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Sobre a ginástica e suas relações históricas com outras manifestações

da cultura corporal de movimento: diagnosticando tendências

Acerca de la gimnasia y sus relaciones históricas con otras 

manifestaciones de la cultura corporal de movimiento: diagnosticando tendencias

 

Doutor em Filosofia

Docente do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia

da Universidade Federal do Amazonas

Dirceu Ribeiro Nogueira da Gama

paula.dirceu@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo do presente trabalho consiste em descrever as relações configuradas entre a ginástica e outras manifestações da cultura corporal de movimento humano ao longo da história, tomando como ponto de partida a Grécia antiga, e de chegada, a contemporaneidade. O percurso trilhado pela mesma mostra-a como prática aberta à interatividade desde seus primórdios, tendência essa que continua mantida no contexto da cibercultura.

          Unitermos: Ginástica. Cultura. História. Tendências.

 

Abstract

          The purpose of this paper is to describe the relationships between gymnastics and other contents of man culture concerning human body movement through history, defining as starting point the old Greece, and the finishing one, contemporaneous days. The path followed show gymnastics while a practice opened to interactions since its origins. This trend is being kept until today when the context of cyberculture is put under evidence.

          Keywords: Gymnastics. Culture. History. Trends.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 17 - Nº 168 - Mayo de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    De acordo com a historiografia contemporânea da educação física e esportes, a ginástica constitui um dos mais antigos, senão o mais antigo, conteúdo dessa área do conhecimento. Em que pese essa constatação, as mesmas fontes informativas responsáveis por trazê-la ao lúmen igualmente indicam que a composição dos exercícios gímnicos nunca prescindiu do diálogo, em maior ou menor grau, com manifestações outras da cultura corporal de movimento humano. No entanto, pensar essa relação ainda tão atual e, ao mesmo tempo, tão pouco percebida, demanda, antes de mais nada, o estabelecimento de demarcações conceituais mínimas, em função da multiplicidade de interpretações a que essa temática é capaz de levar.

    Feita essa ressalva, a rota investigativa a ser trilhada no presente estudo será semelhante aquela proposta pelo filósofo Martin Heidegger (2008) na clássica obra Ser e Tempo, a qual consiste nas seguintes etapas: I) apresentação etimológica de termos, pois é no escrutínio da palavra que se abre o acesso aos sentidos dos entes; II) análise situacional dos termos escrutinados no contexto mais amplo das produções culturais próximas da sua origem; III) levantamento conceitual de informações distribuídas nos horizontes do tempo histórico; IV) apreciação do percurso percorrido em III, com vista à emissão de diagnósticos.

    Vale a pena frisar que a escolha desse itinerário deve-se a sua pertinência para demarcar problemáticas com razoável precisão e mesmo levar ao discernimento das características que lhes essencializam. Assim, nas linhas que se seguem procuraremos refletir sobre a inserção da ginástica no panorama maior da cultura corporal de movimento humano com base no roteiro anunciado.

Os primórdios gregos: a “gymnastiké”

    Etimologicamente, a palavra ginástica deriva do grego “gymnastiké”, cujo significado era arte de exercitar o corpo desnudado (Ayoub, 2003). A mesma partícula empregada para denotar nudez, gymnós, também está presente na palavra “gymnasium”, ou ginásio, em português.

    Nota-se então que, com base nesse elemento em comum, “gymanstiké” e “gymnasium” convergem para a constatação de que a arte de exercitar o corpo nu, desprovido de vestes, acontecia em um espaço apropriado para tal.

    Acerca do sentido do nudismo no mundo grego, Werner Jaeger (1994) coloca que, muito mais do que um acontecimento material, ele possuía um viés simbólico, no sentido de aludir a um despojamento das camadas que ocultavam o acesso a essência íntima do ser. Retirar as vestes representava, em muitos cultos religiosos da Grécia anciã, a preparação que antecedia a invocação de um estado primordial ab origine, a partir do qual uma metamorfose existencial viria a ocorrer sob a forma de agregação de novos valores ao corpo (Eliade, 2008). Considerando que agregar valores ao corpo significa tornar o ser do homem um ser humano, e que esse era o sentido da idéia grega de formação, a saber, a paidéia, conclui-se que praticar ginástica no ginásio condizia com transformar moralmente alguém, fazendo-o sair de um estágio vital para renascer em outro.

