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Saúde coletiva: uma história recente de um passado
remoto na experiência do Grupo Colcha de Retalhos

La salud colectiva: una historia reciente de un pasado lejano en la experiencia del Grupo Colcha de Retazos

Collective health: a recent history of a remote past on the experience of the Patchwork Quilt Group

 

*Psicóloga

*Mestre em Ciências Sociais Aplicadas, UNISINOS

Psicóloga, Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional

Coordenadora do Núcleo de Atendimento e Extensão em Psicopedagogia NAEP

***Doutora de Psicologia

Pesquisadora e Orientadora do Mestrado em Inclusão Social e Acessibilidade
Psicóloga do Centro Integrado de Psicologia

Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS

Daniela Henkel Blauth*

Profa. Me. Ronalisa Torman**

Profa. Dra. Geraldine Alves dos Santos***

geraldinesantos@feevale.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Acredita-se que o processo de envelhecimento na sociedade atual está passando por grandes transformações nos âmbitos sociais, familiares, biológicos, culturais e psicológicos. Durante a história da humanidade as pessoas nunca tiveram uma expectativa de vida tão longa, em decorrência dos avanços na área da saúde e da educação. O Projeto Colcha de Retalhos visou trabalhar com mulheres idosas dispostas a realizar trabalhos manuais, de costura e compartilhar suas vivências com o grupo. O presente projeto buscou ressignificar as vivências na fase do envelhecimento marcada por perdas e ganhos psíquicos; manter e incrementar a autoestima e o bem-estar psicológico. O grupo era composto por doze mulheres idosas, na faixa etária 55 a 83 anos do Município de Ivoti/RS. A periodicidade de encontros do grupo foi quinzenal. O grupo teve como proposta confeccionar colchas de retalhos. As mulheres reuniam retalhos, memórias, lembranças, sentimentos, aflições, medos, alinhavos, fios e pontos. Este projeto foi desenvolvido pelo Centro Integrado de Psicologia da Universidade Feevale em parceria com a Secretária de Saúde e Assistência Social do Município de Ivoti. Através da conceituação da clínica ampliada este grupo é direcionado para a saúde e não para a doença, focando nas questões subjetivas do grupo e na promoção de suas capacidades latentes.

          Unitermos: Psicologia. Idosos. Qualidade de vida.

 

Abstract

          It is believed that the aging process in the current society is passing through huge transformations in the social, family, biological, cultural and psychological scope. During the humanity history, people never had a life expectation so long due to the progress in health and education areas. The Project Patchwork Quilt intended to work with elderly woman who desired to accomplish handmade jobs of sewing and share their experiences with the group. The present project tried to signify again the experiences in the aging phase marked by psychic losses and gains; to maintain and to increase psychological self-esteem and well-being. The group was composed by twelve elderly woman, in the age between 55 to 83 years old, from Ivoti city/RS. The periodicity group meetings was biweekly. The group had as proposal to make patchwork quilts. The women joined pieces, memories, recalls, feelings, afflictions, fears, bastings, threads and stitches. This project was developed by Psychology Integrated Center of Universidade Feevale with partnership of Health Secretary and Social Assistance of Ivoti city. By the widen clinic reputation, this group is leaded to health and not to illness, focusing on subjective issues of the group and on promotion of their latent capacities.

          Keywords: Psychology. Elderly. Quality of life.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 173, Octubre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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A saúde coletiva e a clínica ampliada

    O processo deste grupo terapêutico específico, Grupo Colcha de Retalhos, visa focar na promoção da saúde e na prevenção de doenças e não dar ênfase na própria doença. A partir do processo de potencializar os aspectos positivos e os fatores que contribuem ao reforço da autoestima, específico neste grupo, as idosas sentem-se valorizadas frente às suas aptidões, superando melhor as dificuldades e habilidades que diminuíram ao longo da vida.

    Lancetti e Amarante (2009) referem que ao inverter a expressão saúde mental pode se falar mente saudável. Para definir a qualidade da mente são inúmeras variáveis de ordem ideológica, social e cultural, que são complexas e difíceis de mensuração. A cada sociedade, época ou cultura, podemos identificar tipos sociais mais ou menos ideais, de acordo com cada um dos padrões estabelecidos.

