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O esporte na formação de professores de Educação Física: 

realidade e possibilidades das disciplinas esportivas do CEDF/UEPA

El deporte en la formación de los profesores de Educación Física: realidades y posibilidades de las disciplinas deportivas del CEDF/UEPA

 

*Professor da rede Municipal de Bragança. Membro do Grupo Ressignificar

**Professor do Curso de Educação Física da UEPA

***Mestre em Educação/UEPA. Professor do CEDF/UEPA

Membro do Grupo Ressignificar

(Brasil)

Marcos Renan Freitas de Oliveira*

Afonso de Ligory Brandão Saife**

Higson Rodrigues Coelho***

renaned.fisica@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo submete à crítica as disciplinas esportivas do Curso de Educação Física da Universidade do Estado do Pará. Para isso, realizou-se uma pesquisa qualitativa descritiva, além disso, fez-se uso de uma pesquisa bibliográfica e documental e para análise dos dados o par dialético: realidade e possibilidade. No decorrer do estudo verificar-se-á que as disciplinas esportivas encontram-se fragmentadas por disciplinas/modalidades estanque e voltadas para o rendimento, assim, essa organização coaduna com projeto de formação técnico-instrumental, na qual, aponta para uma formação unilateral com ênfase no esporte acrítico e apolítico. A influência do movimento renovador da Educação Física, surgido na década de 1980, tem levado alguns autores a discutirem o esporte a partir de sua totalidade concreta. Conclui-se o esporte na formação de professores tem sido marcado pela crescente preocupação em elaborar propostas pedagógicas que superem a fragmentação desse conhecimento em disciplinas/modalidades e pela transformação do esporte em prática social. Essa tendência fica evidente quando verificamos a quantidade de proposições que vêm sendo desenvolvidas a partir do final do Século XX.

          Unitermos: Esporte. Formação de professores. Educação Física.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 171, Agosto de 2012. http://www.efdeportes.com

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Introdução

    Na sociedade moderna, uma manifestação vem ganhando proporção inimaginável, obviamente, a referência que se faz aqui é ao esporte, um dos maiores fenômenos do século XX que sofre influência direta do capitalismo e assume característica própria da sociedade que o reproduz com os seguintes valores: concorrência, recorde, performance e etc. Sendo atualmente um mercado multimilionário para a sociedade do capital, como por exemplo, o montante gasto pela China na ultima edição dos Jogos Olímpicos, “estima-se que foram gastos UU$ 42 bilhões de dólares para essa edição dos jogos” (UVINHA, 2009, p.113).

    Nessa década, olhares de todo o mundo voltar-se-ão para o Brasil na realização da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016. O exemplo da China serão gastos alguns “bilhões de dólares”, nessa perspectiva, em meio a todas as “feridas sociais” do Brasil, desemprego, prostituição, analfabetismo, catástrofes ambientais, criminalização, entre outros, percebemos os grandes eventos esportivos como parte das ofensivas imperialista e das políticas assistencionalistas de viés neoliberal tendo como princípios fundamentais: a) analgésico dos problemas sociais, e b) alívio à pobreza da população, nessa conjuntura fica uma reflexão, qual será o legado dos megaeventos para a classe trabalhadora?

    O capitalismo tem afetado todas as instâncias da sociedade contemporânea, e para atender suas demandas, a educação e a formação profissional fazem parte da estratégia para formar um novo trabalhador, para isso criasse ordenamentos legais que venha ao encontro das necessidades da crise do capital, assim como reestruturação produtiva, que aponta para demanda de controle sobre os trabalhadores através do reordenamento do mundo do trabalho, mantendo a aberração da miséria em abundância, com exploração e alienação da classe dominada.

    Nessa lógica, propõe-se comentar as transformações ocorridas pela crise do capitalismo, passando da industrialização fordista para a acumulação flexível, trazendo mudanças significativas no mundo do trabalho, nos processos de industrialização, principalmente no sentido de reformulação e ampliação do currículo, para atender as exigências mercadológicas do capital. (COLAVOLPE, 2005).

