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Estudo das abordagens metodológicas no 

processo de ensino - aprendizagem - treinamento 

das equipes do futebol cearense na categoria sub 15

Estudio de los abordajes metodológicos en el proceso de enseñanza-aprendizaje 

y entrenamiento de los equipos de fútbol de Ceará en la categoría sub 15

 

*Autor. UFC/IEFES

**Orientador. UFC/IEFES/NEPEC

Núcleo de Estudos e Pesquisa em Esportes Coletivos (NEPEC)

Instituto de Educação Física e Esportes (IEFES)

Universidade Federal do Ceará

Francisco Márcio da Silva Freitas*

Prof. Ms. Otávio Nogueira Balzano**

otaviobalzano@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A formação e a revelação de novos atletas através das categorias de base representam, para os clubes de futebol, uma alternativa no que se refere à rentabilidade e à preparação de jogadores para as equipes profissionais. Neste sentido, é necessário investigar de que maneira este processo de formação é conduzido pelos técnicos. Assim, o objetivo deste estudo consistiu em verificar e analisar os aspectos didáticos e metodológicos utilizados por estes profissionais na categoria sub-15, bem como o perfil dos mesmos e seus objetivos e aspirações em relação às suas equipes. Foram investigados os treinadores das equipes sub-15 de três clubes de Fortaleza com trabalho regionalmente reconhecido na revelação de atletas. Para tanto, foi realizada o registro de duas sessões de treinos aleatórios realizados por cada treinador, e também uma entrevista semiestruturada com cada técnico. Os resultados obtidos apontaram para uma metodologia predominantemente empírica por parte dos treinadores, os quais são desprovidos de formação científica. Basicamente, os mesmos demonstraram grande tendência à utilização do princípio analítico de ensino do futebol, mas sem deixar de empregar suas experiências adquiridas ao longo dos anos. Além disso, citam a formação de atletas como objetivo principal de seu trabalho. Desta forma, concluiu-se que os treinadores possuem um limitado conhecimento científico a respeito do processo de ensino-aprendizagem e treinamento no futebol, podendo este ser um dos fatores da dificuldade de revelação de novos talentos e de obtenção de bons resultados nacionalmente.

          Unitermos: Futebol. Categoria sub-15. Metodologia de treinamento.

 

Abstract

          Training and development of new athletes by the base categories represent an alternative for profitability and preparation of players for professional teams in soccer clubs. Therefore, investigating how this process is conducted by the coaches becomes necessary. This study aimed to verify and analyze the didactic and methodological aspects used by these professionals in u-15 category, as well as the profile of them, and their goals and aspirations for their teams. Coaches of u-15 teams of three clubs of Fortaleza, with regionally recognized work in the development of athletes, were evaluated. For this purpose, an observation and recording of two random training sessions managed by each coach were performed, as well as semi-structured interviews with each of them. The results indicated a predominantly empirical methodology used by the coaches, devoid of scientific formation. Basically, they expressed great tendency to use the analytical principle of soccer teaching, but using their experience gained over the years. Besides, they mentioned the revelation of new players as the main goal of their work. It’s concluded the coaches have a limited theoretical knowledge about the teaching - learning - training process; this factor may represent a difficulty in revealing new soccer talents and obtaining good results at national level.

          Keywords: Soccer. U-15 category. Training methodology.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 166, Marzo de 2012. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    A formação de novos jogadores dentro das equipes de futebol é uma tendência crescente nos últimos anos, e uma preocupação cada vez maior dos clubes brasileiros. A preparação tática, técnica e física dos jovens futebolistas nas categorias de base dos clubes formadores, têm sido salientadas visando à preparação dos mesmos para competições locais e/ou nacionais e sua rápida projeção para os quadros profissionais, ou, alternativamente, possíveis negociações com outras associações nacionais e do exterior, como forma de manutenção e saneamento das finanças das instituições. De qualquer forma, seja qual for o objetivo do trabalho de base, essa “lapidação” de novos talentos representa uma alternativa para os clubes, e, como não poderia deixar de ser, isto também se estende aos principais equipes cearenses. Sabe-se que a manutenção e o planejamento satisfatórios de uma estrutura de categorias de base podem ser cruciais tanto para os jovens atletas quanto para o clube. Alguns fatores exercem influência sobre isso, como a qualificação dos profissionais que atuam nesta área, como técnicos, auxiliares e preparadores físicos. Mas o quanto estes profissionais estão qualificados? Qual seu nível de formação? Será que os métodos por eles utilizados satisfazem as metas das equipes? Até onde estes profissionais conseguem enxergar as potencialidades de seus atletas, a fim de oferecer um trabalho adequado para a faixa estaria que estão trabalhando? Dependendo da abordagem metodológica de ensino - aprendizagem - treinamento que se adota nesse objetivo de revelação de jogadores, isso pode possibilitar aos jovens uma incorporação mais rápida do conceito de atleta, habituando-se a uma vida regrada e disciplinada, com treinos em horário integral e preparações específicas, sem contar com o aprimoramento dos aspectos técnicos e consolidação das noções táticas. Por outro lado, pode ser algo prejudicial ao pleno desenvolvimento psicossocial e motor, já que eles são obrigados, desde cedo, a conviver com todas as dificuldades, responsabilidades e pressões atribuíveis tipicamente a jogadores profissionais, como a busca constante pelos resultados positivos e pelo melhor desempenho possível, tanto física quanto tecnicamente. Segundo Brüggemann (2004), certas carências no chamado treinamento de base podem ocasionar, posteriormente, limitações no rendimento, que não são recuperáveis de forma plena. Também há de ser citado o desejo de êxito a qualquer custo (GRECO; BENDA; RIBAS, 2007) e de uma exacerbada valorização do primeiro lugar, proveniente dos dirigentes de clubes e até mesmo de alguns familiares e treinadores. Tudo isso pode se transformar em algo determinante no desenvolvimento da autonomia e da criatividade dos jovens, além de interferir no aspecto psicológico, inclusive para além do campo desportivo. Ainda persiste fortemente o conceito de que treinamento é sinônimo de sofrimento, idéia herdada do militarismo, citado por Lopes e Silva (2009). É claro que a melhoria da aptidão física e das capacidades técnicas é o objetivo geral do treinamento, dentro de um planejamento didático coerente e organizado em conteúdos, objetivos, capacidades (JUAN; LÓPEZ; ANDÚJAR, 2001); mas o prazer e a motivação da prática da modalidade não podem ser colocados em último plano. Neste sentido a pesquisa pretendeu verificar se as abordagens metodológicas utilizadas no processo ensino - aprendizagem – treinamento estão adequados para categoria sub-15 nas principais equipes formadoras do futebol cearense.

