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Os clubes de futebol e o processo de urbanização e 

racionalização da cultura na região do rio Tietê (1889-1945)

Los clubes de fútbol y el proceso de urbanización y racionalización de la cultura en la región del río Tieté (1889-1945)

 

*Graduanda do curso de Ciências da Atividade Física da Universidade de São Paulo

**Professor Doutor da Universidade de São Paulo

Financiamento: Pró-Reitoria de Pesquisa. Núcleo de Apoio à Pesquisa, LUDENS

(Brasil)

Renata Ferreira*

Marco Antonio Bettine de Almeida**

marcobettine@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Buscou-se compreender e interpretar o processo social, político e econômico do desenvolvimento dos seguintes clubes de futebol: Associação Atlética das Palmeiras, São Paulo Futebol Clube, Sport Club Corinthians Paulista, Associação Atlética São Bento e Esporte Clube Sírio localizados na região do rio Tietê, num período longitudinal que vai da República Velha até o final do Estado Novo, tendo como parâmetro de análise o processo de urbanização e racionalização da cultura. A idéia central é que o processo de urbanização, com a chegada principalmente dos meios de transporte, propiciou condições necessárias para que o esporte fosse inserido às margens do rio. O artigo discute os aspectos políticos, sociais e econômicos do período, o início da prática do futebol no Brasil, o processo de industrialização e urbanização no rio Tietê, a fundação e o desenvolvimento dos clubes de futebol às suas

margens.

          Unitermos: Futebol. Clube. História. Brasil. São Paulo.

 

Abstract

          We sought to understand and interpret the social process, political and economic development of the following football clubs: Athletic Association of Palmeiras, Sao Paulo Football Club, Sport Club Corinthians Paulista, São Bento Athletic Association and Syrian Sports Club located at the river Tiete in a longitudinal period of the Old Republic will by the end of the Estado Novo, with the parameter analysis, the process of urbanization and rationalization of culture. The central idea is that the urbanization process, especially with the arrival of means of transport, provided necessary conditions for the sport was added to the river. The article discusses the political, social and economic period, the start of football practice in Brazil, the process of industrialization and urbanization in the Tiete River, the foundation and development of football clubs on its margins.

          Keywords: Soccer. Club. History. Brasil. São Paulo.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 165, Febrero de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Este estudo partiu da seguinte hipótese: o desenvolvimento econômico, resultante da forte industrialização e urbanização da época analisada (1889-1945) e a chegada dos meios de transporte, tiveram grande importância para a inserção do esporte nas cidades por meio dos clubes de futebol, tendo como meio de difusão a hidrovia à beira do rio Tietê.

    O artigo analisará um período longitudinal que vai do início da República Velha, quando os documentos apontam a chegada do futebol no Brasil até o final do Estado Novo (1945) que gerou mudanças significativas em praticamente todos os aspectos: social, econômico, político e cultural do país.

    Foi realizada uma análise bibliográfica e documental que estudou: (A) o período histórico e os aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos da região do rio Tietê, que proporcionaram uma visão mais ampla sobre o contexto da época; (B) a industrialização e o desenvolvimento dos meios de transporte na região, como forma de identificar sua influência e contribuição para o esporte e; (C) a fundação dos clubes de futebol às margens do rio Tietê, com o propósito de compreender o processo de seu desenvolvimento.

    Foi realizada uma análise interpretativa constituída a partir da ação social do sujeito. Por “ação” foi designada toda a conduta humana, cujos sujeitos vinculem a esta ação um sentido subjetivo, como formar uma Associação Atlética, obter um cargo importante no Estado ou mesmo ser um amante (amador) do esporte que busca um espaço para a prática. Foram enfatizados os sujeitos que tiveram papéis importantes durante o período, como os presidentes dos clubes, os políticos mais influentes, ou seja, os indivíduos que tiveram um papel de destaque no cenário paulista envolvidos com os clubes de futebol ou com o desenvolvimento econômico da região.

