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O aventureiro na mídia, esportes de aventura,
corridas de aventura, quais inter-relações possíveis?

El aventurero en los medios de comunicación, deportes de aventura, carreras de aventura, ¿cuáles son las posibles relaciones?

 

Orientador educacional on line FEF, UNICAMP

Mestre em Estudos do Lazer, Faculdade de Educação Física

Universidade de Campinas, UNICAMP

Luiz Fabiano Seabra Ferreira

seabrafabiano@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Esportes de aventura e corridas de aventura são atividades exploradas por diferentes meios de comunicação. Nesse contexto são construídos diferentes significados e formas de explorá-los como mercadorias. Este artigo reflete sobre possíveis inter-relações entre a mídia, os esportes de aventura e as corridas de aventura. Foi construída uma rede de significados no qual estão inseridos tanto os aspectos teóricos, bem como as vivências de participantes desses eventos. Os discursos dos participantes de corridas de aventura enfatizam o sensacionalismo televisivo, além da mercantilização dos ambientes naturais, ressaltam a popularização dos eventos em função da exploração realizada por diferentes meios de comunicação, além disso, relatam o surgimento de um estilo de vida intimamente relacionado ao aventureiro e a busca por ambientes naturais.

          Unitermos: Mídia. Aventureiro. Esportes de aventura. Corridas de aventura.

 

Abstract

          Adventure sports and adventure races are activities explored by media. In this context are built different meanings, moreover ways explores them as goods. This article reflected about possibles interrelationships between the media, the adventure sports and adventure racing. It was built a network of meanings which are embedded the theoretical aspects as well as the experiences of participants in these events. The speeches of the participants in adventure races they emphasized sensationalism of television, besides the commodification of natural environments, popularization of events in function of exploration undertaken by various media outlets, also reported the emergence of a lifestyle intimately linked to adventurer and the search for natural environments.

          Keywords: Media. Adventurer. Adventure sports. Adventure race.

 

          Este artigo faz parte da dissertação de mestrado intitulada: Corridas de Aventura: construindo novos significados sobre corporeidade, esportes e natureza, apresentada na Faculdade de Educação Física da Universidade de Campinas.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 173, Octubre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Na atualidade, há uma grande ênfase nas discussões abordando as questões que envolvem os ambientes naturais e artificiais, pois vivemos sob uma forte aceleração das transformações tecnológicas e sócio-culturais. Podemos observar diversas mudanças que se referem às atividades realizadas pelos homens em relação aos espaços que ocupam. Estão se delineando diferentes maneiras de o homem interagir com o ambiente e transformá-lo, construindo novos significados sobre a temática envolvendo o homem e os ambientes naturais.

    Nesse contexto, estão surgindo novas práticas corporais e novas formas de relacionamento entre os seres humanos delineadas a partir dessas práticas. Refletir sobre os sujeitos e os novos significados elaborados pela interação advinda dessas práticas corporais mostra-se como uma possibilidade de compreender o fenômeno em questão, levando em consideração novos processos de sociabilização. Nessa reflexão, essas práticas corporais serão designadas por esportes de aventura que, organizadas em forma de competição originaram as corridas de aventura.

    De acordo com Betti (1998), a valorização social das práticas corporais de movimento legitimou o aparecimento da investigação científica e filosófica em torno do exercício e da atividade física, da motricidade ou do homem em movimento.

    Dessa forma, a mídia tem realizado uma ampla exploração sobre essas novas atividades, porém são poucos os estudos acadêmicos que interrogam e investigam esse assunto.

Metodologia

    Este artigo tem por objetivo, realizar reflexões sobre a mídia, os esportes de aventura e as corridas de aventura, no caso a Expedição Mata Atlântica (EMA). Essas vivências revelam subjetividades carregadas de imagens, símbolos e significados relacionados ao adjetivo “aventureiro”. O que se propõe são olhares criativos, amparados por uma antropologia crítica, procurando observar além dos aspetos competitivos, outras características relacionadas às subjetividades dos participantes desses eventos esportivos.

