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Os conteúdos das aulas de Educação Física e os elementos
que justificam a sua escolha. Refletindoa partir do discurso
dos professores da rede pública estadual da Bahia

Los contenidos de las clases de Educación Física y los elementos que justifican su elección. 

Reflexionando a partir del discurso de los profesores de la red pública estatal de Bahía

 

Instituto de Educação Euclides Dantas, IEED

(Brasil)

Patricia Schettine Paiva Rocha

patriciapaiva.rocha@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo buscou identificar que elementos são levados em consideração pelos professores na escolha dos conteúdos a serem tratados nas aulas de Educação Física. A coleta de dados foi realizada durante o 3º módulo do Curso de Formação Continuada em Educação Física na Educação Básica [1], envolvendo 105 professores de Educação Física de 11 das 33 Direc [2] do Estado da Bahia, os quais responderam a duas questões: qual o tema/conteúdo escolhido? Por que escolheu este tema? Os motivos identificados pelos professores para a escolha do conteúdo foram analisados a partir das contribuições de referências teóricas que discutem os princípios curriculares para escolha dos conteúdos de ensino. Os resultados apontam como elementos para tal escolha: a relevância social do conteúdo, a adequação do mesmo às capacidades sócio-cognoscitivas, a contemporaneidade do conteúdo, a necessidade de ampliação do conhecimento, além das possibilidades do professor e da escola, e o interesse dos alunos.

          Unitermos: Educação Física Escolar. Conteúdos. Princípios curriculares.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 172, Septiembre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    No decorrer de toda a história da Educação Física, especialmente a partir da sua inserção como componente curricular da Educação Básica, vários conteúdos foram tidos como relevantes para a formação dos educandos. Em cada contexto histórico, a Educação Física cumpriu diferentes funções no processo educativo e de produção do conhecimento.

    Porém, para além do quê ensinar, precisamos refletir sobre o porquê e para quê ensinar. Segundo Forquin, ensinar é “colocar alguém em presença de certos elementos da cultura a fim de que ele deles se nutra, que ele os incorpore à sua substância e constitua uma identidade intelectual e pessoal" (1993, p. 168). Tal reflexão aponta, portanto, para a necessidade de superação do caráter meramente instrumental e utilitarista dos conteúdos de ensino, para uma compreensão ampliada dos mesmos como conhecimento produzido historicamente e que deve ser acessado e reinventado no processo de produção cultural.

    [...] professores e alunos, realçando sua condição de sujeitos de cultura, sujeitos produtores de cultura (e produzidos também pela/na cultura). É então que eles encontram na escola um rico campo de possibilidade para exercer essa sua condição de seres de cultura, ao relacionarem-se entre si partilhando experiências, e ao apreender e usufruir os diversos saberes tratados na escola, compartilhando um patrimônio que a todos pertence (VAGO, 2006).

    Na busca por um referencial para selecionar quais conteúdos seriam tratados nas aulas, em cada série e turma, encontramos na literatura proposições claras sobre o quê e quando ensinar cada conteúdo nas aulas de Educação Física. A primeira referência que traz contribuições significativas é a obra que definiu a cultura corporal como objeto de estudo da Educação Física, quando afirma: “existe uma cultura corporal, resultado de conhecimentos socialmente produzidos e historicamente acumulados pela humanidade que necessitam ser retraçados e transmitidos para os alunos” (TAFFAREL et al, 1993, p.39).

    Portanto, cabe refletirmos sobre quais são estes elementos da cultura corporal, sua apropriação, no decorrer da história, como conteúdo de ensino da Educação Física, bem como sobre o processo de escolha de cada conteúdo a ser tratado nas aulas.

    Seja qual for a lógica que permeia o processo de definição dos conteúdos a serem tratados, podemos afirmar que tal escolha pertence ao professor, estando portanto repleta de concepções, representações e sentidos, de nossa cultura, nossa forma de ver o mundo.

    Até que ponto, nós, professores, refletimos sobre nossas ações cotidianas na escola, nossas práticas em sala de aula, sobre a linguagem que utilizamos, sobre aquilo que pré-julgamos ou outras situações do cotidiano? (FERNANDES & FREITAS, 2008, pág. 19).

