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Corpo e deficiência: formas de convocação a um estilo de vida ativo

Cuerpo y discapacidad: formas de convocatoria hacia un estilo de vida activo

Body and disability: ways of convocation to the active style of life

 

Coordenadora Pedagógica SEDUC/RS

Professora substituta da Escola de Educação Física

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – ESEF/UFRGS

Professora Convidada do Curso de Pós-graduação em Educação

Inclusiva do Instituto Educacional do Rio Grande do Sul – IERGS

Graduada em Educação Física – ULBRA/Canoas/RS

Especialista em Biomecânica ESEF/UFRGS

Mestre em Educação ULBRA/Canoas/RS

Roseli Belmonte Machado

robelmont@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo trata-se de um breve ensaio que tem a intenção de possibilitar uma reflexão a respeito dos discursos sobre vida ativa e as pessoas com deficiência. A proposta é a de procurar perceber o que as convocam a realizar atividade física e de que forma essa rede discursiva as subjetivam. Este trabalho tem como referencial teórico os estudos foucaultianos, utilizando os conceitos de poder e governamento. Inicialmente é feita uma revisão a respeito de como se exerce o poder ao longo dos tempos, mostrando a mudança de ênfase entre as sociedades de soberania, disciplinar, de gestão governamental e de controle, explorando os seus mecanismos de poder e a ação dos mesmos sobre os corpos dos indivíduos. Após, há um breve histórico sobre os usos e a constituição do corpo desde as sociedades de soberania até a Contemporaneidade, referindo-se ao conceito atual de corpo magro, belo e saudável. Finalmente são apresentadas possibilidades de reflexão sobre o conceito de saúde segundo a OMS, o qual está conectado a um estilo de vida ativo. Concomitantemente a essa questão, insere-se a discussão sobre a motivação que faz com que as pessoas com deficiência pratiquem atividade física, trazendo como exemplo dessa rede discursiva um material elaborado pelo Ministério da Saúde. Dentre os motivos a serem citados pode-se considerar a necessidade dos mesmos de se sentirem incluídos ou a busca por um corpo culturalmente “mais saudável” e assim, mais aceito.

          Unitermos: História do corpo. Estilo de vida ativo. Deficiência.

 

Abstract

          This study talks about a brief rehearse which has the intention enable a reflection about the speeches of active life and people with any kind of disability. The proposal is to search to realizing what they are convoked to make physical activity and in which way this discursive net subjectives them. This work has as a theorical reference the “Foucaultians” studies, using the concepts of power and government. Initially is made a review about how to use the power through the times, showing the changing of emphasis between the societies of soberany, discipline, of governmental term office and control, exploring its mechanisms of power and their action on the body of human being. After, there is a brief historic about the uses and the constitution of the body from societies of soberany to the Contemporaneity, refering to the current concept of slim body, beautiful and healthy. Finally, they present possibilities of reflexion about the concept of health according to OMS, which is connected to an active style of life. Concomitantly to this question, we insert to this discussion about the motivation which makes that people with disability practice physical activity, bringing as an example of this discursive net some material elaborated by “Ministerio da Saude”. Among the reasons to be discussed we can considerate the necessity of themselves to feel include or the research for a body culturally “healthier” and thus, more acceptable.

          Keywords: History of the body. Style of active life. Disability.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 173, Octubre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Governando ao longo dos tempos: um olhar sobre o corpo

    Michel Foucault durante suas investigações sobre como em nossa cultura os seres-humanos tornaram-se sujeitos – tema geral de seus estudos (FOUCAULT, 1995) – nos traz uma profícua análise sobre como se governa ou sobre como o poder é exercido ao longo dos tempos. Tanto os modos de ser quanto as regulações sociais que vivenciamos hoje têm suas emergências datadas e surgem por um conjunto de condições de possibilidade que as sustentaram para ser desta ou de outra maneira.

    Foucault (2008a) mostra como a arte de governar estava bloqueada, entre os séculos XVI e XVIII, por haver uma grande diferença entre, por um lado, o poder do soberano – que era amplo, abstrato e rígido demais – e, por outro lado, o governo da família – que era estreito, inconsistente e muito frágil. Era, então, necessário estabelecer uma forma de governo que atingisse todos, que atingisse a população – conceito que passa por uma (re)significação nessa época.

