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A inserção da mulher na arte marcial: o caso do kung fu

Integración de la mujer en las artes marciales: el caso de kung fu

The integration of women in the martial arts: the case of kung fu

 

*Graduanda do curso de Ciências da Atividade Física da Universidade de São Paulo

**Professor Doutor da Universidade de São Paulo

Financiamentos: Pró-Reitoria de Pesquisa. Núcleo de Apoio à Pesquisa. LUDENS

Pró-Reitoria de Extensão. Projeto Aprender com Cultura

Simone Ferraz*

Marco Antonio Bettine de Almeida**

marcobettine@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          De acordo com a Psicologia Sócio-Histórica, o sujeito é compreendido como consciência e corpo, e objetividade e subjetividade, pelo qual é constituído e constituinte do contexto social em que se encontra. A partir deste entendimento, o objetivo deste trabalho é identificar se a presença de uma professora nas aulas de Kung Fu atrairá maior público feminino ou masculino. Diante deste desígnio, relacionar as aulas de Kung Fu ministradas por uma mulher à construção social que impõe a idéia de gênero, buscando compreender o efeito que esta vivência irá surtir nos conceitos, idéias e pensamentos dos alunos participantes. O estudo foi desenvolvido junto aos participantes do “Projeto Aulas de Kung Fu para a Comunidade da EACH”, o qual foi criado no ano de 2011, pelo processo Ensinar com Cultura e Extensão da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). O projeto ocorreu duas vezes por semana, com duração de uma hora cada aula, contemplando os 20 primeiros inscritos com idades entre 18 e 46 anos.

          Unitermos: Kung Fu. Gênero. Extensão universitária.

 

Resumen

          De acuerdo con la psicología socio-histórico, el sujeto se entiende como la conciencia y el cuerpo y la subjetividad y la objetividad, la cual está constituida por y constitutiva del contexto social en que se encuentra. A partir de este entendimiento, el objetivo de este estudio es identificar la presencia de un maestro de Kung Fu clases de atraer un mayor público femenino o masculino. Teniendo en cuenta este diseño, para relacionar las lecciones de Kung Fu enseñado por una mujer en la construcción social que refuerza la idea de género, tratando de entender el efecto que esta experiencia se disparará en los conceptos, ideas y pensamientos de los estudiantes. El estudio se realizó con los participantes del "Proyecto de Clases de Kung Fu para cada Comunidad", que fue creado en 2011 a través del proceso de enseñanza de la cultura y extensión de la Escuela de Artes, Ciencias y Humanidades de la Universidad de Sao Paulo (CADA-USP). El proyecto se llevó a cabo dos veces por semana, una hora de duración cada clase, que abarca los primeros 20 suscriptores de entre 18 y 46 años.

          Palabras clave: Kung Fu. Género. Extensión universitaria.

 

Abstract

          According to the Socio-Historical Psychology, the subject is understood as consciousness and body, and subjectivity and objectivity, which is constituted by and constitutive of the social context in which it is. From this understanding, the objective of this study is to identify the presence of a teacher in Kung Fu classes attract greater public female or male. Given this design, to relate the lessons of Kung Fu taught by a woman in the social construction that enforces the idea of gender, trying to understand the effect that this experience will surge in concepts, ideas and thoughts of the students. The study was conducted with the participants of the "Project Kung Fu Classes for EACH of the Community," which was created in 2011 through the process with Culture Teaching and Extension of the School of Arts, Sciences and Humanities of the University of Sao Paulo (EACH-USP). The project took place twice a week, lasting one hour each class, covering the first 20 subscribers aged between 18 and 46 years.

          Keywords: Kung Fu. Gender. University extension.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 166, Marzo de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Kung Fu

    O Kung Fu faz parte da grande herança cultural do povo chinês e sua origem pode ser encontrada na pré-história, onde nossos ancestrais lutavam contra animais e outros homens com a finalidade de garantir sua sobrevivência (Ji,1986). Com isso, os guerreiros compreenderam a importância de melhorar a capacidade física e as habilidades de combate, além de possuírem boas armas, com treinamento de alta intensidade em tempos de paz. O treinamento propiciou o surgimento de inúmeras artes marciais com o decorrer do tempo, incluindo o Kung Fu. Segundo Minick (1975), o Kung Fu é conhecido pela observação e inspirado nos movimentos dos animais.