    Nesse contexto, as novas Diretrizes Curriculares1 para Educação Física, possibilitaram a discussão em torno da construção de novas reorganizações curriculares do curso de Educação Física no Brasil, a qual manteve a ideia de fragmentação da profissão, a concepção de competência como eixo norteador e o movimento humano como objeto de estudo (BRITO NETO, 2009).

    Como esse dispositivo orientador exige as adequações dos cursos de Educação Física no Brasil a sua política de formação, a comunidade acadêmica da Universidade do Estado do Pará (UEPA) em 2008 inaugurou um novo Projeto Político Pedagógico (PPP) para o Curso de Educação Física (CEDF), responsável pela política de formação de professores do referido curso.

    Os rumores indicavam que os novos discentes do curso iam se formar em “Pedagogia da Educação Física”. O principal argumento dos acadêmicos veteranos e de alguns professores era a substituição de disciplinas práticas pelas disciplinas Pesquisa e Prática Pedagógica em Educação Física I, II, III, IV e a diminuição do total de disciplinas optativas que acadêmico deve integralizar ao final do curso.

    Essa mesma crítica já era proferida ao currículo do CEDF/UEPA que vigorou de 1999 a 2007, na qual, o argumento era que as disciplinas esportivas se tornaram eletivas e não havia aprofundamento em nenhuma modalidade esportiva, por exemplo, no currículo anterior o acadêmico cursava obrigatoriamente a disciplina Atletismo nos níveis 1, 2, 3, 4. Durante os quatro anos você viria o esporte dos elementos iniciais até o aprofundamento, e isso, era válido para a natação, ginástica, etc. E a exemplo do atual currículo no anterior os acadêmicos só cursavam uma disciplina/modalidade se fosse escolhida em um único semestre.

    Mesmo com os avanços ocorridos no currículo CEDF/UEPA que vigorou de 1999 a 2007, principalmente quando o mesmo tinha expurgado o ranço da ditadura militar do currículo da Educação Física, e garantiu a licenciatura plena sem fragmentação da formação, identificaram-se críticas ao esporte na formação de professores. Monte (2006) e Santos (2006), mesmo com objetivos diferentes chegaram a conclusões muito próximas, que as disciplinas esportivas estão organizadas de maneira fragmentada, desarticuladas de um projeto conjunto maior, apontando para a manutenção do esporte capitalista, priorizando a técnica para o mercado de trabalho. Nesse sentido, a questão problema se materializou em saber: Quais os avanços e retrocessos das disciplinas esportivas no CEDF/UEPA, presente no Projeto Político Pedagógico?

    Para responder a essa pergunta, e reconhecendo que a Educação Física/esporte vem servindo de base para projetos antagônicos, o trabalho é organizado na perspectiva de responder algumas perguntas que interferem diretamente no nosso problema: Como as disciplinas esportivas estão organizadas? O que vem sendo proposto pelas ementas das disciplinas esportivas no PPP/CEDF/UEPA?

    Tendo como objetivo geral: Submeter à crítica as disciplinas esportivas do curso de formação de Professores de Educação Física a partir das ementas do PPP do CEDF/UEPA.

    Diante dos questionamentos acima, o este estudo tem sua importância acadêmico-científica no momento em que após quatros anos de implementação do novo PPP/CEDF iremos fazer uma avaliação e reflexão do mesmo, principalmente quando somos sujeitos históricos dessa formação, e tendo perpassado por todos os conflitos e contradições presente na implantação de novas expectativas e anseios. E ao apontar os avanços e retrocessos estamos contribuindo com os grupos progressistas que se incubaram a produzir ou reformular o PPP/CEDF/UEPA.

    Utilizou-se como parâmetros teórico e metodológico o estabelecido pelo método materialista histórico dialético que foi exposto por Marx (1983, p.219) como o “método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto”, isto é, um movimento do pensamento e no pensamento de se apropriar da realidade. Desta forma, o concreto ou real deve ser reproduzido no pensamento considerando as suas múltiplas determinações, o que resulta no concreto pensado.