    Além de explicar a necessidade do desbloqueio da arte de governar, expõe como ocorreu esse desbloqueio com a transição de uma sociedade de soberania para uma sociedade baseada na gestão governamental (séculos XVI e XVIII), em que houve uma mudança de ênfase nas formas de exercício do poder. Para o autor tal transformação foi possível devido ao surgimento – não no sentido de surgir pela primeira vez, mas no sentido de ter visibilidade –de uma sociedade disciplinar (FOUCAULT, 2007), que foram desbloqueando (século XVII) as artes de governar. A sociedade da soberania era regida pelo poder do soberano em relação aos seus súditos e marcada por uma forma severa de governar, em que eram utilizadas punições exemplares e suplícios públicos. A sociedade disciplinar, que pode ser associada ao “surgimento da Modernidade”, marca a implantação de uma série de transformações em que a espetacularização do exercício do poder cede lugar ao desenvolvimento dos dispositivos disciplinares, sustentados pelo advento das instituições de sequestro e disciplinamento dos corpos. A ênfase na forma de exercer o poder está em tornar os corpos dóceis – submissos e exercitados – e, assim, facilmente sujeitados àquilo que se deseja. Já na sociedade da gestão governamental ou sociedade de segurança, a forma como se exerce o poder está direcionada ao homem como ser vivo ou ao homem-espécie, também referida como “biopoder” (FOUCAULT, 2005).

    Cada forma de exercer o poder possui mecanismos que a fazem funcionar. Os mecanismos disciplinares passam a ser utilizados como uma forma de obter o maior aproveitamento útil de um corpo, na medida em que o tornam obediente para seguir o que foi determinado e para enquadrar-se dentro de um padrão preestabelecido. “Ela (a disciplina) dissocia o poder do corpo; faz dele, de um lado, uma ‘aptidão’, uma ‘capacidade’ que ela procura aumentar; e inverte, por outro lado, a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação estrita” (FOUCAULT, 2007, p. 119).

    Os mecanismos de segurança – embora se utilizem do disciplinamento dos corpos – têm relação com a forma de exercer o poder que considera centralmente a população e o homem-espécie (FOUCAULT, 2008a). O aparecimento dessa outra forma de poder, denominada de biopoder – a qual se aplica à vida dos homens e se dirige ao homem vivo, ao homem ser vivo ou ao homem-espécie –, irá dirigir-se à população e resolver o bloqueio da arte de governar. “[...]. A antiga máxima “deixar viver – fazer morrer” foi substituída pelo moderno “fazer viver – deixar morrer” (VEIGA-NETO; LOPES, 2007).

    Veiga-Neto (2000) explica que podemos compreender a Modernidade como resultado da combinação de duas superfícies: o deslocamento das práticas pastorais e o advento da Razão de Estado. Esses são dois movimentos antagônicos, mas que se complementam para criar as condições de possibilidade para o Estado Moderno. De um lado, temos o jogo do pastor e, de outro, temos o jogo da cidade. E, será no jogo da cidade que se configurará o liberalismo como uma crítica que descobre que governar demais é irracional, ou seja, “em que o governo, para ser mais econômico, torna-se mais delicado e sutil” (VEIGA-NETO, 2000, p.186).

    Já a partir da década de 1980, o liberalismo é (re)significado como neoliberalismo e apresenta deslocamentos importantes como o do princípio de inteligibilidade dessa racionalidade que passa a ser o da competição (SARAIVA; VEIGA-NETO, 2009). Além disso, torna-se inteligível o conceito de controle, o qual, para mim, é uma das condições que possibilitam o neoliberalismo (DELEUZE, 1992). Esse, além de atuar através do biopoder e da disciplina, age por meio da mídia e do marketing, modulando as mentes para aquilo que se deseja, como, por exemplo, para a competição e para o consumo. Desse modo, o poder hoje seria mais difícil de ser localizado, pois está disseminado. É impessoal e horizontal (COSTA, 2004).