1.     Aspectos políticos, sociais e econômicos do período

    A industrialização passou por uma grande aceleração durante o governo de Getúlio Vargas, o que propiciou um maior desenvolvimento da rede de transportes. A expansão dos transportes e comunicações foi condição imprescindível para o incremento do comércio e da indústria, visto que possibilitou a integração de diferentes mercados (SILVEIRA, 2009), que podem ter influenciado diretamente a disseminação da prática esportiva no país.

    São Paulo foi transformado em grande centro urbano por causa do café, pois a grandeza que ele trouxe à economia paulista possibilitou que a cidade se transformasse numa das maiores metrópoles do mundo. O caminho do café rumo ao porto passava por São Paulo. A comercialização, a necessidade dos insumos para o plantio e a rede de comércio colateral trouxe grande alento à capital e, obviamente, a Santos, que se tornou o principal porto da América Latina (NICOLINI, 2001). Em 1876, a inauguração da São Paulo Railway, estrada de ferro que ligava Jundiaí a Santos ocasionou uma concomitante modificação sócio-econômica, que transformou São Paulo no solo apropriado onde pudesse ser lançada a semente do esporte.

    No Brasil, as primeiras experiências de meios e vias de transportes mais avançados ocorrem com a construção das ferrovias e através da navegação fluvial e marítima a vapor. De acordo com a crescente demanda, os portos e seus armazéns se tornaram imprescindíveis para a exportação e importação de produtos e estocagem das cargas (PRADO JR, 2004).

    A dinâmica dos transportes no Brasil a partir do governo de Vargas está diretamente relacionada à participação efetiva do Estado planejador e desenvolvimentista. As infraestruturas: energética e transporte, entendidas como basilares aos investimentos privados, foram estratégias valorizadas pelo Estado e contribuíram efetivamente para o processo de crescimento econômico nacional, principalmente para a industrialização. Os investimentos públicos nos setores hidroviário e portuário eram, basicamente, focados no transporte internacional de cargas e, principalmente, na atividade portuária. O governo Vargas foi o que mais regulamentou a atividade portuária no país, fazendo com que o transporte fluvial passasse a ser tratado como um fator de desenvolvimento econômico, totalmente controlado pelo Estado.

    Durante o governo de Getúlio Vargas ocorreram mudanças que reestruturaram a vida política, econômica, social e cultural no Brasil, entre elas, a promoção do futebol, que foi considerado um elemento fundamental para o incremento de uma nova definição de identidade nacional. O projeto getulista abrangia o esporte como central para a transformação do brasileiro e também para a superação das diferenças políticas. Getúlio empreendeu grandes esforços para estatizar o controle do futebol no país, o que acabou acelerando o processo de sua profissionalização (GUTERMAN, 2010).

2.     O início da prática do futebol no Brasil

    Foi no meio universitário britânico que o esporte começou a ser praticado predominantemente. Jovens das principais escolas inglesas foram os pioneiros a se dedicar a várias modalidades que com o passar do tempo foram consolidadas como olímpicas e transformaram o esporte em valor cultural. Após seus egressos dessas universidades, estes jovens tornaram-se agentes de difusão da atividade esportiva pelos quatro cantos do mundo por onde foram em missão profissional, deixando parte desse valor cultural em todas as regiões em que se radicavam, de forma temporária ou permanente (NICOLINI, 2001).

    Semelhantemente à Inglaterra onde a elite foi a responsável pela criação e organização do futebol, no Brasil, este esporte foi introduzido “pelos relatos oficiais” pelo jovem Charles William Miller, nascido no ano de 1874 em São Paulo, filho de um engenheiro escocês, que foi enviado à Inglaterra para completar seus estudos, onde entrou em contato com o Football, no qual consagrou-se campeão entre os amadores da Inglaterra (FRANCO JÚNIOR, 2007).