    Para abranger o campo de estudo do esporte e da formação de professores de Educação Física de forma mais próxima possível do real e do concreto, precisamos estabelecer as suas múltiplas determinações em uma análise minuciosa. Tal esforço se justifica na tentativa de nos aproximarmos da totalidade do nosso objeto que para Kosik (2002, p.44) é a “realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido”.

    Assim, os dados obtidos na pesquisa foram pela via bibliográfica, trazendo para o debate teórico os conhecimentos produzidos sobre o tema, de ordem documental. A pesquisa documental, é importante para o diálogo constante entre a elaboração e re-elaboração do pretendido em busca da consecução de nossos objetivos, deve ser uma atividade sistemática e planejada, possibilitando novas formas de compreensão do objeto em questão, para delimitação de nossos estudos analisar-se-á as disciplinas esportivas e suas respectivas ementas. Tendo a intenção de contribuir para formação de professores articuladas com a construção de uma “educação para além do capital”. (MÉSZAROS, 2005).

    Para análise dos dados utilizou-se as categorias da dialética realidade e possibilidades, do ponto de vista do materialismo histórico, “a realidade é o que existe realmente e a possibilidade é o que se pode produzir quando as condições são propícias” (CHEPTULIN, 2004, p. 338). Neste aspecto, a possibilidade também tem uma existência real, pois sendo capaz de se transformar de uma coisa em outra ou de um estado qualitativo em outro, condiz com um momento da realidade, como existência real. A possibilidade, realizando-se, transforma-se em realidade e é por isso que cabe definir a realidade como possibilidade já realizada e a possibilidade como realidade potencial.

    Para Cheptulin (2004, p. 342) existem diferentes tipos de possibilidades: a possibilidade concreta e a possibilidade abstrata; a possibilidade de essência e a possibilidade de fenômeno. Uma possibilidade concreta é a possibilidade para cujas realizações podem ser reunidas, no momento presente, as condições correspondentes; a possibilidade abstrata é uma possibilidade para cuja realização não há, no momento presente, condições necessárias. Para que essa última se realize, a formação material que a contém deve transpor vários estágios de desenvolvimento.

    A possibilidade cuja realização não modifica a essência da coisa é denominada de possibilidades de fenômeno; a possibilidade cuja realização está ligada à modificação da essência da coisa, com a sua transformação em outra coisa, é denominada de possibilidade de essência. (CHEPTULIN, 2004, p. 344)

Identificando a realidade: como as disciplinas esportivas estão organizadas no PPP/CEDF/UEPA?

    O currículo do CEDF/UEPA é constituído a partir de eixos de conhecimento, básico e especifico, dentro de dimensões que compreendem a formação ampliada, especifica e de aprofundamento.

    Dentro desta perspectiva identifica-se que as disciplinas esportivas encontram-se desconexas uma das outras, na qual, a maioria das disciplinas encontra-se fragmentado por disciplinas/modalidades de caráter optativo.

    São elas: Fundamentos e Métodos do Esporte 100 h/a (disciplina obrigatória – 4° semestre, eixo de conhecimento específico, área dos conhecimentos clássicos da educação física) Treinamento Desportivos 60 h/a (disciplina obrigatória – 8° semestre, eixo de conhecimento especifico, área do treinamento em esportes), Atletismo, Basquete, Esporte Adaptado, Futebol de Campo, Futsal, Ginástica Olímpica, Ginástica Rítmica, Handebol, Natação, Pólo Aquático, Saltos Ornamentais, Tênis de Quadra, Voleibol, são disciplinas optativas no decorrer 5°, 6°, 7°, e 8° semestre letivo do curso, integralizadas no eixo de conhecimento especifico, com caráter de aprofundamento, com carga horária de 80 h/a, sendo que todas as disciplinas supracitadas fazem parte do Departamento do Desporto (DEDES).

