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Corpo no esporte: conteúdo geral e possível 

estrutura das representações sociais de professores

El cuerpo en el deporte: contenido general y posible estructura de las representaciones sociales de los profesores

 

*Professora de Educação Física Mestre em Educação UFPE

**Professora Orientadora Doutora em Educação UFPE

(Brasil)

Rosângela Cely Branco Lindoso*

Laêda Bezerra Machado**

roxente@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          A presente pesquisa objetivou compreender as representações sociais de corpo, partilhadas por professores de esporte que atuam em escolas públicas e privadas de Recife-PE. Utilizamos como referencial a Teoria das Representações Sociais pela possibilidade que nos oferece de compreender a dimensão simbólica que envolve o objeto. Os participantes da pesquisa são 95 professores de educação física e esporte. Os espaços principais para coleta dos dados foram os congressos técnicos para os Jogos Escolares de Pernambuco, complementado com visita às escolas. Os dados foram coletados através do Teste de Associação Livre de Palavras. Por meio deste teste os professores evocavam cinco palavras que viessem imediatamente à lembrança mediante o estímulo: corpo é. Em seguida, escolhiam a palavra mais importante, dentre as evocadas e justificavam a escolha. As evocações foram processadas e analisadas através do software EVOC. Do processamento dos dados chegamos a um quadro de quatro casas em que se visualiza o possível núcleo central, periferia e contrastes das representações sociais de corpo. Os resultados apontaram uma oscilação do conteúdo das representações sociais, por um lado, ligada a uma perspectiva biológico/motora e por outro, associada à cultura/expressão.

          Unitermos: Corpo. Esporte. Escola. Representações sociais.

 

Resumen

          Esta investigación tuvo como objetivo comprender las representaciones del cuerpo, comunicadas por profesores de deporte que intervienen en escuelas públicas y privadas de Recife, PE. Se utilizó como referencial la Teoría de las Representaciones Sociales por la posibilidad que nos ofrece para comprender la dimensión simbólica que implica el objeto. Participaron de la investigación 95 profesores de educación física y deporte. Los principales momentos para la recolección de datos fueron las jornadas técnicas para los Juegos Escolares en Pernambuco, complementado con visitas a las escuelas. Los datos fueron obtenidos del Test de Asociación Libre de Palabras. A través de esta prueba los docentes evocaron cinco palabras que les vinieran a la mente por el estímulo: el cuerpo es. Luego elegían la palabra más importante, de las mencionadas y justificaban la elección. Las evocaciones son procesadas y analizadas utilizando el software EVOC. Del procesamiento de los datos se llegó a un cuadro de cuatro casas en las que se puede ver el centro, la periferia y los contrastes de las representaciones sociales del cuerpo. Los resultados mostraron una variación de los contenidos de las representaciones sociales, relacionada con una perspectiva biológica / motor y por el otro relacionado con la cultura / expresión.

          Palabras clave: Cuerpo. Deportes. Escuela. Representaciones sociales.

 

Abstract

          This research aimed to understand the social representations of body shared by sports teachers who work in public and private schools in Recife-PE. References used the Theory of Representations for the possibility it offers us to understand the symbolic dimension that involves the object. Survey participants are 95 teachers of physical education and sport. The main areas for data collection were the technical conferences for the School Games in Pernambuco, supplemented with visits to schools. Data were collected from the Test of Free Association of Words. Through this test evoked teachers five words that came to mind by the stimulus: the body is. Then chose the most important word, among those mentioned and justified the choice. The evocations were processed and analyzed using the software EVOC. Data processing came to a table of four houses in which they can view the core, periphery and contrasts representations of members of the body. The results showed a swing of the content of social representations, on the one hand, connected to a biological perspective / motor and the other associated with the cultural / expression.