    A Várzea do Carmo, às margens do rio Tamanduateí, extensão do rio Tietê, foi importante para demarcar a data de um jogo entre funcionários da Companhia de Gás, do London Bank e São Paulo Railway, (companhia responsável pela construção e exploração do transporte ferroviário entre Jundiaí e o porto de Santos), organizado pelo Charles Miller.

    Em 1888, surge no Brasil o primeiro clube a jogar futebol intitulado São Paulo Athletic Club (do qual Charles Miller era sócio), da colônia inglesa de São Paulo, quando alguns ingleses da São Paulo Railway e outros membros da colônia inglesa começaram a jogar “cricket” numa várzea, nas proximidades da Ponte Grande (uma das pontes que atravessam o Rio Tietê que dividia a capital paulista) (MAZZONI, 1950).

    Em 1902 ocorreu o primeiro campeonato paulista, contando com a participação do São Paulo Athletic Club, o S.C. Germânia, o S.C. Internacional, o C.A. Paulistano e o Mackenzie College. O futebol por no mínimo quinze anos foi dominado pelos clubes mais ricos, porém, também já existiam os clubes chamados varzeanos (MAZZONI, 1950).

    As fronteiras sociais do futebol começaram a ser transpostas através da formação de times improvisados pelos setores populares, e o que antes era simples curiosidade destas camadas, passou a ser prática oficial. O futebol era praticado com materiais improvisados, jogado em terrenos desocupados, tornando-se uma representação da existência negada em outros campos sociais, alastrando-se pelos subúrbios proletários. Logo, as equipes e clubes foram se constituindo pela iniciativa de pequenos comerciantes, operários e artesãos, como o Internacional em 1909 e o Sport Club Corinthians Paulista em 1910 (FRANCO JÚNIOR, 2007).

    O amadorismo oferecia gratificações aos jogadores de origem operária. Os atletas que se sobressaiam, recebiam privilégios, passando a dedicarem-se mais ao clube do que propriamente à empresa da qual eram contratados. Quando eram realizados amistosos e campeonatos, os clubes de elite costumavam cobrar elevados valores pelos ingressos e mensalidades de seus sócios, enquanto que os clubes populares preocupavam-se em oferecer condições mais acessíveis para seus associados nos torneios e confrontos os quais organizava. Nesta época, o futebol desenvolveu um enorme potencial econômico, uma vez que o amadorismo marrom praticado desde 1910 sustentava-se das bilheterias e dos ricos patronos dos clubes. O amadorismo só foi se desconstituir anos depois, com a transição política do governo Vargas que em 1931 estabeleceu que o jogador de futebol deveria ser reconhecido como profissional regulamentado pela legislação trabalhista.

3.     O rio Tietê como meio de transporte e como local de desenvolvimento dos clubes de futebol

    O nascimento e a formação da região metropolitana de São Paulo ocorreu na bacia do rio Tietê, a cerca de 750 metros acima do nível do mar. Comandando os demais rios que se direcionam a ele (os rios Pinheiros, Tamanduateí, Aricanduva e demais afluentes), o rio corre para a região oeste-sudoeste. Sua nascente está localizada a 22 quilômetros do oceano Atlântico, a 840 metros de altitude, e só desemboca suas águas no mar ao final de 3500 quilômetros, depois de engrossar o rio Paraná, onde juntos seguem para alcançar o rio da Prata, seguindo finalmente para o mar (GANHITO e SPLIATTI, 2004).

    Na época da fundação da cidade e São Paulo, por volta de 1554, o rio era utilizado pelos jesuítas, como meio de alcançar os pontos mais distantes da Vila de Piratininga. No caso das bandeiras, o rio Tietê adquiriu grande relevância, pois muitos paulistas chegaram por meio dele à atual região Centro-Oeste, possibilitando consequentemente o surgimento de várias aldeias, povoados e vilas que, posteriormente, se tornaram cidades nos Estados de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais.