    Os escritos de Roger (1999: p. 89) enfatizam a necessidade de uma antropologia complexa que possibilite uma nova visão sobre fenômeno humano. A antropologia complexa baseia-se no método proposto por Edgar Morin, no qual se delineia um novo caminho epistemológico, a partir de uma abordagem complexa sobre o fenômeno humano.

    Para a coleta dos dados foi empregada a entrevista semi-estruturada com atletas participantes de corridas de aventura, sendo registrado com auxilio de um mini gravador. Foi empregada a análise de conteúdo dos dados, proposta por Chizzotti (1991: p. 98), cujo objetivo é “compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explicitas ou ocultas”.

    As entrevistas obtidas com os sujeitos possibilitaram construir uma descrição sobre os significados atribuídos às diversas vivências ocorridas no decorrer do evento (EMA).

As Corridas de Aventura

    De acordo com Paterson (1999), o termo corridas de aventura surgiu no início dos anos 80 na Nova Zelândia. Este termo designa uma nova forma de competição, em que o homem utiliza obstáculos naturais (rios, montanhas, florestas e outros ambientes naturais) para a prática de atividades físicas, como: mountain biking, rafting, canoagem, trekking com orientação, técnicas verticais e natação. As origens das corridas de aventura estão ligadas à corrida multi-esportiva (corrida em montanha, canoagem e mountain biking) realizada na Nova Zelândia, chamada Coast to Coast.

    No Brasil, a primeira corrida de aventura foi realizada no ano de 1998 e se chamou Expedição Mata Atlântica (EMA), tendo como organizador o empresário paulista Alexandre Freitas. A Expedição Mata Atlântica foi uma competição, na qual participam atletas organizados em equipes de ambos os sexos (equipes mistas), dispostos a realizarem diversas atividades para alcançarem um objetivo no menor tempo, exigindo o máximo de suas resistências físicas e mentais.

    As corridas de aventura se originaram numa época em que algumas pessoas estavam procurando um contato por meio de atividades físicas com ambientes que possuíssem características (naturais) diferentes daquelas encontradas em ambientes urbanos (artificiais). Essas atividades físicas realizadas em ambientes não artificializados representavam um “rompimento” com o chamado esporte tradicional institucionalizado, pois, as mesmas não necessitavam de regras rígidas, nem espaços demarcados ou cronometragem, mas sim técnicas e equipamentos especializados. As pessoas que, na atualidade, participam de corridas de aventura, de certa forma, já possuíam, antes, algum contato com atividades outdoor.

    Betrán & Betrán (1995: p. 15) analisam essas novas atividades da seguinte forma:

    cada sociedade, em cada época, tem sua própria cultura corporal relacionada aos seus parâmetros ideológicos, técno-econômicos, sociais e, é claro culturais. A idéia de corpo, os usos, hábitos e costumes, movimentos que suscitam, práticas corporais e atividades físicas recreativas que aparecem neste período se inscrevem na mentalidade da época.

    A busca por ambientes naturais e as criações de novas atividades físicas que possuíssem características diferenciadas dos esportes tradicionais modernos, também estavam ligadas à busca de uma aventura selvagem, por meio da procura interminável pelo desafio e conhecimento dos limites humanos. Essas atividades que ligam o homem à ambientes naturais possuem características que denotam possibilidades de se viver uma aventura, pois a incerteza, o risco e a aceleração são características predominantes nessas práticas.