    Em relação às disciplinas optativas os acadêmicos devem integralizar obrigatoriamente no mínimo quatro disciplinas de caráter optativo até o final do curso, assim o acadêmico ao final do curso pode não ter integralizado nenhuma das disciplinas optativas supracitadas, visto que existem outras disciplinas optativas.2

    Segundo Colavolpe (2005) no decorre da história o esporte se tornou um dos principais conteúdos da Educação Física, num fenômeno conhecido como a desportivização do currículo, onde os vários desportos olímpicos no decorrer da história passarão a constituir em disciplinas da grade curricular dos cursos de formação de professores.

    O currículo tradicional-esportivo, ou seja, a “esportivização” da Educação Física iniciou-se na de década de 60, consolidando-se na década de 70, sobre esta prerrogativa expandiram-se os cursos de Educação Física no Brasil neste período. (BETTI, 1991).

    A relação Educação Física/esporte, e a estratificação de disciplinas/modalidades na formação de professores, vêm sofrendo críticas ao longo das duas últimas décadas, apontando que a formação nestes moldes reduz o ensino a um consenso ideológico e um adestramento técnico. (COLAVOLPE, 2005).

    Entende-se que o esporte fragmentado por modalidades/disciplinas perde a visão de totalidade concreta, e caminha na fragmentação do conhecimento, do processo de trabalho, aumentando a alienação através da divisão social do trabalho. Nesse sentido, temos total acordo com os pressupostos defendido por Mészáros (2005, p.27) “é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente”.

    Pode-se entender, então, que em relação à organização das disciplinas esportivas nada mudou em relação ao antigo PPP/CEDF, o que nos faz inferir que houve um falso consenso no processo de formulação do projeto em vigor, visto que a organização do esporte por disciplinas/modalidades encontram-se intactas mesmo depois de décadas de críticas.

E as ementas das disciplinas esportivas para onde nos conduzem?

    Acredita-se que as ementas das disciplinas também direcionam ao tipo de profissional a ser formado, estabelecendo os eixos norteadores para o caminho a ser seguido, para posteriormente os envolvidos na organização do trabalho pedagógico elaborar o plano de disciplina, o conteúdo programático e os planos de aula, norteando à práxis pedagógica, articulado com o projeto político pedagógico do curso.

    Levando em consideração que iremos submeter a criticas as disciplinas esportivas do CEDF/UEPA, iremos nos valer da categorização de Monte (2006) que ao analisar as ementas das disciplinas esportivas do antigo PPP/CEDF formulou três categorias: a) Apresentam relação com o treinamento técnico-tático, visando o rendimento desportivo e qualificação profissional, assim como o estudo de regras, b) Apresentam a reflexão-crítica da intervenção pedagógica na modalidade esportiva, c) Apresentam suas intervenções a partir do estudo da história das modalidades, possibilitando modificações metodológicas e de intervenção prática, superadoras, na sociedade.

    Na primeira categoria o autor detectou que das 13 disciplinas 7 apresentavam relação direta com o treinamento técnico-tático num total de 54%, ou seja, essas disciplinas estavam direcionada para formar o técnico em desporto. Na segunda categoria ele identificou que apenas 3 das 13 disciplinas apresentavam a intervenção crítico-reflexiva da modalidade esportiva num total de 23%, mas apesar de apresentar avanços em relação a intervenção pedagógica, o autor comenta que não conseguem compreender o esporte no contexto social, econômico, político, cultural, entre outras possibilidades. Na ultima categoria o autor detectou que das 13 disciplinas apenas 3 num total de 23% apresentavam suas intervenções a partir da história da modalidade, apontando possibilidades superadoras na sociedade, porém o autor comenta que apenas uma dessas três representava uma prática diferenciada no curso, levando-se em consideração que as outras duas nunca foram ministradas.