    A denominação que está sendo utilizada para caracterizar esse poder que não se dá sobre a vida como memória é para Lazzarato (2006) um noopoder, o qual é exercido sob uma forma de noopolítica. Dessa maneira, as formas de intervir e de submeter os sujeitos ao que está sendo desejado passam por uma transformação, ou seja, há outro tipo de abordagem em relação aos indivíduos a fim de controlá-los, mas sem o apagamento das ações dos dispositivos anteriores.

    Dentro dessa mesma perspectiva de análise, Fraga (2006) define por biopolítica informacional a circulação constante nos meios de comunicação de massa que visa a pautar decisões, assombrar escolhas e ativar certos estilos de vida nos corpos dos sujeitos. Essa forma de ação biopolítica, então, seria pertinente à sociedade de controle, na qual o poder se manifesta de uma forma muito mais fluida e envolvente.

Mudanças de perspectivas sobre o corpo

    Foucault define o corpo como uma “superfície de inscrição dos acontecimentos (enquanto que a linguagem os marca e as ideias os dissolvem), lugar de dissociação do EU (que supõe a quimera de uma unidade substancial), volume em perpétua pulverização” (FOUCAULT, 2001, p. 22). O corpo deve aparecer completamente marcado de história.

    Com o passar de cada época o corpo vem ganhando novas configurações e representações. Ele deixou de ser aquele que deve ser supliciado como exemplo de punições, vem deixando de ser aquele que deve ser disciplinado e cada vez mais se torna aquele que deve ser regulado. Na Contemporaneidade, essa regulação vem ocorrendo de vários modos e por diversas instâncias, moldando e agora também modulando como cada corpo deve ser. Vários autores, nesse sentido, têm colaborado para mostrar tais mudanças.

    Foucault descreve o desenvolvimento, a partir do século XVII, da mecânica de poder chamada disciplinar, a qual terá por alvo os corpos; diferente da soberania, que se exercia sobre o território. Se nos séculos precedentes, o corpo era motivo de escárnio e o poder o violentava e o destruía, no regime da disciplina o corpo entra “numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe.” (FOUCAULT, 2007, p. 119).

    A partir da segunda metade do século XVIII, Foucault (2005) vê aparecer um conjunto de processos que se tornaram alvos de controle, como os processos de natalidade, mortalidade e longevidade, juntamente com outros problemas econômicos e políticos que surgiam, principalmente numa sociedade em via de industrialização.

    Diferentemente da tecnologia disciplinar, que se apresenta como uma tomada de poder sobre o homem-corpo, esta nova tecnologia se dirige ao homem-espécie, ou seja, ao homem enquanto ser vivo. Não se trata mais apenas de vigiar, treinar, utilizar e, eventualmente, punir corpos individuais que fazem parte de uma multiplicidade — como na disciplina —, mas sim se dirigir a essa multiplicidade considerando-a como “uma massa global, afetada por processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença, etc.” (FOUCAULT, 2005, p. 289), como uma “tecnologia regulamentadora da vida” (FOUCAULT, 2005, p. 297). No biopoder as intervenções sobre o corpo passam a ser na coletividade, mas isso não exclui a preocupação individual.

    Soares e Fraga (2003) apontam que a partir do século XVIII, mais, acentuadamente a partir do século XIX os discursos pedagógicos, médicos, jurídicos e literários trabalham com a ideia de que o “corpo em sua exterioridade traduz uma posição moral interna” (SOARES; FRAGA, 2003, p. 80). Também para os autores, era um movimento que visava à erradicação das deformidades na tentativa de se ter uma “cultura do corpo ágil”, ao mesmo tempo em que cresciam as imagens positivas em torno do corpo magro.

    Essa busca pelo corpo magro – apontada pelos autores a partir do século XIX – cresceu e se intensificou nos dias de hoje. No entanto, o que está em voga na Contemporaneidade não é apenas a necessidade de se ter um corpo magro, retilíneo, ereto e firme; mas sim, ter um corpo que é um exemplo de saúde. Além disso, a responsabilização por ter essas prerrogativas corporais é do sujeito, pois, aliada a nova racionalização governamental, pode-se dizer que o indivíduo é que deve buscar esse corpo, cuidar de sua saúde, se alimentar bem; ou seja, ser um empreendedor de si – que é uma das características da governamentalidade neoliberal já citada anteriormente. Para César e Duarte (2009) são esses corpos saudáveis, jovens e belos, dotados de competências cognitivas elevadas, pertencentes a sujeitos responsáveis pela manutenção dessas características – portanto, sujeitos empreendedores de si mesmos – que vão constituir o capital humano.