    O aumento na percepção dos riscos pode estar relacionada à instabilidade vivida na atualidade, pois observa-se um rompimento com os conceitos disseminados na modernidade. Para Maffesoli (2004) a atualidade pode ser compreendida a partir da antinomia de valores que afetam toda estrutura social. Nessa perspectiva, o risco e a insegurança são características marcantes da atualidade, pois podem ser observados a partir das transformações sócio-culturais que se delineiam como uma forte presença em diversas instâncias, como na política, economia e no próprio cotidiano das grandes cidades. Nesse contexto, estão emergindo novas formas de se compreender os valores, a ética, a ciência e o próprio ser humano. De acordo com Giddens (1991: p. 12), vivemos num momento em que “muitos de nós temos sido apanhados num universo de eventos que não compreendemos plenamente, e que parecem em grande parte estar fora de nosso controle”.

    Nesse contexto, cabe ressaltar o surgimento das corridas de aventura como uma forma diferenciada de se conceber o esporte, a competição, o corpo e o ambiente natural. De acordo com Beal et all (apud KAY & LABERGE 2002), os discursos relacionados a essa nova cultura esportiva tendem a rejeitar os valores disseminados pelos esportes tradicionais (competição, mensuração e regras) em favor de valores menos rígidos caracterizados pela experimentação de sensações que favoreçam o auto-conhecimento.

Mídia, Esportes de Aventura, Corridas de Aventura quais inter-relações possíveis?

    Podemos observar, na atualidade, a criação de novos conceitos (De acordo com BORDENAVE (1985: p. 65), “é uma imagem formada na mente do homem após perceber muitas coisas semelhantes entre si. Esta capacidade de abstração de qualidades comuns e de colocar um nome à qualidade geral deu origem ao conceito”), imagens, signos (“é qualquer coisa que faz referência a outra coisa ou idéia”. BORDENAVE, (op. cit., p.24) e significados que estão intimamente condicionados à questão do consumo e da mídia de massa. De acordo com MIÉGE apud SODRÉ, (2002: p. 19), mídia de massa significa “produção definitivamente dependente de investimentos publicitários e técnicas de marketing, predomínio das tecnologias audiovisuais e grande valorização do espetáculo”.

    Os processos de globalização e a consequente massificação da cultura, exercida pelos meios de comunicação, denotam uma transformação radical na forma pela qual a sociedade elabora e divulga os novos elementos constituintes das imagens e conceitos vinculados a determinados estilos de vida. De acordo com Bauman (1998: p. 161),

    [...] a medida que se desenvolvem e amadurecem, os conceitos começam a se mover por conta própria e, às vezes, alcançam territórios bastante distantes de seu local de origem. A experiência dos seres humanos é o alimento que nutre o desenvolvimento dos conceitos [...] mesmo as mais universais das noções nascem e adquirem forma na experiência particular das pessoas vinculadas a lugar e tempo específicos.

    Esses conceitos emergem constituindo novas roupagens incorporando o “aventureiro1” numa ampla rede de “consumidores”, pois está relacionado a um estilo de vida que a cada dia conquista novos adeptos alimentando o mercado.

    Bordenave (1985: p. 92) enfatiza que

    é próprio da comunicação contribuir para a modificação dos significados que as pessoas atribuem às coisas. E, através da modificação de significados, a comunicação colabora na transformação das crenças, dos valores e dos comportamentos.

    Na atual sociedade capitalista é fácil identificar a excessiva exposição de signos e símbolos. Basta sair às ruas e, logo se encontrarem diversos ícones de consumo expostos em formas de outdoors, logotipos, cartazes e outras formas de comunicação visual, amplamente utilizados para fazer propaganda e marketing. Para Arbex Jr. (2002: p. 102), “os ícones da mídia planetária são as grandes marcas de consumo – McDonald’s, Coca-Cola, IBM, Benetton, Marlboro, Ford, Microsoft, Disney”.

    Sodré (2002: p. 65), discutindo sobre os meios de comunicação, enfatiza que “a moral da mídia contemporânea é apenas mercadológica”.

    Nesse contexto, a questão principal, o cerne do sistema capitalista está engendrado no poder relacionado com a mídia, objetivando seduzir e conquistar novos consumidores, criados a partir da construção de novos ícones de consumo.