          Keywords: Body. Sports. School. Social representations.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 171, Agosto de 2012. http://www.efdeportes.com

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Introdução

    O estudo é oriundo da dissertação de mestrado que investigou as representações sociais de corpo partilhadas por professores de treinamento esportivo que atuam em escolas públicas e privadas do Recife, identificando o conteúdo geral e possível estrutura das Representações Sociais de corpo construídas por esses professores.

    O desenvolvimento da ciência substitui as causalidades religiosas pela causalidade física. Nessa perspectiva, conforme (SILVA, 2001), o corpo restringe-se às ciências naturais, em especial, à medicina. Assim, constitui-se em objeto cada vez mais especializado, tal como define a divisão disciplinar do conhecimento moderno. Perdendo com isso aderência em relação à sociedade, progressivamente abandonada. O corpo mantido no domínio da natureza liga-se a uma natureza transformada, regulada por leis internas decifráveis como engrenagens de uma máquina, sujeitas a investigação e manipulação de suas partes constituindo-se num objeto aculturado, corpo sociedade e política passam a ocupar espaços distintos, apesar da inter-relação não desaparecer por completo. A cultura fundamenta todos os fenômenos do corpo, para ao se criar vida diferente, criar-se também funcionamento orgânico diferente. Através do corpo o homem se relaciona com a natureza, a Medicina do Esporte apresenta a questão de dominação da natureza, desconhece o corpo humano como um fenômeno cultural, inclusive em sua fisiologia, altera e interfere através da ciência através do treinamento de resistência, força, hipertrofia muscular, numa relação de opressão da natureza, alterando seu modo de ser.

    Sobre a origem do esporte as festividades independentes do calendário instituíram exercícios e prêmios oficializando os resultados e consagrando desempenhos e progressos. Nesse sentido a existência de uma tabela das velocidades no Anuário da República Francesa ano IX, relativo a “corridas a pé”, acompanhado de um relatório público ajudou a definir e comemorar resultados e desempenhos (VIGARELLO, 2008). Pela primeira vez desempenhos corporais figuram em tabelas escalonadas, onde números eram fixados, podendo ser atingidos ou ultrapassados. As competições representaram a criação de um programa, transpondo os jogos tradicionais e se aproximavam neste período mais das festas do que do treinamento.

    A modificação deste movimento impondo regras à nova prática corporal, regulando a violência, técnicas de ginástica, cálculo dos espaços e tempos, a cobrança das medidas constituem evidências do surgimento de outro universo do gesto e do desempenho. Influenciado pelo trabalho, o exercício se torna um trabalho corporal, ou seja, atividade corporal precisamente codificada cujos movimentos são geometrizados e os resultados calculados, parcialmente o esporte é desenhado.

    Os jogos tradicionais não desaparecem. Permanecem como práticas corporais do século XIX e são referências de práticas corporais baseadas em destreza e força bruta, tônica dessa época. O gesto em forma e intensidade é repensado deslocando códigos e exigências. O investimento sanitário possibilita o aparecimento de práticas diferentes, a natação, renova as práticas físicas e urbanas no começo do século XIX, desenvolvendo exercícios, que consistiam mais em lutar contra o meio líquido e o frio do que técnica. Esta prática contribui para uma melhor divisão entre o lazer e o trabalho (VIGARELLO, 2008).

    Os exercícios da época, nada tinham de revolucionários no começo do século XIX, como antes se observava, a vigilância alterará gestos, produzindo efeitos sobre a forma do corpo. Pela primeira vez a silueta corporal é modulada pelo exercício físico, a postura de Dandy em 1820 é o exemplo externo dessas formas, aí começam a se delinear o modelo deste corpo. No começo deste século a novidade está na análise dos movimentos, a ginástica não aponta apenas resultados, inventa gestos, recompõe exercícios, cria hierarquia; do mais simples ao mais complexo, do mais mecânico ao mais construído, multiplica gestos quase abstratos reduzidos à sua expressão dinâmica mais simples, os movimentos elementares mais simples da ginástica são o que o soletrar é para a leitura (VIGARELLO, 2008).

