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O modismo da ginástica funcional: uma visão marxista

La moda de la actividad física funcional: un punto de vista desde el marxismo

The fad of functional fitness: a Marxist view

 

*Graduação em Ciências da Atividade Física, EACH-USP

**Orientador. Universidade de São Paulo

PISE – Pesquisas Interdisciplinares em Sociologia do Esporte

(Brasil)

Bruno Vecchiatto*

Diana de Freitas Mathias*

Grace Kelly Lobo Bonfim*

Karolyne Camargo*

Prof. Dr. Marco Bettine de Almeida**

marcobettine@bol.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O presente trabalho tem como objetivo compreender de que maneira a relação entre a ginástica funcional e a teoria marxista é constituída na atualidade por meio de análise dos conceitos de Marx e de websites sobre ginástica funcional como objeto de estudo.

          Unitermos: Ginástica funcional. Teoria marxista. Modismo.

 

Resumen

          Este estudio tiene como objetivo entender cómo la relación entre la teoría marxista y la actividad física funcional hoy en día se constituye, mediante el análisis de los conceptos de Marx y de sitios web sobre la actividad física funcional como objeto de estudio.

          Palabras clave: Gimnasia funcional. Teoría marxista. Moda.

 

Abstract

          This study aims to understand how the relationship between Marxist theory and functional fitness is nowadays made ​​by analysis of the concepts of Marx and websites about fitness function as objects of study.

          Keywords: Gymnastics functional. Marxist theory. Fad.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 17 - Nº 170 - Julio de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A ginástica funcional vem sendo muito difundida no Brasil, ganhando inúmeros praticantes. A idéia de utilizar novos métodos para alcançar determinados objetivos, como por exemplo, obter o corpo belo, a simetria ou mesmo a diferenciação nas capacidades físicas, promove uma super valorização da prática que acaba influenciando a adesão de praticantes que buscam melhores resultados de desempenho físico.

    Alguns exercícios da ginástica funcional como a flexão tradicional, que trabalha o tríceps, é realizada com as mãos ou os pés apoiados na bola de vinil, o que requer mais equilíbrio e aumenta os grupos musculares atuantes no movimento, contraindo as coxas, o glúteo e a musculatura lombar.

    Ao comparar o exercício de flexão realizado na ginástica funcional com o banco supino realizado na musculação percebe-se que a biomecânica desses exercícios é semelhante. Podemos observar que o primeiro não utiliza outros pesos se não o do corpo e trabalha equilíbrio enquanto o segundo utiliza pesos, porém ambos trabalham os mesmos grupos musculares.

    Os dois exercícios promovem melhoras, desde adaptações neurais até alteração na tipagem de fibras. O que deve ser levado em conta é que os exercícios de musculação envolvem os grupos musculares mais isoladamente e possibilita mais alterações e adaptações para atingir desempenho quando comparada com a ginástica funcional¹. Tornado questionável a questão da ginástica funcional ser melhor, pois na propaganda dos sites isso é enfatizado, entretanto deve-se levar em conta os objetivos da pessoa, pois cada um possui individualidades diferentes, sendo assim, nem todos os exercícios causam os mesmo efeitos esperados em todas as pessoas.

    O marketing, a publicidade e a propaganda contribuem na difusão desse processo, criando um “fetichismo” na ginástica funcional, agregando aspectos e características nesta atividade, personificando-a. Neste processo cria-se um mito de que a ginástica funcional é uma atividade física melhor que as demais, mostrando-se mais saudável e eficiente. Ademais, dentro deste mesmo processo, as outras atividades físicas são consideradas errôneas e ultrapassadas.

    Partindo deste pressuposto, podemos relacionar a propagação da ginástica funcional à teoria marxista sobre o capitalismo, uma vez que a ginástica se torna uma mercadoria que visa ser comprada pelo maior público possível, podendo assim conquistar um espaço no mercado. Para o alcance deste objetivo, ocorre o que Marx chama de Fetichismo da Mercadoria, com uma atribuição de valores externos ao real valor da mercadoria, colocando significados abstratos em objetos materiais, deixando-os mais vislumbrados no imaginário do consumidor. Tendo em vista que a ginástica funcional é uma atividade inovadora e que agrada o público, por nunca ter sido utilizada no modelo por ela proposto, o preço pode ser cobrado a partir dos objetivos do dono das ferramentas de produção, como por exemplo, o dono de uma academia, que pode se utilizar da força de trabalho do profissional da atividade física com uma exploração do serviço realizado por ele, alienando-o, de forma que este não saiba que o seu trabalho possui um valor maior do que o pago pelo seu patrão, onde a quantidade de seu salário é o valor mínimo que não dê prejuízo para a empresa, ou academia, que o paga.

    Podemos observar que o modismo gera uma grande influência no mercado, e que o capitalismo se mantém presente nas novas práticas de atividade física, sob as máscaras da promoção da saúde.