    Featherstone (1996: p. 107), ao realizar uma reflexão sobre o pós-modernismo e a cultura de consumo, enfatiza o crescimento da oferta de imagens e signos construídos a partir do desenvolvimento da chamada cultura de massa2: “Nenhuma sociedade jamais esteve tão saturada de signos e imagens quanto a nossa”. Completando essa idéia, apóia-se nos trabalhos de Georg Simmel e Walter Benjamin para afirmar que muitos aspectos atualmente identificados com o pós-modernismo, como:

    “a volatilidade dos signos”, a “a fragmentação cultural”, “a confusão das identidades” e a “estetização da vida cotidiana”, podem ser encontrados na história desde o nascimento dos mercados e das cidades.

    Pode-se evidenciar o ressurgimento desses aspectos relacionados às transformações sociais e culturais, como uma forma de reorganização dos elementos primordiais constituintes do sistema capitalista. Esses elementos como o consumo e a produção de bens materiais e simbólicos ocupam o cerne desse sistema.

    Arbex Jr. (2002) diz que a questão da produção de imagens está atrelada aos métodos publicitários de marketing utilizados para formatar e condicionar o imaginário coletivo. Dessa forma, a publicidade funciona como um suporte ideológico, visando criar e reproduzir fetiches e ideais de felicidade relacionados a determinados estilos de vida e/ou padrões a serem seguidos, como os físicos, estéticos, sensuais e comportamentais.

    A publicidade tornou-se uma espécie de excitação coletiva, porque embute nos indivíduos o desejo de consumo de produtos e símbolos culturais como o “aventureiro” ou o “herói”, caracterizados pela busca incessante de liberdade (ilusória/fictícia) e rompimento com os limites impostos pela vida cotidiana.

    De acordo com Sodré (2002: p. 44)

    da mídia para o público não parte apenas influência normativa, mas principalmente emocional e sensorial, com o pano de fundo de uma estetização generalizada da vida social, onde identidades pessoais, comportamentos e até juízos de natureza supostamente ética passam pelo crivo de uma invisível comunidade do gosto, na realidade o gosto “médio”, estatisticamente determinado.

    Essa ampla influência causada pela mídia sobre os pensamentos e ações humanas demonstra o grau de inserção dos meios de comunicação na forma como os indivíduos se estruturam na sociedade.

    Para Thompson (2001), o desenvolvimento da mídia transformou o sentido da produção e do intercâmbio simbólico na modernidade. Tanto a produção material quanto a produção de bens simbólicos (cultura) sofreram influência dos meios de comunicação. A emissão e a recepção desses “produtos” são formatadas a partir da lógica mercantil estabelecida pelo sistema capitalista.

    No contexto da vida social, amplamente especulado pela mídia, os esportes de aventura estão intimamente ligados a um determinado estilo de vida, privilegiando a possibilidade de consumir novos símbolos culturais. Esses símbolos estão condicionados à imagem de “aventureiro”, em que os indivíduos buscam construir novos significados para as atividades físicas realizadas em ambientes naturais.

    Segundo Costa (2000), os meios tecnológicos da comunicação nos informam sobre o mundo esportivo, caracterizando-o como um espetáculo pautado na divulgação de imagens, mensagens, símbolos e representações.

    Como exemplo pode-se citar os atletas participantes da EMA, pois, aos olhos do senso comum, esses sujeitos transformam-se em símbolo de “aventureiros”, auxiliados pela exposição ocasionada pelos meios de comunicação, principalmente o meio televisivo.

    Na atualidade, Thompson (2001) ressalta a exploração da mídia e mercantilização das formas simbólicas. Esse processo é caracterizado por estabelecer um valor econômico para os bens simbólicos. Dessa forma, o processo de valorização depende dos meios técnicos empregados nesse processo.

