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Associação entre estrogênio circulante e lesão do

ligamento cruzado anterior em mulheres atletas

Relación entre el estrógeno circulante y la lesión del ligamento cruzado anterior en mujeres deportistas

 

Educador Físico. Especialista em Cinesiologia

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Aluno do programa de pós-graduação (Mestrado) em Bioquímica

da Fundação Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)

Leandro Cattelan Souza

leandrocattelan@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A maioria das lesões do ligamento cruzado anterior (LCA) nos esportes ocorre em situações de não-contato e em tarefas motoras bem determinadas. Ações de desaceleração e mudanças de direções são os eventos mais responsáveis por injúrias do LCA. Do ponto de vista hormonal, as mulheres estão sujeitas a flutuações hormonais que seriam responsáveis por um maior comprometimento das propriedades mecânicas do LCA, expondo-as a um maior risco de injúria ligamentar. Nesse contexto, os períodos onde as mulheres estariam mais suscetíveis seriam o pré-ovulatório e na fase lútea, os quais os níveis séricos tanto de estrogênio quanto de progesterona encontram-se mais elevados. No entanto, outros fatores precisam ser levados em consideração na maior predisposição de mulheres a acometimentos do LCA, como a anatomia e alinhamento biomecânico de membros inferiores. O propósito deste trabalho é investigar a implicação do estrogênio circulante nas lesões de LCA de mulheres atletas.

          Unitermos: Lesão LCA. Mulheres atletas. Estrogênio.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 167, Abril de 2012. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    A maioria das lesões do ligamento cruzado anterior (LCA) nos esportes ocorre em situações de não-contato e em tarefas motoras bem determinadas (YU et al., 2002).

    Em termos patomecânicos, ações motoras de desaceleração e mudanças de direções são os eventos mais responsáveis por injúrias do LCA (RENSTROM et al. 2008).

    Em esportes como futebol, voleibol e basquetebol, as mulheres possuem uma maior incidência de acometimento que seus semelhantes masculinos, chegando à proporção de 8:1 no basquetebol (PEARL, 1993). Holschen (2004) aponta que essa disparidade possui origem multifatorial, constituída por aspectos como debilidade da musculatura protetora do joelho, endocrinologia e técnicas de aterrissagem.

    Remstrom et al. (2008) advogam que os riscos de lesão do LCA devem ser considerados segundo fatores internos e externos. Aqueles se referem a componentes de ordem anatômica, hormonal e neuromuscular; estes dizem respeito ao tipo de competição, de calçado e de superfície.

    Do ponto de vista hormonal, as mulheres estão sujeitas a flutuações hormonais que seriam responsáveis por um maior comprometimento das propriedades mecânicas do LCA, expondo-as a um maior risco de injúria ligamentar (LIU et al., 1997; WOJTYS et al.; 1998; YU et al, 1999; BEYNNON et al., 2006; ZAZULAK et al., 2006; HEWETT et al., 2007).

    O propósito deste trabalho é investigar a implicação do estrogênio circulante nas lesões de LCA de mulheres atletas.

2.     Revisão literária

    As mulheres, em geral, possuem maior frouxidão anterior do joelho do que os homens, com sinais de lassidão ocorrendo apenas em adultos, não sendo evidenciado em pré-adolescentes (SHULTZ et al., 2005).

    A maior lassidão do joelho é inclusive reportada após reconstruções cirúrgicas do ligamento cruzado anterior e uma possível explicação seria o remodalamento do tendão-ligamento ocorrendo a expensas do balanço protéico estrogênio e progesterona dependentes (SLAUTERBECK et al., 2002). Nesse sentido, as mulheres são expostas a uma flutuação rítmica dos hormônios endógenos durante o ciclo menstrual, com os valores circulantes de estrogênio e progesterona variando durante o decurso cíclico (SHULTZ et al., 2005).

    Em condições fisiológicas, os valores do estrogênio circulante aumentam durante a fase folicular e atingem um pico plasmático na fase pré-ovulatória, voltando a baseline após a ovulação. Na fase lútea, aumenta novamente em conjunto com a progesterona, alcançando outro pico nesta fase. Durante a menstruação ambos os hormônios permanecem em baixas concentrações (SLAUTERBECK et al., 2002).