    A história da humanidade, os documentos paleontólogos ou escritos existentes e em poder dos homens indicam que sempre houve preocupação com a promoção da saúde do ser humano, seu crescimento, seu desenvolvimento físico e mental e a prevenção das doenças, significando “impedir que se realize”; “preparar; chegar antes de ir; dispor de maneira que evite o [dano] (WESTPHAL, 2009, p. 635).

    Atualmente as novas bibliografias sobre saúde coletiva, falam sobre a Clínica Ampliada, no processo da saúde e não da doença. Ao pensar no idoso, fala-se em projetos singulares, individualizados, sendo que para cada idoso cabe um responsável pela sua saúde física e mental. No percorrer do processo de evolução o Grupo Colcha de Retalhos, demonstrou esta singularidade, tornando-se um grupo onde a subjetividade foi o foco principal.

    Conforme Carvalho e Cunha (2009) o objetivo de produzir uma cultura mais solidária e induzir as subjetivações diferentes que predominam no setor da saúde, automaticamente estimula o compromisso das equipes com a produção de saúde.

    A excessiva ênfase no componente orgânico do processo saúde/doença faz com que muitas vezes os profissionais imaginem que seu objeto de trabalho é a doença, e não as pessoas doentes, o que gera toda sorte de desresponsabilização para tudo que não esta contida neste recorte [...]. Ocorre aqui, uma tensão entre a “ontologia da doença” e a “singularidade do sujeito” (CARVALHO; CUNHA, 2009, p. 841).

    Esta atividade que o Grupo Colcha de Retalhos realizava quinzenalmente proporciona às integrantes viverem novas experiências com o coletivo, estimulando a criatividade, as novas idéias e cada vez mais experimentar descobertas de um mundo ainda não conhecido. Todo este processo faz com que elas retomem sua independência e a autonomia diminuídas durante o processo de envelhecer.

    De acordo Campos e Campos (2009) a definição de autonomia mostra que os humanos determinam suas próprias leis. A autonomia é algo subjetivo de cada sujeito, é gradual, mas nunca é absoluta. Cordioli (1998) afirma que a falta de autonomia ocasiona uma perda do controle sobre a própria vida e o ambiente. Um fato importante que contribui para a baixa autoestima é a persistência dos problemas. Eles acentuam a regulação da autoestima estando ligados às etapas anteriores do ciclo vital que não foram superadas com sucesso.

    Conforme Carvalho e Cunha (2009) o processo de saúde e doença deve ter um significado ao sujeito em sua singularidade e subjetividade na relação com os outros e com o mundo. A prática clínica prolonga e melhora a qualidade de vida das pessoas evitando e aliviando a dor e o sofrimento. Para melhor elucidar esta questão apresenta-se a seguir recortes clínicos das integrantes do Grupo Colcha de Retalhos, que serão anunciadas por letras. As integrantes do grupo comentam: “Encontro aqui um grupo de amigas, e aqui é um lugar onde a gente esquece os problemas e ficamos em paz, tudo fica lá fora” (Integrante E). “Eu sinto muita paz quando estou aqui no grupo” (Integrante R). A Integrante I do grupo relata da morte do marido, “Ao entrar neste hospital não tenho boas recordações, mas quem sabe não é agora que devo mudar isso”.

    Carvalho e Cunha (2009) assinalam que o sujeito saudável é como um sujeito que possui um sentimento de segurança para viver a vida, para criar valores e instaurar normas vitais frente aos seus desejos, interesses, necessidades individuais e do seu meio social. No lugar central da doença, pode-se designar a um paciente a transformação da doença para a saúde, um sujeito capaz de viver a vida com liberdade e criatividade. O sofrimento de carregar uma “dor no coração” por uma vida toda, como o autor acima reflete, é o que se pode identificar na fala de uma integrante do grupo que relatou o sofrimento pela perda de um filho: “Coração quebrado não pode entrar na nossa colcha” (Integrante A).

    Conforme Westphal (2009) a predisposição do sujeito (hospedeiro) à doença é o seu componente genético e a sua resistência, Esta relação com os comportamentos ou estilo de vida está ligada à alimentação e às condições de trabalho. Dependendo da interação deste sujeito com o ambiente e o grau de resistência dele, poderá desenvolver a doença ou ressignificá-la na busca pela saúde mental. É direito de cada cidadão compartilhar possibilidades para que todos possam viver seus potenciais de forma plena. Promover saúde é uma imposição das circunstâncias atuais que apontam para a necessidade de novos caminhos para a sociedade.