    Toda essa produção ambiciona a transformação do corpo, aperfeiçoando o músculo antes da perfeição do gesto, objetivo focalizado no orgânico. Movimentos simples em Pestalozzi, e Amoros e movimentos preparatórios em Clias, programas de aprendizagem que impõem uma nova disciplina pedagógica. Descoberta de um espaço corporal totalmente atravessado por uma mecânica com a possibilidade de corrigir formas corporais desfavorecidas pela natureza (VIGARELLO, 2008).

    Na metade do século XIX, a elite se torna defensora do esporte, exaltando um corpo atlético, buscando assim o equilíbrio anatômico e o eu interior expresso no adágio, Mens sana in corpore sano, deixando de ser apenas exercício para o prazer, corresponde a fins mais sociais e ideológicos (HOLT, 2008). A saúde passa a incluir tanto a eficácia física quanto mental. Novas formas de trabalho sedentário, conduzindo as classes médias ao estresse físico e psicológico, levam o esporte a estabelecer metas para o corpo, que remediassem aumentando sua capacidade para a competição, atingindo primeiro a burguesia e a partir da necessidade criada é também oferecido aos operários. Os esportes exigiam aptidões variadas, o futebol e o rugby, exigiam grande destreza, tênis ou atletismo no verão, natação ou ciclismo, numerosas alianças entre esportes de equipe e individual. Todos proporcionando ao corpo uma variedade de movimentos voltados à necessidade do mundo urbano.

    O esporte vai tomando outros significados, marcados por nacionalidade, etnia e império, encarnando virtudes masculinas do período industrial, cultuando esforço e mérito, e o valor em si da competição e preconceitos, todos estes significados atravessam o corpo do esportista do século XIX de forma mais ou menos forte. A expansão da classe média vitoriana desempenha papel fundamental na criação do esporte moderno somado a percepção do corpo como máquina e seus movimentos repetitivos. Na Grã-Bretanha existiu o aforismo de que para manter sua riqueza e império, deveria investir na geração de jovens fisicamente preparados para vencer, as revistas escolares celebravam o esporte de equipe, como meio de preparação para a vida. Um novo uso do corpo era proposto pelo esporte amador, com a finalidade de responder as necessidades da população urbana que aumentava rapidamente (HOLT 2008). No ambiente escolar da era vitoriana na Grã-Bretanha, o novo corpo atlético foi moldado dentro dos valores do fair-play e da esportividade. A escola de Rugby foi muito importante para a propagação deste esporte com seu célebre diretor, Thomas Arnold, apostando na formação moral dos alunos combinadas a novas idéias de competição. Outras grandes escolas investiram nestas idéias, o sistema escolar crescia rapidamente, aliando à formação clássica a novos modos de educação moral e disciplina, considerando o esporte como formador de caráter e disciplina.

    Jogar por sua escola era considerado uma honra, através do empenho com que era praticado, o esporte assumia um alto desempenho. São os ex-alunos das grandes escolas que formam as associações esportivas bem como universidades, banindo a violência para proteção do corpo, através de acessórios, cuidados com o espaço e materiais utilizados. O jogo com bola tinha uma exigência corporal maior, variada e complexa, sua origem está ligada à práticas de inverno, uma das exigências da vida urbana era a necessidade de exercitação durante o ano inteiro, nas quatro estações.Os esportes de equipe geram um corpo coletivo, uma boa equipe deve possuir um entrosamento equilibrado de seus componentes, nenhum jogador é hábil em todas as posições, numa equipe existe o somatório das habilidades, acrescentando uma dimensão psicológica e social ao envolvimento esportivo do corpo .

    No Brasil o esporte chega como prática em momentos de recreio passando a modificar o desenho de tempos e espaço da escola tido como um fenômeno que modernizaria a escola (LINHARES, 2006).