    Entendendo, portanto, como desafio possível tratar o conhecimento em Educação Física de forma coerente com os propósitos definidos no projeto político-pedagógico da escola, tendo como foco o aprendizado de produções culturais que utilizam a expressão corporal como linguagem, é que consideramos relevante a discussão sobre o que temos ensinado nas nossas aulas, sobre que conhecimentos temos privilegiado, bem como os elementos fundamentais a serem considerados em tal escolha.

    Diante destas reflexões é que indagamos: Que elementos são levados em consideração pelos professores na escolha dos conteúdos a serem tratados nas aulas de Educação Física?

    Na busca por respostas a esta indagação, nos propomos a discutir como os conteúdos da Educação Física foram por ela apropriados, e como são escolhidos para serem tratados pelos professores nas suas aulas, analisando os possíveis elementos que sustentam tal escolha, bem como as contribuições da literatura diante dos resultados obtidos através das respostas dos professores participantes da pesquisa.

2.     Metodologia

    No desenvolvimento da pesquisa, utilizamos o método da Pesquisa Exploratória (GIL, 1999), que envolve levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tem experiências práticas com o problema em questão e, por fim, a análise de exemplos que estimulem a compreensão.

    Dessa forma, este tipo de estudo visa proporcionar um maior conhecimento acerca do assunto, a fim de que esse possa formular problemas mais precisos ou criar hipóteses que possam ser pesquisadas por estudos posteriores (ibid.). A realidade não é tida como algo objetivo e passível de ser explicada, ela é interpretada, comunicada e compreendida. Não existe aí uma única realidade. (BAUER & GASKELL, 2002).

    A coleta de dados foi realizada durante o 3º módulo do Curso de Formação Continuada em Educação Física na Educação Básica, promovido pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia, envolvendo 105 professores de Educação Física de 11 das 33 Direc do Estado da Bahia.

    Durante o referido curso, foi solicitado a cada professor-cursista que desenvolvessem em sua unidade escolar uma experimentação pedagógica onde fossem tratados os conhecimentos relativos aos temas da cultura corporal.

    Utilizando uma ficha de registro, foi solicitado aos participantes da pesquisa que respondessem a duas questões: Qual o tema escolhido? Por que você escolheu este tema? As respostas a estas questões foram, portanto, agrupadas de acordo com o elemento considerado para que o professor proceda a escolha do conteúdo a ser tratado.

    Após o agrupamento das respostas, os motivos identificados pelos professores para a escolha do tema/conteúdo foram analisados a partir das contribuições do Coletivo de Autores, quando trata dos princípios para a escolha de conteúdos (TAFFAREL et al, 1993, p. 31) e da pesquisa desenvolvida com dois professores de uma escola da rede pública de Pernambuco, que discutiu em seus resultados, entre outras questões, como se dá a escolha do conteúdo a ser tratado nas aulas de Educação Física (SOUZA JÚNIOR, 1999).

    Durante a análise dos dados, a intenção é promover o diálogo entre a literatura disponível, relativa à temática, e a experiência dos professores. Buscamos aqui contribuir para um repensar da prática pedagógica, na ação mais específica da docência: a escolha do quê ensinar.

3.     Resultados e discussão

    Os professores, sujeitos da pesquisa, justificaram a escolha do conteúdo a partir de parâmetros considerados relevantes. Ao discutirmos tais respostas, não temos aqui a intenção de caracterizá-las como certas ou erradas, mas analisá-las a partir das próprias justificativas dos sujeitos das pesquisas, dialogando com as referências teóricas disponíveis, que se propõem a tratar tal assunto (GIL,1999).