    O leito do rio Tietê forneceu a areia e o pedregulho que construíram São Paulo. Havia muitos portos de desembarque até os anos 50, principalmente nas cabeceiras da Ponte Grande. A carga era transportada por um barco grande chamado batelão, com grande capacidade de transportar pelo rio-estrada grandes quantidades do que quer que fosse (NICOLINI, 2001).

    O rio Tietê, inicialmente distanciado do núcleo original da cidade, embora próximo à Freguesia do Ó, Santana e São Miguel Paulista (bairros de São Paulo), durante o século XX foi gradativamente se aproximando da estrutura urbana de São Paulo, até se tornar um elemento componente de sua paisagem. Seu traçado foi retificado e canalizado, e este passou a receber vias expressas em ambas as margens, presenciando o surgimento de novos centros comerciais e a formação dos primeiros clubes esportivos na Ponte Grande já no final do século XIX (MONTEIRO, 2010).

    Próximo ao rio Tamanduateí, havia no rio Tietê um pequeno porto fluvial, e ao final dos anos 40, surgiu a concepção da Hidrovia Tietê - Paraná, que serviria como via de transporte, agricultura, indústria e turismo, com a finalidade de impulsionar a economia da região.

    A Hidrovia Tietê – Paraná visava basicamente o mercado externo. O principal objetivo era o transporte de cargas e produção de energia, com o propósito de fomentar o crescimento econômico paulista (FELIPE, 2008). A partir de um planejamento técnico, várias barragens, hidrelétricas e eclusas foram construídas, pontuando que dentro deste mesmo contexto, o desenvolvimento do Estado de São Paulo era intenso, com ênfase à atividade industrial, expansão das rodovias, e consagração do Brasil como o “país do futebol”.

    O nome Ponte Grande é proveniente da velha ponte de madeira, sustentada por cinco pilastras de ferro, que servia de travessia para o bairro de Santana, próxima ao centro da cidade. A região era formada por chácaras, como a Chácara Floresta e a Chácara Couto de Magalhães.

    A Chácara Floresta, por ser extremamente arborizada, foi um dos locais mais cobiçados para a instalação dos clubes esportivos de São Paulo, nela foram criados os primeiros clubes esportivos da cidade, como o Clube de Regatas São Paulo, Clube de Regatas Tietê, Associação Atlética São Paulo, Associação Portuguesa de Desportos, o Deutsch Sport Club, além de inúmeros campos de futebol que foram se distribuindo pelas várzeas do Tietê, próximos aos bairros da Penha, Vila Maria, Canindé, Lapa, Barra Funda, Ipiranga e Vila Prudente (MONTEIRO, 2010; NICOLINI, 2001).

    Os clubes de futebol começaram a surgir em várias localidades às margens do rio, e muitos clubes que hoje possuem grande destaque ou que são inexistentes atualmente, tiveram ou ainda tem suas sedes banhadas pelo rio Tietê, como o São Paulo Athletic Club, o Sport Club Corinthians Paulista, o Sírio, a Associação Atlética São Bento e a Associação Atlética das Palmeiras.

4.     Fundação e disseminação dos clubes ribeirinhos

Associação Atlética das Palmeiras

    A Associação Atlética das Palmeiras foi fundada em 1902 por jovens moradores do bairro de Santa Cecília, região da atual rua das Palmeiras, Baronesa de Itu e Martim Francisco. No meio destas ruas havia um amplo terreno coberto por vegetação que pouco tempo depois se tornou o local onde se encontravam para jogar futebol. A consagração do clube se deu quando este participou do Campeonato Paulista em 1904, juntamente com Germânia, Paulistano, Mackenzie e Internacional.

    A Associação Atlética das Palmeiras possuía uma grande identificação econômico-cultural com o Clube Atlético Paulistano e com o Clube de Regatas São Paulo, fato que motivou o presidente do Clube de Regatas São Paulo, Alberto Menezes Borba, oferecer à Associação uma parte de terreno localizado na Chácara Floresta, da qual era proprietário, juntamente com Frederico Steidel, ao lado das instalações do Clube de Regatas São Paulo.