    Sobre o ensino do esporte hoje está situado nos anos 1980 como alvo de questionamentos e críticas (KUNZ, 2006). com o processo de redemocratização, foram se desenvolvendo teorias da educação que tentavam superar uma prática tradicional, entendida como descomprometida com as transformações sociais (BRACHT, 1997). O autor faz uma análise crítica e dura ao esporte, comparando-o ao que havia de pior na sociedade capitalista, atribuindo-lhe a condição de instrumento ideológico do capitalismo., com críticas a sua escolarização e forma de lazer.

    O modelo esportivo é muito criticadao no meio academico, muito embora seja o modelo hegemonico na sociedade (DARIDO, 2003). Nesse período há uma discussão em torno do objeto de estudo da educação física, abertura de programas de mestrado na área e certa preocupação em romper com o paradigma fundado na aptidão física, ainda que essa ruptura se fizesse apenas a nível do discurso. Inspirados no momento histórico surgem movimentos na Educação Física Escolar que criticam o modelo tecnicista, entre elas destacamos a abordagem Critico Superadora do Coletivo de Autores.

    A crise de paradigmas da educação física emerge do conflito entre duas perspectivas: o desenvolvimento da aptidão física e a reflexão sobre cultura corporal de movimento, esse propõe a reflexão pedagógica sobre o esporte, e o que se encontra embutido em seu discurso (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

Teoria das Representações Sociais

    As representações sociais são definidas por um sistema de valores, idéias e práticas acumulando uma dupla função: estabelecer uma ordem para tornar os indivíduos capazes de orientar-se no seu meio e dominá-lo; tornar possível a comunicação entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhe códigos para denominar e classificar os vários aspectos de seu mundo, da história individual e da história do grupo. Possuem importante papel na dinâmica das relações e práticas sociais respondendo a quatro funções essenciais: permitem compreender e explicar a realidade, definem a identidade, permitem a proteção da especificidade dos grupos, guiam os comportamentos e as práticas e permitem a posteriori, justificar as tomadas de posição e os comportamentos. (MOSCOVICI, 1978)

    A Abordagem Estrutural das Representações Sociais, também conhecida como teoria do núcleo central, é um desdobramento da grande teoria, idealizada por Moscovici em 1961. Foi proposta por Jean Claude Abric em 1976. Vem sendo complementada por Flament, Moliner entre outros colaboradores em todo mundo. O grupo pioneiro de pesquisadores é conhecido como “Grupo de Midi”. Conforme a abordagem estrutural, uma representação social apresenta características específicas, pois se organiza em torno de um núcleo central, constituído de um ou mais elementos, que conferem significado à representação. Uma representação social, como definida pelo Grupo de Midi é, pois, um conjunto organizado e estruturado de informações, crenças, opiniões e atitudes, composta de dois subsistemas - o central e o periférico -, que funcionam exatamente como uma entidade, onde cada parte tem um papel especifico e complementar.

    O núcleo central ou estruturante é determinado pela natureza do objeto representado e pelo tipo de relações que o grupo mantém com o objeto, assumindo duas funções fundamentais: uma generadora, Através do núcleo central se cria ou transforma o significado de outros elementos que constituem a representação e função organizadora, núcleo central determina a natureza dos elos, unindo entre si os elementos da representação, assim o núcleo é o elemento unificador e estabilizador da representação.

    O sistema periférico constitui-se como complemento indispensável do núcleo central, ao demonstrarem que é ele que protege o núcleo central, atualiza e contextualiza constantemente suas determinações normativas e permite uma diferenciação em função das experiências cotidianas nas quais os indivíduos estão imersos. Em poucas palavras, os elementos do sistema periférico provêem a interface entre a realidade concreta e o sistema central. Abric (2000) é enfático em afirmar que “eles constituem o essencial do conteúdo da representação: seus componentes mais acessíveis, mais vivos e mais concretos”

    O sistema periférico responde a três funções primordiais: concretização, regulação e defesa. A função de concretização permite a formulação da representação em termos concretos, prontamente compreensíveis e assimiláveis; a função de regulação garante a estabilidade do núcleo central e a função de defesa, o sistema periférico tem a finalidade de defender o sistema central, que pode sofrer abalos devido a mudanças de ordem social, cultural.