Memórias e velhice: o lugar da lembrança

    A velhice é o tempo em que o idoso se permite pensar sobre sua própria vida, tempos vividos, atividades realizadas, papéis que ocuparam. A partir das memórias e reminiscências o idoso se permite ressignificar o sentido que tem sua vida atual e as pessoas que o rodeiam.

    Conforme Barros (2006) falar sobre o papel da memória no processo de envelhecimento pode ser um meio que o idoso encontre para fazer a construção da identidade do ser velho e as estratégias de afirmação nos espaços sociais. O idoso ao refletir sobre toda sua vida e o significado que ela tem, a memória, atualizada pelas lembranças, constitui, ela própria, uma representação que os sujeitos fazem de sua própria vida. A autora coloca que a idéia de um sujeito desmemoriado vem sempre associada com o deslocamento do mundo, ou seja, uma lacuna como sujeito em decorrência da perda de sua história pessoal, de sua trajetória social e de suas referências importantes. O recorrente temor entre os idosos do esvaecimento das memórias anteriores dificulta a recomposição dos momentos marcantes da própria existência.

    Conforme Thompson (2006) o papel da memória individual é a memória daquilo que aconteceu a nós mesmos, quem somos, como foi nossa vida, quem são nossos amigos, nossas memórias com relação aos filhos. Não se pode operar na vida sem essa memória, ela é a parte mais central da consciência humana ativa, e é essencialmente oral. Em um dos encontros do Grupo Colcha de Retalhos, as participantes falavam sobre a infância e o lugar que moravam com seus pais, uma integrante do grupo, relata uma lembrança: “Tenho a lembrança dos dias de chuva, quando meu pai tomava chimarrão frente do fogão a lenha, e neste momento contava histórias e coisas boas para nós e hoje me lembro com saudades dele” (Integrante I).

    Através da estimulação às lembranças e às reminiscências, a partir das vivências de grupo, aos poucos as idosas foram se adaptando e trazendo uma parte de sua vida para o coletivo. A técnica da Colcha de Retalhos proporcionou que as integrantes relatassem suas histórias e as de seus familiares oralmente de uma forma espontânea, agradável e tranqüila.

    Conforme Barros (2006) a importância do grupo familiar remete à referência para a reconstrução do passado. Esta situação vincula-se ao fato de ser a família ao mesmo tempo o objeto e o espaço das recordações. Os papéis familiares estão fortemente marcados nas trajetórias desses sujeitos. Estas representações sobre o passado reaparecem na vida presente do idoso. A autora afirma que o espaço simbólico criado a partir das vivências e temporalidade produz o tempo e o espaço possibilitando ao idoso poder pensar sobre a vida e sobre um tempo percebido como feliz. Reviver idéias, através da imagem, traz lembranças do seu tempo e proporcionam um sentido ao presente.

    O sujeito ao lembrar, busca refazer, no presente, o que representa como o passado. O espaço no qual estão emoldurados as memórias é fundamentalmente um espaço de interação. E é justamente essa moldura social que é trazida à cena na rememoração, seja na casa de outrora, seja em imagens fotográficas ou artefatos rememoradores. (FERREIRA, 2006, p. 221).

    Conforme Thompson (1992) o sofrimento do passado para algumas pessoas é mais suportável quando são encontradas boas lembranças de alegria, afeto e realização. Recordar a própria vida é fundamental para nosso sentimento de identidade, continuar lidando com essa lembrança pode fortalecer a autoconfiança.

    Para Worcman e Pereira (2006) a memória é o registro da realidade do nosso próprio corpo. Mas não se trata de um registro incondicional, como se fossemos um papel em branco carimbado por nossas experiências sucessivas. Todos os nossos registros são guardados, por algum motivo tiveram um significado em nossas vidas. A nossa memória individual é única, pois mesmo tendo vivido as mesmas experiências que outras pessoas, cada um de nós seleciona e compõe seu próprio conjunto de registro, uma espécie de patrimônio pessoal.