    No que concerne aos meios e métodos empregados nesse processo, as observações históricas de Grifi (1998) mostram-se bastantes esclarecedoras. O autor lembra que na Atenas dos séculos III a V a.C., freqüentavam o ginásio grego, além dos praticantes de ginástica, os mestres de música e oratória; gramáticos e filósofos. Nas imediações do ginásio, havia a palestra, local específico destinado às reuniões dessa gama de pensadores. Anexo a ele, também existia o corifeu, uma sala para pugilato e lutas, mais os compartimentos para banhos termais; unções de óleos no corpo e fricções massoterapêuticas.

    Percebe-se do exposto que, na sua acepção primordial, ginástica e lutas conviviam em estrita proximidade. Os resultados das investigações arqueológicas de Wacker (1999) atestam, por outras vias, essa junção. Segundo este autor, o vocábulo “palestra” advém do grego arcaico “palaíw”, que remetia a “ser adepto da luta”. Não obstante essa relação, outra igualmente elucidativa tem a ver com os ornamentos e adereços arquitetônicos presentes no interior de determinados ginásios, os quais reproduziam nomes de heróis mitológicos e atletas vitoriosos. Portanto, frisa Wacker (1999), é lícito hipotetizar as dependências do ginásio como território de rememoração dos feitos das sagradas entidades heróicas. Muito embora ainda não haja dados arqueológicos que permitam juízos mais conclusivos sobre essa questão, Wacker (1994) lembra que nas duas cidades gregas onde a ginástica era cultuada em suntuosos ginásios, Olímpia e Atenas, diversas esculturas e desenhos de Hermes e Hércules se faziam presentes em paredes e ante-salas.

    Tal hipótese encontra eco nos trabalhos de Brandão (1997), porquanto na mitologia grega todo herói (Hércules, Aquiles, Teseu, Jasão, Belerofonte, Perseu, etc.) só cumpriu o que lhe estava predestinado após passar por extenso processo educacional nas mãos do Centauro Quíron. Versado em Mântica (leitura divinatória), Iátrica (terapia corporal) e Agonística (artes do enfrentamento), pode-se dizer que Quíron era o responsável por levar os futuros heróis a encontrarem sua arete (excelência). Toda essa preparação se dava com os corpos desnudados, ou, em situação de gymnós.

    Para além da mitologia, a relação entre exercitação gímnica e transformação de estados corporais reaparece no contexto maior de três textos filosóficos cruciais da cultura ocidental: o Timeu, a República e as Leis, de Platão.

    No Timeu, um tratado de cunho cosmológico, Platão (1986) sublinha a importância da prática da ginástica enquanto meio de assegurar o funcionamento dos órgãos do corpo em bases equilibradas, levando assim a temperança orgânica imprescindível à harmonia da alma com as essências imutáveis a habitarem o plano do eidos.

    Uma conotação diferente aparece em A República. Nela, Platão (2004) discute a significância da ginástica para promover nos guardiães da cidade, junto com a dieta alimentícia, a devida robustez física e emocional requerida para a administração da ordem pública. Cabe àquela acostumar o corpo a justiça de proporções, fazendo-lhe temperante e avesso às doenças. “Os guardiães deverão possuir uma saúde tão boa que possam adaptar-se às mudanças de alimentação, de bebida, de clima, sem prejuízo dela.” (Teixeira, 1999, p. 82).

    Contudo, será em Leis que Platão (2012) efetivamente assumirá um tom mais propositivo, afirmando que a ginástica não deve prescindir de manter intenso diálogo com a dança e as lutas. No entanto, isso não significa o fechamento dela ao contato com outras manifestações atléticas. Especificamente com relação ao aprendizado das lutas, Brandão (1997) mostra que semelhante procedimento se fazia presente na mitológica preparação dos heróis: malgrado o domínio das técnicas de enfrentamento corporal com e sem armas constituir o principal atributo da sua educação física, estes também tinham aulas de corridas e equitação.

