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Condições de saúde e trabalho de 

professores no ensino básico no Brasil: uma revisão

Condiciones de salud y trabajo de profesores de enseñanza básica en Brasil: una revisión

Health condition and teacher work in basic teaching in Brazil: a review

 

*Mestre em Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas

Professor Titular da Prefeitura Municipal de Bagé, RS

Técnico Administrativo em Educação da Universidade Federal do Pampa

**Doutor em Ciência do Movimento Humano pela Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, Brasil. Professor da Universidade Federal de Pelotas

***Acadêmica de Farmácia e Bioquímica na Universidade da Região da Campanha

Graduada em Educação Física pela Universidade da Região da Campanha

Marcio Neres dos Santos*

Alexandre Carriconde Marques**

Idelci Jardim Nunes***

marcioneres@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A relação entre trabalho e saúde tem sido investigada por diferentes áreas do conhecimento, mas são reduzidos os estudos sobre os aspectos de saúde e trabalho de professores. Este estudo objetivou revisar a literatura sobre a relação entre condições à saúde e o trabalho de professores do ensino fundamental no Brasil. Foi realizada pesquisa digital em bases de dados utilizando os termos: professor, saúde, trabalho docente, saúde do trabalhador, saúde ocupacional, estilo de vida docente. Os resultados permitiram caracterizar o perfil e as condições de trabalho existentes dos professores, bem como o estado de saúde e as principais doenças presentes na categoria. Conclui-se que o trabalho docente como uma atividade intensa, podendo ter reflexos negativos sobre a capacidade de trabalho e a saúde dos indivíduos.

          Unitermos: Professor. Saúde. Saúde docente. Saúde ocupacional. Estilo de vida docente.

 

Abstract

          The relationship among health and work has been investigated by several fields of knowledge, but there are not many studies about health-condition and teacher work. This study reviewed available evidence about health-condition and teacher work in the teaching basic in Brazil. Was performed digital search in databases using terms: teacher, health, teachers health, health of worker, occupational health, and teacher lifestyle. The results allowed to identify the profile and working conditions of teachers, and health status and diseases existing at category. We conclude the teacher work as an intense activity, with negative effects on work capacity and health of individuals.

          Keywords: Teacher. Health. Teachers health. Occupational health. Teacher lifestyle.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 166, Marzo de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Recentemente a investigação entre as relações de trabalho e saúde têm recebido maior atenção pelos pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. Em parte, devido à enorme parcela de tempo diária que atualmente é despendida no trabalho, e por outra, pelas diferenças entre os vários tipos de atividades profissionais existentes e os respectivos efeitos que elas podem exercer sobre a saúde dos indivíduos.

    A educação pode ser considerada uma das mais importantes áreas para formação da estrutura social, econômica e política de um país. O nível intelectual e cultural da população, a formação de cidadãos conscientes e capazes, além da preparação e qualificação da classe trabalhadora, são exemplos de aspectos importantes que estão estreitamente relacionados com a capacidade do sistema educacional existente.

    Nesse contexto, os professores tomam papel central tornando-se agentes fundamentais para o processo de desenvolvimento, tanto do setor educacional como da sociedade. No Brasil, existem cerca de dois milhões de professores atuando na educação básica (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2009). Constituem-se no terceiro grupo ocupacional mais numeroso do país representando 8,4% da força de trabalho nacional, sendo um grupo menor apenas que os escriturários com 15,2% e os trabalhadores do setor de serviços com 14,9% (GATTI; BARRETTO, 2009).

    Entretanto, apesar do expressivo número de profissionais nessa área, a busca por estudos relacionados às condições de saúde e trabalho dos professores brasileiros revela que a realização desses trabalhos ainda é reduzida. Os poucos dados disponíveis mostram que estes estudos são relativamente recentes e escassos. Entretanto, os trabalhos existentes permitem a identificação de algumas importantes considerações a respeito do tema. Desse modo, o objetivo do presente trabalho foi revisar a literatura disponível sobre as condições de saúde e trabalho de professores no ensino básico no Brasil.