    Buscando refletir sobre a mercantilização das formas simbólicas, podemos perceber muitos anúncios e propagandas relacionando o “espírito aventureiro” com determinados produtos que, muitas vezes, não possuem relação alguma com o conceito. Nesse contexto, observam-se os meios de comunicação se apropriando dos conceitos, incorporando-os e criando vínculos com determinados produtos, e, em certos casos, essa relação é estabelecida de forma “fictícia” e efêmera.

    Para Harvey (1998), a publicidade e as imagens da mídia passaram a desempenhar um papel muito mais integrador nas práticas culturais, tendo assumido, agora, uma importância maior na dinâmica de crescimento do capitalismo. Além disso, a publicidade já não parte da idéia de informar ou promover no sentido comum, voltando-se, cada vez mais, para a manipulação dos desejos e gostos, mediante imagens que podem ou não ter relação com o produto a ser vendido.

    Pode-se perceber o rápido crescimento de diversos segmentos da mídia relacionados a aventura. Hoje há uma série de revistas, websites e lojas especializadas em equipamentos, ecoturismo, turismo de aventura e corridas de aventura. Isso demonstra que o mercado relacionado a essas atividades está em expansão, ampliando cada vez mais seus territórios, fortalecendo o vínculo mercantil entre essas atividades.

    Esse fato torna-se representativo para as equipes participantes das corridas de aventura, pois, com o crescimento da divulgação feita pela mídia, as equipes melhoram suas chances de conseguir patrocínios. Essa transformação denota que alguns atletas participantes de corridas de aventura estão buscando uma profissionalização, possibilitando o seu sustento financeiro.

    O atleta Fábio, participante da EMA, diz que “quando a mídia explora as imagens das corridas de aventura, os investidores põem grana nos patrocínios”.

    A exposição dos atletas e das corridas de aventura na mídia, principalmente a televisiva, possui características definidas de acordo com o tipo veiculação de imagens.

    Os canais de TV a cabo especializados em esportes (ESPN, SPORTV) e aventura (AXN, DISCOVERY CHANNEL) já possuem uma tradição na transmissão desses eventos e, na última edição da EMA Amazônia, o canal Globo de televisão fez uma cobertura do evento, transmitindo, em um dos programas mais tradicionais dessa emissora (Fantástico), notícias sobre a corrida. A incorporação das corridas de aventura na programação televisiva denota a criação de um determinado público interessado nesse tipo de programação.

    Dessa forma, ao observar a veiculação das corridas de aventura feita pela rede Globo de televisão (programa Fantástico, transmitido aos domingos), evidenciam-se diferenças em relação à exposição feita pelo canal SPORTV (programa específico sobre a EMA Amazônia 2001): ambos informam sobre o mesmo assunto (a corrida EMA Amazônia 2001), mas o enfoque jornalístico difere entre esses canais.

    O modelo de exibição e cobertura utilizado pelas emissoras de televisão depende do enfoque (características do programa) e do público de cada uma. Observamos, por meio dos vídeos, que as emissoras de canal aberto constroem uma imagem espetacular das corridas de aventura. Isso não significa ausência de espetacularização nos programas exibidos em canais pagos, porém, nos primeiros, as imagens expressando dor ou situações desagradáveis são mais enfatizadas. O canal SPORTV (programa especifico sobre a EMA Amazônia 2001) aborda a corrida como um espetáculo e um desafio esportivo, sem exacerbar aspectos sensacionalistas. Ilustrando esse fenômeno, recorremos ao discurso do atleta Marcos, participante da EMA, ressaltando que “a mídia só tem interesse em explorar os assuntos que dão ibope”. Dessa forma, ao atingir o senso comum, aquelas imagens expressando dor e outros sentimentos tornam-se espetaculares, fora do comum e, segundo alguns comentários do senso comum, “coisa de louco”.