    Em resumo, que conclusões parciais essa breve exposição endereça? Que, em essência, a ginástica interage desde suas origens com as lutas com e sem armas, a dança, a equitação, as massagens e os hábitos de higienização. Tal veredicto é interdisciplinar e abalizado por informações colhidas junto à filosofia, mitologia comparada, história das religiões e arqueologia. Além disso, nunca é demais lembrar a advertência de Platão sobre a possibilidade de abertura da ginástica ao contato com eventuais manifestações da cultura corporal de movimento que não as elencadas acima.

    Como observação adicional, urge pontuar que a ginástica figurava, no antigo mundo grego, como conteúdo de saberes dotados das mais diferentes características epistêmicas, com destaque para as Místicas Religiosas, a Medicina, o Direito, as Artes e a Metafísica.

A ginástica na época moderna

    Pode-se dizer que, depois do período grego, outro momento igualmente importante para a ginástica foi o alvorecer da época moderna. De acordo com os apontamentos de Ayoub (2003), o século XIX assistiu ao aparecimento de um dos acontecimentos mais significativos da história da educação física, o Movimento Ginástico Europeu. Entendido como um vasto processo de sistematização técnica e científica das práticas corporais típicas da cultura medieval, com destaque para o funambulismo, a mímica cênica, os jogos aristocráticos palacianos e as artes mambembes, esse Movimento se deu a fim de que a ginástica se tornasse universalmente disseminada à vista do alcance de objetivos utilitários (preparação do corpo para o trabalho); pedagógicos (educação da vontade); terapêuticos (incremento do funcionamento biológico dos tecidos e correções posturais); sócio-profiláticos (separação dos deficientes físicos); militares (treinamento para a guerra) e ideológico-nacionalistas (enaltecimento dos valores pátrios).

    A partir do Movimento Ginástico Europeu, cujos principais núcleos de referência foram as escolas sueca, francesa e alemã, é que tiveram início as primeiras iniciativas destinadas a conferirem algum tipo de demarcação identitária ao movimento gímnico. Desde então, pouco a pouco as marchas, saltos, saltitos, corridas, volteios, ondulações, giros, balanceamentos, aduções, abduções, flexões, extensões e rolamentos vieram a se tornar, com ou sem o auxílio de aparelhos, os fatores qualificativos dos atos motores propriamente gómnicos. Até os dias atuais, para uma atividade ser denominada de ginástica, combinações de tais elementos devem estar presentes.

    No início do século XX, os caminhos da ginástica definitivamente se cruzaram com os do esporte de origem inglesa. Por esporte, entenda-se o processo de sistematização de inúmeras atividades corporais da cultura aristocrática britânica de origem medieval, no interior dos quais regras universais de prática acabaram elaboradas; órgãos colegiados de gestão instituídos; competições locais, nacionais e internacionais fomentadas e regulamentações jurídicas formalizadas. Na interpretação de Defrance (2008), esse cruzamento fertilizou uma complexa dinâmica de “esportivização” da ginástica, que perdura até os tempos contemporâneos, como será visto adiante. Para se levantar os eventos mais relevantes da gênese da ginástica moderna cuja sucessão levou a tal “esportivização”, vejamos os seguintes marcos de memória.

    No ano de 1816, teve lugar a criação da Livre Associação de Ginástica de Berlim, no rastro do pensamento iluminista que antevia na reformulação das relações humanas em bases racionais um ideário de emancipação humana (Nahrstedt, 1984). Por volta de 1860, no âmago do Movimento Ginástico Europeu, a maioria das associações existentes até então na Europa, inspiradas no original ideário da Livre Associação de Ginástica de Berlim, resolveram se unificar sob a forma de Federações Nacionais, até que em 1881 veio à baila a Federação Européia de Ginástica (FEG), composta por Bélgica, Holanda e França. Em 1897, o então presidente em exercício da FEG, Nicolas Cuperus, declara que as competições internacionais e nacionais de ginástica, a fim de que se descubram os praticantes mais aptos, são importantes e devem mesmo ser estimuladas, mas mais ainda devem ser os festivais gímnicos para pessoas de todas as idades, etnias e condição atlética. No ano de 1921, com a incorporação dos Estados Unidos da América, a FEG torna-se FIG (Federação Internacional de Ginástica). Na década de 30, a FIG assume-se frontalmente como promotora das ginásticas competitivas, nos moldes do esportivismo inglês.