Metodologia

    Este estudo caracteriza-se como de revisão de literatura. O levantamento de dados foi realizado por meio de pesquisa digital em diversas bases de dados e portais de busca na internet. As buscas foram realizadas utilizando vários termos de pesquisa nos idiomas português e inglês, com os principais sendo: professor; saúde; trabalho docente; saúde do trabalhador; saúde ocupacional; estilo de vida docente.

    Com os resultados retornados da busca foram desconsiderados os artigos duplicados e realizada a leitura dos títulos. Os estudos que apresentavam um ou mais dos termos utilizados na busca (ou outro equivalente) em seu título foram selecionados para leitura do resumo. Com a leitura do resumo foram definidos os artigos para a inclusão na revisão, sendo estes lidos e analisados na íntegra.

Revisão de literatura

O trabalho docente no ensino básico do Brasil

    Na Educação Básica, a categoria docente compreende aproximadamente dois milhões de trabalhadores, constituindo-se numa das mais numerosas categorias profissionais do país. Nesse nível de ensino, o perfil do professor brasileiro é do sexo feminino (81,6%), de raça/cor não-declarada (51%) ou branca (32%), com média de idade de 38 anos, de escolaridade superior (68,4%), que trabalha em apenas uma escola (80,9%), localizada na zona urbana (82,5%), e é responsável por turmas de 35 alunos em média (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2009). O poder público é responsável por 83% dos empregos no magistério no país, e destes, 77% estão na educação básica. O número de professores e o volume de recursos que mobilizam por parte do Estado mostram, em parte, sua importante influência na economia da nação (GATTI; BARRETO, 2009).

    Sua importância, no entanto, transcende o aspecto quantitativo e econômico. Envolvidos diretamente nos processos de formação das novas gerações, os professores exercem uma função de grande valor para a sociedade. Apesar disso, o status social da profissão docente parece estar longe de refletir a essencialidade do seu papel para a sociedade (MOTTER, 2007). A importância dos professores para um país é também cultural e política, pois são eles que se encarregam dos processos de socialização e formação cada vez mais prolongados por intermédio da escolaridade. Não obstante, a carreira e os salários dos docentes da educação básica não são mais atraentes nem recompensadores e alguns aspectos da sua formação não atendem as necessidades e exigências feitas às escolas (GATTI; BARRETO, 2009).

    Nos últimos anos, foi possível observar uma intensificação da precariedade das condições de trabalho e de remuneração dos professores no país. Essas duas questões constituem, atualmente, as principais reivindicações relacionadas aos direitos trabalhistas da categoria docente brasileira (OLIVEIRA, 2004). O salário recebido pelo professor em relação ao tempo e esforço dedicado às funções é provavelmente o aspecto profissional mais precário. Em todo mundo, a categoria docente brasileira está entre as que recebem os piores salários, tendo uma remuneração inferior inclusive quando comparada aos docentes de países em pior situação social e econômica (SAMPAIO; MARIN, 2004).

    No geral, o salário inicial do professor tem sido baixo quando comparado a outras profissões que exigem formação superior. Tal aspecto pesa sobre as características de procura desse trabalho, assim como sobre o ingresso e permanência na profissão. A condição de remuneração de professores no Brasil também é muito desigual, tanto nos diferentes níveis de ensino, como conforme a região e a dependência administrativa (GATTI; BARRETO, 2009). Em levantamento realizado em 1997, o salário médio dos docentes da educação básica era de R$529,92 apresentando diferenças relacionadas ao nível de ensino e esfera educacional em que o professor atuava. Os piores salários pagos eram para os professores da educação infantil e das escolas municipais, enquanto os melhores salários pertenciam aos professores do ensino médio e das escolas particulares (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2002).

    Conforme dados de 2006, a média salarial dos docentes da educação básica é de R$927,00. No entanto, a mediana, ou seja, o ponto que metade dos professores recebe abaixo desse valor é R$720,00 e apenas poucos professores recebem mais de R$2000,00, sendo que no nordeste 60% ganham menos do que R$530,00. Os professores dos níveis mais baixos de ensino continuam recebendo em média os menores salários. Quanto ao setor em que trabalham, os professores públicos recebem maiores salários que os do setor privado na educação infantil e no ensino fundamental, enquanto no ensino médio os rendimentos são equivalentes com tendência melhor para os professores públicos (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2006).