    Segundo Ortega (1997), o Kung Fu deve ser visto como atividade esportiva sistematizada e com regras próprias, medidas que permitem a organização de torneios e campeonatos. As competições são caracterizadas em três categorias, formas ou rotinas (Kati), Lutas combinadas (Toi Chat) e os Combates (Kuoshu e Sanshou).

    Segundo Sartre (1984), corpo e consciência constituem o homem e deve ser compreendida exclusivamente como “relação à”, enquanto o corpo se refere à pura materialidade.

    A mulher sem dúvida possui um papel significativo na sociedade, antigamente seu papel era rapidamente relacionado ao cuidado do lar, do marido e dos filhos, porém esta visão sobre qual é o lugar da mulher e qual é o seu papel, começou a mudar com o passar do tempo, e sabemos que mudanças até serem completamente concretizadas passam por um processo de tempo e adaptações (ADELMAN, 2006). Partindo deste pressuposto, podem-se apontar alguns motivos que levariam a discriminação de gênero relacionado ás mulheres, especificamente na área das artes marciais.

    A grande importância de se estudar estas questões sobre gênero abrange toda a sociedade, o que esta progredindo, que mudanças isto trouxe e quais foram os motivos que causaram estas mudanças. O espaço que vem sendo conquistado pelas mulheres é de fato pela luta destas por ele, ou apenas foi mais um meio capitalista de exploração, seguindo a idéia de Karl Marx? Seria melhor manter as mulheres em casa, ou no mercado de trabalho, nos esportes de alto rendimento para simplesmente serem mais um meio de produção? As mulheres mesmo sendo inseridas nos esportes, realmente têm conseguindo quebrar o tabu de sexo frágil, ou de do lar, ou a idéia continua sendo a mesma? Existe preconceito das próprias mulheres em relação a estas atitudes? Será mais correto ficar em casa cuidando dos filhos, tem razão uma mulher deixar uma babá com os filhos pra ir pra uma quadra? Existe uma boa aceitação dos maridos quantos as mulheres envolvidas profissionalmente no esporte? São questões importantes que não só abrangem a questão profissional das mulheres, mas sim a própria subjetividade.

    Acreditando na tamanha importância que a questão de gênero apresenta, acrescento também que existem algumas limitações que dizem respeito à inserção das mulheres nas artes marciais. Uma limitação está no fato de que muitas vezes as próprias mulheres são preconceituosas em relação às mulheres que praticam esportes, muitas são mais conservadoras e sim, apóiam a idéia de que lugar de mulher é em casa, e que alguns determinados tipos de esportes masculinizam as mulheres.

    Que mulher nunca viu uma fisiculturista e rapidamente fez uma ligação ao corpo masculino? Outro ponto ocorre a partir da idéia de ser mãe, constituir uma família, ao optar por ser uma instrutora de artes marciais, por exemplo, a mulher precisa de dedicação exclusiva, e muitas vezes ela opta por priorizar sua carreira profissional deixando a vida pessoal para segundo plano. È diferente um homem construir uma família, sua mulher fica grávida em casa e ele vai para o treino, já a mulher não, ela passa por todo o processo, e uma hora, nem que seja por poucos meses, terá que abandonar sua carreira para dedicar-se á seu filho.

    Busca-se neste trabalho identificar se a presença de uma professora nas aulas de Kung Fu influenciará na escolha pela prática da arte marcial.

    Os benefícios resultantes da prática do Kung Fu são ótimos para o bem-estar do corpo e equilíbrio da mente, já que em paralelo à prática da técnica, o aluno é incentivado a conhecer a cultura filosófica que suporta esta arte marcial milenar e percussora das demais artes marciais. Alguns dos benefícios propiciados pela sua prática são:

    A prática regular de atividade física é de extrema importância e carrega consigo uma série de benefícios físicos, psicológicos e sociais. A aplicação das aulas de Kung Fu além de proporcionar todos estes benefícios aos discentes da EACH foi um instrumento de compreensão do processo de construção social que impõem a idéia de gênero, e partindo deste pressuposto, compreendeu-se o este processo na comunidade da EACH.