    Consoante essa opção, a FIG notabilizou-se inicialmente pela disseminação da ginástica artística masculina principalmente na Europa. A partir dos anos 40, o raio de ação da entidade alargou-se, pois a mesma passou a administrar e a divulgar outras modalidades de ginástica esportiva, como a ginástica rítmica, o trampolim acrobático, o mini-tramp, etc.

Um capítulo à parte: a ginástica brasileira e a capoeira

    Por mais que o núcleo originário do Movimento Ginástico Europeu tenha sido o Velho Continente, as idéias que lhe conferiam fundamentação transcenderam suas fronteiras e vieram a fazer eco no território brasileiro durante a segunda metade do século XIX. Assim, cabe tecer alguns breves comentários sobre a receptividade desse ideário no cenário da educação física nacional.

    Proclamada a independência do Brasil, iniciou-se um amplo consórcio de medidas destinadas a eliminar quaisquer laços sócio-culturais que por ventura ainda pudessem manter a nova nação atada a ex-metrópole Portugal. Dentre essas medidas, a nacionalização da educação era considerada de crucial importância estratégica.

    Durante a sessão da Assembléia Nacional Constituinte de 4 de junho de 1823, o deputado pela província de Minas Gerais, Padre Belchior Pinheiro de Oliveira, em nome da comissão de instrução pública, leu uma proposta convidando intelectuais brasileiros a elaborarem um tratado completo de educação. Em resposta, o Sr. José Mariano de Albuquerque Cavalcanti, deputado pela província do Ceará, apresenta a seguinte emenda ao projeto:

    1° - a pessoa que apresentar no prazo de um ano contado da promulgação desse projeto, um PL, ano de educação física, moral e intelectual, se for cidadão do Brasil, será declarado benemérito da Pátria e como tal, atendido aos postos e empregos nacionais, segundo a sua classe e profissão; se for estrangeiro ou cidadão do Brasil, dar-se-lhe-á uma medalha distintiva;

    2° - criar-se-á um segundo prêmio pecuniário para aquele que apresente um plano de educação somente física, moral ou intelectual. (Marinho, 1984, p. 148).

    Após vários debates e votações, o projeto acabou submetido a um grande número de emendas, o que contribuiu para seu arquivamento.

    Em 1907, surge o primeiro esboço de proposição de uma ginástica brasileira com a publicação do opúsculo “O guia do Capoeira ou Ginástica Brasileira”, apresentado pelo autor desconhecido O.D.C. Onze anos depois, em 1928, aparece mais uma tentativa de fazer da capoeira a ginástica nacional: Aníbal Burlamaqui publica o trabalho intitulado “Ginástica Nacional (Capoeiragem) Metodizada e Regrada”.

    Essa idéia de um Método Nacional de Educação Física prossegue viva até a década de 40. Em 1946, Inezil Penna Marinho, chefe da seção pedagógica da Divisão de Educação Física do extinto Ministério da Educação e Saúde publica “Condições a que deverá satisfazer um Método Nacional de Educação Física”. Malgrado sua originalidade, a proposta não ressoou nos meios educacionais brasileiros, dada a grande influência dos métodos de origem estrangeira, notadamente o sueco e o francês.

    Quase quarenta anos depois, em 1980, o autor retoma a idéia de formalizar um método calcado na capoeira. Sua justificativa não era outra senão a necessidade da invenção de uma ginástica condizente com as memórias, valores, temperamento e tradições do povo brasileiro, a exemplo do que aconteceu na Suécia, Áustria, Alemanha, Dinamarca e França.

