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Tortura Esportiva: o uso de recursos psicológicos 

excessivos na busca da eficiência na performance atlética

La Tortura Deportiva: el uso de recursos psicológicos excesivos para lograr eficiencia en la performance atlética

Torture Sport: resource usage excessive psychological pursuit of efficiency athletic performance

 

*Graduanda em Ciências da Atividade Física pela USP

**Graduando em Ciências da Atividade Física pela USP

Pós Graduado em Psicologia Política aplicada à Atividade Física

Mestrando em Participação Política aplicada à Atividade Física

(Brasil)

Renata Ferreira dos Santos*

renata.ferreira.santos@usp.br

Eduardo Mosna Xavier**

eduardo.xavier@usp.br

 

 

 

 

Resumo

          A exigência dos treinadores por resultados cada vez mais expressivos no Esporte de Rendimento direcionam os atletas, cada vez mais, ao desenvolvimento de síndromes de ordem psicológica, como o “burnout”. A utilização de meios excessivamente exigentes e árduos, tanto na execução dos treinamentos quando na realização da competição, geram malefícios que suplantam o aspecto físico, deixando seqüelas permanentes no foro íntimo e psicológico destes atletas.

          Unitermos: Esporte. Tortura. Treinamento esportivo. Competição.

 

Abstract

          The requirement of coaches for a growing significant in directing Performance Sports athletes, increasingly, the development of psychological syndromes, such as "burnout". The use of means excessively demanding and difficult, both in the execution of training when the conduct of the competition, lead to evil that surpasses the physical aspect, leaving permanent sequela in these intimate and psychological athletes.

          Keywords: Sports. Torture. Sports training. Competition.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 164, Enero de 2012. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    A moderna evolução do Olimpismo1 e a crescente expansão e multiplicação de esportes individuais e coletivos formam fatos que marcaram a prática de exercícios e de atividades físicas durante todo o século XX. A visibilidade e os efeitos benéficos ofertados aos praticantes destas atividades acarretou uma popularização das Modalidades Esportivas sem precedentes na História da Humanidade, gerando, inclusive, reflexos nas áreas sociais, econômicas, educacionais, entre outras. Assim postula Rúbio (2002, pág. 130):

    O esporte é na atualidade um dos principais fenômenos sociais e uma das maiores instituições do planeta. Ele tem refletido a forma como a sociedade vem se organizando, espelhando as diferenças entre Estados, povos e classes sociais, além de se tornar um dos principais elementos da indústria cultural contemporânea, matéria prima dos meios de comunicação de massa e uma das poucas formas, reconhecidamente, honestas de rápida ascensão social.

    A popularização das diversas modalidades acabou conduzindo o Esporte do amadorismo à profissionalização, fenômeno este possibilitado pelo surgimento e expansão de diversas Federações. Tais entidades, além de favorecer a formação de atletas específicos para a prática proposta, também investe consideravelmente na realização de torneios e competições. Estes eventos favorecem não apenas o reconhecimento dos melhores na modalidade em questão, como também a visibilidade midiática do Esporte em pauta, possibilitando assim a adesão de novos adeptos e os conseqüentes investimentos para o incentivo à prática, funcionando desta maneira, como um verdadeiro “círculo virtuoso”.

    Entretanto, o grande número de competições, somado à pressão pelo alcance de resultados cada vez mais expressivos, tem causado uma série de problemas aos atletas, principalmente àqueles que aplicam o alto rendimento como meio de vida. Atualmente, é crescente o número de lesões físicas em decorrência tanto de métodos de treinamento inadequados como no excesso de esforço no momento da competição. Têm-se verificado um grande número de lesões em atletas de alto nível, que sobrevivem pela arrecadação resultante de participações e vitórias em competições, bem como pelos investimentos de seus patrocinadores (ávidos por resultados).

    Quanto maior a intensidade da modalidade, maior será a possibilidade de desenvolver lesões de ordem física. Tal afirmação pode ser corroborada por um estudo realizado por Pastre et al (2005, pág. 43):

    As atividades com elevada intensidade foram as principais responsáveis por lesões musculares, enquanto as osteoarticulares e tendinopatias ocorreram com excesso de repetições. Concluiu-se, a partir dos achados, que existem associações entre lesões e fatores causais, como entre provas e lesões, mecanismos de lesão e local anatômico.

    Além do exponencial aumento do número de lesões de ordem patológica, os recentes estudos envolvendo a área de Psicologia da Atividade Física e do Desporto apontam para um horizonte não explorado até os dias atuais. As excessivas cobranças por resultados em atletas, tanto no treinamento quanto na performance competitiva, tem gerado um grande número de problemas de ordem social e psicológica, que se refletem não apenas no desempenho, mas na vida pessoal dos indivíduos que se sujeitam a este tipo de exigência.