    Quando o clube estabeleceu-se na Chácara Floresta em 1904, passou por um período de desenvolvimento. Em 1925, segundo notícia do Jornal do Commercio de 29 de fevereiro de 1925, o clube já contava com um departamento de atletismo, tênis e pingue-pongue, além de um departamento de remo, pólo aquático e bola ao cesto, conforme O Estado de São Paulo, de 6 de março de 1925.

    A Associação Atlética das Palmeiras foi campeã paulista em 1909, 1910 e 1915, participando do futebol paulista até 1929, quando ao final do campeonato daquele ano, unindo-se ao Clube Atlético Paulistano, deu origem ao São Paulo da Floresta.

São Paulo Futebol Clube

    Em 27 de janeiro de 1930 foi fundado o São Paulo da Floresta. A primeira diretoria e o conselho deliberativo foram constituídos por pessoas muito influentes na vida social, política e empresarial de São Paulo, como o presidente Edgard Egydio de Souza Aranha, que era o principal dirigente brasileiro da Light (empresa de energia e dos bondes elétricos), além do 1º vice-presidente Alberto Caldas, o 2º vice-presidente Luiz de Oliveira Barros, o secretário José Martins Costa, o 1º tesoureiro João B. da Cunha Bueno e o 2º tesoureiro Caio Luiz Pereira de Souza. Contava também com Raphael Sampaio e Júlio de Mesquita Filho (diretor do jornal O Estado de São Paulo) nos conselhos fiscal e deliberativo, além de outras personalidades muito influentes.

    Foi na Chácara Floresta que o São Paulo realizou seu primeiro jogo noturno. A história oficial não conta, mas acredita-se que pelo fato de seu presidente ser o principal executivo brasileiro da Light houve melhorias que facilitaram a iluminação do campo, além de que semanas após a fundação do Tricolor paulista, o estádio que antes pertencia à Associação Atlética das Palmeiras passou por significativas reformas (NICOLINI, 2001). O engenheiro e doutor da Universidade de São Paulo, Edgard Egydio de Sousa Aranha era o superintendente da Light & Power Company, tão importante no cenário paulista que a barragem que represa as águas do Tietê, localizada no município de Santana do Parnaíba, recebeu seu nome como forma de homenagem.

    Em 1935, o São Paulo da Floresta passava por tempos difíceis devido ao amadorismo marrom, ao início do profissionalismo e à infeliz compra de uma sede localizada no centro da cidade, o que levou a diretoria à decisão de promover uma fusão entre o São Paulo da Floresta e o Clube de Regatas Tietê, que ostentando ótimas condições financeiras, saldou toda a dívida do novo companheiro. Após essa fusão ocorrida em 17 de abril de 1935, o clube acabou não só deixando a Chácara Floresta, mas sendo brevemente extinto, passando a compor o chamado Clube de Regatas Tietê – São Paulo.

    Em menos de um mês após a fusão, o São Paulo foi reorganizado e nomeado a Clube Atlético São Paulo, entretanto, esta denominação durou apenas um semestre. Poucos meses depois, o clube foi refundado definitivamente, não mais como São Paulo da Floresta ou Clube Atlético São Paulo, mas sim como São Paulo Futebol Clube, estabelecendo-se na Praça da Sé, que rapidamente precisou ser ampliada.

    Com o desejo de estabelecer instalações que fizessem dele um clube poliesportivo, em 1944 o São Paulo Futebol Clube adquiriu um terreno localizado na rua do Porto, que não ficava exatamente às margens do rio Tietê, mas nas lagoas que integravam o complexo daquele curso d’água nas paragens da Ponte Pequena e do Canindé (estádio da Portuguesa Paulista). A partir disso, outras modalidades começaram a ser praticadas, tais como atletismo, basquete, beisebol, bocha, boxe, esgrima, natação em águas abertas, patinação, entre outras.