    Os estudos sobre o papel deste sistema periférico tem grande avanço, avaliando que na realidade os elementos periféricos, são esquemas estabelecidos pelo núcleo central. Destes esquemas resultam três características: prescrição de comportamento, modulação personalizada das representações e condutas associadas e proteção do núcleo central (FLAMENT, 2001).

    Para gerar representação o objeto deve ser relevante, circular socialmente, e dispor para um determinado grupo social, de um conjunto de imagens, opiniões e informações, o acesso ao objeto se produz através do discurso dos sujeitos. Segundo (JODELET, 1984), o corpo constitui-se como objeto das representações sociais por duas razões devido às tendências das pesquisas atualmente nas ciências humanas e pelo seu caráter especial, ou seja, o corpo é simultaneamente objeto público e privado. A privação de relações objetivas com os outros e consigo mesmo por meio do seu corpo trás a extinção do domínio privado, tornando a existência humana, função da esfera pública, garantindo o fenômeno de massa, perdendo a condição de ser humano segundo Arendt:

    A privatividade era como o outro lado escuro e oculto do domínio público, e como ser político significava atingir a mais alta possibilidade da existência humana, não possuir um lugar privado próprio (como no caso do escravo) significava deixar de ser humano (ARENDT, 2011, p. 78).

    A mídia opera como instância de difusão, propagação e propaganda com importante papel na comunicação da representação, conferindo uma dinâmica as representações que vão se reeditando no tempo, e em diferentes programas veiculados em rede, na propaganda, na telenovela, no telejornalismo, na internet, nas redes sociais (MOSCOVICI, 1961).

Metodologia

    Este estudo é de natureza quantitativa e qualitativa e procura captar os sentidos e significados atribuídos por professores de esporte ao corpo. Participaram da pesquisa de 95 sujeitos, professores de treinamento esportivo. Escolhemos esses professores porque eles constituíram ao longo das mudanças conceituais da área o grupo mais resistente. Consideramos ainda os critérios: ser graduado em Educação Física e atuar como professor de treinamento esportivo na escola. O grupo embora varie da faixa etária entre 21 a 62 anos de idade, está concentrado na faixa entre 41 a 50 anos. O gênero predominante foi masculino (61,05 %), dos participantes, 60% atuam na rede privada de ensino e a maioria desses professores busca formação continuada na área de treinamento e áreas afins ou em áreas diferentes do treinamento (65,25 %).

    O procedimento utilizado para coleta foi o Teste de Associação Livre de Palavras, por ele o sujeito escolhia cinco palavras tendo como estímulo indutor a palavra “corpo”. Em seguida escolhia a que era mais importante das 5 e justificando sua escolha.

    Para análise das evocações utilizamos o software EVOC. O software calcula e informa a freqüência simples de aparição das palavras evocadas, com base no valor de corte, organiza as informações para construção do chamado “Quadro de Quatro Casas, ou seja, distribuição dos dados em quatro quadrantes. Na leitura do Quadro de Quatro Casas, cada quadrante traz uma informação para que a representação seja analisada.

Resultados e discussão

    No Quadro 1, abaixo apresentado, estão os resultados processados pelo EVOC que evidencia o conteúdo geral e possível estrutura das representações sociais do “corpo” entre professores.

Quadro 1. Conteúdo geral e possível estrutura das representações sociais do “corpo” entre professores

Fonte: as autoras

    No seu primeiro quadrante localiza-se o provável núcleo central das representações sociais de corpo por professores de esporte apresentado através das palavras: expressão, movimento e saúde. Na primeira periferia encontramos a palavra força. Na zona de contraste encontramos atividade física, equilíbrio, cultura, estética e liberdade e na segunda periferia localizam-se os termos beleza, comunicação, coordenação, cuidado, esporte, flexibilidade, performance e vida.