    Quando o rendimento esportivo é encarado como um trabalho, o profissional desta área poderá ficar susceptível a uma síndrome de ordem psicológica denominada de “burnout”. Termo de origem americana, remonta o estresse sofrido por trabalhadores que necessitando se afastar de seus familiares para poder exercer o seu ofício, lidam diariamente com frustrações pelo não alcance das expectativas pretendidas, além da solidão e da constante exigência. Este “turbilhão de emoções” culminou com o desenvolvimento da retro citada patologia psicológica. Assim apontou Farber (1983, pág. 06):

    A questão do Burnout emergiu devido a um conjunto de fatores econômicos, sociais e históricos. Trabalhadores americanos começaram a buscar trabalhos mais promissores distantes de suas comunidades na tentativa de conquistar maior satisfação e gratificação no seu trabalho. Nesses novos mercados, o trabalho geralmente era mais profissionalizado, burocratizado e isolado. A combinação desses fatores produziu trabalhadores com altas expectativas de satisfação e poucos recursos para lidar com frustrações, ou seja, a base propícia para desenvolver o Burnout.

    Infelizmente, o “burnout” reflete apenas uma das diversas síndromes que se manifestam em atletas que treinam ou competem impelidos por uma pressão exagerada. Esta cobrança toma ainda proporções mais nefastas quando são realizadas causando sofrimento físico e/ou psicológico, conhecido pelo jargão da área como “Tortura Esportiva”.

2.     Meios de Tortura no treinamento e na competição

    O uso do sofrimento físico como ferramenta para a preparação do atleta competitivo é utilizado desde os primórdios de nossa história. Os desportistas da Grécia antiga pertencentes ao Período Helênico, pautavam seus treinamentos em sobrecargas excessivas de exercícios, que lhes geravam grandes doses de dor, como bem pontuou Tubino (1985, pág. 45):

    Pode-se dizer que a preparação dos atletas helênicos em muito se assemelhava ao treinamento empregado em nossos dias, com uma preparação bastante eclética (corridas, marchas, lutas, saltos, etc.), usavam sobrecargas para melhoria do rendimento, tinham um preparo psicológico apoiado no sofrimento.

    O uso de antigas receitas, oriundas de paradigmas formados na concepção dos primeiros treinamentos físicos e que ainda sobrevivem na atualidade, são largamente empregados nos dias atuais. Apesar da inexistência de trabalhos científicos que justifiquem a aplicação de tal metodologia, a aplicação de tortura psicológica e física em atletas, tanto na fase de preparação quanto na de competição, é uma realidade mostrada, quase que diariamente, por mídias especializadas em eventos e treinamentos esportivos.

    Com o enfoque “tribal”, o uso da violência física e da deteriorização psicológica no esporte, busca de forma inadequada, a formação de uma espécie de “rusticidade” do atleta, preparando-o para enfrentar o pior cenário possível numa competição. Entretanto, temos que salientar que de forma global, o cenário bélico em muito se distingue do cenário esportivo: enquanto que na primeira atividade o uso de todos os recursos físicos e psicológicos acabam sendo imprescindíveis para a manutenção da vida do indivíduo; no segundo cenário o não alcance de um determinado propósito, materializado pela derrota, irá acarretar em males que não ofendem a integridade física do indivíduo.

    A importância dada ao “1º Lugar’ e à “Vitória”, sobretudo no Brasil, tem encaminhado os nossos atletas à busca incessante e obsessiva pelo destaque absoluto em qualquer competição. Como a busca pela “perfeição” é o fato propulsor que motiva o atleta a se preparar e competir, o mesmo acaba suportando e aceitando determinadas condutas violentas, que se afastam em muito das modernas concepções de treinamento esportivo.

    Desta forma, cria-se o cenário propício para a prática de Torturas Psicológicas e Físicas no Esporte: desportistas dispostos a “pagar qualquer preço” pela vitória, treinadores ávidos pelo sucesso e pela remuneração oriunda das vitórias / destaques competitivos e falta de materiais e recursos humanos e técnicos que prestigiem uma preparação mais completa do atleta. Todo este prognóstico fica claramente materializado nos diversos eventos esportivos realizados em nosso país, onde os traços do treinamento violento e do esforço sobre-humano realizado por atletas ficam explícitos nos campos onde são realizadas as competições.