    Para ilustrar essa discussão, cita-se Arbex Jr. (2002: p. 113): a mesma notícia pode ser veiculada de diferentes formas, dependendo do público e do meio de comunicação utilizado. A ilustração abaixo descreve essa situação da seguinte forma:

    um jornal especializado em notícias econômicas poderá dar pouca importância a uma tragédia causada por uma enchente em um bairro de periferia, ao passo que um jornal sensacionalista dará pouca importância ao movimento na bolsa de valores em determinado dia. E, mesmo que um jornal sensacionalista resolva dar uma notícia sobre algum assunto “sério”, ela será lida pelo seu público de maneira muito distinta daquela empregada pelo público de um jornal tradicionalmente “respeitável”.

    Arbex Jr. (op. cit.) faz uma crítica ao modelo utilizado pelos telejornais sensacionalistas, enfatizando a importância dada ao impacto da imagem, assim como ao ritmo da transmissão. Esse fato demonstra que a linguagem televisiva possui um modelo que objetiva a espetacularização das imagens, visando atrair o telespectador.

    De acordo com Eco (apud ARBEX JR., op. cit., p. 114), “a comunicação de massa é, essencialmente, ambígua”. Nesse contexto, Arbex Jr. (op. cit., p. 114 - 115) segue expondo a seguinte idéia:

    um dos desafios enfrentados diariamente pelos estrategistas da mídia consiste, precisamente, na elaboração de estratégias de sedução do telespectador, operando em um inevitável espaço de ambiguidade do fato comunicativo.

    Ilustrando os aspectos descritos acima, citamos as observações feitas pelo atleta Alexandre, estudante de Pós-graduação em Ciências Biológicas e participante da EMA a mídia faz um sensacionalismo ao se referir aos esportes de aventura.

    [...] Não gosto de chamar de esportes de aventura, de coisa radical, eu acho que isso é muito marketing. Eu chamo de esportes outdoor, é um esporte externo, outdoor é aquela coisinha meio americanizada, mais é muito mais isso do que você falar esporte de aventura, esportes radicais. Eu não curto essa conotação que leva esses esportes, “radical”, “super adrenalina”. Isso parece um pouco tentativa de suicídio, isso é uma vacilada da galera chamar, é uma chamada sensacionalista que está ligado a mídia [...] veja o que a televisão mostra: a menina com o pé todo cheio de bolhas, continuou durante cinco dias, e só aparece gente machucada ou sofrendo, é muito sensacionalismo.

    O atleta Marcos, participante da EMA ilustra esse sensacionalismo da seguinte forma:

    as corridas de aventura são o negócio mais sensacionalista que existe [...] a mídia coloca como se fosse uma atividade de uns caras loucos, sempre dando uma ênfase para a loucura nessas atividades, enfatizando que o negócio é uma corrida que gente doida faz, mas você não precisa ser um cara muito louco para correr, ser largado ou, alucinado. Apenas você tem que gostar de fazer coisas diferentes, mas não é uma parcela muito pequena que gostaria de correr. Muita gente que faz esporte, que curte natureza gostaria de correr, não é um esporte para gente louca [...] ao mesmo tempo eles querem vender equipamentos de aventura, então eles veiculam uma imagem paradoxal. Por um lado mostram como se fosse atividade de gente louca, mas por outro lado eles querem mostrar que é uma coisa que você também pode fazer, porque eles querem usar aquilo lá para vender!

    Observando esses discursos, podemos perceber, na mídia televisiva, uma veiculação de imagens fragmentadas, organizadas e encadeadas de forma espetacular, segundo a percepção e vontade do editor responsável. Geralmente vai ao ar o que o editor acha “chamativo”, para atrair a atenção do telespectador. Na edição, a TV recorta, seleciona e resume as informações e imagens. A própria linguagem da TV, veloz, impede uma abordagem mais minuciosa dos conflitos.

    Essas idéias são compartilhadas por Betti (1998: p. 34), quando faz uma observação sobre a fragmentação e distorção dos fenômenos esportivos expostos pela TV:

    a televisão seleciona imagens esportivas e as interpreta para nós, propões um certo “modelo” do que é “esporte” e ser “esportista”. Mas, sobretudo, fornece ao telespectador a ilusão de estar em contato perceptivo direto com a realidade, como se estivesse olhando através de uma janela de vidro.

