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Ludicidade, necessidade e possibilidades: o tempo livre dos cooperados

Recreación, necesidad y posibilidades: el tiempo libre de los cooperativistas

 

*Mestrando em Ciências da Motricidade. UNESP de Rio Claro/SP. Bolsista

pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq

**Professora Adjunta UNESP de Rio Claro/SP

***Bacharel em Educação Física – UEL

(Brasil)

Daniel Bidia Olmedo Tejera*

Carmem Maria Aguiar**

Leandro Dri Manfiolete***

olmedo@ig.com.br

 

 

 

 

Resumo

          No presente trabalho, será analisado de que forma ocorre ás atividades de trabalhadores e trabalhadoras de algumas Cooperativas de Piracicaba no seu tempo livre. Será versado aqui sobre a compreensão do tipo de atividade experimentada por essas pessoas e de que modo eles vêem tal prática. Este estudo acaba tornando-se interessante na medida em que foi realizado com pessoas que lutam para aumentar seu orçamento familiar e construir um espaço de trabalho com dignidade, partilha e construção nas diferenças. Igualmente buscam também uma renda fixa e ascender socialmente, dai surge á questão: como que essas pessoas – ainda em busca de condições dignas de vida através do trabalho – utilizam e percebem o seu tempo livre? Tempo livre este que não proporciona momentos propícios ao lucro. Considerando o contexto social em que vivemos, atividades que não geram lucro ou capacitação para gerá-lo é considerada “perda de tempo”. Na nossa sociedade, quem desfruta do lazer são as pessoas que já tem um emprego onde se recebe um salário suficiente para suprir todas as necessidades básicas, ou os estudantes que já fizeram os deveres de casa, enfim, todos aqueles que já cumpriram com suas obrigações, tal fato constata o caráter de “2º Plano” que o lazer ocupa no cotidiano das pessoas.

          Unitermos: Lazer. Cooperativismo. Tempo livre.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 165, Febrero de 2012. http://www.efdeportes.com/

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    Sociedade cooperativa trata-se de um grupo de pessoas “[...] com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos seus associados” (PEREIRA, 2002, p7). Não possui fins lucrativos, ou seja, os lucros obtidos não devem beneficiar a pessoa jurídica da cooperativa, mas apenas os seus associados através das sobras líquidas do exercício (PAMPLONA, 1999 apud. PEREIRA, 2002).

    O objetivo desse estudo é identificar se os trabalhadores das cooperativas de Piracicaba desfrutam do seu tempo livre no seu cotidiano, e qual o espaço que esse tipo de vivência ocupa na rotina deles.

    Culturalmente nós somos condicionados a separar o trabalho do lazer, fazendo com que essas duas manifestações não possam ocupar o mesmo espaço (ZANIN, AGUIAR E MORELLI, 2006). Mas nem sempre a relação entre os afazeres e o tempo disponível para cumpri-los foi desta maneira.

    Atualmente no Brasil, mesmo que de maneira rara, ainda é possível encontrar comunidades cujo estilo de vida se alterne no decorrer de sua rotina entre a ludicidade e o trabalho, sem delimitações de tempo e espaço para que isso ocorra. É o caso do “povo da Barra”– comunidade que vive semi-isolada na Barra da Aroeira, região norte do Brasil – assim denominado pelas povoações vizinhas (AGUIAR, 1994). Segundo Mirleide Chaar Bahia, registros revelam que:

    [...] no século XVIII, não havia uma divisão que separasse, na vida das pessoas, instâncias tão próximas e inter-relacionadas como lazer – trabalho – meio ambiente. O trabalho, vivenciado em família, nas colheitas dos campos, possuía uma intima relação com o lazer, pois não havia separação entre os momentos vividos – já que as colheitas eram permeadas por festas, danças, cantos e alegria. O tempo se estabelecia com as estações do ano, com o nascer do sol, com o pôr-do-sol. A vida girava em torno de sinais demonstrados pela natureza e se estabelecia numa interdependência entres estes. (BAHIA, 2005, p.20)

    A oposição trabalho/lazer emerge de fatores históricos como a industrialização, no caso da Europa e a urbanização, no caso do Brasil (MARCELINO, 2002). Estes fenômenos extinguiram o trabalho artesanal como principal forma de trabalho, a partir de então, o tempo deixa de ser regido pelos fenômenos da natureza assim como trabalho e moradia deixam de dividir o mesmo espaço (BRUHNS, 1997 apud. CAPI 2006).

    Nelson Marcellino (2002) caracteriza o lazer como uma esfera social importante na vida moderna para mudanças de ordem moral e cultural. Ele ainda complementa que ao contrário do comportamento de grande parte das pessoas, este não deve ser tido como um assimilador de tensões ou uma atividade compensatória de uma rotina estafante.