    A palavra expressão foi mais citada, em primeira mão. Expressão como forma de linguagem corporal, corresponde a todos os movimentos gestos e posturas que tornam a comunicação mais efetiva. A primeira forma de comunicação foi através do gesto. Com o aparecimento da palavra articulada os gestos tornaram-se secundários, contudo eles constituem o complemento da expressão. Ao justapor a fala e o sentido do gesto corporal, encontramos a intenção de Merleau-Ponty (2006) que busca no corpo a origem do sentido da linguagem. Para o autor, a forma de entendermos o sentido da fala do outro é a mesma que a do gesto corporal: “Eu os compreendo na medida em que os assumo como podendo fazer parte do próprio comportamento”.

    A compreensão da noção de linguagem para o autor demanda uma articulação entre as noções de fala, corpo, percepção e expressão. Merleau-Ponty (2006) busca recuperar no movimento o essencial do ato expressivo. Os participantes desta pesquisa apresentam através da palavra expressão o entendimento dos signos, na relação com o mundo dando sentido e significado a ação.

    A expressão corporal é fortemente atrelada ao aspecto psicológico, geralmente é acionada para auxiliar na comunicação verbal. Sobre a expressão um participante registrou, “A linguagem corporal através da expressão traduz o que o corpo tende a dizer, transmitindo da melhor forma possível as mensagens. A expressão é fundamental na comunicação”, (Prof. Esp. Prot. Nº 53).1

    Outra parte considerável do grupo de professores participantes associa o corpo a movimento. Notamos que esta palavra foi indicada pelos professores mais jovens na faixa etária de 20 a 40 anos, interessante notar que no grupo de idades entre 41 a 50 anos as palavras saúde e movimento se equipararam. Nas justificativas de alguns de nossos colaboradores que associam diretamente corpo a movimento observamos: Movimento, o corpo exige movimento. Ele é o próprio movimento (Prof. Esp. Prot. Nº 39).

    Numa concepção mais tradicional, a evocação de movimento seria atividade física, exercício. No entanto, o sentido da palavra movimento se reedita com as abordagens críticas da educação física na década de 90, do século passado, forjado numa dimensão de corpo mais crítica, que valoriza a cultura corporal de movimento, dando a essa atividade física nova versão onde o corpo máquina/repetição se transforma em corpo sensível/expressão. Nas justificativas de nossos sujeitos é nessa perspectiva que a palavra movimento se reafirma: Movimento, porque é a base de toda expressão do corpo, é a base das raízes do corpo (Prof. Esp. Prot. Nº16).

    Ao apontar movimento como palavra mais importante para definir corpo, um participante coloca exatamente o que está posto no Coletivo de Autores2: Movimento corporal nas suas diversas facetas dança, luta ginástica, jogo e esportes. (Prof. Esp. Prot. Nº 26). Os autores tomam por categorias de base além da cultura corporal, a reflexão pedagógica, história, historicidade e currículo na concepção crítica.

    A palavra Saúde apontada pelo grupo com mais idade, como palavra mais importante, temos a reedição de como se justifica a importância da atividade física desde as Escolas de Ginástica. Na perspectiva de (CARVALHO, 2001) a relação entre atividade física e saúde é um “mito”. Apoiada nas ciências humanas ressalta que os trabalhos na área fundamentam-se em uma abordagem biologicista na qual a saúde, na maior parte das vezes, é tratada como ausência de doenças, sendo a atividade física entendida como execução de práticas, através de modalidades esportivas, que inevitavelmente “trazem saúde”. Embora a autora afirme ainda existir uma falsa consciência em relação à saúde e exercício do corpo, reconhece o beneficio do exercício regular para a saúde, reverenciado desde os anos 1980. Reconhece que a mídia tem especial papel na difusão desse saber para a população.