    Os salários recebidos pelos professores não são compensadores, especialmente em relação às tarefas que lhes são atribuídas. Comparados a outras categorias que também exigem formação superior e que apresentam perfil profissional semelhante, tais como arquitetos, biólogos, dentistas, farmacêuticos, enfermeiros, advogados e jornalistas, verifica-se que os professores têm rendimento médio muito menor, mesmo considerando jornadas (em horas) de trabalho iguais (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA, 2006). Embora exista o discurso de que o aumento do salário não garante melhor qualidade na educação, vale ressaltar que carreiras pouco atraentes não despertam o interesse entre as novas gerações e nem para aqueles que se consideram com melhores chances em outras áreas profissionais. Além disso, em relação aos planos de carreira, observa-se que a maioria adota como fator de progressão apenas o tempo de serviço ou mudança de função. E também, os planos de carreira de professores geralmente não oferecem estimulo à permanência na docência (GATTI; BARRETO, 2009).

    Outro importante aspecto em relação à docência refere-se às condições de trabalho que o professor brasileiro enfrenta na sua prática diária. Estudos têm mostrado a influência de tais condições sobre o desempenho profissional dos professores, bem como sobre sua saúde e qualidade de vida. Embora as pesquisas existentes sobre condições de trabalho docente não permitam o detalhamento do tema, os dados disponíveis mostram que a maioria dos professores tem carga horária semanal superior a 20 horas o que sugere que esses indivíduos têm como atividade principal o exercício do magistério, especialmente nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio onde se concentram os professores com ensino superior. A jornada de trabalho aumenta de acordo com as series mais avançadas, chegando a 40 horas semanais em algumas disciplinas no ensino médio. Tal fato se dá, provavelmente, pela falta de professores nessas áreas especificas fazendo com que eles atuem em mais de um turno ou escola, e principalmente, pela necessidade de aumentar os rendimentos (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2003).

    A excessiva carga horária de trabalho do professor tem sido apontada como um dos fatores da precarização do trabalho docente e uma das principais causas de adoecimento entre os professores. As atividades profissionais do professor acabam por exceder o ambiente laboral e invadem o espaço domestico, afetam o tempo livre e de lazer do professor, o contato com a família e com amigos. Infelizmente, essa situação ainda assume-se como um aspecto natural da profissão, não sendo questionado pelos docentes (GARRIDO, 2005).

    A quantidade de alunos por turma também é um fator que está diretamente relacionada às condições de trabalho do professor, assim como com os resultados de aprendizagem dos alunos. O número médio de alunos por turma pode ser considerado elevado em todos os níveis de ensino, variando de 18 alunos por turma na creche até 37 alunos no ensino médio. As regiões Norte e Nordeste possuem as maiores médias de alunos por turmas. Em relação às redes de ensino, as maiores médias de alunos por turmas estão na rede pública em todos os níveis de ensino, o que torna mais difícil a condição de trabalho do professor quando atua na escola pública (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2003).

    O excesso de alunos por turma tem sido uma queixa frequentemente citada pelos professores brasileiros. Em muitos locais, existem casos de formação de turmas excessivamente numerosas, contando com a evasão dos alunos para atingir uma composição numérica mais equilibrada (SAMPAIO; MARIN, 2004). Embora este seja um aspecto complexo e de delicada discussão, acredita-se que as classes menos numerosas permitam melhores resultados por parte dos alunos, sobretudo na educação pré-primária e primária. Entretanto, aspectos como organização do currículo, procedimentos de ensino, atendimento aos alunos, entre outros, devem ser considerados ao avaliar os dados sobre o número de alunos por turma (SINISCALCO, 2003).