    Podemos afirmar com bastante propriedade, que a transformação dos eventos esportivos em verdadeiras “Feiras de Marketing”, não apenas de atletas, mas de produtos relacionados com a imagem e o desempenho destes indivíduos, possibilitam um sensível agravamento a este já deteriorado e, infelizmente, comum caso de Tortura no Esporte. Este temerário cenário já foi vislumbrado por Almeida et al (2008, pág. 48):

    A característica mais marcante dessa tendência, é que as competições de alto nível tornaram-se verdadeiros shows, independente do nível profissional ou pseudo-amador das mesmas, nas quais utilizando-se de estratégias promocionais as grandes empresas interessadas na divulgação de seus produtos, investem orçamentos milionários no financiamento da preparação de atletas ou equipes, (que são considerados verdadeiros astros) bem como, promovem e administram eventos desportivos.

    Desta forma, um problema que perdura desde a o surgimento do treinamento esportivo ainda encontra terreno fértil para sua manutenção. Como a análise da situação remonta as dificuldades encontradas em diversas áreas, o diagnóstico da solução também deverá ser multi fatorial.

3.     Projeções para um futuro sem Tortura no Esporte

    Apenas um esforço sinergético irá possibilitar um refreamento nos diversos casos de Tortura empregados no treinamento e na competição desportiva. A começar pelo Compromisso Ético que os treinadores devem assumir não apenas com o produto (resultado da competição), mas com o processo (formação do atleta no âmbito profissional e, sobretudo, pessoal). O papel dos treinadores toma uma proporção ainda maior quando os mesmos utilizam seu conhecimento no início da formação desportiva e na descoberta de novos talentos (normalmente a partir da 3ª infância2 e da adolescência3). Segundo Drummond (2010, pág. 57), o conjunto de princípios morais que deve nortear a conduta de um Educador Físico o transforma numa pessoa e num profissional diferenciado na sociedade:

    Aqueles que se candidatam a exercer uma profissão na área de saúde têm a necessidade de possuir um perfil psicológico, senão uma manifesta vocação de respeito aos valores humanos. Exige-se mais: a sua adesão a um conjunto de virtudes, o que significa uma pré-disposição para uma escala de valores humanos como são, por exemplo, a beneficência ou benemerência; a não maleficência; o respeito à autonomia das pessoas; a fidelidade à verdade; a promoção da justiça social; a solicitude e a compreensão do sofrimento humano, virtudes estas que irão moldar a personalidade do profissional da saúde.

    O investimento na formação humanística do futuro Educador Físico também poderá constituir um importante caminho a ser trilhado para a diminuição dos casos de excessos e abusos cometidos nos treinamentos. O investimento na formação de um currículo que valorize disciplinas como Sociologia, Antropologia e Psicologia da Atividade Física e do Desporto poderá possibilitar uma compreensão mais plena do Educador Físico, que não se limitará apenas aos resultados, alcance de metas e condições biológicas, mas ao estado social e psicológico em que seu atleta ou indivíduo treinado se encontra. Tal preocupação, com certeza, refletirá decisivamente no próprio rendimento do desportista de alto rendimento. Neste diapasão, a área de Psicologia Esportiva vem ganhando destaque, com uma adesão cada vez maior de profissionais desta área em equipes, seleções e, inclusive, clubes poliesportivos, com bem apregoou Epiphanio (1999, pág. 72):

    O psicólogo atua junto a equipes esportivas ou com atletas individualmente, no sentido de elaborar os conflitos que possam prejudicar o rendimento do atleta, proporcionando com isto, uma reelaboração de vida. Em esporte de alto nível, o psicólogo, também, atua como assessor e orientador de fenômenos psicológicos.

    O fomento de Políticas Públicas que atualizem e requalifiquem os profissionais já formados também parece uma estratégia que poderá colher frutos perenes a médio e longo prazo, sobretudo quando direcionada aos Educadores Físicos Escolares. A preocupação do poder público com estes profissionais se justifica, sobretudo, pelas constantes atualizações que ocorrem reiteradamente na área da atividade física. Ademais, é primordial que estes profissionais se preocupem, principalmente, na 3ª Infância, com os fatores lúdicos vinculados a práticas esportivas, para criar uma relação de prazer com a realização de um determinado esporte. Portanto, o contexto da Educação Física deve ser veiculado não apenas como uma matéria de formação de compleição atlética, mas de integração do movimento como uma importante ferramenta na educação do ser humano, como bem disciplinou Betti & Zuliani (2002, pág. 75):

    A Educação Física enquanto componente curricular da educação básica deve assumir então uma outra tarefa: introduzir e integrar o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir do jogo, do esporte, das atividades rítmicas e dança, das ginásticas e práticas de aptidão física, em benefício da qualidade da vida. A integração que possibilitará o usufruto da cultura corporal de movimento há de ser plena – é afetiva, social, cognitiva e motora. Vale dizer, é a integração de sua personalidade.