    Para que um momento de lazer possa ser caracterizado como tal, é necessário que esse momento tenha os aspectos “tempo” e “atitude” de maneira integrada. O primeiro aspecto refere-se ao tempo livre do trabalho e qualquer outro tipo de obrigação, portanto, um tempo disponível para o lazer. Já o segundo aspecto é referente à atitude e liberdade de escolha da atividade que se deseja realizar, simplesmente em busca do prazer em realizá-la. Embora o principal objetivo das atividades de lazer seja o divertimento e o descanso, é importante que esta prática colabore também para o desenvolvimento pessoal e social (MARCELLINO, 2002).

    Os interesses buscados no lazer são classificados em seis áreas principais, denominadas “conteúdos culturais do lazer” são estes os interesses artísticos, intelectuais, físico-esportivos, manuais e sociais, estabelecidos pelo sociólogo francês Joffre Dumazedier e mais o conteúdo turístico inserido posteriormente pelo autor Luiz Otávio Camargo, totalizando os seis conteúdos (MARCELLINO, 2002).

    Vale ressaltar que na maior parte dos casos as atividades têm um conteúdo predominante, porém abordam outros simultaneamente. Podemos colocar como exemplo, uma pessoa que pratica algum esporte coletivo semanalmente – conteúdo físico –, e além de procurar o prazer do gesto esportivo, busca também fazer amizades em um grupo de convivência – conteúdo social.

    Independente de qual conteúdo cultural do lazer predomina em determinada atividade, todas podem ser efetivadas de dois pontos de vista diferentes, ativo ou passivo:

    Assim, tanto a prática, como o consumo, poderão ser ativos ou passivos, dependendo de níveis de participação da pessoa envolvida, níveis esses que podem ser classificados em elementar, caracterizado pelo conformismo; médio, onde prepondera a criticidade; e superior ou inventivo, quando impera a criatividade. Um espectador ativo teria como características a seletividade, a sensibilidade, a compreensão, a apreciação e a explicação. [...] é importante salientar que a simples prática não significa participação, assim como nem todo “consumo” corresponde necessariamente à passividade. (MARCELLINO, 2002, p.20)

    Na metodologia utilizamos uma combinação de pesquisa bibliográfica e de campo. Priorizamos no primeiro momento, a execução de um levantamento bibliográfico utilizando temas chave (lazer e cooperativismo). Após a identificação da bibliografia, foram realizadas as análises: textual, interpretativa e crítica, acerca da temática em foco. (LÜDKE & ANDRÉ, 1986). Posteriormente, para que fosse possível a identificação do perfil dos participantes, principalmente no que diz respeito á “atividade preferida nas horas vagas”, foi realizada uma pesquisa de campo por meio de questionário com questões abertas e fechadas (LÜDKE & ANDRÉ, 1986). As atividades tidas pelas participantes como preferidas foram classificadas dentro dos conteúdos culturais, para posterior análise.

    As Cooperativas aqui referidas eram constituídas por grupos mistos de homens e mulheres, com exceção da Cooperativa de Costureiras. No entanto, tinham em comum a realidade da baixa renda e baixa escolaridade. Os grupos tiveram muitos problemas no que diz respeito à constante quebra de estrutura e falta de organização. Durante o processo de formação e manutenção das Cooperativas, houve oscilações nos sentimentos dos cooperados em relação ao processo, vivendo em constante sensação de: esperança, desmotivação, conflitos, saída excessiva de cooperados etc.

    Com a aplicação do Questionário, especificamente falando, da aplicação da pergunta “quais as atividades que gosta de praticar nas horas vagas?” pudemos identificar quais eram os conteúdos culturais do lazer preferidos pelos participantes das cooperativas quando eles estavam de folga. Quando falamos em conteúdos culturais, é importante lembrar que não é possível classificar a prática das pessoas, com apenas um conteúdo. Embora haja uma determinada característica predominante, uma atividade é composta por vários aspectos, sem contar também que a característica predominante em uma mesma atividade para uma pessoa, pode não ser a mesma para outra, dependendo do que essa pessoa busca quando executa uma determinada prática (MARCELLINO, 1983).

    Entre os 45 cooperados de todas as cooperativas, 21 não concluíram o ensino fundamental, 12 concluíram o ensino fundamental, 7 concluíram o ensino Médio, 3 são analfabetos e 1 possui ensino superior completo.

    Entre as atividades preferidas por eles nas horas vagas, 12 dos cooperados se identificavam mais com as atividades artísticas, na seqüência os conteúdos físico-esportivo e social empatam em segundo lugar, sendo características da vivência de 9 cooperados para cada um dos conteúdos. Com 7 adeptos, o conteúdo intelectual vêm na seqüência, seguido dos conteúdos manuais com 3 simpatizantes e por final, o conteúdo turístico com apenas 1. Vale lembrar que em muitas das vivências, pode-se detectar mais de um conteúdo cultural como características, principalmente o conteúdo social, nesse caso, embutido com freqüência em outros conteúdos.