Gênero e identidade

    O mundo social constrói o corpo como realidade sexuada e como depositário de princípios de visão e de divisão sexualizantes. Esta construção abrange principalmente o corpo, em sua estrutura biológica, pois é esta formação estrutural que diferencia os sexos. A diferença biológica entre o corpo masculino e o corpo feminino e principalmente a diferença anatômica entre os órgãos sexuais pode justificar esta diferença socialmente construída entre os gêneros. (BOURDIEU, 2007)

    O corpo é diferenciado socialmente a partir do gênero oposto, o masculino não feminino e o feminino não masculino. Esta definição social quanto à distinção sexual acaba impondo quais práticas convém para cada sexo, proibindo ou desencorajando as condutas consideradas impróprias, como o homossexualismo, ou práticas que podem ser associadas a ele. (BOURDIEU, 2007)

    Por causa da socialização as mulheres são diminuídas e negadas e os homens têm a preocupação em demonstrar a virilidade a todo o momento, uma vez que os homens têm quase que por obrigação a responsabilidade de envolver-se em atividades que demonstrem sua masculinidade, como os esportes de luta. A masculinização do corpo masculino e a feminilização do corpo feminino são tarefas intermináveis que levam tempo e necessitam de muito esforço. (BOURDIEU, 2007)

    Tempos atrás a mulher era considerada como sexo frágil, as que tomavam uma posição de entrada em algum esporte, principalmente os de dominação masculina, eram a minoria. Com o passar do tempo, as mulheres começaram a sair em busca da conquista de seu lugar dentro do esporte, porém até os dias atuais elas continuam sofrendo com a discriminação, pois alguns esportes continuam sendo muito masculinizados e fechados, além do fato de que muitos homens ainda não aceitam a participação da mulher dentro do esporte (ADELMAN, 2006).

    O preconceito e discriminação existentes se dão por causa da construção social que impõe a idéia de gênero que determinam quais são os comportamentos que se encaixam dentro de um determinado padrão, distinguindo certas atividades como masculinas ou femininas, sendo estas utilizadas como representações sociais e culturais dentro da construção social. (BOURDIEU, 2007)

    A posição de superioridade pode ser relacionada à idéia de dominação de Max Weber, partindo de que as mulheres são dominadas pelos homens, o homem é o forte, a mulher é a fraca, o homem é o provedor do lar, a mulher é quem cuida dos filhos, o homem vai para o futebol e as mulheres ficam apenas na torcida, mulheres precisam fazer atividades mais leves, mais delicadas, mais femininas...

    Pode-se apontar outra idéia partindo de um trecho de Norbert Elias:

    “A idéia tradicional de uma “razão” de que todas as pessoas são dotadas por natureza como uma peculiaridade inata da espécie humana e que ilumina todo o ambiente como um farol (a menos que haja uma disfunção) conforma-se muito pouco aos fatos observáveis. Por mais corriqueira que seja hoje em dia, essa idéia faz parte de uma imagem do homem em que as observações passíveis de comprovação misturam-se intensamente a fantasias oriundas de desejos e temores”.

    Não seria essa uma grande parte de nossa realidade? As pessoas não seriam dotadas por natureza como uma peculiaridade inata da espécie humana, onde cada um tem que exercer o seu papel? Homens nascem pra fazer coisas de homens e mulheres para fazerem coisas de mulheres, há uma imagem construída sobre o homem e sobre a mulher. Talvez esta não aceitação dos homens em relação às mulheres dentro do esporte esteja na visão construída por ele da mulher como sendo uma invasora, que tenta dominar seu espaço... Este simples temor de ser dominado, de ter em casa uma mulher que joga melhor do que ele próprio.

    Considerada a prática do Kung Fu relativamente masculina, seria um desafio para a mulher fazer parte dela, pois estaria fugindo do padrão de feminilidade. Os movimentos bruscos, os golpes fortes, a utilização de armas como facão, lança e corrente, são características apontadas como masculinas, estereotipando a mulher como masculinizada, podendo trazer supostas dúvidas quanto a sua heterossexualidade, além de desconstruir a sua imagem feminina.

    Apesar de serem inferiorizadas em alguns esportes, as mulheres quando inseridas em determinados esportes, recebem o mesmo nível de cobrança a que os homens são submetidos, precisam igualmente passar por árduos treinamentos e demonstrar resultados positivos, não são vistas como frágeis ou delicadas, ao menos sua feminilidade é medida, o que é exigido em uma competição é seu talento, seu número de acertos, uma técnica bem executada (ADELMAN, 2006). Nas artes marciais, por exemplo, não há distinção entre gêneros, podendo assim um homem e uma mulher lutar entre si, porém, não se pode descartar o fato de as lutas em geral ainda são estereotipadas como masculinas, o que reduz grandemente a participação das mulheres nesta prática conseqüentemente.