    Esse tipo de exposição, característico do atual modelo de televisão demonstra haver uma formatação específica para atrair audiência e criar um vínculo entre o telespectador e o programa exibido.

    Essa especificidade dos programas é apontada por Betti (op. cit.), a partir do surgimento do esporte telespetáculo, construído pela televisão para um público não presente nos locais onde as atividades são realizadas. Esses produtos trazem novas implicações para a Sociologia do Esporte e do Lazer, porque há diferenças na experiência de assistir ao esporte como testemunha corporalmente presente, nos estádios e nas quadras, e pela televisão, em casa, confortavelmente sentado no sofá.

    Essas idéias ressaltam que, para além de assistir aos programas esportivos, os telespectadores interagem com os mesmos, causando uma sensação fictícia de participação, caracterizada pela “virtualidade” deste ato de compartilhar os fenômenos esportivos. Para ilustrar essa idéia, pode-se observar a transmissão televisiva dos jogos de futebol, durante a qual os telespectadores emitem opiniões e sugestões sobre o andamento da partida, dando a impressão de estarem participando e interagindo com os atletas que estão em campo.

    Essa forma de participação “fictícia” remete a um pensamento elaborado por Thompson (2001: p. 118), segundo o qual a mensagem televisiva apresenta uma característica muito peculiar semelhante à co-presença, mas não se reduzindo a ela. “Co-presença pode ser entendida como uma comunicação em que há um encontro face-a-face entre o emissor e receptor da mensagem”. As imagens televisivas são visíveis, em escala global, por milhares de pessoas. Nesse sentido, o autor ressalta esse tipo de mensagem televisiva (co-presença) criando um encurtamento fictício das distâncias entre o telespectador e o emissor da mensagem. “O campo televisivo é, obviamente, muito mais extenso em alcance, permitindo aos indivíduos assistirem a fenômenos que acontecem em contextos muito distantes”.

    Considerando a extensão e o alcance das informações e imagens veiculadas pela televisão, percebemos o telespetáculo esportivo como possuidor de diferentes interpretações que variam de acordo com os telespectadores.

    Thompson (op. cit., p. 44) considera importante a forma como a recepção dos produtos da mídia é realizada. Si se adota um processo hermenêutico de interpretação desses produtos, há possibilidades de transcender a visão simplista de meros receptores, pois, a partir desse processo interpretativo, pode-se construir uma compreensão elaborada a partir de uma visão crítica sobre os fenômenos abordados. O autor utiliza-se das idéias de Gadamer para dizer que “a interpretação não é uma atividade sem pressupostos: é um processo ativo e criativo no qual o intérprete inclui uma série de conjecturas e expectativas para apoiar a mensagem que ele procura entender”.

    O esporte tele-espetáculo está inserido num âmbito social mais amplo, caracterizado pela diversidade cultural, e de amplitude relacionada ao alcance desses fenômenos. Nesse sentido, podemos perceber, a partir do chamado processo de globalização, uma tendência de homogeneizar os conteúdos apropriados e disseminados pela cultura de massa e sociedade do consumo.

    Refletindo sobre esses assuntos Debord (1997: p. 14-30), diz que a sociedade de consumo tornou-se “sociedade do espetáculo” porque a cultura de massa proporcionou a multiplicação dos signos, símbolos, imagens e conceitos construídos nesse ambiente. Nesse contexto, a vida real torna-se uma espécie de eterna contemplação, uma sensação permanente de aventura, glamour e felicidade. Isto acontece em razão do extremo fetichismo das mercadorias, pois, nessa sociedade, a vida é compreendida a partir do consumo (o “ser” existencial é compreendido a partir da possibilidade de “ter” – felicidade significa poder consumir).

