velhos.

    Na tabela 4, foram comparados os níveis de dor na coluna vertebral em função do nível de atividade física de cada sujeito. Os dados referentes ao nível de atividade física foram obtidos através do IPAQ, ferramenta já descrita nesta pesquisa. Ainda que os resultados, quando submetidos à análise estatística, não tenham apresentado resultados estatísticos significativos, a região cervical apresenta uma evidente tendência reversa entre o aumento dos níveis de dor e o nível de atividade física.

    Nas demais regiões da coluna vertebral estudadas, os resultados não apontam para qualquer tendência de associação entre as variáveis em questão. Todavia, observou-se um nível de desconforto/dor mais elevado na região costas médio nos sujeitos “muito ativos” quando comparados aos demais.

    A partir do teste de correlação de Pearson-Bravais, apresentado na tabela 5, foi encontrada uma correlação significativa entre os níveis de dor na coluna cervical e o nível de atividade física, na qual as duas variáveis são inversamente proporcionais, à medida que os indivíduos possuem menor nível de atividade física (expresso em METs), os níveis de desconforto e/ou dor são maiores (p ≤ 0,01). Para as demais regiões da coluna, no entanto, não foi encontrada correlação significativa.

Tabela 4. Distribuição das freqüências absolutas, postos médios e valores de “p” dos escores 

dos níveis de desconforto e/ou dor em função da classificação IPAQ por segmento anatômico (n = 43)

 

Tabela 5. Níveis de correlação e significância entre as variáveis MET total e níveis de dor da amostra do estudo (n=43)

    A literatura que aborda a coluna cervical de forma isolada é limitada e as pesquisas existentes sempre abordam associação entre o nível de atividade física e a presença de dor lombar (FREIRE, 2000; TAIMELE et al., 2000), na qual a atividade física parece agir na prevenção do aparecimento ou da recorrência desta sintomatologia. Neste mesmo sentido, Jackson, Morrow e Brill (1998), sustentam que uma boa aptidão física diminui os riscos de desenvolvimento de dor na coluna vertebral. Ainda, outros autores afirmam que baixos índices de atividade física estão associados a redução da capacidade cardiorrespiratória, da força e da resistência muscular bem como da flexibilidade, aumentando então o risco do sujeito apresentar problemas musculoesqueléticos (POLLOCK; WILMORE, 1993). Também, Bouchard e Shephard (1993) afirmam que bons níveis de atividade física reduzem riscos de doenças do sistema musculoesquelético.

    Achour (1996) salienta que pessoas com níveis satisfatórios de aptidão física nas atividades diárias, podem formar hábitos de vida associados ao controle postural, favorecidos pelos melhores índices de força, flexibilidade e resistência cardiorrespiratória. Isto posto, para o autor, é complicado imaginar que uma pessoa consiga manter uma postura estática ou dinâmica por longos períodos de tempo’ com baixos índices de atividade física. Neste contexto, o equilíbrio entre força/resistência muscular e flexibilidade são importantes fatores contribuintes no adequado controle postural.

    Na tabela 6 estão apresentados os dados referentes à comparação dos escores de desconforto/dor com o índice de massa corporal dos indivíduos pesquisados. Estes dados, quando submetidos à análise estatística, não revelaram significância. No entanto, para a região cervical, observa-se um aumento progressivo dos níveis de desconforto/dor percebidas quando comparados os sujeitos classificados como “baixo peso”, “peso normal” e “pré-obesidade”. Para as regiões do pescoço, costas médio e costas superior, não se observa qualquer tendência de associação entre as variáveis. Já, para a região das costas inferior observou-se uma forte tendência de aumento nos níveis de dor com o aumento dos valores de IMC.

    Santos, Silva e Pereira (2004) colaboram com esta afirmação e salientam que apesar de ainda não bem documentada, a relação entre distribuição e aumento de gordura no corpo e a lombalgia, o sujeito com excessivo acumulo de tecido adiposo, pode correr o risco de desenvolver lombalgia pela sobrecarga na região baixa da coluna. Não obstante, o tratamento do sobrepeso ou obesidade tem se mostrado também eficaz na redução da lombalgia (KENT; KEATING, 2005), sugerindo, assim, que exista, de fato, uma associação entre as duas condições.

Tabela 6. Distribuição das freqüências absolutas, postos médios e valores de “p” dos escores 

dos níveis de desconforto e/ou dor em função da classificação do IMC por segmento anatômico (n = 43)

    Ainda, vários estudos tem revelado que IMC maior que 25 tem sido associado fortemente com a presença da dor crônica (WEBB et al., 2003; LEVEILLE et al., 2005) e Picavet e Schouten (2003) sugere que o sobrepeso deve ser um aspecto pertinente nos programas de saúde, pois predispõe ao surgimento de diversas morbidades, incluindo a dor crônica.

Considerações finais

    Verificou-se, ao final da pesquisa, que existe uma alta prevalência de desconforto/dor na coluna vertebral em costureiras do setor calçadista e que as regiões mais acometidas são a cervical e coluna lombar. Dos sujeitos que apresentam desconforto/dor na coluna, 89% relataram perceber o sintoma há mais de três meses, denotando o caráter crônico da dor. Os sujeitos que realizavam alternância de postura durante a jornada de trabalho apresentaram maiores níveis de dor para a região cervical e costas superior. As costureiras que desempenham a função há mais tempo também apresentaram uma tendência a níveis maiores de dor na coluna vertebral, exceto para a região costas inferior, e, para as regiões do pescoço e coluna lombar, os dados obtidos sugerem haver maiores níveis com o aumento da idade.

    A investigação apontou uma associação entre baixos níveis de atividade física e dor na região cervical, enquanto aqueles com níveis de atividade física maior apresentaram uma tendência a maiores níveis de desconforto/dor para a região dorsal. Existe, ainda, uma tendência de maiores níveis de desconforto/dor na região costas inferior com o aumento do índice de massa corporal dos participantes da pesquisa.

Referências

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 17 · N° 175 | Buenos Aires, Diciembre de 2012
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