    A intervenção do Estado, nesse sentido, seria a de promover informações para que cada sujeito fosse o governador de sua saúde através das escolhas que faria. Escolhas estas, pautadas à sombra do risco (FRAGA, 2006). A “mão” do Estado seria a de regular essas escolhas. Risco funciona “como uma espécie de sinalizador dos caminhos que podem ser mais ou menos perigosos e os que, por contraste, são considerados mais ou menos seguros” (FRAGA, 2006, p. 77).

    De outro modo, vêm-se observando o quanto os padrões de beleza e as características de um corpo ideal mudam a cada época, ao mesmo tempo em que a regra que dita o que é considerado saudável e como se deve cuidar da saúde acompanha essas modificações. Sant’anna (2001) discute como um pouco de gordura representava em outros tempos uma prova de saúde, sucesso e distinção social; porém, atualmente, aqueles que estão acima do peso representam falta de cuidado com o seu corpo e com a sua saúde. Desse modo, fica cada vez mais evidenciado o quanto a responsabilidade pela saúde passa a ser do sujeito: Você adoece porque não cuida do seu corpo! Essas características podem-se dizer, fazem parte da governamentalidade neoliberal em que o sujeito é o responsável pela prevenção dos riscos que podem lhe atingir, inclusive pelos riscos que abalariam a sua saúde.

    Assim, entendendo o corpo como uma construção social, percebe-se o quanto as mudanças ocorridas ao longo dos tempos têm uma estreita relação com as racionalidades de cada época. Na sociedade disciplinar, a ênfase estava no corpo físico, o qual deveria se tornar disciplinado, útil e dócil. Na suspeita que esse corpo fosse atingido por alguma doença havia o esquadrinhamento e o isolamento do mesmo. Durante o liberalismo, no advento do biopoder, as ações biopolíticas sobre os corpos dirigiam-se à proteção da população numa prevenção coletiva dos riscos. Na Contemporaneidade as ações sobre os corpos têm sua ênfase na informação da população e na prevenção individual dos riscos.

    O corpo, que já era o suporte e o produto da matéria disciplinar, assume agora uma nova centralidade nas modulações biopolíticas de governamento neoliberal. A produção da subjetividade agora é ocupada quase completamente pelo regramento das práticas alimentares e da vida ativa, pois alimentar-se adequadamente e colocar o corpo em movimento tornaram-se os elementos essenciais, tanto do ponto de vista das ações de governo provenientes do Estado, como também daquelas oriundas das novas formas de autogoverno mediadas pelo mercado. (CESAR; DUARTE 128 – 129)

    Desse modo, entendendo que a produção das subjetividades não escapa dos equipamentos coletivos de subjetivação (GUATTARI, 1993), tais como as máquinas informacionais e computacionais, observa-se uma intensificação dos controles sobre o corpo e sobre os processos de subjetivação, tomados agora como substratos de novas ações governamentais (CÉSAR; DUARTE, 2009, p. 126).

Discursos sobre vida ativa e deficiência. Reflexões

    “Fique nu... mas seja magro, bonito, bronzeado!” FOUCAULT, 2001, p. 147

    Os cuidados com a saúde e a produção de um corpo perfeito têm ocupado lugar privilegiado na Contemporaneidade. Constantemente somos convocados a seguir esses preceitos para não nos tornarmos os vilões de nós mesmos. As recomendações são muitas e fazem parte de uma rede discursiva que determina como devemos agir: Cuide de sua alimentação. Pratique atividade física. Faça exames regularmente. Etc.. O cuidado com o corpo é, dentro dessa lógica, a melhor maneira de cuidar de si.

    Tais prerrogativas estão de acordo com o que prevê o conceito de “nova” saúde pública, no qual, há também, um apelo a favor da mudança dos estilos de vida.