    A partir da categorização elaborada por Monte (2006) distribuímos as disciplinas esportivas, conforme a tabela abaixo:

Tabela 1. Análise das ementas das disciplinas esportivas do PPP do CEDF/UEPA

    Um percentual de 40% é uma contradição para um PPP que tem como concepção predominante a crítico superadora, mas como se pode perceber houve um suposto avanço em relação ao PPP/CEDF anterior que nessa categoria a apresentava maioria das disciplinas esportivas, alocamos nessa categoria além disciplinas que deixa explícito o atrelamento ao treinamento técnico-tático, como também as disciplinas que tem um fim nela mesmo, ou seja, nos conduzem para a manutenção do status quo da sociedade vigente, sendo elas: Ginástica Olímpica, Pólo Aquático, Esporte Adaptado, Ginástica Rítmica, Saltos Ornamentais, e Treinamento Desportivo, sendo que a disciplina Pólo Aquático deixa explicito o atrelamento ao paradigma do treinamento desportivo, com intenção em formar o técnico desportivo, e também a exemplo da Ginástica Rítmica e Treinamento Desportivo constitui-se as únicas disciplinas no currículo que não apresentam o estudo da história.

    O PPP/CEDF ao conceber o esporte estratificado por disciplinas/modalidade, e ainda com que disciplinas visando apenas o treinamento técnico-tático da modalidade esportiva, reforçam a visão tecnicista da educação, que segundo, Frigotto (2006, p.169),

    [...] responde duplamente à ótica economista de educação veiculada pela teoria do capital humano e constitui-se, a nosso ver, numa das formas de desqualificação do processo educativo escolar. Saviani demonstra, em suas análises, que a perspectiva tecnicista da educação emerge como mecanismo de recomposição dos interesses burgueses na educação. Indica, por outra parte, que esta concepção, se articula com o próprio parcelamento do trabalho pedagógico, que, por sua vez, decorre da divisão social e técnica do trabalho no interior do sistema capitalista de produção.

    Reconhecendo a teoria do capital humano, na qual as pessoas são vistas como mercadorias, e que agregam valor à medida que aumenta suas competências e habilidades. Qual a possibilidade dos acadêmicos se identificarem por determinada modalidade esportiva e virem a ser um técnico desportivo, legitimando a instituição esportiva e os interesses do capital?

    Nesta perspectiva, Colavolpe (2005, p.50) chama atenção para o esporte do ponto de vista de técnicos e dos dirigentes esportivos “deve ser tratado na formação acadêmica para qualificar os professores para atuarem na formação de atletas, ou que sirva a este propósito, trabalhando com crianças nas iniciações esportivas, incentivando-as à prática desportiva competitiva.”

    As disciplinas esportivas do ponto de vista técnico-desportivo na formação inicial perdem a sua essência de emancipação humana, pois, já na formação inicial torna-se um meio de reprodução do esporte de rendimento baseado nos ideais capitalistas, tendo como característica preparar mão-de-obra qualificada, professores-técnicos, para manter a cascata de lucros para a indústria cultural esportiva. Nesse sentido, corrobora-se com Frigotto (2006, p.210) que a formação profissional nesses moldes,

    [...] se reduz à conformação ideológica e adestramento técnico. Formar, profissionalizar vai significar um esforço - nem sempre bem-sucedido – de adaptar, conformar o aprendiz ao processo de retaliação das ocupações no interior da evolução capitalista de produção. Formar, em ultima análise, tem um sentido de parcializar e de desqualificar.

    Na segunda categoria constatou-se que também houve um avanço em relação ao PPP/CEDF anterior, 53,33% das disciplinas ampliam seu foco de possibilidades de compreender o esporte, compreendem o estudo da modalidade a partir da história, apresentam uma reflexão-crítica da modalidade, porém encontra-se atrelada ao ensino técnico-tático da modalidade, não compreendendo o esporte no processo de mediação para a emancipação humana, desconexa da realidade sócio-político-econômico e cultural, o que não constitui compreensão crítica e dialética da realidade, e ainda não apresentam a possibilidade de se contrapor ao que está posto, são elas: Atletismo, Basquete, Futebol de Campo, Futsal, Handebol, Natação, Tênis de Quadra e Voleibol.