    Dentro de algumas das atividades mais realizadas pelos cooperados e cooperadas, algumas são comuns. Assistir TV foi a atividade preferida de oito dos participantes, destes 8, apenas 2 completaram o ensino fundamental. Segundo Marcellino (2002), verifica-se uma grande alienação no lazer televisivo, que devido à necessidade para o estimulo rápido de consumo, transmite programas elementares e fragmentários.

    A leitura é a atividade preferida de 6 participantes, deste total, verifica-se que 3 concluíram o ensino médio, 2 concluíram o ensino fundamental e apenas um não terminou o ensino fundamental. No nosso país, há uma falta de hábito em praticar a leitura, além de um número elevado de analfabetos e analfabetos funcionais, considerando também o fato de que na escola, a literatura não é entendida e assimilada como cultura, e sim apenas como instrumental para adquirir conhecimentos exigidos na situação de ensino formal. (MARCELLINO, 2002).

    Outro fenômeno relevante é o fato de que no questionário, verificamos 3 pessoas que não sabiam ou não tinham nenhuma atividade preferida para se realizar no tempo disponível. Destas pessoas, 2 não terminaram o ensino fundamental e 1 é analfabeta.

    Na nossa sociedade, quem desfruta do lazer são as pessoas que já tem um emprego onde se recebe um salário suficiente para suprir todas as necessidades básicas, ou os estudantes que já fizeram os deveres de casa, enfim, todos aqueles que já cumpriram com suas obrigações, tal fato constata o caráter de “2º. Plano” que o lazer ocupa no cotidiano das pessoas.

    Essa atmosfera também permeou dentre as cooperativas envolvidas, já que prioritariamente os cooperados optavam por ocupar seu tempo livre com cursos, a fim de melhorar o currículo profissional.

    É fundamental que o lazer seja concebido como um direito inalienável de todo o ser humano, independente de sexo, gênero, etnia, classe social, status social, idade, crença etc. O lazer como parte fundamental da constituição humana não deve se opor ao trabalho, mas conviver com este como uma das esferas importantes a serem vividas. Desse modo, não podemos encará-lo como válvula de escape ou momento compensatório a um trabalho estafante. A compreensão do lazer como um objeto de consumo ou compensação da realidade estafante, nos impede de pensar sobre a ludicidade, – que é diretamente ligada ao lazer – como uma vivência humana fundamental, que não deve ser experimentada apenas após o cumprimento das obrigações ou depois da satisfação das necessidades básicas humanas (SAMPAIO, 2004).

    Esta discussão nos remete a pensar até a onde a relação das vivências dessas pessoas na escola, bem como sua condição social exerceu influencia na sua opção de como utilizar o tempo fora do trabalho.

    Partindo deste princípio, vemos a necessidade de uma ação educativa que venha estimular a vivência mais legítima do tempo ócio (MARCELLINO, 1987). Embora possa parecer não ter a ver no primeiro momento, lazer e educação caminham juntos, na medida em que boa parte de como utilizamos o nosso tempo livre pode ter relação com a maneira como fomos educados.

Referências bibliográficas

  • AGUIAR, Carmen Maria. Educação, cultura e criança. Campinas: Papirus, 1994.

  • BAHIA, Mirleide Chaar. Lazer – Meio Ambiente: em busca das atitudes vivenciadas nos esportes de aventura. 2005. 113p. Dissertação (Mestrado em Educação Física) Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2005.

  • CAPI, André Henrique Chabaribery. Lazer e esporte nos clubes social-recreativos de Araraquara. 2006. 109p. Dissertação (Mestrado em Educação Física) Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2006.

  • LUDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

  • MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do lazer: uma introdução. 3ª ed. Campinas: Autores Associados, 2002.

  • MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e humanização. Campinas: Papirus, 1983.

  • PEREIRA, Maria Isabel. Cooperativa de trabalho: o impacto no setor de serviços. 1ª ed. São Paulo: Pioneira, 2002.

  • SAMPAIO, Tânia Mara Vieira. Conhecimento Científico: capacidade humana de intervir reinventando e revertendo a sina severina in: Educação Física: intervenção e conhecimento científico. Wagner Wey Moreira e Regina Simões (org.) Piracicaba: UNIMEP, 2004, p176-194.

  • ZANIN, Mariângela de Oliveira AGUIAR, Carmen Maria e MORELLI, Graziele. Cultura, corpo e natureza. Algumas relações. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Ano 10 - N° 93 - Fevereiro de 2006. http://www.efdeportes.com/efd93/corpo.htm

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