    [...] a memória é a aquisição, a formação, a conservação e a evocação de informações. A aquisição é aprendizagem, tudo aquilo que foi aprendido, e a evocação pode ser chamada de recordação e lembrança [...] que somos aquilo que recordamos, [...] acervo de nossas memórias faz com que cada um de nós seja o que é, com que sejamos, cada um, um indivíduo, um ser para o qual não existi outro idêntico. (IZQUIERDO, 2002, p.9).

    Conforme Izquierdo (2003) mais importante do que lembrar é saber esquecer. Para melhor elucidar esta questão, apresenta-se a seguir recortes clínicos das integrantes do Grupo Colcha de Retalhos. A Integrante A, relata o sofrimento pela perda do filho em um acidente de trânsito há 10 anos: “Tem coisas que nem é bom lembrar, porque é sofrido e esquecer é melhor”. A integrante R complementa: “O meu filho morreu de acidente há mais de 16 anos, isto aí a gente nunca esquece, a dor fica dentro da gente e não apaga, porque teu filho faz 10 anos que morreu, e o meu que faz 16 anos, pois já te digo que esta perda não se apaga em nossa vida”. A Integrante A conclui sobre o assunto: “É, a gente tem que esquecer, fazer de conta que a gente esquece para poder ir em frente”.

    Nestes relatos evidencia-se a necessidade e a capacidade do sujeito para lembrar, pois nem sempre se torna necessária a lembrança para continuar a viver, é o que afirma Izquierdo (2002, p. 9),[...] e também somos o que resolvemos esquecer, a prática da memória, no nosso cérebro ‘lembra’ as quais são as memórias que não queremos ‘lembrar’, e esforçar muitas vezes inconscientemente para fazê-lo”.

    A reminiscência proporciona aos idosos a revivência das lembranças significativas de realizações, felicidades e momentos especiais, que remetem ao meio social e familiar, possibilitando refletir sobre si próprio. Para autor Krassoievitch (1993) as reminiscências permitem que o idoso pense sobre as próprias experiências passadas, e causa um efeito adaptativo ao processo do envelhecimento. As recordações acionam uma série de mecanismos psicológicos defensivos, adaptativos e protetores de acordo com a personalidade.

    Percebe-se a coesão e o comprometimento da terapia neste grupo, através do relato da Integrante R que perdeu um filho em um acidente de trânsito: “Nossas mentes tinham que se juntar, assim como nós juntamos os retalhinhos, isso ajuda a gente, dá um bem-estar e ficamos melhor quando estamos aqui”. A Integrante V refere que: “Encontro aqui neste grupo amizade, carinho, companheirismo, alegrias, aprendizado e união”.

    Conforme Izquierdo (2002, p.9), “[...] o passado, nossas memórias, nossos esquecimentos voluntários, não só diz quem somos, mas também nos permitem projetar o futuro; isto é, nos dizem quem poderemos ser”. O autor afirma que o passado contém o acervo de dados, o único tesouro que possuímos e nos permite traçar linhas a partir dele, para projetar um futuro. O conjunto das memórias de cada um determina aquilo que se denomina personalidade ou forma de ser.

    O Grupo Colcha de Retalhos demonstrou em todo o seu processo terapêutico, que cada integrante foi a autora da sua história, selecionando e articulando os registros da sua própria memória. A partir da história falada se deu a construção da história presente. Pois através da confecção da Colcha, elas foram trazendo retalhos de memórias, alinhavando suas histórias e ressignificando suas vidas.

    Apresenta-se um recorte clínico de uma integrante do grupo, que relata sentir saudades do filho que morreu em um acidente: “Não gosto do Natal, tenho muitas saudades; mas percebi aqui que existe outro tipo de Natal; [...] sabe que a partir deste grupo até que estou gostando do Natal e este ano acho que vou ter um Natal bem diferente” (Integrante R).

    Conforme Ferreira (2006) falar sobre as lembranças determina que o papel da memória, no processo de envelhecimento, pode ser um meio que o idoso tenha de fazer a construção da identidade do ser velho e as estratégias de afirmação nos espaços sociais. O idoso ao refletir sobre toda sua vida e o significado que ela tem, trabalha com a memória atualizada pelas lembranças.