    Sobre essa relação cabe afirmar que, as comunicações sociais institucionais e midiáticas se apresentam como condição para a construção das representações sociais ao tratar fatores determinantes na construção representativa, segue afirmando que, as redes de comunicação informais e midiáticas, intervêm em sua elaboração, favorecendo processos de influência e até mesmo de manipulação social (JODELET, 2001).

    Analisando o grupo de palavras encontradas como provável núcleo central, a palavra saúde atende ao que (ABRIC 1994) chama de função geradora, o elemento “saúde” atende a função de criar a representação. Na sociedade atual, em que o cuidado com o corpo está sempre aliado à saúde, sua representação centrada em saúde e qualidade de vida circula no grupo de professores de esporte. É o que afirmou um dos participantes: “o educador físico deve trabalhar visando saúde e bem-estar dos seus alunos, proporcionando melhor qualidade de vida”. (Prof. Esp. Prot. Nº 32) Corpo é saúde, bem-estar e qualidade de vida.

    A palavra força encontrada na primeira periferia do quadro de quatro casas, ou seja, elemento de importância para os sujeitos indica contradição, conduzindo a idéia tradicional do vigor físico no treinamento. (BARBANTI, 1979) afirma que a força é a capacidade neuromuscular de vencer resistência na atividade física e no esporte. A força está ligada diretamente às exigências do trabalho com o treinamento físico. O termo parece está ligado diretamente ao seu fazer cotidiano, embora não como a palavra que melhor representa o corpo. A presença da palavra força na primeira periferia nos leva a inferir que o professor de esporte na escola vive uma dualidade entre o que ele sabe a sua formação de cunho mais crítico, e as exigências do seu trabalho pela sociedade. Um dos participantes afirmou, por exemplo, que; “a força é o caminho que a bola percorre até o gol, furando obstáculos e quebrando barreiras. (Prof. Esp. Prot. Nº 74)

    Sobre esse comentário lembramos (FLAMENT, 2001) quando aponta que algumas circunstâncias podem levar uma população a ter práticas em desacordo com a representação, e essas discordâncias ocorrem inicialmente nos esquemas periféricos, que se modificam para resguardar o núcleo central, que é mais resistente. Essa modificação pode ocorrer de forma brutal ou de forma progressiva. Observamos neste caso, os professores envolvidos com o esporte na escola são afetados no plano emocional e identitário por um processo resistente de transformação. São exigidas deles determinadas formas de agir, controladas pelo desempenho alcançado, o que provoca conflitos com sua formação. Notamos uma oscilação entre um modelo tradicional de corpo biológico motor e outro mais atual e crítico de corpo articulado à cultura. A esse respeito (JODELET, 2001) esclarece que a dimensão da experiência vivida convive lado a lado com a cognitiva, coexistindo com formas que são socialmente dadas.

    No quadrante inferior esquerdo temos a zona de contraste. Conforme (OLIVEIRA et al, 2005) situam-se nessa zona os elementos com baixa freqüência, mas de importância para os sujeitos, esses elementos reforçam os presentes na primeira periferia, ou a existência de um subgrupo minoritário com uma representação diferente. As palavras que constituem a zona de contraste no Quadro de Quatro Casas são atividade física, equilíbrio, cultura, estética e liberdade.

    Entendemos que as palavras cultura, estética e liberdade, presentes nessa zona, estão mais próximas de uma compreensão atualizada de corpo, submetida a valores culturais, sociais baseados nos princípios estéticos da civilização ocidental, como uma segunda natureza, onde o consumo forja delineamentos e contornos estéticos para este corpo, na forma de magro e jovem. Enquanto que as palavras atividade física e equilíbrio são palavras mais identificadas com um referencial biológico/funcional de corpo, reafirmado com a palavra força que se entra na primeira periferia.