    Freitas (2005, p.126) comenta que “é conhecido o medo do capitalismo em instruir demais o trabalhador”, então se esperava a presença do “quadrado mágico da educação física escolar”, Basquete, Futsal, Handebol, Voleibol, em uma categoria que inviabilizasse a compreensão crítica da realidade.

    Nesse sentido, acredita-se que para uma educação qualitativamente diferente necessitamos,

    [...] hoje o sentido da mudança educacional radical não pode ser senão o rasgar da camisa-de-força da lógica incorrigível do sistema: perseguir de modo planejado e consistente uma estratégia de rompimento do controle exercido pelo capital, com todos os meios disponíveis, bem como com todos os meios ainda a ser inventados e que tenham o mesmo espírito (MÉSZÁROS, 2005, p. 35).

    Portanto, as disciplinas esportivas que compreendem a segunda categoria apesar de apresentar avanços ao tratar o esporte, ainda encontram-se atreladas a camisa-de-força da lógica do capital.

    Assim, ao fazer a crítica do atrelamento das modalidades esportivas aos aspectos técnico-táticos do esporte, assim como estudo das regras, não estamos desconsiderando esse conhecimento, assim como defendemos que todo conhecimento deve ser possibilitado, mas acreditamos que “se aceitamos o esporte como fenômeno social, tema da cultura corporal, precisamos questionar suas normas, suas condições de adaptação à realidade social e cultural da comunidade que o pratica, cria e recria” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.71).

    Por fim apresentamos a última categoria (constituindo 6,67%) apenas uma disciplina, nessa categoria houve um suposto retrocesso em relação ao PPP anterior, pois constituía 23%, apesar de Monte (2006) comentar que apenas uma constituía uma prática diferenciada, a exemplo das conclusões de autor a disciplina Fundamentos e Métodos do Esporte para nós e a única que realmente avança em uma perspectiva crítica-reflexiva, apontado o esporte como possibilidade para a formação e emancipação humana, além de discutir o fenômeno esportivo em suas diferentes manifestações e relações.

    Se levarmos em consideração que os interesses de classes são distintos e antagônicos, devemos fazer referência explicitamente a favor da classe trabalhadora. Então as ementas deveriam deixar claro sua intencionalidade política e social, pois, entendemos que “para esboçar uma proposta de ensino dos esportes, que supere as contradições da Educação Física, é necessário que esse processo de superação crítica faça uma opção social pelas camadas mais desprestigiadas de nossa população [...]” (COLAVOLPE, 2005, p.79).

    É imprescindível entender que o capitalismo norteou historicamente os interesses da escola, da universidade, no sentido imbricar as ideologias da classe burguesa, a possibilidade de não ficar alheio as interferências do sistema social vigente, ou seja, perceber interesses e conflitos existentes torna-se uma arma contra os ajustes da reestruturação produtiva e as imposições do capital, em favor de uma educação emancipada e para além do capital. Pois, cada vez mais “o capital procurará equacionar a contradição educar/explorar tentando controlar mais diretamente o aparelho educacional e impondo seu projeto político” (FREITAS, 2005, p.128).

    Aponta-se que as disciplinas esportivas ainda estão estratificadas por disciplinas/modalidades e os conflitos e contradições presentes nas suas ementas reforçam as seguintes hipóteses: a) O Impacto das Diretrizes Curriculares nos PPP/CEDF do Pará (BRITO NETO, 2009); b) A disputa de projetos antagônicos no processo de reformulação do PPP/CEDF/UEPA (AGUIAR, 2009); c) A hegemonia do esporte em detrimento dos outros conteúdos da cultura corporal (OLIVEIRA, 2005); d) O esporte como um dos principais elementos de legitimação e acumulação capitalista (PRONI, 2002); As mudanças do mundo do trabalho e a necessidade de um novo tipo de formação humana, baseado no modelo das competências exigido pelo capital (NOZAKI, 2004).