    Dizia Inezil Penna Marinho que a capoeira consistia num elemento típico do folclore nacional, e sendo o folclore a mais fidedigna manifestação da espontaneidade criativa de um povo, ele dialeticamente espelhava as suas bases morais. Portanto, exercer a sua vivência possibilitava um auto-reconhecimento da identidade do povo brasileiro, argumentava o autor. Na sua ótica, metaforicamente o folclore era a “alma” de um povo. Em decorrência, a proposição de um método gímnico assente na capoeira possuía motivos que ecoavam prerrogativas de cunho biológico (fortalecimento do corpo); psicológico (amadurecimento da personalidade); sociológico (construção de uma comunidade de ações e pensamentos); histórico (conhecimento da tradição) e filosófico (abertura ao pedagogicamente diferenciado).

Os tempos contemporâneos

    Nas duas últimas décadas do século XX e na primeira do século XXI, ocorreu uma verdadeira diversificação da quantidade de manifestações gímnicas existentes em todo o mundo. Por mais que novas metodologias, objetivos e pressupostos teóricos tenham vindo a reboque desse acontecimento, é mister reiterar que tal ampliação de horizontes igualmente se dá em estrito diálogo com muitas outras manifestações da cultura corporal de movimento.

    Em um estudo de mapeamento, Paoliello (2011) detecta a vigência de cinco grandes categorias gímnicas na sociedade contemporânea nos últimos trinta anos. Tais categorias, com exemplos das respectivas atividades que compreendem, são:

  • Ginásticas de Consciência Corporal: anti-ginástica; eutonia; bioenergética; tai-chi-chuan; Feldenkrais.

  • Ginásticas Fisioterapêuticas: reeducação postural global; Pilates; cinesioterapia; isostrechting.

  • Ginásticas de Performance Competitiva: ginástica artística; ginástica rítmica desportiva; ginástica aeróbica; trampolim acrobático; mini-tramp; tumbling.

  • Ginásticas de Demonstração: ginástica geral.

  • Ginásticas de Condicionamento Físico: ginástica muscular localizada; hidroginástica; step; aero-boxe.

    Sem querermos entrar no mérito dessa tipologia classificatória, mas ao mesmo tempo admitindo sua validade no que concerne a existência de múltiplas tendências gímnicas nos tempos contemporâneos, cumpre tecer alguns breves comentários.

    As ginásticas de conscientização corporal subentendem propostas gímnicas alternativas. Se elas pudessem ser condensadas em apenas um substantivo, o mais adequado seria “suavidade” (Lacerda, 1995; Lacerda, 2001). Os referencias teóricos a lhes darem sustentação conceitual não se alinham com o paradigma biológico-positivista; antes, são eminentemente interdisciplinares e vinculados à psicanálise, psicologia e místicas orientais. Dentre elas, vale a pena sublinhar a adaptação da Hatha-Yoga (a Yoga da austeridade) para fins ginásticos, a qual parte de uma reconfiguração dos asãnas, que são as posturas corporais mítico-religiosas da tradição hindu.

    As ginásticas fisioterapêuticas mostram-se nitidamente dirigidas a finalidades biomédicas. Baseadas no emprego de máquinas e aparelhos eletrônicos, elétricos e mecânicos, elas primam pelas combinações de atos motores do tipo adução, abdução, circundução, rotação e extensão enquanto meios de correção ortopédicos.

    Em se tratando das ginásticas de condicionamento físico, deve-se salientar que a Hidroginástica presume movimentos gímnicos em meio aquoso acrescidos do complemento de técnicas esportivas oriundas da natação, pólo aquático e nado sincronizado (palmateios, batidas de pé, mergulhos e flutuação). Nota-se aqui, novamente, indícios de uma retomada da interação com o esporte, a qual também está presente no aero-boxe (ginástica com habilidades motoras do pugilismo) e no spinning (ginástica que simula ciclismo e mountain-bike).