    Quanto às condições de infraestrutura e recursos disponíveis na escola, observa-se uma variação de acordo com a rede de ensino e a localização regional. Enquanto 80% das escolas privadas possuem biblioteca, na rede pública esse índice é de apenas 55%. A existência de laboratório de informática e acesso à internet ocorre em 64% das escolas privadas, mas somente em 26% das escolas públicas, assim como os laboratórios de ciências que existem em 46% das escolas da rede privada e em apenas 20% das escolas da rede pública. Além desses, existem outros indicadores que mostram a maior dificuldade enfrentada pelos professores da rede pública em comparação aos da rede privada para o desenvolvimento do seu trabalho. No entanto, as escolas privadas também deixam a desejar em muitos aspectos, pois a simples existência de um bem não assegura sua utilização, além do que tendo em conta as altas mensalidades cobradas, as escolas privadas deveriam dispor uma infraestrutura e recursos muito mais diversificados (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2003).

    Diferenças também são observadas entre as diversas regiões do país. Na Região Sul, 78% das escolas públicas possuem biblioteca, 34% tem laboratório de informática e 38% laboratório de ciências, enquanto que na Região Nordeste esses índices são, respectivamente, 34%, 12% e 6%. Esses dados evidenciam a maior dificuldade que o professor da Região Nordeste terá para oferecer um ensino de qualidade aos seus alunos, comparado ao professor que trabalha na Região Sul, mesmo supondo um nível de qualificação equivalente (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2003).

As condições de saúde do professor

    As condições de saúde dos professores têm sido estreitamente relacionadas com as condições de trabalho da categoria. Embora os estudos sobre a saúde dos trabalhadores do campo da educação sejam relativamente recentes e escassos, existe uma razoável literatura demonstrando a existência de processos no trabalho que podem beneficiar ou afetar a saúde dos trabalhadores e a influência das condições de trabalho e saúde sobre o rendimento profissional (CAMPOS, 2005).

    Atualmente, o trabalho docente tem se revelado como uma atividade intensa e desgastante, com reflexos negativos sobre a saúde e qualidade de vida dos professores (FERNANDES; ROCHA, 2009; SANTAVIRTA et al., 2007). Muitos dos estudos têm classificado o trabalho docente em função da relação entre o nível de exigência das tarefas e o controle exercido pelo próprio indivíduo sobre as atividades. Os resultados demonstram que a maioria do professores com complicações de saúde tem o seu trabalho caracterizado como ativo e de alta exigência (FERNANDES; ROCHA, 2009; PORTO et al., 2006).

    Os efeitos negativos que o trabalho exerce sobre a saúde do professor podem ser ilustrados reconhecendo as elevadas taxas de absenteísmo (ausência no trabalho decorrente de um problema de saúde/doença) e de aposentadoria antecipada por problemas de saúde observados na categoria. Estudos na Europa mostram uma importante proporção de professores que se aposentam antecipadamente por estarem inaptos para o trabalho. As principais causas identificadas são as doenças mentais, sintomas ou distúrbios osteomusculares, as doenças cardiovasculares e circulatórias, e o câncer (BROWN; GILMOUR; MACDONALD, 2006; MAGUIRE; O’CONNELL, 2007; WEBER; LEDERER, 2006).

    Em alguns países da América Latina, incluindo o Brasil, apesar de não se dispor de informações sobre aposentadoria antecipada dos professores devido a problemas de saúde, os dados mostram um elevado número de licenças médicas e afastamentos do trabalho entre os docentes. Os principais motivos das ausências relacionam-se ao cansaço emocional e a presença de distúrbios psíquicos. Além disso, a maior parcela de licenças médicas se concentra entre os professores expostos a um maior grau de exigência ergonômica (GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005; GARRIDO, 2005).

    A carga de trabalho existente na atividade docente parece ser uma das principais causas para o desgaste físico e mental dos professores. Alguns importantes fatores incluem a grande quantidade de horas destinadas ao trabalho, o pouco tempo para o descanso no espaço laboral, a dupla jornada de tarefas em casa e no trabalho, a redução do tempo livre para o lazer e contato com a família e as condições inadequadas de infraestrutura. Recentemente, a violência no ambiente escolar também tem se tornado um fator de desgaste presente no âmbito do trabalho docente (GARRIDO, 2005; KOHEN, 2005).