2.     Metodologia

    A pesquisa caracterizou-se por ser transversal descritiva, do tipo qualitativo.

2.1.     Clubes investigados

    Os locais de estudo consistiram em três clubes formadores de atletas no futebol cearense. Foram entrevistados os treinadores das respectivas equipes na categoria sub-15 de cada clube.

2.2.     Critérios de escolha da categoria sub-15

    Através desta oportunidade, da influência familiar e do próprio anseio profissional, surgiu o interesse no aprofundamento do trabalho realizado por outros profissionais do futebol com esta faixa etária. Também foi determinante na escolha o fato de as equipes da categoria sub-15 estarem em plena fase de preparação para o Campeonato Cearense. Outro fator importante incorre que a categoria sub-15 consiste na classe mais sujeita às mais diferentes metodologias de trabalho (EIBMANN et al., 1998; TORRELLES; ALCARAZ, 2000; FILGUEIRA, 2004; BARBANTI, 2005), por situar-se em uma faixa etária intermediária das categorias de base do futebol.

2.3.     Instrumentos e métodos

    Foram utilizadas entrevistas semiestruturadas para os treinadores das categorias sub-15, como forma de investigar a formação destes profissionais e suas metodologias de trabalho, seus objetivos dentro do trabalho e suas projeções. Foram observados dois treinos de cada equipe, totalizando seis treinos. Os mesmos foram registrados através de anotações descritivas em um caderno (diário de campo), de uma ficha de observação de treino, adaptada do instrumento criado por Lopes e Silva (2009, p. 285 e 287), e de uma ficha de predominância dos métodos de treino, baseado no estudo das abordagens de ensino dos jogos desportivos de Garganta (1995, p.20). É importante mencionar que os treinos foram observados de forma aleatória, ou seja, sem conhecimento prévio do tipo de treino que seria aplicado e das atividades que seriam realizadas (sendo necessário apenas confirmar, junto aos técnicos, locais e horários de forma antecipada).

3.     Análise e discussão de dados

    As análises das informações foram realizadas a partir dos dados obtidos através das entrevistas semiestruturadas com os treinadores das três equipes escolhidas e das observações obtidas nos treinamentos destas equipes, conforme registros efetuados, e tendo como referência o marco teórico da pesquisa. As entrevistas e as observações foram realizadas no período de Outubro a Novembro de 2011. As entrevistas serviram como suporte para uma delimitação de algumas características dos treinadores. Já as fichas de observação de treino e de predominância de abordagem, bem como os registros em diário de campo, forneceram um panorama de utilização de determinadas estratégias pedagógicas por parte dos treinadores na preparação de suas equipes. Todos os dados serão abordados usando-se a seguinte relação (quaisquer outros elementos serão identificados com as letras referentes a seus respectivos clubes): Clube A – Treinador A; Clube B – Treinador B; Clube C – Treinador C.

3.1.     Categorias de análise

    Os dados coletados permitiram que as informações e análises fossem organizadas, conforme (Berwanger, 2005 apud Balzano, 2008), nas seguintes categorias:

  • Perfil dos técnicos;

  • Metodologia de treino dos técnicos;

  • A realidade de trabalho nos clubes.

3.1.1.     Perfil dos técnicos

    Diversas características podem ajudar a compreender o perfil de um treinador. O fato de ele possuir formação acadêmica em Educação Física ou não, o tempo de experiência e suas referências e espelhos dentro da profissão, bem como seus objetivos, ajudam a analisar os aspectos que compõem este perfil.

    Nunca pensei nisso. Já estou perto de me aposentar. O clube sempre prometeu me mandar pra outros estados, pra fazer cursos, mas a verdade é que isso nunca aconteceu (técnico A).

    Já pensei nisso, e pretendo ir em busca disso ano que vem. Sim, fiz alguns (cursos extracurriculares). Um deles foi pelo Sindicato dos Treinadores Profissionais do Rio de Janeiro, outro foi na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Sempre a gente procura se aprimorar (técnico B).

    Concluí um curso de dez meses que me credenciou para trabalhar com futebol, pelo CREF, dado pela AGAP. Sou treinador de futebol, quero atuar especificamente nesta área. Não trabalho com educação física, por isso sempre quero ter alguém formado trabalhando comigo. Fiz vários cursos. Fiz um curso em Portugal, e fiz dois aqui proporcionados também pela AGAP (técnico C).

    Nenhum dos treinadores, segundo o relatado acima, possui formação acadêmica em Educação Física. Algo que seria de grande importância em categorias de base, já que, segundo Lopes e Silva (2009), profissionais formados conheceriam melhor as metodologias de ensino apropriadas e seriam mais capazes de aplicá-las, com todo o conhecimento científico e pedagógico adquirido. No entanto, o treinador B ainda busca uma preparação teórica, tanto que ainda pretende cursar Educação Física, além de já ter passado por alguns cursos, conforme sua intenção de constante aprimoramento; o mesmo pode ser dito sobre o treinador C, que, embora não tenha uma formação acadêmica em planos, também já fez cursos, inclusive no exterior. Na avaliação de Freire (1998), um diploma não atesta, necessariamente, a qualidade do profissional, embora ele considere que o ensino do esporte exija teoria e que seja importante a realização de cursos. A fim de diversificar suas estratégias de treinamento e implantar novas metodologias, alguns treinadores podem vir a recorrer a livros e trabalhos de autores especializados na área do ensino do futebol. Além disso, treinadores consagrados também podem inspirá-los, através de uma identificação com seu estilo de trabalho ou postura. Sobre estes dois aspectos, os técnicos expuseram as seguintes impressões:

    Confesso que pouco usei livros, essas coisas. Alguns que eu tive eram presentes de amigos. Algumas coisas a gente guarda na cabeça e procura adaptar pro que a gente precisa. Me espelho no Moésio Gomes, com quem comecei e aprendi. (técnico A).

    Não tenho nenhuma referência específica. Sempre procuro pesquisar, pegar algo aqui e ali, e o que eu achar útil pra aquilo que eu pretendo, vou aplicando. Um exemplo? O mestre Telê, e atualmente, Muricy Ramalho (técnico B).