    As direções propostas pela OMS para a “nova” saúde veem a saúde como um fenômeno influenciado por fatores físicos, socioeconômicos, culturais e ambientais. A promoção da saúde é um investimento na “engenharia” desses fatores, visando maximizar as possibilidades de saúde e evitar a doença e a invalidez. Alguns autores argumentam que "a nova saúde pública abrange conceitos e estratégias como a promoção da saúde e a educação em saúde, o marketing social, a epidemiologia, a bioestatística, a participação comunitária, as políticas públicas saudáveis, a colaboração entre os setores, a ecologia e a economia da saúde" (PETERSEN, LUPTON, 1996), entre outros. (OLIVEIRA, 2005, p. 424).

    Dentre as várias recomendações, pode-se dizer que uma delas vem ganhando destaque: tenha um estilo de vida ativo. Para Fraga (2006) esse discurso está em toda parte e se manifesta nos textos científicos, em matérias de jornais, nas clínicas médicas, nas academias, nas escolas, operando como uma forma de “controle sobre corpos através de tecnologias de poder destinadas não só a imprimir um determinado modo de conduzir a vida, mas também de regular as múltiplas formas de manifestação do viver” (FRAGA, 2006, p. 28).

    Nóbrega (2009) expõe que é cada vez maior o número de pessoas que realizam atividade física, pois há um discurso que alia a prática da atividade física à promoção da saúde. Ao mesmo tempo, pesquisas têm mostrado que a busca por um estilo de vida ativo associa-se ao culto do corpo e à autorregulação da saúde, tornando o sujeito o responsável pela sua saúde e pelo seu bem-estar. A autora também lembra que a propagação das imagens de corpos belos e saudáveis acontece de forma muito mais rápida do que a efetiva conquista desses corpos.

    O crescente apelo para que se tenha um estilo de vida ativo tem atingido os diversos grupos sociais. Ninguém quer ficar à margem dessa nova ordem. Jovens, adultos, pessoas na chamada terceira idade, indivíduos que já foram acometidos por alguma doença, pessoas com deficiência, etc., se rendem às diversas estratégias de convencimento utilizadas para disseminar o estilo de vida ativo. Porém, é neste momento que faço um pequeno recorte – plenamente interessado – e irei me deter a pensar sobre um desses grupos. Falarei das possíveis articulações entre os discursos para se ter um estilo de vida ativo e as pessoas com deficiência.

    No cenário mundial o momento espetacular da divulgação das potencialidades e possibilidades das pessoas que possuem deficiência, é, atualmente, o momento em que acontecem as Paraolimpíadas. Durante a realização dessa competição, mostra-se o poder humano de superar limites, indica-se que o esforço pessoal depende do mérito de cada um, vendem-se produtos específicos para essa população e são divulgados os direitos e as capacidades relativas das pessoas com deficiência (MACHADO, 2010). Além disso, há um notável discurso que reafirma, a todo instante, o quanto a prática esportiva “mudou” – sempre para melhor – a vida dessas pessoas que agora passam a se sentirem incluídas e mais felizes.

    Santos (2009) traz que o princípio da inclusão social, parece, de certo modo, garantir aos sujeitos uma conquista de sua cidadania, o respeito pela diversidade e o reconhecimento político da diferença. Assim, as pessoas se sentiriam membros “ativos” da sociedade. Ao mesmo tempo, todos os setores são convocados a participarem e a facilitarem essa inclusão. Para legitimar o quão capazes essas pessoas podem ser, a mídia traz manchetes que ressaltam a superação dos mesmos em diversas atividades sociais, inclusive quando praticam alguma atividade física:

    “Surpreendentemente em pé (adolescente, 14 anos, com síndrome de Down, que aprendeu a surfar); “escandalosamente feliz” (adolescente, 13 anos, com síndrome de Down, pratica exercícios e teve melhora na sua coordenação e capacidade de expressão/flexibilidade) (ZH, 2007, p 36). [...] O que os discursos parecem enfatizar não é apenas a tolerância à adversidade, mas, principalmente, a capacidade de construção dos sujeitos sobre si mesmos. Parece que a obsessão pelo cuidado com o corpo e a procura por estilos de vida considerados mais saudáveis é o que estaria possibilitando a entrada de tais sujeitos no mundo dos normais. (SANTOS, 2009, p. 84).