    Liu et al. (1996) encontraram receptores de estrogênio em espécimes de LCA utilizando método imunohistoquímico. Os receptores foram encontrados em sinoviócitos, membrana sinovial, no estroma e nas paredes vasculares do ligamento. Nesse particular, Yu et al. (1999) encontraram um efeito dose-dependente de estrogênio exógeno em LCA de humanos. Os achados indicaram decréscimo na proliferação fibroblástica e síntese de procolágeno. Similarmente, Liu et al. (1997) testando o efeito da administração 0.0029, 0.025, 0.25, 2.5 e 25 ng/ml de estrogênio no LCA de coelhos evidenciaram alterações no metabolismo do ligamento. As reduções da síntese de colágeno e proliferação de fibroblastos ocorreram em magnitudes superiores nas maiores dosificações.

    Diante destas constatações, estudos atentaram para a investigação da fase do ciclo menstrual a qual as mulheres atletas estariam mais suscetíveis.

    Wojtys et al. (1998) entrevistaram 28 atletas que se encontravam em fase aguda de lesão do LCA. Os resultados apontaram para uma associação positiva entre o estágio do ciclo menstrual e a injúria ligamentar (p<0,03). Particularmente, a fase menstrual que apresentou maior índice de lesão foi a fase ovulatória (10º ao 14º dia), com poucas injúrias ocorrendo na fase folicular. Beynnon et al. (2006) em um estudo de caso-controle utilizaram dois instrumentos de avaliação em esquiadoras recreacionais alpinas imediatamente após lesão do LCA: (i) questionário sobre histórico menstrual e (ii) análise de progesterona sérica para determinar se as atletas se encontravam na fase pré ou pós-ovulatória. Não foram encontradas diferenças significativas no histórico menstrual (p=0,86); no entanto, a progesterona sérica revelou que as esquiadoras que estavam na fase pré-ovulatória estavam mais suscetíveis à lesão do LCA em comparação às esquiadoras que se encontravam na fase pós-ovulatória (odds ratio, 3.22; intervalo de confiança de 95%, 1.09–9.52; p = 0,27).

    Reciprocamente, Slauterbeck et al. (2002) instrumentalizaram um questionário para 38 atletas que tiveram recente injúria de LCA. Para confirmar as fases do ciclo menstrual apontadas, valeram-se de análise salivar de hormônios sexuais. Os autores, diferentemente dos estudos de Wojtys et al. (1998) e Beynonn et al. (2006), encontraram um número significativo de injúrias ocorrendo nos dias 1 e 2 do ciclo menstrual, com os níveis hormonais estando significativamente correlacionados a estes dias (estrogênio r= 0,73 e progesterona r = 0,72; α=0,01).

    Shultz et al. (2005) compararam a lassidão (deformabilidade) e a stiffness (rigidez) do joelho entre homens e mulheres com ciclo menstrual regular. Os autores lançaram mão de coletas hormonais (estrogênio, progesterona e testosterona) e teste de estabilidade dinâmica do joelho usando um artrômetro de joelho KT 2000. Os resultados mostraram que as mulheres possuíam mais frouxidão de joelho que os homens (p = 0,023), assim como os maiores resultados coincidiram com significantes elevações do estrogênio sérico. Nesse sentido, as mulheres apresentaram maior lassidão do que os homens no 5º dia após a menstruação, nos 3-5 dias próximos à ovulação, dias 1-4 da fase lútea inicial e dias 1, 2, 4 e 5 da fase lútea tardia. Na relação intermulheres, a lassidão do joelho foi maior na fase lútea inicial. Não houve diferenças estatisticamente significativas na stiffness anterior do joelho entre os sexos.

    Estes achados coincidem com as flutuações hormonais do ciclo menstrual, havendo aí uma importante correlação do aumento do estrogênio circulante (fases pré-ovulatória e lútea) com a lassidão do joelho.

    Em última análise, muito embora se tenha evidenciado uma associação entre o estrogênio circulante e lesões do LCA em mulheres atletas, os estudos aqui apresentados valeram-se de métodos que usaram ou questionários e análises hormonais ou teste estático de lassidão do joelho paralelamente à análise endócrina; isto significa que, perdem em fidedignidade na medida em que há uma grande possibilidade de erros na resposta do histórico menstrual e em razão de a patomecânica do LCA ocorrer em eventos dinâmicos e não estáticos.