    O passado não é necessariamente antagônico ao presente. Nosso passado inteiro também vela atrás de nosso presente. Os tempos vividos são pensados como superpostos, como um movimento dialético de continuidade e descontinuidades da duração social. Assim, para compreender o presente grupo estudado, é preciso conceber o tempo social como uma série de rupturas, evitando-se perceber sua história num eixo temporal contínuo e uniforme (ECKERT, 2006, p. 176).

O Grupo Terapêutico e o processo do envelhecimento

    O fato das integrantes do Grupo Colcha de Retalhos serem pertencentes a um grupo terapêutico no decorrer do processo do seu envelhecimento é de extrema relevância para sua saúde psíquica. As características deste grupo demonstram a fragilidade e a necessidade de um apoio coletivo para estas idosas, tornando-se necessário o fortalecimento psíquico às eventuais situações que precisarão enfrentar no decorrer de suas vidas.

    Para as idosas, na velhice, torna-se fundamental estar inserido em um grupo e possuir uma rede social que proporciona bem estar psicológico, manutenção da identidade como idoso e valorização do seu lugar na sociedade. Conforme Zimerman (2000) a prática de grupo tem a função terapêutica, evidenciando uma capacidade de contenção dos problemas, promoção de alívio, crescimento da autoestima e da confiança básica.

    Neste sentido retratamos outros recortes clínicos para evidenciar a importância da função terapêutica nas falas das integrantes do Grupo Colcha de Retalhos: “Muitas vezes fico triste em estar sozinha, eu moro sozinha”. (Integrante E). A Integrante R complementa: “Mas eu também moro sozinha, há muitos anos”. A Integrante A conclui: “Mas é a coisa melhor morar sozinha, faço comida para mim, coloco uma mesa bonita e almoço e janto sozinha”. A partir do interesse do grupo as integrantes resolveram saber quem morava sozinha, o grupo deu-se conta que oito das doze integrantes moravam sozinhas há muitos anos. Assim as integrantes perceberam que muitas delas têm suas vidas em comum, demonstrando certo conformismo.

    Refletindo sobre os recortes clínicos acima, percebe-se a riqueza da terapia em grupo. Zimerman (2000, p. 86) coloca que “[...] o campo grupal se constitui como uma galeria de espelhos, onde cada um pode refletir e ser refletido nos e pelos outros”.

    Nesta perspectiva, o Grupo Terapêutico vem ao encontro da necessidade das pessoas que sofrem frente às adversidades da vida, por terem um espaço onde possam ser ouvidas e compreendidas na sua dor e o processo de envelhecer, assim considerando a importância de trabalhar em grupo. Conforme Zimerman (2000, p. 86) “[...] particularmente nos grupos psicoterapêuticos, essa oportunidade de encontro do self de um indivíduo com o de outros configura uma possibilidade de discriminar, afirmar e consolidar a própria identidade”.

    Segundo Neri (1995), a velhice bem-sucedida, demonstra uma condição individual e grupal de bem-estar físico e social, a exigência da sociedade que o idoso carrega, determina as condições e os valores existentes no ambiente em que o indivíduo envelhece, e características de cada história pessoal. Uma velhice bem-sucedida respeita o potencial único do desenvolvimento, o respeito aos limites e a capacidade interna que cada um para se aceitar.

    Estas afirmações podem ser traduzidas nos recortes clínicos a seguir, das integrantes do grupo: “O saber nunca ocupa espaço” (Integrante I). “Eu gosto muito deste grupo fiz muitas amigas aqui, o importante mesmo eu ganhei muitas coisas e recebi, aprendi, é uma grande família, tenho grandes amigas aqui (Integrante R). Conclui a Integrante A: “Aqui no grupo tem muito amor e felicidades”.

    Zimerman e Osório (1997) apontam que o grupo possibilita que as pessoas doentes aceitem e assumam o seu problema de maneira menos conflituosa e humilhante. Através do grupo existe maior envolvimento comunitário e interativo, e os novos modelos de identificação auxiliam na representação de um estímulo à socialização. Estes relatos clínicos demonstram a importância do convívio em grupo. A Integrante R refere: “Eu me sinto muito feliz nestas quartas-feiras com as amigas da colcha de retalhos”. A Integrante V relata: “Uma grande alegria quando chega a quarta-feira de rever as colegas do grupo”. Integrante E: “Com a música e a companhia de vocês, eu me sinto em paz”.