    A adoção de um estilo de vida ativo pelas pessoas que possuem deficiência poderia ser considerada uma das formas de naturalizar a presença das mesmas no meio social. Seria uma maneira de mostrar o quanto elas estão preocupadas com a sua saúde e se importam com o seu bem-estar – fatores relevantes e que fazem parte da racionalidade vigente. Embora esses sujeitos tenham limitações físicas visíveis, as suas atitudes positivas, empreendedoras, dinâmicas e superadoras os legitimam para estarem incluídos.

    Manter-se ativo e disposto a vencer as dificuldades causadas pela deficiência é tomar para si a responsabilidade pela manutenção de sua saúde. Pode-se dizer que se trata de operações de autorregulação determinadas por um governo de si. Na atualidade é “necessário superar limites, vencer barreiras, operar correções, equipar a infra-estrutura do corpo para deixá-lo mais eficiente, produtivo, performático, saudável e válido” (PAIVA, 2009, p. 149).

    Um corpo produtivo e saudável é o que todos querem ser e ver. Porém, para Novaes (2009) é provável que o atleta que possui deficiência potencialize seu corpo através de apropriações tecnológicas não apenas para atender às urgências contemporâneas, mas também para sobreviver às rotinas cotidianas.

    A partir dessas colocações é possível refletir que as pessoas com deficiência que praticam atividade física, podem querer participar dessas atividades por outros motivos que não seja apenas o desejo de se sentirem incluídas e assim, fazer parte da sociedade atual. De outro modo, também acreditam que a atividade física possa ser uma das formas de potencializar ou melhorar as aptidões de seus corpos ou de fazer a manutenção de sua saúde.

    Inúmeras são as publicações elaboradas por experts que listam os benefícios da atividade física para as pessoas com deficiência, ao mesmo tempo em que crescem as tecnologias capazes de potencializar o uso desses corpos deficientes no meio social através de próteses, órteses e tecnologias assistivas. Como exemplo dessa produção discursiva sobre os benefícios da adoção de um estilo de vida ativo e de uma vida saudável para as pessoas que possuem deficiência, eu proponho uma breve análise de um material vinculado ao Ministério da Saúde, o qual se encontra disponível no site do mesmo. Esse, além de trazer dicas sobre como tratar com as deficiências e descrevê-las, mostra as não desinteressadas aproximações entre estilo de vida ativo e saúde. Trata-se de uma cartilha com o título Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, elaborada no ano de 2010 e que está disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_pessoa_com_deficiencia.pdf.

    O intuito inicial da mesma é o de incluir e de regular o atendimento à pessoa com deficiência no SUS. Primeiramente são feitas as devidas justificativas sobre a importância de um programa de atendimento especial para essas pessoas, já que as “estatísticas” comprovam o crescente número de deficientes no país. Como seus propósitos gerais estão à prevenção de agravos à proteção da saúde, reabilitação da pessoa com deficiência na sua capacidade funcional e desempenho humano, inclusão em todas as esferas da vida social e prevenção de agravos que determinam o aparecimento de deficiências. As principais diretrizes são: a promoção da qualidade de vida, a prevenção de deficiências, a atenção integral à saúde, a melhoria dos mecanismos de informação, a capacitação de recursos humanos e a organização e funcionamento dos serviços (BRASIL, 2010).

    Em uma análise superficial desse material já são mostradas algumas aproximações e semelhanças entre o discurso que compõe a cartilha e o discurso sobre estilo de vida ativo. Expressões como qualidade de vida, prevenção dos agravos à saúde, reabilitação, melhoria nos mecanismos de informação são facilmente encontradas nos discursos que pregam um estilo de vida ativo e saudável.

    Dessa forma, esse material, pode ser considerado um exemplo das diversas estratégias utilizadas para subjetivar as pessoas com deficiência a cuidarem da própria saúde e manterem-se ativos, fato cada vez mais crescente em nossa sociedade.

Referências

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