    Talvez um maior direcionamento da aquisição do gosto pelas artes marciais, principalmente no âmbito acadêmico possa ser instrumento para o início de possíveis mudanças e rompimento de alguns paradigmas sobre as artes marciais, sendo vista e ensinada como uma profissão como qualquer outra e também como forma de lazer, que não se volta exclusivamente para públicos específicos.

Metodologia

    O projeto foi aplicado no Tatame no espaço laranja do Centro de Práticas de Atividade Física- CEPAF, as aulas foram realizadas as terças e quintas das 18:30h às 19:30h. Participaram 16 alunos, 8 mulheres e 8 homens, sendo 4 desistências (2 homens e 2 mulheres). O critério de seleção foi baseado na ordem de inscrição no qual os 20 primeiro inscritos foram contemplados com a vaga. Foi aplicado um questionário sobre gênero (Likert Scale) após uma semana de início e um segundo questionário foi aplicado no final da intervenção das aulas.

Resultados

    A turma ficou homogênea, de modo que metade dos alunos são homens e outra metade são mulheres. Este é um dado curioso, uma vez que nas academias de artes marciais a maioria dos alunos são homens.

    As respostas do primeiro questionário mostraram que os alunos não foram influenciados quanto ao profissional que ministra as aulas. Mais de 95% responderam que a mulher não perde sua feminilidade tanto no âmbito de executar as aulas quanto no de ministrar aulas. No entanto, 5% revelaram que a mulher perde sim sua feminilidade, na prática: a timidez, a vaidade e a sensibilidade são minimizadas.

    No segundo questionário 100% dos alunos responderam que uma mulher dando aulas de Kung Fu não interfere em suas escolhas, assim como, não perde sua feminilidade tanto no âmbito do treino quanto no de dar aulas de artes marciais.

    É notória a mudança da sociedade quanto à inserção das mulheres no âmbito esportivo. Uma profissional do sexo feminino influencia de forma indireta a prática do Kung Fu, visto a homogeneidade da turma.

    Outro dado curioso foram os números de inscritos no projeto. Houve 55 pessoas interessadas em participar do projeto, sendo que 28 eram homens e 27 mulheres, o que evidencia o interesse de ambos os sexos numa prática denominada como masculina.

    Cada vez mais as mulheres vêm vencendo as barreiras impostas pela sociedade machista e conseguindo sua inserção nas artes marciais.

    Essa é uma mudança recente, que demanda tempo e esforço, tendo em vista que esta mudança foi notada dentro de uma Universidade, onde os alunos praticantes do Kung Fu possuem nível superior completo e incompleto.

Conclusão

    Tendo em vista as transformações sociais, é importante que sejam efetivadas mudanças nos aspectos culturais, tornando visível a capacidade que as mulheres têm e suas condições de exercer esportes rotulados como masculinos da mesma forma que os homens têm o direito de exercer esportes rotulados como femininos.

    Segundo Weber (1963), podemos associar o fato de a turma ter ficado homogênea, com um de seus fundamentos que é o patriarcal, ou seja, o patriarca é o senhor que é no caso a professora responsável pelas aulas, e os dominados são os súditos que no caso são os alunos. Para Weber este poder é classificado como dominação estável, devido à solidez e estabilidade do meio social, que se encontra sob a dependência direta e imediata do aprofundamento da tradição na consciência coletiva.

    O Kung Fu é considerado uma prática relativamente masculina, sendo um desafio para a mulher fazer parte dela, pelo simples fato de fugir do padrão de feminilidade.

    Podemos concluir que a aplicação das aulas de Kung Fu, além de proporcionar benefícios à comunidade da EACH, pode atuar como um instrumento de compreensão do processo de construção social que impõem à idéia de gênero.

    Uma explicação se baseia na visão de Michelle Perrot (1988), onde as mulheres exercem “poderes” relativizando, assim, o poder dos homens, não havendo uma passividade por parte das mulheres em relação a uma dominação total, ou seja, o primordial é reencontrar as mulheres em ação inovando em suas práticas, demonstrando toda sua vitalidade, não como autônomas, mas sim, como criadoras do movimento da história.

Referências bibliográficas

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