    O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada pela imagem [...] O espetáculo não pode ser compreendido como o abuso de um mundo de visão, o produto das técnicas de difusão maciça de imagens. Ele é Westanschauung que se tornou efetiva, materialmente traduzida. É uma visão de mundo que se objetivou [...] O espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada além dela: o mundo que se vê é o seu mundo.

    Essa espetacularização da vida e o fetichismo das mercadorias enriquecem o mercado. Fica evidente que, na atualidade, está havendo uma grande popularização das atividades físicas realizadas em ambientes naturais, exemplo disso são as diversas modalidades exploradas no segmento de turismo de aventura.

    Podemos encontrar, no mercado, diversas opções de materiais informativos e produtos (desde calçados projetados para caminhadas em montanhas, motos que proporcionam a “liberdade”, até carros off-roads prometendo levar o consumidor ao “limite”) especializados em aventura. Em razão da aceleração tecnológica encontrada na atual sociedade, as mercadorias e tecnologias se tornam obsoletas e descartáveis numa velocidade muito rápida. Além disso, percebe-se o surgimento de muitos produtos, atitudes e ações relacionadas a imagens e signos criados pelo sistema capitalista para suprir uma demanda sempre em ascensão. O sistema capitalista cria novas formas de incorporar determinadas esferas da vida que ainda não foram “colonizadas” pela produção.

    De acordo com o depoimento do atleta Alexandre, estudante de Pós-graduação em Ciências Biológicas e participante da EMA os esportes de aventura e, consequentemente, as corridas de aventura, seriam apenas produtos à disposição do mercado e, no momento em que a demanda por esses produtos tornar-se saturada, eles serão substituídos por outras novas atividades criadas e incorporadas pelo mercado.

    Segundo Harvey (1998: p. 258), a questão do obsoletismo está inserida na forma como a atual sociedade capitalista está estruturada:

    a idéia de descartabilidade supera a questão material. Isto significa mais do que jogar fora bens produzidos; significa também ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos adquiridos de agir e ser.

    De acordo com essas idéias, viver-se-ia condicionado sempre em busca de algo novo, novidades que satisfizessem necessidades de consumo. Porém não seria possível reduzir o homem num simples consumidor, pois isso significaria empobrecer a própria humanidade.

Considerações finais

    Utilizando estratégias de sedução e persuasão o discurso midiático procura conquistar os telespectadores como se estivessem vivenciando a experiência em si, principalmente no meio televisivo no qual as imagens são repetidamente utilizadas e saturadas de mensagens subliminares.

    As imagens de ambientes naturais se tornaram ícones relacionando a aventura como desafio, superação e contemplação, acima de tudo uma espécie de reaproximação, retorno ao mundo primitivo, selvagem, denotando a busca pelas atividades nas quais o homem esteja inserido nesses ambientes naturais. Movimento que pode ser analisado a partir da saturação de um estilo de vida excessivamente cosmopolita, artificializado, controlado. Muitas pessoas são seduzidas pelos símbolos relacionados a essas práticas, bem como o consumismo de produtos direcionados para essas atividades.

    Nesse contexto, evidenciamos múltiplas inter-relações (não se esgotando nestas reflexões) de produção, consumo de produtos, símbolos e significados entre o a mídia, os esportes de aventura e as corridas de aventura.

Notas

  1. Foi explorado o significado de aventura e aventureiro num artigo intitulado: Corridas de aventura: o mito do herói, a aventura e a representação mítica da natureza.

  2. De acordo com Sodré (op. cit., p. 90) cultura de massa pode ser entendida como “um fenômeno de consumo contemporâneo (mais sócio-cultural do que estritamente econômico), verdadeira ‘linguagem’ constituída de signos-objetos, [...] isto é, a produção de bens simbólicos posta a reboque da atualidade do mercado direcionada para o consumo intransitivo de informações e objetos”.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 17 · N° 173 | Buenos Aires, Octubre de 2012
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