    Tenho alguns livros, que trouxe de Portugal, onde estive durante nove anos. De vez em quando a gente pega, dá uma olhada, uma reciclada, pra estar sempre atualizado, o que é importante pra gente trabalhar no futebol (técnico C).

    Apesar do técnico B ter revelado sua busca por uma maior bagagem teórica, os três treinadores parecem se basear em um conhecimento empírico, acumulado durante sua experiência profissional e enraizado no trabalho dos técnicos que os inspiram. Eibmann et al. (1998) ressalta que a vivência de muitos anos de um profissional empirista não deve ser desprezada, e este parece ser o caso dos três; talvez seja este tempo de experiência que lhes dê crédito, não apenas dentro de seus clubes, mas também no cenário regional. Quem foge um pouco deste conceito é o treinador C, por seu pouco tempo de experiência se comparado aos demais. No entanto, o fato de ter sido atleta profissional e ter se preparado especificamente para a profissão de treinador, como ele mesmo afirma, são aspectos que aparentemente lhe dão algum respaldo.

    Em relação a tipos de treinadores, pode-se dizer que há os mais variados, desde os autoritários e disciplinadores até os complacentes e liberais. O trecho da descrição de um dos treinos e os relatos dos treinadores fornecem alguns elementos para a identificação destes tipos em cada técnico:

    Reforçou, de forma veemente, a necessidade de os atletas “se cuidarem”, ou seja, não saírem e nem muito menos jogarem em outros locais na véspera do jogo (...). Caso o atleta erre em uma segunda ocasião, o treinador ordena que ele dê uma volta em torno do campo, como “castigo”; caso erre pela terceira vez, o atleta é substituído. Isso também reflete o temperamento do treinador, já que, algumas vezes, ele pronuncia certas frases, como “você é maluco?”, ou mesmo palavras de baixo calão. (clube A, treino 2).

    Me considero um pouco de cada tipo, mas me acho muito sério, e às vezes até meio grosso, rude. Mas eu e os meninos sempre trocamos brincadeiras fora dos treinos (técnico A).

    Tenho uma visão muito boa fora de campo e gosto de disciplina, meus jogadores raramente são expulsos (técnico C).

    Os treinadores A e C, dentro da classificação de Martens (1995), parecem adotar uma postura mais enérgica, autoritária (embora que, através da atitude de “trocar brincadeiras” com os atletas por parte de A, ele pareça querer quebrar a irritação e criar um clima de cumplicidade e bom-humor), com aspectos relacionados a um forte temperamento e uma postura de disciplina, sem muito espaço para erros e falta de compromisso.

    Mostra-se, até certo ponto, sereno e tranqüilo, só aumentando o tom de voz quando realmente julga necessário, como em erros insistentes de um mesmo atleta ou setor da equipe. Ele procura adotar uma atitude mais incentivadora (em relação aos erros) do que elogiadora (em relação aos acertos), algo como “vamos lá, vamos lá”, após um zagueiro tentar dar chutão para frente e a bola sair pela lateral (clube B, treino 1).

    Como treinador, me considero um cara exigente. Não sou retranqueiro, gosto sempre de jogo ofensivo, de jogar pra frente. Procuro ser um paizão pra esses meninos. (técnico B).

    O treinador B demonstra ser o oposto dos outros dois: parece se encaixar no perfil de um treinador mais parcimonioso, permissivo, tomando como base o mesmo critério de Martens (1995). De qualquer forma, todos parecem corresponder à idéia de Carravetta (2006), que relata a importância do exercício permanente de liderança e de responsabilidade moral do treinador para com sua equipe, mesmo que de estilos diferentes. Isso é de fundamental importância para o ambiente de trabalho, já que ajuda a reforçar a importância do treinador diante do grupo de atletas. Enquanto ministram a sessão de treino, os treinadores adotam certas atitudes (em relação a estar dentro ou fora de campo, reunir atletas, orientar, corrigir, entre outras), as quais, por motivos próprios de cada um, julgam serem as que lhe garantirão uma maior fidelidade em relação ao desempenho dos atletas, ou, pelo menos, as que julgam serem as mais corretas. Ao observar os treinos, as seguintes situações foram notadas, em relação à postura dos treinadores:

    Antes do coletivo, o treinador recomendou que os titulares formassem uma roda e conversassem entre si, pois, segundo ele, poderia haver mais diálogo entre os atletas, tanto no sentido de orientação quanto no de chamar a atenção. Quando percebe que a equipe não está atuando bem, para o treino e pede para que os atletas reúnam-se novamente entre si (clube A, treino 2).

    Ocasionalmente, ele para o treino e reúne os atletas em roda, onde ele mesmo aponta erros e procura saná-los (clube B, treino 1).

    Aliás, considero que este tenha sido o treino, daqueles que observei, em que o técnico mais tenha falado com seus atletas, mesmo tendo ficado todo o tempo à beira do campo (clube C, treino 1).

    O treinador manteve a postura do treino anterior, chamando muito a atenção dos atletas (clube C, treino 2).

    O treinador nem sempre precisa chamar exclusivamente para si a atenção para uma orientação, correção ou apresentação de idéias; ele pode abrir espaço para os próprios atletas trocarem informações entre eles mesmos. Como exemplo disso, o treinador A, ocasionalmente, paralisa o treino e promove rodas de conversa para que os atletas dialoguem entre si, uma estratégia defendida por Freire (1998), no sentido de aumentar a comunicação entre eles, através da ótica de quem está em jogo. De qualquer forma, a participação ativa do técnico é importante durante o treino, como visto na atitude do treinador B, que costuma interromper o treino em certas ocasiões do trabalho para conversar com seus atletas, e do treinador C, com suas constantes orientações à beira do campo. Ainda segundo Freire (1998), o treinador deve interrompê-lo com freqüência para corrigir eventuais falhas, como um momento único e privilegiado no aprendizado, independente de se tornar ou não o centro das atenções. Um bom treinador não deve se limitar a transmitir conteúdos, exigir esforço e disciplinar seus atletas, mas também deve construir uma relação social, de forma séria e atenciosa, em benefício de um bom ambiente de trabalho.

    Sempre brinco com meus jogadores, mas às vezes é complicado eles se abrirem e falarem de seus problemas. Pode ser algo que esteja atrapalhando o desempenho deles, então a gente tem que se meter mesmo às vezes (técnico A).