    Em consonância com Taffarel et al (1993), vários professores destacam como relevantes os seguintes princípios curriculares a serem observados no processo de seleção dos conteúdos de ensino:

  1. Relevância social do conteúdo, quando justificam a escolha do tema por “considerar a realidade vivida pelos alunos[...]”; “pelas situações de conflitos entre meninos e meninas [...] e pela busca de um espaço democrático na prática das minhas aulas”;

  2. Contemporaneidade do conteúdo, quando afirmam como aspectos observados “o período que o mundo estava atravessando, Copa do Mundo, tentando mostrar a realidade daquele país [...]”; considerando como essencial garantir o tratamento de conhecimentos clássicos, como os jogos populares, justificando que “[...]o resgate histórico desses jogos devem ser tratados na aula de Educação Física através de pesquisas e vivências;

  3. Adequação às possibilidades sócio-cognoscitivas do aluno, quando destacam a “necessidade de aproximar os conteúdos-movimentos...da realidade dos alunos - repertório motor[...]”.

    Outro grupo de professores se aproxima dos critérios considerados como relevantes pelos sujeitos da pesquisa descrita na obra de Souza Júnior (1999), quando destacam: 1) Possibilidade ou necessidade pessoal do professor e as possibilidades da escola, no que se refere a instalações e recursos, justificando “ser um tema de fácil execução, por possuir material que pode ser encontrado facilmente e por fim, por poder ser realizado em sala de aula, uma vez que não possuo quadra na escola que trabalho”; 2) Interesse dos alunos, destacando como motivação “amenizar a indisciplina e a reprovação escolar[...]”; “[...]pelo esporte muitas vezes ser bem aceito com facilidade[...]”;

    Um outro grupo de professores, destaca a necessidade de ampliação do conhecimento a ser tratado nas aulas de Educação Física: “ a ginástica nunca era trabalhada, então o conteúdo não era vivenciado...”; “para que os alunos tenham acesso ao conhecimento de um esporte que comumente não se tem acesso nas escolas [...]”.

    São colocados também como aspectos que justificam a escolha do tema/conteúdo a ser tratado a necessidade de legitimação da Educação Física, quando afirmam que “diante da visão de que a aula de Educação Física é baba e baleado [sic], surgiu o interesse de discutir as amplas manifestações corporais...”; o fomento à atividade física e esportiva, quando defendem a necessidade de “[...] torná-los mais ativos, participativos e conhecedores dos benefícios que o movimento traz para o corpo”; “[...]perceber que os alunos estão envolvidos no seu tempo livre com práticas não sadias[...]”.

    Alguns instrumentos preenchidos não puderam ser agrupados nas categorias acima descritas, pela imprecisão ou ausência de justificativa, o que nos remete à necessidade de ampliarmos o diálogo sobre a intencionalidade envolvida na definição dos saberes escolares – conhecimento produzido pela humanidade, tratado didaticamente como conteúdo de ensino.

    Se a Educação Física pretender aliar-se ao esforço educativo e se afirmar enquanto componente curricular, ela precisa identificar a parcela da cultura, portanto o saber ou os saberes que será sua tarefa tratar (BRACHT, 2005, p.99).

    Refletindo a partir do que nos diz Bracht, o processo de afirmação da Educação Física como componente curricular pressupõe a necessidade de discussão e proposições acerca dos saberes que devem ser tratados no currículo escolar, no percurso de formação de cada educando como ser social e cultural. Que função deve cumprir, na escola, o professor de Educação Física? Que conceitos e processos cabe à Educação Física divulgar e desenvolver?

    Ao ouvirmos o discurso dos professores, sujeitos da pesquisa, podemos perceber que entendem ser importante a leitura da realidade do aluno e da comunidade da qual faz parte, na definição dos saberes escolares. Também afirmam que os conteúdos tratados devem levar em consideração os temas tidos como atuais, contemporâneos, bem como a capacidade sócio-cognoscitiva do aluno, o seu desenvolvimento intelectual e cultural.

    Reconhecendo a necessidade de ampliação do conhecimento nas aulas de Educação Física, os professores defendem a inclusão de temas historicamente desprivilegiados nas aulas, como a ginástica, a dança, a capoeira, as lutas e os jogos tradicionais populares. A argumentação dos sujeitos da pesquisa está baseada no direito de acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade, na necessidade do resgate e afirmação desta produção cultural e na contraposição ao processo de esportivização das aulas de Educação Física, que elegeu o esporte como conteúdo prioritário e, muitas vezes, exclusivo.