    O Grupo Colcha de Retalhos demonstra ter a característica da função de ser continente às demandas das idosas, este espaço auxilia a absorção das angústias e dúvidas, objetivando o reforço das capacidades positivas entre elas.

    Para Zimerman (2000, p.120) “[...] a identificação é o processo ativo do Ego do indivíduo e consiste em que este venha a se tornar idêntico a um outro”. Ilustramos um último recorte clínico para que possamos compreender melhor o trabalho de grupo, a Integrante A relata: “Eu venho aqui neste grupo pela união que temos aqui; muitas vezes eu não poderia vir, muita chuva e o vento, mas mesmo assim eu venho, tenho muita vontade de vir ficar com vocês”. A Integrante I relata: “É bom saber que aqui no grupo podemos falar sobre as coisas de nossas vidas”.

    De acordo Cordioli (1998) o grupo proporciona a percepção de outras pessoas com os mesmos problemas, assim a pessoa pode sentir-se melhor, tendo mais esperança em ultrapassar suas dificuldades. O grupo permite que o indivíduo enxergue o seu problema não como sendo único, mas que todos têm suas particularidades. O indivíduo passa a ter uma visão mais realista da sua vida. O autor afirma que a experiência de socialização desenvolvida, pelo convívio em grupo, proporciona um espaço para o contato visual, o apertar das mãos e um convívio mais próximo. A oportunidade de poder falar sobre o que sente possibilita ao indivíduo a obtenção de alívio pela ventilação das emoções.

Considerações finais

    No processo do envelhecimento percebe-se a importância das idosas poderem recordar, repetir e elaborar por muitas vezes a sua própria história de vida. Conforme Ferreira (2006) o espaço simbólico criado a partir das vivências e temporalidades possibilitou às idosas poderem pensar sobre suas vidas. O grupo serviu como um apoio, buscando um novo sentido das vivências de uma vida toda até o envelhecimento. As idosas avaliaram suas questões, através das memórias e das lembranças, possibilitando a constituição de suas representações em relação a suas próprias histórias. O tecer compartilhado propiciou o reencontro de suas identidades como idosas e a valorização de seus lugares na sociedade.

    Para as idosas com a chegada da velhice foi fundamental estarem inseridas em um grupo e possuir uma rede social, que proporcionou o bem estar psicológico e a manutenção da identidade como idosas.

    Conforme Ferreira (2006) falar sobre o papel da memória no processo de envelhecimento, pode ser um meio que o idoso encontre de fazer a construção da identidade do ser velho, e as estratégias de afirmação nos espaços sociais.

    A vida coletiva do Grupo Colcha de Retalhos demonstrou a dimensão fundamental do mundo simbólico que as idosas expressaram em grupo, através dos seus comportamentos, as maneiras de expressar as condições de suas vidas. O grupo oportunizou um lugar de sociabilidade e reconstrução de maneiras de viver no coletivo.

    O tecer compartilhado entre as idosas demonstrou uma possibilidade de afinidade entre elas. O espaço foi construído por todas, no clima de descontração, onde foram se expondo na medida em que se sentiram mais seguras no grupo. O grupo passou por diversas fases, onde a cada encontro foi sendo trabalhada a amizade, a confiança e a escuta entre elas, possibilitando exercer a função espelho, tornando evidentes os desejos, sofrimentos, sonhos e apoio mútuo.

    Com a técnica dos retalhos, as idosas buscaram refazer suas histórias. A partir das lembranças, o grupo construiu e uniu o sujeito ao passado. O grupo serviu como um apoio, buscando um novo sentido das vivências de uma vida toda até o envelhecimento.

    Conclui-se que o espaço do Grupo Colcha de Retalhos auxiliou e favoreceu estas idosas nos seus sentimentos, nas aflições, nos medos, nos desejos e no reforçamento das suas imagens, assim reafirmando suas identificações como grupo. Entende-se a relevância do entendimento da subjetividade de cada uma, de seu tempo interno e de certa forma, entender que não há um tempo delimitado igual para todas. O tempo individual de cada uma das idosas tornou-se essencial à ressignificação de suas próprias histórias presentes, a partir dos seus passados remotos.

Referências

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