    Nesse sentido, as mudanças ocorridas em relação às disciplinas esportivas no PPP/CEDF são incipientes, mantendo a ação regulatória do antigo PPP/CEDF, assim como, inferimos que a organização das disciplinas nesses moldes legitimam o esporte hegemônico. Gonzalez (2004) apresenta uma proposição inovadora para a organização das disciplinas esportivas no currículo dos cursos de formação de professores de Educação Física. Ele entende que o esporte precisa ser assumido não mais fragmentado por disciplinas/modalidades e aponta como primeira característica de sua proposta a organização por “campo de estudo”. Este, para o autor, seria “um espaço da realidade que deve ser melhor explicado e compreendido para poder interagir com ele a partir da especificidade profissional” (GONZALEZ, 2004, p. 218).

Conclusão: possibilidades anunciadoras de mudanças

    Inicia-se a conclusão reconhecendo que a formação de professores em educação física balizada pelos ordenamentos legais para a área vem coadunar com os interesses hegemônicos do capital, projeto de formação impregnada do viés privatista da empregabilidade, assumindo características da sociedade capitalista, para que o futuro profissional seja capaz de solucionar problemas de ordem, da prática cotidiana.

    Infere-se que houve um falso consenso no processo de formulação do PPP/CEDF, pois tal consenso coaduna com o projeto de formação capitalista, visto que o esporte na formação em Educação Física continua fragmentado por disciplinas/modalidades estanques e voltada para o rendimento.

    Para Mello et al. (2011) o esporte de rendimento, além de exercer um papel funcionalista para a reprodução do capitalismo, alienaria, como na política do "pão e circo", e desviaria a atenção da população dos aspectos políticos e sociais relevantes em detrimento de atividades supérfluas. Segundo Molina Neto (1995) o ensino dos esportes que orienta na submissão do corpo a esforços rigorosos, além de prender em uma camisa de força, tende a garantir uma reprodução constante, inviabilizando possibilidades de novas alternativas neste campo.

    Acredita-se que o esporte, enquanto tema da cultura corporal, deve ser tratado na formação em Educação Física a partir da realidade complexa e contraditória o qual está inserido com intuito de desmistificá-lo e avançar no processo de formação humana. Destarte, concordamos com os pressupostos anunciados por Oliveira (2005) em que trata da possibilidade de reinvenção do esporte, deve estar vinculada a crítica radical ao sistema capitalista, e isso “[...] implica reconhecer a necessidade e a possibilidade de pensá-lo à luz de um determinado projeto político-pedagógico, que aponta para a construção de uma sociedade baseada em outros códigos, valores e sentidos.” (OLIVEIRA, 2005, p.20).

    Em relação ao esporte na formação de professores anuncia-se a necessidade de organizá-los em Complexos Temáticos. Para Pistrak (2000) o complexo deve estar embasado no plano social, permitindo aos estudantes, além da percepção crítica real, uma intervenção ativa na sociedade, com seus problemas, interesses, objetivos e ideais.

    A reconceptualização curricular a partir dos complexos temáticos foi proposta por Colavolpe e Taffarel (2003, p. 02) em que a organização do trabalho pedagógico se dá através de um “sistema que garante uma compreensão da realidade atual de acordo com o método dialético pelo qual se estudariam os fenômenos ou temas articulados entre si e com nexos com a realidade mais geral, numa interdependência transformadora”.

    Segundo os autores o complexo temático compreende não somente modalidades esportivas, mas, sim o fenômeno social esporte, em suas múltiplas dimensões econômica, cultural, pedagógica, científica, técnica, ou seja, entende o esporte no seio da estrutura capitalista, a partir da totalidade concreta, como um todo estruturado. Assim, o que caracteriza os complexos temáticos é a relação sujeito-objeto-realidade, portanto, não faz sentido disciplinas esportivas isoladas e independentes na formação em educação física, visto que, as disciplinas científicas analisam a mesma matéria: a realidade.