    Outros aspectos também circundam a problemática da saúde e do trabalho de professores. A insatisfação com o trabalho é um componente frequentemente relacionado com o adoecimento dos professores (GARRIDO, 2005; NAGAI et al., 2007). O elevado grau de insatisfação observado deve-se, entre outros fatores, a não valorização e ao não-reconhecimento social do trabalho docente, expressos genericamente pela instabilidade no emprego, pelo desrespeito de alunos, pais e até da comunidade, e ainda pelas condições salariais insatisfatórias (CRUZ; LEMOS, 2005; FREITAS; CRUZ, 2008; GARRIDO, 2005; KOHEN, 2005).

    A motivação e autoestima dos professores, fatores primordiais para a qualidade do trabalho, também são extremamente afetadas pelo pouco valor que a sociedade outorga ao trabalho docente (GAZÓN, 2005). Assim, com o passar dos anos o trabalho docente revela-se como uma prática profissional marcada por sentimentos negativos que acumulam desgastes físicos e emocionais, resultando em sentimentos depressivos e em fadiga crônica que tendem a comprometer tanto o trabalho como a qualidade de vida desses indivíduos (SANTINI; MOLINA-NETO, 2007).

Principais doenças e agravos de saúde entre professores

    Várias das doenças observadas entre os professores podem estar relacionadas com o desenvolvimento de suas atividades profissionais. No entanto, o trabalho do professor não deve ser considerado um fator causal para o adoecimento, mas sim um fator contribuinte ou agravante para o aparecimento de doenças ou distúrbios pré-existentes (PORTO et al., 2004). Conforme Garrido (2005) pode-se identificar três grandes categorias de problemas de saúde entre professores, sendo aqueles relacionados às exigências ergonômicas do trabalho e/ou doenças ocupacionais; os transtornos de saúde mental; e os problemas de saúde geral, em que adquirem importante relevância as doenças crônicas associadas ao estilo de vida.

    As complicações de saúde mais frequentemente relacionadas com as exigências ergonômicas do trabalho docente dizem respeito aos distúrbios vocais e os sintomas osteomusculares e posturais. A relação existente entre carga ergonômica e o desconforto devido à exigência vocal e/ou postural é positiva e direta. Assim, quanto maior for o grau de exigência imposto maior será o percentual de pessoas em sofrimento (GARRIDO, 2005).

    A voz pode ser considerada como uma ferramenta básica de trabalho para o professor, tendo no seu desgaste um fator limitante para o exercício de suas atividades profissionais, assim como para sua saúde e qualidade de vida. A frequência de distúrbios vocais ao longo da vida entre professores é significativamente mais elevada do que na população em geral (ROY et al., 2004). Os professores chegam a apresentar um risco de 2-3 vezes maior de distúrbios vocais em comparação a indivíduos não-professores e o número médio de sintomas vocais observado nesse grupo também é mais elevado (KOWALSKA et al., 2006). A presença de distúrbios da voz afeta negativamente o modo de vida dos professores, especialmente na sua prática profissional. No entanto, os professores não se percebem em um grupo de risco, tendo em conta que a maioria não procura atendimento médico especializado (HAMDAN et al., 2007).

    Em um contexto específico, como o brasileiro, pode-se identificar diversos fatores que contribuem para uma pior qualidade vocal do professor. O número total de aulas lecionadas, salas inadequadas, trabalho repetitivo, ruído em sala de aula e relacionamento ruim com os alunos são alguns desses fatores de riscos. Entretanto, apesar de se observar aspectos negativos relacionados à saúde vocal dos professores, a maioria apresenta dificuldades na percepção do processo saúde-doença (JARDIM; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2007; SILVANY NETO et al., 2000; PENTEADO; PEREIRA, 2007).

    A presença de sintomas osteomusculares entre os docentes é uma complicação de saúde altamente prevalente. Em alguns estudos a presença desses sintomas ocorreu em mais de 90% da amostra e esteve relacionada ao sexo feminino, inatividade física, tempo de docência menor de 15 anos e ausência de filhos (CARVALHO; ALEXANDRE, 2006; FERNANDES; ROCHA; OLIVEIRA, 2009). Muitas dessas complicações estão relacionadas às lesões por esforços repetitivos ou distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (PORTO et al., 2004), também conhecidos como DORT. Sandmark (2000) observou que a presença de distúrbios osteomusculares, especialmente de joelho e quadril, foi superior entre indivíduos professores do que em seus referentes da população geral.