    No quadrante inferior direito, localizam-se os elementos da segunda periferia ou mais periféricos, Nele estão os elementos menos citados e menos evocados em primeira mão pelos sujeitos. Trata-se neste caso das palavras: beleza, comunicação, coordenação, cuidado, esporte, flexibilidade, performance e vida.

    Como síntese de nossa análise, elencamos aquelas palavras do quadro de quatro casas ligadas ao corpo numa perspectiva biológico/motora em que o professor se ancora na realidade na prática cotidiana, bem como a visão de corpo cultura/ expressão. Nessa segunda vertente o professor compreende a complexidade de corpo como objeto polissêmico e multidisciplinar.

    No Quadro 2, abaixo, sintetizamos as palavras evocadas nessas duas perspectivas. Ressaltamos que, embora pareça contraditório os professores de esporte, participantes deste estudo, buscam articular as duas vertentes para compreenderem seu objeto de trabalho, o corpo.

Quadro 2. Agrupamento das palavras evocadas segundo as tendências

de corpo Biológico/Motor e o corpo Cultura/Expressão

Fonte: as autoras

    Essa oscilação vem se reeditando desde os anos 1980 com o questionamento sobre a área na década de 90, as publicações na área das Ciências Sociais e a descoberta cada vez maior da importância do exercício físico para a saúde e no combate às doenças, estando o esporte fortemente ligado à área de conhecimento das Ciências Naturais, através dos estudos de fisiologia do exercício, treinamento desportivo, biomecânica entre outros, os dados apontam alteração do núcleo central com interferência das Ciências Sociais.

Considerações

    Nosso estudo procurou compreender as representações de corpo construídas por professores de esporte das redes pública e privada. Elegemos a Teoria das Representações Sociais, proposta por Moscovici, como ferramenta teórica e como metodologia, com sua abordagem complementar a Teoria do Núcleo Central.

    Nosso estudo constatou as transformações dessa representação oscilando de corpo biológico/motor para corpo cultura/expressão, apontando como provável núcleo central das representações sociais de corpo as palavras expressão, movimento e saúde, esses resultados mostram que o grupo partilha sentidos e expressões. Isso nos leva a depreender que as evocações dos professores de esporte apontam para um processo de transição entre as representações sociais mais tradicionais de corpo, focadas na dimensão biológica e representações mais atualizadas que compreende o corpo como objeto multidisciplinar e polissêmico.

    Uma possível explicação para a transição que permeia a saliência dessa representação social de corpo reside no próprio campo epistemológico entre as ciências naturais que atualiza o discurso da saúde através da qualidade de vida. Essa mudança de enfoque tem sido veiculada em revistas, livros, anais de congressos da área e mídia, reeditando este significado na abordagem da Educação Física fundamentada na promoção da saúde, e saúde renovada. Desde a década de 80, do século passado, tem se empreendido uma crítica da Educação Física tradicional e defendido uma abordagem que se alinha com concepção de corpo multidisciplinar. Ressaltamos que com a abertura política, vai ter início a superação da visão puramente biológica gerando outra compreensão de ser humano. Na reconstrução desse campo, o corpo passa a ser discutido numa perspectiva interdisciplinar, em que a dimensão humana passa a ser valorizada.

    Nesse contexto de modificação, a antropologia enquanto ciência vai empreender uma crítica a oposição entre o natural e social, valorizando a interferência do cultural no biológico. A produção científica no campo das ciências sociais vai sendo incorporada para entendimento e fundamentação da abordagem crítica da educação física e esporte, o que justifica essa representação social oscilando entre o tradicional e o biológico.

Notas

  1. Neste estudo, faremos referencias aos participantes utilizando a abreviação Prof. Esp. para professor de esporte seguida do nº do protocolo, questionário que respondeu.

  2. Coletivo de Autores é uma obra que serve de subsídio para a prática dos professores de Educação Física de PE.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 17 · N° 171 | Buenos Aires, Agosto de 2012  
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