Sport Club Corinthians Paulista

    O Sport Club Corinthians Paulista foi fundado em setembro de 1910 por um grupo de trabalhadores e operários do bairro do Bom Retiro, tendo como seu primeiro presidente um alfaiate chamado Miguel Bataglia.

    Conquistando a posição de campeão paulista em 1916, o clube passou a almejar um espaço na Ponte Grande, onde pudesse construir um estádio. Para atingir este objetivo, o Corinthians contou com o apoio do deputado Antônio Alcântara Machado, que se encarregou de todas as tramitações com a Prefeitura. Em 1916 quando o presidente do clube era João Baptista Maurício, o contrato de arrendamento foi assinado na presença de Washington Luiz Pereira de Souza, então prefeito de São Paulo, que posteriormente tornou-se o presidente da República. Em 1917, seu estádio foi inaugurado, recebendo os mais rasgados elogios da imprensa.

    A saída do Corinthians da Ponte Grande, só ocorreu dez anos depois, em 1927, pois a torcida era tamanha que o local acabou tornando-se pequeno para o Campeão do Centenário (título dado ao Corinthians em sua vitória de 1922, ano da comemoração do Centenário da Independência e da inauguração do monumento do Ipiranga). Sua mudança foi para o Parque São Jorge, também localizado à beira do rio Tietê, onde desfrutaria de uma área de 45.000 metros quadrados, onde pôde desenvolver esportes aquáticos e náuticos, tornando-se assim poliesportivo.

    Alfredo Schurig foi um dos presidentes que mais contribuiu financeiramente para o Corinthians. Empresário de origem alemã, bem sucedido no ramo de ferragens e parafusos, assumiu o comando do clube em 1930. Schurig, fez diversas doações que viabilizaram o pagamento do local, além da realização de diversas melhorias no estádio e a construção de arquibancadas.

    Schurig acabou renunciando a presidência do Corinthians em 1933, quando o clube sofreu uma derrota de 8 a 0 pelo Palestra Itália durante o Campeonato Paulista. A torcida revoltada com o resultado invadiu a sede do clube, levando Schurig e toda a diretoria ao descontentamento e à decisão de renunciarem seus cargos.

    Em 1939 na presidência de Alfredo Inácio Trindade, o clube dobrou sua área ao adquirir uma parte do terreno vizinho tão grande quanto o Parque São Jorge, ideia sugerida por Manoel Correcher. Em 1962 por iniciativa de seu presidente Wadih Helu, sua área foi aumentada por duas vezes, a primeira para 33.000 metros, e a segunda para mais 42.000 metros de terreno, deixando o clube com mais de 160.000 metros quadrados, tornando-se patrimonialmente riquíssimo, o que trouxe incontáveis benefícios que puderam ser desfrutados pela população situada às proximidades de sua instalação.

Associação Atlética São Bento

    Fundada em 1913, a Associação Atlética São Bento mudou-se para a Ponte Grande em 1927 após a saída do Sport Club Corinthians Paulista deste, onde permaneceu até a sua extinção, ocorrida dez anos depois (NICOLINI, 2001).

    O nome São Bento refere-se ao Colégio São Bento, celeiro de bons jogadores, onde o futebol era praticado desde a sua chegada ao Brasil. Para que o clube fosse fundado, um dos padres do colégio chamado d. Koton, inconformado com a dispersão de valores na época, sugeriu que todos os ex-alunos que se encontravam em outras esquadras, retornassem ao colégio. Esta sugestão conseguiu reunir muitos dos melhores craques da época.

    Em 1914, a A.A. São Bento conquistou o Campeonato Paulista da Apea, o que não foi de grande surpresa, já que sua equipe era composta por jogadores já consagrados no futebol.