    Por fim, tem-se o caso da ginástica geral, colocada por Paoliello (2011) na classe das ginásticas de demonstração. A ginástica geral alude a uma forma de exercitação gímnica cujas diretrizes são a ausência de competitividade; a busca do prazer; o fomento ao lazer e a socialização de pessoas (Ayoub, 2003). Praticando-a, indivíduos tanto podem incrementar sua saúde e bem estar como construírem novas relações intersubjetivas. Não havendo restrições quanto a executá-la com ou sem aparelhos, a ginástica geral reconhece que é importante manter contatos com o esporte; jogos populares; atividades rítmicas e de expressão corporal e manifestações folclóricas.

    A prática da ginástica geral é reconhecida pela Federação Internacional de Ginástica (FIG) desde a década de 50, malgrado sua vocação declarada para as ginásticas competitivas. A grande prova é a sua alocação em um departamento específico, o departamento de ginástica geral. Apenas a FIG, dentre todas as outras federações esportivas nacionais e internacionais, possui setor para uma modalidade não competitiva.

    Onde então praticá-la? Em função mesmo dos seus amplos graus de liberdade, ela é executável em clubes, salões, áreas verdes, ginásios e quaisquer instalações adaptáveis aos seus fins. No seu âmbito, as trocas de informações com outros adeptos geralmente ocorre em festivais, cujo evento majoritário são as “Gymnaestradas”. Atualmente, a ginástica geral está em vias de modificar sua denominação para “ginástica para todos”.

Considerações finais

    Considerado o panorama exposto, que conclusões aduzir dele? Em linhas gerais, a tese apresentada no início da exposição foi a de que os exercícios gímnicos interagem continuamente com outras manifestações da cultura corporal de movimento humano desde seus primórdios. Além disso, a história da educação física e esportes mostra que diversas abordagens teóricas tematizaram questões ligadas aos atos gímnicos. Na Grécia antiga, por exemplo, a filosofia, a mitologia e a religião discorreram sobre a importância da prática deles. Em tal período, era nítida a sua proximidade com as lutas, a dança (Platão), as massagens, o tiro com arco e a equitação. Todavia, isso não significava seu fechamento para outras formas de manifestação atlética.

    No alvorecer da Era Moderna, temos outro momento histórico igualmente relevante, onde ginástica e tecno-ciência iniciam uma interação duradoura. Nesse novo momento, a ginástica também começa a construir vínculos com o funambulismo, as artes cênicas e os mambembes. Também nos primórdios da modernidade, a ginástica começou a se esportivizar e a adquirir uma identidade definitiva em termos da natureza dos seus movimentos: saltos, saltitos, passadas, corridas, ondulações, posturas de equilíbrio, volteios, giros, rolamentos, etc.

    Na atualidade, nota-se um estreitamento dos seus vínculos com outros saberes de origem não científica (psicanálise; místicas religiosas) e mesmo com conteúdos culturais diferenciados (hatha-yoga; tai-chi-chuan; danças folclóricas; jogos populares), além, é claro, dos esportes.

    Sumarizando, a exposição realizada autoriza dizer que a ginástica, desde seus primórdios, constituiu-se como atividade aberta ao contato com outras manifestações motoras edificadas no decorrer da cultura. Ao que parece, é lícito admitir que essa tendência ainda continua vigendo. Ainda, os saberes empregados para pensá-la nestas interfaces multidisciplinares derivam de epistemes não necessariamente científicas.

    E quanto ao futuro? Apesar das dificuldades e dos riscos de se proceder qualquer previsão, verifica-se nos dias de hoje alguns encontros da ginástica com o universo digital da cibercultura, entendida como o conjunto de experiências e vivências situacionais humanas mediadas pelas redes comunicativas computadorizadas (Lévy, 1999). Já existem cartuchos de videogames e mesmo simuladores cujos conteúdos são os movimentos gímnicos. Portanto, é lícito admitir que essa vertente irá acrescer em importância nos próximos tempos, pelo fato de que, enquanto linguagem corporal, a ginástica mostra sua propensão a renovar-se incorporando a si conteúdos de outros contextos lingüísticos.

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