    Sempre procuro orientá-los, em todos os sentidos, principalmente na questão da cidadania. Aliás, me sinto um psicólogo no clube. O clube não dispõe de um, então procuro fazer esse papel. Procuro ser um paizão pra esses meninos (técnico B).

    Dando exemplos de jogadores que têm uma atitude errada fora de campo, e aconselhando. Com a minha experiência de jogador de futebol, e agora como treinador, a gente procura passar pra eles algumas situações que a gente já viveu. Procuramos formar não apenas jogadores de futebol, mas também homens (técnico C).

    Nos trechos acima, os treinadores ressaltaram de que forma procuram orientar seus atletas. Percebe-se que o treinador B procura fazer valer sua liderança, não apenas no caráter hierárquico, mas também sócio afetivo. Isso vem ao encontro do pensamento de Cortez (2006), em que a competência e a liderança do treinador são imprescindíveis para dirigir grupos heterogêneos e conduzir, de maneira satisfatória, os jogadores na busca por suas aspirações. Além disso, ele demonstra-se, pelo que foi relatado, consciente da sua capacidade de influência sobre a personalidade do atleta, à qual, segundo Falk e Pereira (2010), consiste em auxiliar no desenvolvimento da sociabilidade e da individualidade, dando ao esporte uma condição de ferramenta de educação. Por outro lado, B evidencia a ausência de psicólogo que trabalhe no clube; observei que isso ainda é algo utópico para as categorias de base dos clubes cearenses. Os treinadores B e C citam, respectivamente, os termos “cidadania” e “formar homens”. Este pensamento de ambos, de formar o cidadão e formar o homem (na acepção social da palavra), vai ao encontro da teoria de Martens (1995), que define o treinador/professor não apenas como “aquele que ensina”, mas também como “aquele que educa”, capaz de orientar seus alunos para diversas situações da vida, além da esfera esportiva. Outro aspecto a ser observado é que o treinador C, na condição de ex atleta, procura usar sua vivência como recurso neste processo de orientação. É uma estratégia defendida por Arruda e Bolaños (2010), que consideram como útil a ajuda de um jogador experiente, principalmente em plena época de competição.

3.1.2.     Metodologia de treino dos técnicos

    Um treinador que se preze deve possuir um conjunto de procedimentos que correspondam a seus objetivos, em prol da aplicabilidade dos treinamentos.

    Trabalhos de ordem técnica, com treino de fundamentos, e tática, para posicionamento e postura do time em campo (técnico A).

    Basicamente o treino técnico e o jogo (técnico B).

    A metodologia é diversificada. Tem treinador que gosta de trabalhar mais a parte técnica, outros já trabalham mais a parte coletiva. Procuro usar as duas, mas costumo usar a teoria de que o conjunto entrosado costuma render mais. (técnico C).

    Os relatos acima correspondem ao conceito dos treinadores quando indagados sobre os métodos de trabalho que conhecem. Eles simplesmente citaram os aspectos ou competências trabalhados em esportes coletivos; não se referiram a abordagens propriamente ditas, como por exemplo, as abordagens baseadas na técnica, no jogo formal e nos jogos condicionados, propostos por Garganta (1995). Tendo em vista o forte caráter empírico que rege o trabalho dos três, isso pode ser explicado pela ausência tanto de uma formação acadêmica quanto de um aprofundamento teórico (dirigido ou não), ou, mais especificamente em relação aos treinadores B e C, pela possibilidade de os cursos extracurriculares e de aprofundamento não explorarem estas e outras abordagens, além de alguns fatores pedagógicos. Entretanto, ao se observar os treinos foram possíveis identificar, as abordagens e princípios utilizados pelos técnicos, ainda que os mesmos não os identifiquem devidamente. Abaixo segue as estratégias utilizadas pelo treinador (A) durante as duas sessões de treino:

    1: uma segunda trave foi colocada na linha do meio campo, exatamente em frente à trave da linha de fundo. Cada atleta recebe um passe vindo da direção do corner e chuta a gol, de primeira, da entrada da área; imediatamente, o atleta vira-se e finaliza outra bola, vinda do corner diagonalmente oposto, no gol oposto. Segundo o treinador, os chutes de média e longa distância tem sido uma situação problemática na equipe, justificando, assim, a realização desta atividade. Dois atletas realizavam a atividade simultaneamente, com cerca de 10 chutes para cada um. O treino se restringia ao pé dominante dos atletas, já que, segundo o treinador, os mesmos já haviam passado da idade de desenvolver o chute com o pé contrário. Considerando que o treinador tem em mãos um grupo grande, o número de repetições poderia ter sido reduzido, para um melhor aproveitamento do tempo; 2: atividade de ataque contra defesa, 3x2, passando em seguida para um 2x2, para tentar explorar, segundo o treinador, jogadas individuais e jogadas rápidas, como tabelas em progressão; 3: uma atividade de ataque contra defesa, 3x2. Uma bola é lançada em altura para um dos defensores cortar; em seguida, um dos atacantes dominava a bola, dando início ao ataque. Nesta parte, o treinador procurou enfatizar o reposicionamento dos zagueiros e o rebote ofensivo por parte dos atacantes; 4: um dos três atacantes passa a bola para um dos laterais, para em seguida os três invadirem a área, contra dois defensores; este lateral, por sua vez, tabela com outro lateral do mesmo lado e realiza um cruzamento para a área. O treinador se diz adepto, de longa data, do uso dos “laterais clássicos” (que progridem até a linha de fundo e cruzam), mas não vê problema em utilizar laterais que avançam em diagonal, na direção do gol; 5: os atletas são divididos em dois grupos: o primeiro, com laterais, meias e atacantes, executam chutes a gol de média distância; o outro, com zagueiros e volantes, realiza um trabalho específico para defensores, como cabeceio, domínio e corte de bolas altas e à meia altura (clube A, treino 1).

    Este foi um treino do tipo coletivo (...). Antes do coletivo, o treinador recomendou que os titulares formassem uma roda e conversassem entre si, pois, segundo ele, poderia haver mais diálogo entre os atletas, tanto no sentido de orientação quanto no de chamar a atenção. Finalmente, o treinador deu início ao coletivo, apitado por ele mesmo. Na primeira etapa, ele o faz dentro de campo; na segunda, à beira do mesmo (clube A, treino 2).