    Portanto, a mudança deste verdadeiro paradigma existente na cultura esportiva, multiplicado pelo jargão “no pain, no gain”,4 somente poderá ser redefinido e realinhado com a realidade teórica científica preceituada na contemporaneidade; através de um esforço que abranja todas as áreas relacionadas à Saúde Pública. Para tanto, reiteramos as palavras de Carlloto e Câmara (2008, pág. 157) para finalizar este artigo:

    O parco conhecimento dos profissionais da saúde diretamente envolvidos com a temática, medicina e psicologia, também dificulta seu diagnóstico e possibilidades de intervenção em nível local e global. Somente o avanço da ciência nesse campo, que envolve mais que a manifestação de uma doença ocupacional, refletindo-se em um contexto mais amplo, de relações de trabalho, saúde e produção, pode conferir a credibilidade para que se possa, em um futuro próximo, influir sobre as políticas públicas de trabalho no plano nacional.

Notas

  1. De acordo com Tavares (1999, pág.15) os Jogos Olímpicos eram para seu reinventor a institucionalização de uma concepção de práticas de atividades físicas que transformava o esporte em um empreendimento educativo, moral e social, destinado a produzir reflexos no plano dos indivíduos, das sociedades e das nações. Esta é a concepção que expressava a formação humanista e eclética de Coubertin.

  2. A 3ª Infância compreende o período dos 08 aos 12 anos da idade biológica do indivíduo.

  3. A Adolescência, na atualidade, utiliza o limite compreendido entre os 12 e 20 anos da idade biológica para caracterizar seu público alvo, gerando uma abrangência considerável de características físicas, sociais, psicológicas e culturais para esta população específica.

  4. Termo propagado por Jane Fonda, utilizado em comerciais de produtos “fitness” americano veiculados pela Mídia na década de 1980. Com o significado de “Sem dor, sem ganho” (ou "Não há ganho sem dor") é um lema de exercícios que promete recompensas se sua realização for feita de forma dura e até mesmo dolorosa. Sob esta concepção profissionais competitivos como atletas e artistas são obrigados a suportar a dor e pressão para atingir a excelência profissional. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/No_pain,_no_gain

Referências bibliográficas

  • ALMEIDA, H. F. R. et al. Uma óptica evolutiva do treinamento esportivo através da história. São Paulo: Revista Treinamento Desportivo, 2010.

  • BETTI, M. & ZULIANI, L. R. Educação Física Escolar: uma proposta de diretrizes pedagógicas. São Paulo: Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, n. 01, v. 01, 2002.

  • CARLOTTO, M. S., CÂMARA, S. G. Análise da produção científica sobre a Síndrome de Burnout no Brasil. Porto Alegre: Revista Psico UFRGS, v. 39, n. 02, abril / junho de 2008.

  • DRUMMOND, J. G. F. A Ética do Profissional de Saúde e a Educação Física. In: Ética Profissional em Educação Física. Brasília, CONFEF, 2010. Disponível em: http://www.crefsc.org.br/artigos/etica01.pdf.

  • EPIPHANIO, E. H. Psicologia do Esporte: apropriando a desapropriação. São Paulo: Revista Psicologia, Ciência e Profissão, v. 19, n. 03, 1999.

  • FARBER B. A. Dysfunctional aspects of the psychotherapeutic role. In FARBER, B. A. (Org.). Stress and burnout in the human service professions. New York: Pergamon Press, 1986.

  • PASTRE, C. M. et al. Lesões desportivas na elite do atletismo brasileiro: estudo a partir de morbidade referida. São Paulo: Revista Brasileira de Medicina do Esporte: v. 11, n. 01, janeiro / fevereiro, 2005.

  • RÚBIO, K. Do Olimpo ao Pós Olimpismo: elementos para uma reflexão sobre o esporte atual. São Paulo: Revista Paulista de Educação Física, n. 16, v. 02, julho / dezembro 2002.

  • TAVARES, O. A. Referenciais teóricos para o conceito de Olimpismo. In: TAVARES, O. A.; DA COSTA, L. P. (Eds.). Estudos olímpicos. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999.

  • TUBINO, M.J.G. Metodologia científica do treinamento desportivo. São Paulo: Ibrasa, 1985.

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