    Diante disso, existe a necessidade de que os profissionais que trabalham nessa área compreendam que esta pode ser vendida como um produto. Ademais, os modismos tendem a ser passageiros, e desta forma, esta atual super valorização da ginástica funcional passará, cedendo espaço para a super valorização de uma outra atividade física. O mais intrigante é perceber que estes mecanismos que ora super valorizam uma atividade, ora super valorizam outra, são parecidos e refletem a realidade que a sociedade vivencia.

Método de pesquisa

    Foi feito um levantamento de dados em sites de referência em notícias sobre fitness e ginástica funcional da internet como a Revista Época – Globo.com, Ginástica Funcional-Funcional COREZONE, Melhor Amiga, Mdemulher – Abril, Boa Forma e Folha Uol. Posteriormente, foi realizada uma análise interpretativa destes dados, baseada na teoria marxista, visando:

  • Compreender como ocorre o processo de modismo da ginástica funcional;

  • Relacionar os conceitos de mais-valia, fetichismo, capital e mercadoria ao atual modismo da ginástica funcional;

  • Entender como é feita a divulgação da ginástica funcional na internet.

Discussão dos dados

A ginástica funcional na internet

    Diversos tipos de exercícios físicos empregados em aulas de ginástica seguem tendências da moda e por isso são passageiros, alguns exemplos, a ginástica aeróbica, step, lambaeróbica (axé), luta livre (atualmente conhecido como MMA), entre outros. Durante o período em que essas atividades obtiveram um maior sucesso se utilizavam do que Marx chamou de Fetichismo da Mercadoria para poderem manter-se como uma prática desejada pelo público.

    Aulas como estas citadas, criadas para academias de ginásticas, geralmente têm um ciclo de vida curto até serem substituídas por outras com promessas publicitárias de serem melhores e mais eficientes e promover resultados mais rápidos. A publicidade é um instrumento que se utiliza do conceito do Fetichismo da Mercadoria, buscando estimular o imaginário popular de modo a convencê-lo de que determinada prática ou objeto é necessário para a vida de determinado indivíduo.

    A ginástica funcional surgiu há duas décadas nos Estados Unidos, porém, de acordo com os sites pesquisados, ainda é novidade no Brasil e está ganhando público desde 2001. A ginástica funcional é um método de exercício que usa o próprio peso do corpo e combina movimentos de flexibilidade, explosão e equilíbrio, trabalhando ao mesmo tempo diferentes grupos musculares, visando uma melhor forma física². Alguns dos principais apelos usados pelo marketing para a ginástica funcional é que são trabalhados estímulos naturais, e por isso o corpo é preparado para as principais funções do cotidiano, além de ser diferente dos exercícios com pesos, que trabalham grupos musculares isoladamente, a ginástica funcional é comparada de forma superior à musculação por oferecer linhas mais alongadas, definições musculares mais leves e preparo para as exigências físicas diárias². Além disso, os benefícios da atividade física em geral são ressaltados na ginástica funcional, como se esta fosse o único exercício físico que integra mente e corpo e melhora a funcionalidade do corpo, observado em novos métodos de treinamento funcional, dentre eles o Funcional Core Zone desenvolvido pela professora Carol Macário “o Funcional Core Zone não é um programa, mas sim uma metodologia flexível que oferece o embasamento e preparo de profissionais da área de educação física para lidar com equipamentos e exercícios voltados ao treinamento funcional”.

    “Uma integração de corpo e mente, um desafio e uma proposta a melhorar a funcionalidade do corpo humano”³.

    A internet expõe a ginástica funcional como uma aula criativa e dinâmica, que vem para atrair o público que não gosta de academia de ginástica (musculação), usando temas como “Ginástica funcional é ótima para quem detesta academia”; ou ainda “Ginástica funcional: funciona mesmo!”. Outros sites ainda trazem matérias com promessas de que a ginástica funcional prepara o corpo para diversas funções do cotidiano como “Ginástica funcional promete preparar corpo para funções do dia a dia” alegando que a ginástica funcional une diversas técnicas de exercícios de vários esportes, inclusive faz trabalho de reabilitação do corpo e ainda traz resultados físicos aparentes em apenas dois meses⁴. Pode - se perceber que o apelo maior é para o público feminino, que prefere a ginástica ao exercício tradicional de treinamento de força (musculação) oferecido pelas academias, por ser vendida como sendo mais lúdica e funcional⁵⁶⁷.

    Assim, a ginástica funcional vem com uma roupagem de algo diferente e inovador dirigido principalmente ao público feminino, mas que na verdade contempla o treinamento de força tradicional com materiais alternativos e com o peso do próprio corpo, trazendo subjetivamente uma idéia de um exercício mais lúdico, funcional e completo, como pode ser visto na reportagem: “Ginástica funcional promete preparar corpo para funções do dia a dia: Preparar o corpo para funções do dia a dia é o que promete a chamada ginástica funcional, que está cada vez mais popular, dentro e fora das academias.” Ou ainda: “Uma coisa a ginástica funcional é: lúdica. Envolve bolas, molas, elásticos, barras e pranchas de estabilidade” ⁷. No próximo tópico será discutido como ocorre à venda ginástica funcional na visão marxista.