    Pelas estratégias utilizadas, e a partir da teoria de Torrelles e Alcaraz (2010), considero que o treino 1 seguiu um princípio misto, já que o técnico alternou entre elementos analíticos (como os chutes a gol) e situacionais (os exercícios em 2x2 e 3x2). Já a partir de Garganta (1995), ele seguiu, predominantemente, uma forma de ensino centrada na técnica, pela decomposição do jogo em elementos técnicos. Já no treino 2, o treino aderiu ao princípio global (LOPES; SILVA, 2009), onde treina-se competindo, jogando-se; já a forma utilizada foi centrada no jogo formal (GARGANTA, 1995), já que foi o utilizado o jogo em sua totalidade, sem quaisquer decomposições.

    A seguir, uma descrição dos treinos ministrados pelo treinador B:

    Em seguida, foi a vez do coletivo propriamente dito. Treinador e auxiliar costumam andar e orientar os atletas de dentro do campo, mas sem parar o treino, mesmo que ocorram erros freqüentes (a não ser para ensinar uma jogada diferente) (clube B, treino 1).

    A parte principal do treino consistiu, unicamente, em um jogo-treino contra um time amador da região, de mesma faixa etária do grupo; foi precedido de uma conversa entre o treinador e os atletas, no sentido de corrigir erros de posicionamento, principalmente (clube B, treino 2).

    Ambos os treinos consistiram, predominantemente, em treinos coletivos, através do jogo formal. Portanto, caracterizo-os dentro de um princípio global e de uma forma de ensino centrada no jogo formal, a partir da teoria dos mesmos autores.

    Por fim, as observações relacionadas aos treinos de C foram as seguintes:

    A seguir, teve início a parte principal do treino. Os atletas, divididos em três equipes (uma sempre de fora), participaram de um jogo 10x10, com três toques para cada atleta. A cada 15 minutos, uma das equipes era substituída, até que todas se enfrentassem duas vezes. Esta foi a única atividade da parte principal (clube C, treino 1).

    Na segunda parte, como única atividade, o treinador lançou mão, no mesmo campo reduzido do treino anterior, de um jogo 11x11. O tempo foi reduzido devido a um jogo que a equipe faria no dia seguinte (Clube C, treino 2).

    No treino 1, o treinador C se utilizou de um jogo 10x10, com três toques por jogador e em um campo de menores dimensões; no treino 2, que foi realizado no mesmo campo reduzido, o jogo foi 11x11 e sem limitação de toques. A partir destas características, considero o primeiro treino centrado nos jogos condicionados onde parte do jogo para situações particulares. Já o segundo treino predomina o princípio global com ensino centrado no jogo formal. Além da utilização de determinadas abordagens e princípios de ensino do futebol, outras características puderam ser observadas durante os treinos:

    Cada atleta recebe um passe vindo da direção do corner e chuta a gol, de primeira, da entrada da área; imediatamente, o atleta vira-se e finaliza outra bola, vinda do corner diagonalmente oposto, no gol oposto (clube A, treino 1).

    A cada erro relevante (um passe errado grosseiramente, por exemplo), ele costuma repetir a jogada exatamente como ela se originou. Ele também adota algo parecido durante uma jogada de bola parada (geralmente faltas), ou então apresenta uma nova variação para essa jogada (clube A, treino 2).

    A gente trabalha muito fundamento, muita repetição, porque nessa idade o erro acontece muito. Só com muita repetição e paciência você consegue fazer com que eles errem menos (técnico C).

    O fato de os treinadores A e C adotarem esta estratégia de repetir o gesto técnico durante os treinos em jogos aponta para uma abordagem tecnicista, a qual, segundo Scaglia (2007), pode se mostrar eficiente para “hipertrofiar” as ações que os jogadores já possuem; entretanto, segundo Caparroz (2005), torna-se limitada pelo fato de buscar a perfeição técnica em detrimento do jogo, o que pode ser prejudicial para a capacidade de contextualização do atleta em jogo. Isso também pode ser observado na utilização dos treinamentos coletivos sem diferença numérica, como os utilizados pelo treinador A.

    Não tem o costume de repetir as jogadas; ele o faz quando a solução seria muito óbvia (clube B, treino 1).

    Como visto acima, o treinador B parece fugir um pouco à tendência tecnicista; no entanto, ele ainda se mostra adepto do coletivo em igualdade numérica, assim como A. Aliás, os treinadores demonstram serem árduos defensores do treino coletivo tradicional, ou seja, totalmente fiel ao jogo oficial. Pude atentar a isso pelo tempo que eles destinam a tal tipo de treino. Conforme Pacheco (2004), o treino coletivo atende à intenção de introduzir o atleta ao universo do jogo, por conter todos os elementos relacionados a situações reais e aleatórias de uma partida; por outro lado, Drubscky (2003) considera-o um método viciado, além de ser limitado; isso no sentido de exigir ações constantes e eficientes de determinados atletas e de determinados setores da equipe; sem mencionar a já citada influência tecnicista. Também percebo certa resistência dos treinadores em não abrir mão de um treino especificamente analítico, conforme as palavras dos treinadores e os treinos observados. Segundo Drubscky (2003), não se concebe mais que o chute a gol, por exemplo, seja treinado somente sob a perspectiva de se repetir a ação por várias vezes diante do goleiro; complementando esta idéia, Mesquita e Graça (2006) defendem que a exercitação dos fundamentos seja realizada através da combinação com outras habilidades e/ou em situações de oposição simplificada. Além de conhecer e saber como aplicar métodos e estratégias de treino é necessário utilizá-los de forma racional, conforme os objetivos e as necessidades do grupo, mediante uma análise prévia. Ou seja, planejar e organizar os treinos são atitudes importantes do trabalho dos treinadores e crucial para se alcançar o êxito. A seguir, alguns trechos do relato dos treinadores acerca do planejamento dos treinos:

    A programação é sempre semanal, mas dependendo da ocasião e dos compromissos que acontecerem, pode ser até quinzenal. Treinamos todos os dias, de segunda a sexta, menos na véspera de jogos (...). Trabalho aspectos técnicos e táticos, dependendo das necessidades do grupo e do adversário (técnico A).

    Elaboramos um cronograma semanal, sempre com os tipos específicos de treinamento por dia, sempre dependendo do nosso próximo adversário (técnico B).