    Por outro lado, muitas das complicações de saúde observadas entre os professores dizem respeito aos problemas de saúde mental, tais como estresse, síndrome de burnout, ansiedade, depressão, insônia, entre outros (GARRIDO, 2005). Nas últimas décadas, houve um crescimento significativo no número de casos de transtornos mentais na categoria docente, especialmente de casos de estresse e da síndrome de burnout (síndrome da desistência), associados ou não a outras patologias (CRUZ; LEMOS, 2005).

    As prevalências de auto relato de estresse atingem em torno de 40% dos professores e afetam significativamente mais as mulheres do que os homens. Fatores como o maior tempo de docência, grandes jornadas de trabalho, elevado esforço no trabalho e o desequilíbrio entre aspectos do trabalho e da vida pessoal estão entre os principais fatores estressantes (GOMES et al., 2006; PARK; JEON; PARK, 2007; PHILIPS; SEM, McNAMEE, 2007). Além disso, o estresse relacionado ao trabalho tem sido apontado pelos professores como um dos principais fatores para a incapacidade ocupacional (EMSLEY; EMSLEY; SEEDAT, 2009).

    Existem ainda outros importantes fatores, tais como a insatisfação no trabalho e o reduzido tempo de lazer, que estão associados com outros distúrbios psíquicos e pior saúde mental dos professores, particularmente entre as mulheres (MORENOABRIL et al., 2007; NAGAI et al., 2007). Estudos realizados regionalmente evidenciaram prevalências de queixas e diagnósticos de problemas mentais nos professores brasileiros entre 40%-50%. Estes dados estiveram intimamente relacionadas com aspectos do trabalho docente, tais como, o tipo e forma de organização do trabalho, a alta demanda e baixo controle das atividades, a experiência com a violência, além de aspectos de infraestrutura (DELCOR et al., 2004; GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2006; PORTO et al., 2006).

    Existem ainda as complicações de saúde geral observadas na categoria docente, em que as doenças crônicas associadas ao estilo de vida começam a adquirir importância, particularmente nos países da América Latina. Tradicionalmente esses fatores fazem parte dos costumes e hábitos da população e não deveriam apresentar grandes implicações com o trabalho. Entretanto, algumas evidências apontam que em profissões onde a demanda de trabalho é elevada, o controle sobre as atividades é limitado e existe um escasso suporte social – todas essas características observadas no trabalho do professor – os principais riscos à saúde são relacionados às doenças crônicas, como por exemplo as doenças cardíacas e circulatórias (GARRIDO, 2005).

    Em um estudo com professores universitários da região sul do Brasil, a maioria dos indivíduos (58,9%) apresentou a presença de pelo menos dois comportamentos de risco do estilo de vida com a baixa ingestão de frutas e verduras o comportamento mais prevalente, sendo observado em 85,1% dos homens e 79,6% das mulheres (REIS, 2005). De fato, várias evidências mostram que o comportamento de risco à saúde, relacionado ao estilo de vida, mais prevalente entre os professores diz respeito aos hábitos alimentares inadequados (MADUREIRA; FONSECA; MAIA, 2003; SILVA, 2006; LEMOS; NASCIMENTO; BORGATTO, 2007; BOTH; NASCIMENTO; BORGATTO, 2007).

    Em relação ao tabagismo, apesar do hábito de fumar pareça ser comum na categoria docente, alguns estudos demonstram baixas prevalências variando de 5% a 18% e concentram-se, particularmente, entre os homens. Além disso, tem se evidenciado uma tendência de diminuição do consumo de tabaco entre os professores (ALNASIR, 2004; REYNOLDS et al., 2004; LAUNAY et al., 2010). Em contrapartida, Maziak et al. (2000) e Unsal et al. (2008) observaram a prevalência de tabagismo em mais da metade das amostras de seus estudos, o que foi avaliado como sendo muito negativo pelos pesquisadores, tanto pelos aspectos prejudiciais que o uso do tabaco pode proporcionar à saúde dos professores como pelo fato dos jovens, muitas vezes, adotarem hábitos e comportamentos de seus professores como uma referência.