3.     Considerações finais

    A maioria dos estudos analisados mostrou haver uma associação entre o estrogênio circulante e lesões do LCA em mulheres atletas. Embora ainda não haja consenso sobre esta relação endócrino-ligamentar, é deveras plausível que alterações das propriedades biomecânicas do LCA ocorram durante o ciclo menstrual.

    Nesse contexto, os períodos onde as mulheres estariam mais suscetíveis seriam o pré-ovulatório e na fase lútea, os quais os níveis séricos tanto de estrogênio quanto de progesterona encontram-se mais elevados.

    No entanto, outros fatores precisam ser levados em consideração na maior predisposição de mulheres a acometimentos do LCA, como a anatomia e alinhamento biomecânico de membros inferiores.

    Renstrom et al. (2008) reportam que as mulheres possuem menor tamanho de sulco troclear, o que disponibilizaria um espaço mais reduzido para o LCA, facilitando pinçamentos fêmuro-tibiais sobre este.

    Não obstante, os mesmos autores citam que as mulheres possuem um LCA geometricamente inferior quando normalizado para índice de massa corporal, assim como possuem maior ângulo Q.

    Em vista desta maior predisposição, medidas devem ser tomadas. Holschen (2004) aponta para a importância do treinamento de força de quadríceps e isquiotibiais, treinamento pliométrico e de agilidade e equilíbrio, citando inclusive, o controverso uso de anticoncepcionais orais.

    Ademais, sustenta para a mudança da técnica dos gestos esportivos, principalmente nos gestos inadequados de apoio plantar, cortadas e rotação do joelho em posição flexionada.

    Mais investigações são necessárias para comprovar com mais acurácia a fase do ciclo menstrual na qual as mulheres atletas estariam mais propícias à injúrias do LCA, assim como correlacionar testes dinâmicos que reproduzam a patomecânica de lesão deste ligamento com os níveis circulantes de hormônios sexuais.

Referências

  • Beynnon BD et al. The relationship between menstrual cycle phase and anterior cruciate ligament injury. A J Sports Med. 2006; 34:757-764.

  • Hewett TE, Zazulak BT, Myer GD. Effects of the menstrual cycle on anterior cruciate ligament injury risk: a systematic review. Am J Sports Med. 2007; 35:659-68.

  • Holschen JC. The female athlete. Southern Med J. 2004; 97:852-858.

  • Liu SH et al. Estrogen affects the cellular metabolism of the anterior cruciate ligament. Am J Sports Med. 1997; 25:704-709.

  • Liu SH, al-Shaikh R, Panossian V, Yang RS, Nelson SD, Soleiman N, Finerman GA, Lane JM. Primary immunolocalization of estrogen and progesterone target cells in the human anterior cruciate ligament. J Orthop Res. 1996; 14:526-33.

  • Pearl AJ. The Athletic Female. Human Kinetic Publishers; 1993:302–303.

  • Renstrom P et al. Non-contact ACL injuries in female athletes: an International Olympic Committee current concepts statement. Br. J. Sports Med. 2008; 42:394-412.

  • Shultz SJ et al. Sex differences in knee joint laxity change across the female menstrual cycle. J Sports Med Phys Fitness. 2005; 45:594–603.

  • Slauterbeck JR et al. The menstrual cycle, sex hormones, and anterior cruciate ligament injury. J Athl Train. 2002; 37:275–280.

  • Wojtys EW et al. Association between the menstrual cycle and anterior cruciate ligament injuries in female athletes. Am J Sports Med. 1998; 26:614-619.

  • Yu B et al. Anterior Cruciate Ligament Injuries in Female Athletes: Anatomy, Physiology, and Motor Control. Sports Med Arth Rev. 2002; 10:58-68.

  • Yu WD, Liu SH, Hatch JD, Panossian V, Finerman GA. Effect of estrogen on cellular metabolism of the human anterior cruciate ligament. Clin Orthop Relat Res. 1999; 366:229-38.

  • Zazulak BT, Paterno M, Myer GD, Romani WA, Hewett TE. The effects of the menstrual cycle on anterior knee laxity: a systematic review. Sports Med. 2006; 36:847-62.

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