    Procuro não trabalhar de acordo com o adversário, procuro desenvolver o meu estilo de jogo, a minha maneira de jogar (...). A gente estuda isso durante a semana, junto com o preparador físico. No momento, a gente ta diversificando muito, tanto treinamento quanto locais.(técnico C).

    Os treinadores A e B, ao mencionarem a preparação de acordo com o adversário, se mostram de acordo com o conceito de didática no ensino do futebol estabelecido por Drubscky (2003), o qual aponta que uma das grandes virtudes do treinador é saber “costurar” os treinamentos da semana com vistas às necessidades de cada jogo. Por sua vez, o treinador C parece trabalhar sob uma ótica menos flexível, ou seja, prefere aprimorar um único estilo de jogo a ter que adaptá-lo para confrontar um adversário específico. Apesar de estabelecerem uma programação semanal, pude perceber que os treinadores não se utilizam de um plano de aula/sessão, o qual, segundo Falk e Pereira (2010), é uma ferramenta básica e serviria de base para que o desenvolvimento físico, técnico e tático da equipe pudesse ser acompanhado por toda a comissão técnica. Talvez a experiência lhes dê confiança para trabalhar sem utilizar tal ferramenta. O treinador B não possui um preparador físico fixo trabalhando com ele; logo, qualquer intercâmbio de informações seria deficiente, não ocorreria de forma plena e satisfatória. Por outro lado, o treinador C, embora não tenha citado a elaboração de um cronograma, parece fazer questão de promover um diálogo com o preparador físico no sentido de organizar e planejar os treinos, ainda que a inconstância na disponibilidade de locais de treino os atrapalhe. Outro aspecto do trabalho dos treinadores de base (não apenas de futebol, mas dos esportes coletivos em geral) está relacionado às faixas etárias com as quais eles trabalham e os conteúdos que eles julgam ser adequados para uma determinada faixa, levando em conta as características físicas, cognitivas e psicossociais dos atletas. Abaixo, os técnicos abordam este conceito em seu trabalho:

    Meu trabalho é simples, não uso aquela coisa toda de estratégia. Nosso foco principal sempre foi revelar jogadores. Trabalho aspectos técnicos e táticos, dependendo das necessidades do grupo e do adversário. Como já disse, trabalho com simplicidade, sempre deixo o atleta fazer o que sabe, só procuro corrigir alguns erros individuais e coletivos. Prefiro deixar que o garoto desenvolva sua criatividade e seu estilo de jogo. Se alguma correção for necessária, vou lá e faço (...). Tem coisas que você deve treinar de acordo com o grupo. Uma categoria mais baixa precisa treinar mais fundamentos, enquanto uma mais alta precisa trabalhar mais a parte tática (técnico A).

    Trabalhamos muito com fundamentos. Mas também com posicionamento, parte tática e jogadas ensaiadas. Acho que isso é algo que já podemos cobrar dos meninos de 14, 15 anos. Procuramos, sempre que possível, usar o jogo, mas também o treino técnico. Nos treinos físicos, sempre faço questão que se utilize a bola, pois é o elemento central (...). Principalmente fundamentos. Mas gosto de usar muito jogadas ensaiadas (técnico B).

    Nesta categoria, a metodologia é a de formação. A gente trabalha muito fundamento, muita repetição, porque nessa idade o erro acontece muito. Só com muita repetição e paciência você consegue fazer com que eles errem menos. Procuro não trabalhar de acordo com o adversário, procuro desenvolver o meu estilo de jogo, a minha maneira de jogar. Dificilmente mexo no time em função do adversário, faço com que meus jogadores aprendam a minha maneira de jogar (...). Como já disse, procuro trabalhar com fundamentos, mas sem deixar de lado a parte tática, pois a estratégia também vence jogos (técnico C).

    Em relação às estratégias e conteúdos utilizados nos treinos para essa categoria, observadas nos trechos acima, os técnicos ainda parecem utilizar bastante o treino de fundamentos, sob caráter analítico; entretanto, A e B (principalmente este último) parece já entender que atletas de 15 anos devem passar por um processo de ênfase tática, como sugerido por Paoli et al (2007). Lopes e Silva (2009) também confirmam o pensamento dos treinadores, já que entendem que jogos e exercícios mais complexos, que envolvam aspectos táticos, podem ser explorados, de forma gradual, entre jovens de 13 a 17 anos, beneficiando a compreensão de zonas de ação e da capacidade de decisão. Além disso, o treinador B, segundo o apurado, está de acordo com Freire (1998), que defende a utilização da bola durante os treinos físicos para atletas entre 13 e 15 anos. É uma estratégia também utilizada pelo preparador físico do clube A e aprovada pelo treinador A, como observado durante um trecho do registro de treino a seguir:

    Num segundo momento, os exercícios pliométricos de deslocamento foram associados com condução, passe, recepção e cabeceio de bola. Por fim, predominou a condução de bola em ziguezague e a troca de passes com ambos os pés (clube A, treino 1, aquecimento).

    O treinador A, quando menciona sobre “deixar o atleta fazer o que sabe”, entra em conformidade com Filgueira (2004), que entende que, sendo o futebol nato, deve-se dar tempo para que o jovem desenvolva sua criatividade e capacidade, sem limites e sem didáticas específicas. Isso pode ser importante no sentido de se querer desenvolver um jogador diferenciado. Os treinadores estão em conformidade com a idéia de Freire (1998) de que é necessário levar em conta as necessidades e interesses dos alunos, de acordo com cada faixa etária. No entanto, Arruda e Bolaños (2010) preconizam que não deve ser levada em consideração apenas a idade cronológica, mas também a fase de crescimento e desenvolvimento maturacional na qual o jovem se encontra; este segundo conceito ainda parece ser desprezado pela maioria dos clubes, e, pelo que percebi, os clubes que investiguei não são exceção.

3.1.3.     A realidade de trabalho nos clubes

    Para facilitar o trabalho do técnico, o clube deve oferecer condições que lhe concedam um mínimo de versatilidade para a operacionalização do planejamento dos treinos. Tais condições passam por recursos materiais (como bolas, cones, entre outros), recursos humanos (preparadores físicos, massagistas, etc.), infraestrutura (quantidade e qualidade dos campos, alojamentos para os atletas) e organização (disponibilidade dos recursos e planejamento conforme objetivos).