    Possuindo um espírito amadorista, o clube, como tantas outras agremiações, não resistiu à oficialização do futebol profissional em 1933. O clube permaneceu de forma autônoma até 1937, quando seus dirigentes já cansados e desmotivados, concordaram em promover uma fusão do clube com o C.R. Tietê, na qual a A.A. São Bento extinguiu-se. O documento oficial foi assinado por Lauro Gomes de Almeida, último presidente do clube, homem público de prestígio, ligado à administração pública e ao esporte, na ocasião importante executivo do Frigorífico Anglo e posteriormente, prefeito de São Bernardo do Campo, deputado federal e estadual por São Paulo. Devido a fusão, o antigo estádio da A.A. São Bento foi transformado, dando lugar para jardins e quadras de tênis tieteanas, ampliando assim a estrutura física do C.R. Tietê.

Esporte Clube Sírio

    O Esporte Clube Sírio foi fundado em 1917 num quarto de pensão da rua Augusta, durante a festa de aniversário de Milheim Simão Racy, seu primeiro presidente. A iniciativa de formar um clube partiu de um grupo de jovens sírio-libaneses, que necessitavam de uma entidade que os agrupasse e representasse. O E.C. Sírio foi instalado em um prédio localizado na rua Comércio, centro da cidade, até 1920, onde um surto de progresso exigiu que o clube se mudasse para um local maior. O E.C. Sírio então estabeleceu a sua sede na rua Florêncio de Abreu e alugou um espaço no Parque São Jorge.

    Em 1924 o E.C. Sírio adquiriu um terreno próprio de 45.000 metros quadrados na confluência da rua Pedro Vicente com a avenida Cruzeiro do Sul. O terreno, apesar de não ser localizado nas margens do rio Tietê, ligava-se às suas águas através de pequenas lagoas resultantes da extração de areia, o que possibilitou o clube desenvolver esportes aquáticos.

    Em 1930 a construção de seu estádio foi terminada, e o clube já havia se tornado poliesportivo, competindo oficialmente em pedestrianismo, voleibol, atletismo e basquetebol, porém, no que se refere ao futebol, o clube permaneceu participando dos campeonatos da Apea somente até 1934 por causa da oficialização da profissionalização do futebol, não conseguindo se incorporar aos moldes implantados deste sistema altamente dispendioso.

    Alguns anos depois, em decorrência da elevação do nível socioeconômico da colônia sírio-libanesa e da sua mudança para a zona sul da cidade, o clube transferiu-se de sede, deixando para trás a Ponte Pequena e toda a sua trajetória relacionada ao rio Tietê. Em 1950 na avenida Indianópolis, as suas novas instalações começaram a ser construídas, e o clube conforme crescia, se destacava na prática de handebol e basquetebol.

Considerações finais

    Os primeiros clubes esportivos têm ligação direta ou indireta com as indústrias e principalmente, com os meios de transporte. Haviam muitos portos fluviais no rio Tietê até os anos 50, enquanto os clubes se desenvolviam, eles faziam desembarcações. Os portos fluviais favoreceram a urbanização paulista, pois fizeram parte das hidrovias, eclusas, canais artificiais, barragens e do sistema viário.

    A década de 1930 foi um período de extrema importância para o desenvolvimento de alguns clubes de futebol localizados às margens do rio Tietê. O São Paulo Futebol Clube e o Sport Club Corinthians Paulista, por exemplo, passaram por um grande desenvolvimento durante esta década, na qual ambos eram liderados e apoiados por sujeitos muito influentes na sociedade, pertencentes à elite paulista, envolvidos com a indústria ou com a política.

    Alguns autores relatam que sem o profissionalismo o futebol brasileiro não teria crescido tanto (NOGUEIRA, 2006), porém observamos que alguns clubes como a Associação Atlética São Bento e o Esporte Clube Sírio não resistiram à oficialização do futebol profissional, imposta pelo governo de Getúlio Vargas em 1933.

    Conclui-se a importância da urbanização e industrialização na região do rio Tietê para a disseminação do esporte pelo país, com destaque para o Estado de São Paulo. O processo de urbanização, com a chegada principalmente dos meios de transporte, propiciou as condições necessárias para que o esporte fosse inserido às margens e às cidades próximas ao rio Tietê, por meio dos clubes de futebol.

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