Teoria marxista e ginástica funcional

    No mundo do trabalho, aqui entendido como produção, precisamos compreender o que é o comércio, que nada mais é que um modo desenvolvido de movimentação de mercadorias. No caso do objeto do presente estudo, a ginástica funcional será aqui entendida como uma mercadoria que movimenta capital e alimenta o capitalismo, sendo um produto da esfera econômica. A ginástica funcional nada mais é do que um exercício físico como qualquer outro, um serviço, que possui um valor de custo atribuído de acordo com o mercado da área de atividade física. De acordo com a teoria de Marx, o proprietário de uma determinada mercadoria ou ferramentas para produção é quem vai ditar o preço dos produtos que forem produzidos por seus funcionários. Neste caso aqui apresentado, as academias que implantaram esta atividade seguirão um mesmo padrão de preços, indo de acordo com o que é oferecido no mercado da área.

    Existe uma outra relação na compra e venda da ginástica funcional na atualidade. A relação DMD (dinheiro, mercadoria, dinheiro) busca o capital como objetivo principal. Por meio da compra da ginástica funcional como uma mercadoria, o possuidor dela poderá vendê-la por um preço maior, colocando nela um valor excedente e, ao mesmo tempo, não aumentar o valor que será pago para seu funcionário, o profissional da atividade física, ficando este como um ser explorado por esta atividade. Essa exploração é o que Marx chama de "mais-valia", um processo no qual o proprietário (dono de academia) explora o proletário (instrutor da atividade física) com uma maior obtenção do lucro gerado pelo aumento no custo do serviço junto com um pagamento de salário para o funcionário que cause o mínimo de prejuízo para a empresa (academia)⁸. A outra relação do capitalismo observada por Marx é a relação Mercadoria-Dinheiro-Mercadoria (MDM), onde o foco é vender a mercadoria com objetivo de comprar outra. A alteração principal é qualitativa para com o sistema Dinheiro-Mercado-Dinheiro, pois na MDM há uma necessidade de utilização daquela que foi comprada, enquanto a relação DMD, busca apenas o dinheiro, ou seja, a mudança quantitativa. Assim o lucro torna-se algo ilimitado, o que faz o caminho para manter a existência da venda da ginástica funcional, ele não tem missão ou objetivo, no caso, de melhorar a saúde do indivíduo, mas de se estabelecer e se fortificar como prática que gere o próprio lucro.

Considerações finais

    Como forma de atrair o público para a prática de mais um modismo, o da ginástica funcional, a internet traz argumentos de que a ginástica funcional substitui a musculação, sendo até melhor e mais completa do que esta, podendo abranger um público maior, dando a idéia de que esta é inclusiva e pode ser aderida por todos, principalmente pelo público feminino.

    A ginástica funcional é o fruto do marketing que valoriza e amplia o que ela tem de melhor, relacionando-se com o fetichismo da mercadoria⁷, pois o plano irreal que acompanha essa atividade física é mais forte do que a própria realidade, visto que biologicamente, os exercícios têm os mesmos resultados da musculação, garantindo benefícios parecidos em questões físicas. Assim, observa-se nos meios de comunicação social uma grande valorização e extrapolação dos resultados que a ginástica funcional traz, vendendo-a como uma mercadoria e caracterizando-a atualmente como uma moda.

Referências

  1. STOPPAM, Jim. Enciclopédia de musculação e força. Porto Alegre: Editora Artmed, 2008

  2. A EFICÁCIA DA GINÁSTICA FUNCIONAL. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI93798-15230,00.html. Acessado em: 18 mai.2012

  3. SOBRE O FUNCIONAL CORE ZONE. Disponível em: http://ginasticafuncional.com/sobre.html. Acessado em: 18 mai.2012

  4. GINÁSTICA FUNCIONAL. Disponível em: http://www.melhoramiga.com.br/2010/05/ginastica-funcional/. Acessado em: 18 mai.2012

  5. GINÁSTICA FUNCIONAL É ÓTIMA PARA QUEM DETESTA ACADEMIA. Disponível em: http://mdemulher.abril.com.br/blogs/dieta-nunca-mais/2010/08/ginastica-funcional-e-otima-para-quem-detesta-academia/. Acessado em: 18 mai.2012

  6. GINÁSTICA FUNCIONAL: FUNCIONA MESMO! Disponível em: http://boaforma.abril.com.br/fitness/local-musculacao/ginastica-funcional-exercicio-corpo-600600.shtml. Acessado em: 18 mai.2012

  7. GINÁSTICA FUNCIONAL PROMETE PREPARAR CORPO PARA FUNÇÕES DO DIA A DIA. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/766908-ginastica-funcional-promete-preparar-corpo-para-funcoes-do-dia-a-dia.shtml. Acessado em: 18 mai.2012

  8. MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política. 26 ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2008.

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