    Acho que ainda falta muita coisa. Por exemplo, o clube poderia fornecer um lanche para os atletas que não moram no clube, saindo e chegando dos treinos. Em termos de material, temos o que o clube pode nos dar, o que nem sempre é suficiente. Mas temos conseguido trabalhar com certa tranqüilidade. Dispomos de um ótimo CT, mas o transporte até lá é difícil. Acho que poderia haver um maior apoio da Federação e até mesmo por parte dos nossos dirigentes, do próprio clube (técnico A).

    As condições oferecidas pelo nosso clube não são suficientes, principalmente de material. Mas temos bons alojamentos para os atletas e um campo próprio. Acho que isso já ajuda bastante. Poderia haver mais recursos materiais, principalmente bolas e cones (técnico B).

    No momento, não. Mas já melhorou muito. Trabalho aqui já há algum tempo, já trabalhei antes, também, e com a administração atual, vejo que a melhora foi muito boa, mas ainda não é o que a gente deseja. Material já temos. Agora em termos de campo, de ônibus, um pouco em termos de alojamento, também, a coisa ta caminhando (...). Hoje o clube ainda não tem seu local apropriado pra treinos. Mas tudo indica que, no ano que vem, estaremos mais organizados. Este campo pequeno a gente utiliza pra fazer um treino técnico, mas não um coletivo. (técnico C).

    Nestes trechos, os treinadores expõem suas opiniões sobre as condições oferecidas por seus respectivos clubes e de que forma as mesmas poderiam ser melhoradas. Os treinadores A e B se ressentem da insuficiência de material para se aplicar os treinos desejados, embora A ainda pareça confortável com o material que lhe é disponibilizado. Por sua vez, o treinador C não apresentou nenhum tipo de reclamação em termos de material. Já em relação à parte estrutural, a coisa muda de figura: A e B elogiam as condições disponíveis, ainda que A ainda apresente uma ressalva em relação ao deslocamento até o local dos treinos; por sua vez, C ainda revela certa limitação estrutural de seu clube. Em associação a tudo isso, Cortez (2006) afirma que a facilidade de acesso a locais adequados e uma quantidade disponível de material para a execução contribuem com a eficácia do aprendizado. Apresentadas as devidas condições de trabalho em cada clube, os treinadores relatam, então, os objetivos de trabalho com as categorias sub-15 que tais condições lhes permitem:

    Como objetivo, sem demagogia, temos que ganhar o campeonato estadual, e posteriormente entregar os atletas para a categoria mais elevada (técnico A).

    Como objetivo na categoria, temos que revelar jogadores o mais rápido possível. À longo, prazo, quem sabe, revelar para o quadro profissional (técnico B).

    Um dos objetivos é ser campeão estadual, mas se não der, tentaremos no ano que vem. Já estamos trabalhando uma equipe para isso. E claro, os torneios nacionais também são nosso objetivo (...). Então a gente começa a cobrar um pouco mais deles, para que tenham condições de passar para o sub-17 e o sub-20. (técnico C).

    Como senso comum, todos os treinadores mencionam a revelação de atletas para as categorias superiores dos clubes. No entanto, apenas A e C fazem projeções em relação ao certame estadual (e até em relação a competições nacionais, no caso de C). De uma forma geral, os treinadores parecem reconhecer os fatores inerentes às atitudes de curto prazo, como identificar a infraestrutura do clube e solicitar melhorias, e atitudes de longo prazo, como tornar-se referência na formação de atletas, propostas por Falk e Pereira (2010). Os três clubes, na condição de “reveladores de atletas”, são assíduos participantes dos campeonatos locais de base, em quase todas as faixas etárias. Ocasionalmente, eles têm a oportunidade de também disputar competições nacionais, contra equipes das mais variadas realidades estruturais. Tais competições contribuem para aumentar a experiência dos jovens atletas e até servem como “vitrine” para uma possível negociação dos mesmos com clubes de centros maiores. Os treinadores avaliaram o desempenho das equipes de base dos clubes do estado em competições nacionais e como se poderia agir no sentido de melhorá-lo:

    Em competições nacionais, temos ido razoavelmente bem. Ganhamos alguns torneios e fizemos boa campanha em outros de maior expressão. Os clubes poderiam dar melhores condições para a participação nesses torneios, até com ajuda do poder público (técnico A).

    A participação em competições nacionais deixa a desejar. Ainda temos uma condição inadequada nos clubes do estado (técnico B).

    Deveria haver mais participação, é isso que nos dá experiência. Por exemplo, disputamos um torneio no sul e ficamos em vigésimo lugar; no ano seguinte, já mais experientes, voltamos e ficamos em sétimo (técnico C).

    Os treinadores A e C fizeram uma análise de cunho particular, ou seja, a partir do desempenho de seus próprios clubes; enquanto isso, B analisou a questão de uma forma mais geral, ressaltando as deficiências dos clubes do estado se comparadas às dos grandes clubes nacionais. No entanto, todos apontaram problemas e propuseram soluções a nível geral, que atendam ao futebol de base cearense como um todo. Segundo Fernandes (2004), treinadores que trabalham com jovens entre 12 e 17 anos se inserem no chamado “estágio de avançado”, onde o treinador deve realizar e aprofundar suas primeiras comprovações (de forma individual ou coletiva) em competições seja estas regionais ou nacionais. São essas comprovações que podem fornecer base para se determinar o pensamento dos treinadores em relação ao planejamento da equipe em relação à participação de competições futuras.