    Outro importante comportamento do estilo de vida refere-se ao consumo de bebidas alcoólicas, sendo este um comportamento bastante presente entre os docentes. Alguns dados mostram prevalências elevadas (de 65% a 75%) de consumo de álcool, sendo maior entre os homens, no entanto, parece existir uma tendência maior de consumo abusivo de bebidas alcoólicas entre as mulheres (CHANG et al., 2007; REIS, 2005). Contrariamente, outros estudos observaram reduzidas taxas de consumo de álcool entre os docentes, sendo que a maioria dos indivíduos ingeria menos de uma dose de álcool por semana (SANTOS, 2006; SILVA, 2006).

    A prática regular de atividades físicas, considerada uma importante medida de promoção da saúde, parece difícil de ser implementada no contexto de vida dos professores devido a diversos fatores, por exemplo, pelo excesso de horas de trabalho e pela falta de tempo para o lazer (GARRIDO, 2005). Em estudos de acompanhamento realizados nos EUA, foram identificados que entre 21% e 29% das professoras avaliadas realizavam não mais do que 30 minutos de atividade física por semana ao longo da vida. Nestes trabalhos as professoras mais ativas fisicamente eram na maioria brancas, jovens, não-fumantes e com dieta rica em fibras, demonstrando a relação entre os hábitos de atividades físicas com outros comportamentos positivos de saúde (DALLAL et al., 2007; MAI et al., 2007).

    Os dados sobre prevalência de atividade física entre professores brasileiros são preocupantes e revelam que entre 48% e 70% podem ser classificados como inativos. No entanto, parece não haver diferenças significativas entre os gêneros quanto à prática de atividades físicas, tornando-se difícil o estabelecimento de um padrão a esse respeito (PETROSKI, 2005; SANTOS, 2006). Ainda, a inatividade física parece estar associada à percepção elevada de estresse, a pior percepção das condições de saúde e das condições de trabalho entre os docentes (REIS, 2005; SANTOS, 2006). Nesse sentido, além desses, outros aspectos negativos do estilo de vida como o excesso de peso, alimentação irregular e pressão arterial elevada contribuem para uma percepção de saúde desfavorável (SANTOS, 2011). Esses dados demonstram a íntima relação entre os diferentes aspectos do estilo de vida e sua importância para o bem-estar geral de saúde.

Conclusão

Este estudo revisou a literatura disponível acerca das condições de saúde de professores e de sua relação com o trabalho, tendo como fundo o contexto brasileiro. O trabalho docente caracterizou-se como uma atividade intensa em vários aspectos, expressando-se tanto pela elevada carga horária presente, pelas exigências e cobranças por resultados impostas aos profissionais ou na precária infraestrutura existente, como pela desvalorização social e pela remuneração insuficiente e muito aquém da importância e necessidade dos professores.

Quanto às condições de saúde, foi possível identificar três grandes categorias de doenças entre dos docentes, estando essas relacionadas às exigências ergonômicas, as doenças mentais e uma categoria de doenças em geral, na qual se destacam as doenças crônicas associadas ao estilo de vida. Vários dados apontam para uma possível relação entre características do trabalho docente e a presença de aspectos desfavoráveis na saúde e no estilo de vida nesses indivíduos. As complicações mais frequentes são aquelas relacionadas à saúde mental, como estresse e a síndrome de Burnout. Entretanto, as presenças de fatores de risco como o sedentarismo, excesso de peso e alimentação inadequada têm sido identificadas em boa parte dos estudos realizados recentemente.

Por fim, salienta-se a necessidade de melhores investigações sobre os fatores de risco do estilo da vida relacionados à saúde entre professores, de modo que se possa identificar o perfil de saúde e estilo de vida da categoria, possíveis problemas existentes e a proposição de estratégias para adoção de comportamentos positivos de vida. 

Referências

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