    Alguns argumentam que é função do professor de Educação Física a promoção de atividades consideradas saudáveis, do hábito de praticar esportes e ter uma alimentação saudável, o que reflete a vinculação histórica com a medicina e o pensamento higienista.

    Ao justificarem a escolha do conteúdo a partir dos interesses dos alunos, sugerem que, em muitos momentos, o professor está diante de um dilema: como valorizar o interesse dos alunos na escolha do que ensinar? Quais as reais necessidades do educando no seu processo de formação?

    Somente nos aproximando do sujeito central do processo educativo, o educando, podemos reconhecer as suas reais necessidades e possibilidades, o que mobiliza a sua curiosidade e criatividade, sua capacidade de produzir cultura. Esta aproximação se configura, portanto, como um dos principais desafios impostos ao professor pois, como afirma Arroyo (2009):

    As formas adolescentes e juvenis de sobreviver, de pensar e de comportar-se se chocam com nossas formas pedagógicas e docentes de pensar e de pensá-los. Formas a que não estamos acostumados, uma vez que os alunos parecem revelar que vêem o mundo, a escola e o conhecimento, a vida e seus mestres em outra lógica do que a nossa. (p. 36)

    Na obra supra-citada, o autor defende que precisamos estabelecer novas relações com os alunos, nos permitindo ser tocados nas “raízes mais fundas de nossa docência”. Sobre a relação com os alunos, afirma que “a infância, adolescência e juventude nos ameaçam porque ameaçam os alicerces de uma construção e representação da docência [...] alicerces que creiamos firmes, inquebráveis” (Ibid, p.37 e 38).

4.     Considerações finais

    As reflexões propostas a partir deste trabalho nos remetem à nossa própria história como professores e da Educação Física, como área do conhecimento e componente curricular da Educação Básica.

    Ao analisarmos o processo de inserção da Educação Física na escola e a apropriação da ginástica e dos esportes, em especial, como conteúdos de ensino, identificamos uma realidade ainda presente nas nossas escolas: de distanciamento das demais áreas do conhecimento, do frágil pertencimento da Educação Física ao processo educativo, da dissociação entre trabalho pedagógico e projeto político-pedagógico.

    Porém, vemos no discurso dos professores, a busca pela coerência político-pedagógica no trato do conhecimento nas aulas de Educação Física, quando afirmam que este conhecimento deve ser relevante socialmente, contemporâneo, adequado à capacidade dos alunos, que valorize a cultura popular e garanta o acesso às diversas manifestações produzidas pela humanidade no decorrer da sua história; que não seja tratado apenas em caráter informativo ou instrumental, mas experimentado, vivenciado e reconstruído a partir das experiências dos sujeitos do processo educativo.

Notas

  1. Curso de formação continuada, promovido pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia, abrangendo professores em cinco pólos no interior do estado.

  2. Diretorias Regionais de Educação.

Referências

  • ARROYO, Miguel G. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. 5ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

  • BRACHT, V. Cultura Corporal, Cultura Corporal de Movimento ou Cultura de Movimento? In: SOUZA JÚNIOR, M. B. M. et.al. (Org.) Educação Física escolar: Teoria e política curricular, saberes escolares e proposta pedagógica . 1. ed. Recife: EDUPE, 2005. v. 1.p. 97-106.

  • FERNANDES, C. de O. & FREITAS, L. C. de. Indagações sobre currículo: currículo e avaliação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008.

  • FORQUIN, J. C. Escola e Cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

  • GASKELL, G. Entrevistas individuais e de grupos. In: BAUER, M.W. e GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Um manual prático. Tradução: Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 64-89.

  • GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.

  • SOUZA JÚNIOR, Marcílio. O saber e o fazer pedagógicos: a Educação Física como componente curricular? Isso é história! Recife: EDUPE, 1999.

  • TAFFAREL, C.N.Z; et alli. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1993.

  • VAGO, T.M. Educação Física na Escola: circular, reinventar, estimular, transmitir, produzir, praticar... cultura. In: Naire Jane Capistrano. (Org.). O Ensino de Arte e Educação Física na Infância - Coleção Cotidiano Escolar. Natal: UFRN/PAIDEIA/MEC, 2006, v. 2, p. 7-29.

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