    É indubitável que ensino pelos complexos temáticos precisa de mais estudos e aprofundamentos, mas surge como possibilidade concreta de organização do conteúdo esporte nos currículos de formação de professores, e principalmente como superação da estratificação por disciplinas modalidades.

    Colavolpe (2005) apoiado na história do homem e sua relação com a natureza como matriz científica anuncia uma proposta inicial de complexo temático para o esporte na formação de professores em ciclos de ensino, a partir de cinco eixos: 1- Pela história das atividades físico-desportivas que acompanharam a evolução do homem civilizado na construção de atividades físicas, laborais e bélicas que precederam a organização destas atividades em esportes; 2 - O esporte como conteúdo da Educação Física; 3 - Os desportos que compõem as grades curriculares dos cursos de Educação Física; 4 - A relação do homem com o meio líquido, as primeiras competições rústicas, os desportos aquáticos, os estilos e; 5 - O esporte como meio de desenvolvimento corporal e humano.

    Neste sentido o esporte na formação de professores de Educação Física marca-se pelas crescentes produções científicas em sistematizar propostas pedagógicas que superem a fragmentação desse conhecimento em disciplinas/modalidades e pela compreensão do esporte enquanto prática social. Essa tendência fica evidente quando verificamos a quantidade de proposições que foram desenvolvidas a partir do final do Século XX. Assim, evidencia-se a necessidade de uma mudança significativa para esse conhecimento na formação de professores, revelando assim uma possibilidade concreta no horizonte Educação Física.

Notas

  1. Consubstanciado pelo Parecer do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior (CNE/CES) nº 58/2004, a Resolução CNE/CES nº 07/04 que institui as Diretrizes Curriculares está organizada em 15 artigos que definem os princípios, condições e procedimentos para aplicação em âmbito nacional, durante a organização, o desenvolvimento e avaliação do projeto político pedagógico dos cursos de graduação em Educação Física. (BRITO NETO, 2009, p. 62-63).

  2. O currículo do CEDF/UEPA possui 24 disciplinas optativas: Administração e Marketing das Atividades físicas, Atletismo, Bases Metodológicas da Musculação, Basquete, Biomecânica, Educação Nutricional, Esporte Adaptado, Estatística, Estudo do Lazer II, Fisiologia do Exercício, Folclore, Fisiopatologia, Futebol de Campo, Futsal, Ginástica Olímpica, Ginástica Rítmica, Handebol, Natação, Pólo Aquático, Saltos Ornamentais, Teorias do Movimento Humano, Tênis de Quadra, Treinamento das Atividades Físicas, Voleibol.

Referências

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  • BETTI, Mauro. Educação Física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.

  • BRITO NETO, Aníbal Correia. O impacto das Diretrizes Curriculares Nacionais nos Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos de graduação em Educação Física do Estado do Pará. 2009. 126 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Estado do Pará, Belém, 2009.

  • CHEPTULIN, Alexandre. A dialética materialista: Categorias e leis da dialética. São Paulo: Alfa-Ômega, 2004.

  • COLAVOLPE, Carlos Roberto. O esporte como conteúdo na formação de professores: Realidade e possibilidades. 2005. 212 f. Dissertação (Mestre em Educação) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, Salvador, 2005..

  • COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

  • FREITAS, Luís Carlos de. Critica a organização do trabalho pedagógico e a didática. 7. ed. Campinas – SP: Papirus, 2005.

  • FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2006.

  • GONZALEZ, F. J. O estudo do esporte na formação superior em Educação Física: construindo novos horizontes. Movimento, Porto Alegre, v. 10, n. 1, p. 213-229, jan./abr. 2004.

  • KOSIK, K. Dialética do concreto. 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

  • MARX, K. Contribuição a critica da economia política. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 17 · N° 171 | Buenos Aires, Agosto de 2012  
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