4.     Considerações finais

    Com base em todos os dados obtidos, seja através das entrevistas semiestruturadas ou das descrições dos treinos, considero que cumpri os objetivos específicos delimitados para este trabalho. A respeito do perfil dos técnicos, percebi que os mesmos são desprovidos de uma formação acadêmica na área da Educação Física. Considero que isso seria muito importante no sentido de proporcionar uma compreensão plena de seus atletas, considerando aspectos de ordem física, cognitiva, didática e psicossocial. Os cursos extracurriculares e de aperfeiçoamento, que seriam uma boa alternativa, parecem não atender a esta necessidade, mesmo que minimamente. Por outro lado, considero que não se deve abrir mão de uma experiência de anos de trabalho, com todo o conhecimento estrutural e ideológico do clube. Como em qualquer setor de trabalho, é necessário buscar novas informações e manter-se atualizado, a fim de incorporar um maior número de soluções aos mais variados problemas e necessidades. No entanto, os treinadores parecem não ter aderido completamente a esta idéia. Embora eles tenham revelado que sempre consultam algumas fontes de forma esporádica (como comentado pelos próprios treinadores, e comprovado pelo fato de eles não terem citado o nome de nenhum autor), não acho que isso seja suficiente. De alguns anos para cá, é cada vez maior o número de autores e obras que abordam o ensino dos esportes e os princípios do treinamento esportivo, tanto na literatura quanto na internet. Assim, considero que essa busca é nada mais que uma questão de iniciativa; algo a que os técnicos (talvez por sua visão empírica e por uma auto-suficiência atrelada aos anos de vivência) não se dedicam de forma mais intensa, portanto. De uma forma geral, e a julgar por suas atitudes, os técnicos prezam muito pela disciplina, principalmente fora dos treinos. Isso não quer dizer que eles se utilizem sempre de certo autoritarismo, embora pareçam compreender que os jovens de 14 e 15 anos ainda não dispõem de um forte senso de disciplina. Isso é muito importante, principalmente se tratando daqueles jovens oriundos de outras cidades ou estados morando nos clubes, que abriram mão do convívio familiar para realizarem o sonho de se tornarem atletas profissionais. Aliás, concordo que uma vida de atleta possa ser favorável ao jovem em termos de disciplina, mas sem deixar de mencionar a importância do ambiente familiar em uma fase tão inconstante como a adolescência. A tarefa de reconhecer qual a abordagem metodológica predominante usada pelos treinadores nos clubes que pesquisei requereria um maior tempo e um maior número de observações, além de mais pesquisadores envolvidos (isso para treinos simultâneos em clubes diferentes). Além disso, fatores como dia da semana e proximidade dos jogos podem muito bem influenciar na escolha do tipo de treino e das atividades por parte dos treinadores, o que poderia mascarar esta predominância. Mesmo assim, os dados que obtive ao associar observações e entrevistas foram aceitáveis para averiguar quais são as abordagens preferidas dos treinadores e seus conhecimentos sobre elas. A meu ver, a já citada falta de formação acadêmica parece influenciar, decisivamente, no conhecimento dos treinadores em relação aos métodos de ensino do futebol. Entretanto, eles demonstram ser capazes de aplicar tais abordagens; não diria de forma inconsciente, já que eles os utilizam como solução para certas limitações que enxergam em suas equipes, mas talvez sob uma influência empírica, ou seja, de forma a reproduzir o que já vivenciaram (no caso de ex atletas) ou viram. E por falar nos métodos utilizados, os técnicos mostraram serem adeptos dos treinos analíticos, mas ainda regidos por um aspecto tecnicista, com muitas repetições. No entanto, eles ainda conseguem utilizar outros métodos de caráter mais global, como situações simplificadas de ataque contra defesa e jogos reduzidos. Os treinos coletivos tradicionais, herança de décadas, ainda são os preferidos pelos treinadores como preparação coletiva da equipe. Todos parecem seguir à risca o jogo formal, sem adaptações ou segmentações que permitiriam uma avaliação mais fiel do comportamento de um jogador ou setor da equipe. Os treinadores demonstraram um mínimo de organização e planejamento. Distribuem os treinos com pouca antecedência e às vezes se baseiam nos adversários. No entanto, senti falta de um sistema mais complexo, como um cronograma mais detalhado, que fosse impresso e permitisse uma consulta a qualquer momento. Além disso, nenhum dos treinadores se utiliza de um plano de treino, o que não considero necessariamente um ponto negativo, mesmo que supostamente se domine todo o conteúdo a ser aplicado. Em relação aos objetivos junto à categoria sub-15, os treinadores ressaltaram, em unanimidade, a preparação de seus atletas para as categorias superiores como objetivo e, com vistas em longo prazo, para a equipe profissional. Os treinadores apostam na revelação de jogadores para o clube, o que, a meu ver, representaria uma alternativa financeira para as instituições; não apenas como fonte de recursos financeiros (que ainda parece ser proveniente, em grande parte, da renda arrecadada nas partidas da equipe profissional), mas como uma forma de evitar a contratação de atletas de outros estados, o que seria mais dispendioso para os clubes. Os treinadores não desprezam a oportunidade de conquistar títulos locais, ainda que este não seja o objetivo principal de seu trabalho na categoria. Isso, a meu ver, pode ser explicado por três razões: um título contribui positivamente para o ambiente de trabalho e entre o grupo de atletas, reforçando a autoconfiança dos mesmos; é um acréscimo para o currículo de um treinador; aumenta o respaldo de um clube em relação às divisões de base; e, por fim, a perda do título poderia desvalorizar uma equipe considerada boa e com bons jogadores. Além disso, os técnicos enxergam com bons olhos a participação dos clubes em competições regionais, nacionais e internacionais, o que pode contribuir ainda mais para o status deles próprios e do clube; além de expor os atletas aos chamados "olheiros" e empresários ligados as grandes equipes nacionais e internacionais, podendo resultar em uma futura negociação. Já em relação ao desempenho nessas competições, os treinadores preferiram abordar acerca de seus próprios clubes ao invés de registrarem uma opinião mais geral; isso provavelmente por estarem mais preocupados com seus próprios times, ou na intenção de evitar mencionar o mérito ou demérito das outras equipes. Mas para possibilitar uma preparação satisfatória das equipes e a chance das mesmas participarem de todas estas competições, o que os clubes oferecem aos técnicos? Segundo os mesmos, há muito a melhorar em relação a isso, seja em termos de campo ou de material. Os treinadores reconheceram as limitações dos clubes nesse sentido, mas não apenas em relação aos treinamentos em si; também citaram algumas questões de ordem logística, como transporte e alimentação. Interpreto isso como uma necessidade do treinador de buscar o melhor possível para seu trabalho e seus atletas, na medida do possível; essa necessidade pode justificar também uma postura um tanto exigente de treinadores mesmo nos clubes onde a quantidade de recursos materiais, a meu ver, já seria suficiente. Após a realização deste trabalho, posso dizer que pude não apenas obter as informações necessárias para o mesmo, mas também compreender melhor o seu objeto de estudo, ou seja, como tem sido desenvolvido o trabalho nas categorias de base do futebol cearense, bem como a atuação dos treinadores e suas perspectivas em relação ao clube e para com seus atletas.

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