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O processo civilizador e a interferência política no esporte: o uso do

futebol como prática de lazer durante o regime militar brasileiro

El proceso civilizador y la influencia de la política en el deporte: el uso 

del fútbol como práctica recreativa durante el régimen militar brasileño

The civilizing process and the political interference in the sports: the use 

of soccer as a practice recreational during the Brazilian military regime

 

*Graduanda em Ciências da Atividade Física pela USP

**Professor Doutor pela Universidade de São Paulo

***Pós Graduado em Psicologia Política com aplicação à Atividade Física pela USP

(Brasil)

Karoline Soria Ribeiro*

karoline.ribeiro@usp.br

Marco Antonio Bettine de Almeida**

marcobettine@gmial.com

Eduardo Mosna Xavier***

eduardo.xavier@usp.br

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo do estudo foi analisar o futebol como um espaço de lazer durante o regime militar brasileiro (1964 – 1985). Conhecer e interpretar o processo político influente na modalidade no período. Compreender as políticas públicas realizadas pelo Poder Constituído que poderia utilizar o futebol como uma válvula de escape, dentro do chamado processo civilizador de Norbert Elias (ELIAS, 1993).

          Unitermos: Futebol. Ditadura. Políticas Públicas. Válvula de escape.

 

Abstract

          The aim of this study was to analyze football as a recreational space for the Brazilian military regime (1964-1985). Understand and interpret the political process in influential sport in the period. Understand the policies carried out by the authorities who could use football as an outlet within the so-called civilizing process of Norbert Elias (Elias, 1993).

          Keywords: Football. Dictatorship. Public Policy. Valve escaped.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 164, Enero de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Aspectos introdutórios

    O presente estudo pretende analisar o processo civilizador de Norbert Elias e a interferência política do futebol como prática de lazer durante a Ditadura Militar brasileira (1964 – 1985).

    Conseqüência de amplos fatores decorrentes de situações conjunturais que permeavam tanto o contexto nacional quanto internacional, o golpe militar em 1964 instaura um período complexo e polêmico da história que objetivava levar para a unilateralidade o pensamento brasileiro (ALMEIDA e GUTIERREZ, 2011) e que acarretou reflexos em diversas áreas da convivência e problemas irreversíveis para o país.

    O Regime Militar representou anos de arbitrariedades que configuraram a repleta falta de democracia vivida no período. Os principais instrumentos políticos utilizados pela Ditadura foram os atos institucionais, decretos autoritários que atribuíam ao Presidente da República poderes para, sem processo judicial, cassar mandatos eletivos, punir funcionários civis e militares, fechar o Congresso, intervir em estados e municípios, decretar estado de sítio e suspender os direitos políticos de qualquer cidadão.

    Através da atuação política do governo instituído desenvolveu-se uma modernização conservadora e cercada de autoritarismo, atrocidades, censura, repressão e violação dos Direitos Humanos. Entretanto, esses acontecimentos políticos (que ocorreram em conjunto com o desenvolvimento urbano industrial na sociedade brasileira), interfeririam diretamente na contextualização do processo civilizador relativo àquele período:

    É essencial para o conceito de civilização, haver uma regulação progressiva, crescentemente estável e equilibrada, efetuada por indivíduos em prol de suas vidas sociais, de modo a aumentar as chances de obter prazer e a melhorar a qualidade de vida de todos (ELIAS, 2006, p. 39).

    Aparentemente paradoxal em sua aplicação, o mesmo processo criou elementos para o controle e para sua fuga com a justificativa de que somente com esse modelo se permitiria uma convivência coletiva suportável, por isso considerado necessário às sociedades complexas.

    “O processo civilizador começou nos primórdios do gênero humano e continua com inúmeras vicissitudes” (ELIAS, 2006, p. 36-37), o que remete ao fato dos padrões de auto-regulação mudarem no curso do desenvolvimento da sociedade visto que tal processo tem como alicerce transformações em função da evolução da história social. Pautada na hierarquia, alienação e repressão; a Ditadura Militar alterou o curso do processo civilizador, moldando-o em algumas estruturas para intensificá-lo na busca de um maior e necessário controle social para a sustentação do regime.

    O processo civilizador se desenvolve por meio (1) da incorporação dos hábitos cotidianos para a criação de uma moral que passa pela permissão social, (2) das teias sociais abrangentes que propagam e criam tais hábitos por meio de indivíduos que possuem voz social, (3) da regulamentação das condutas que geram restrições de comportamento para a construção da vida em sociedade e (4) das válvulas de escape necessárias ao processo na medida em que o próprio momento de exteriorização das emoções faz parte da interiorização das normas civilizatórias.

    As válvulas de escape proporcionam a liberação de atos reprimidos e acumulados e o alívio das restrições seja da rotina laboral, seja da incorporação de uma moral estatal dominante. Seus elementos norteadores são: (1) o descontrole controlado que remete ao paradoxo dessas válvulas, pois a exteriorização das emoções é parte integrante da construção do processo civilizador, (2) a catarse caracterizada pela descarga emocional e extravasamento das emoções, desejos e euforias (3) e a mimese, também fonte de estimulação social e definida por Elias e Dunning (1992) como um estado de explosão eufórica da neurose.

    Ver ou jogar futebol constituem atividades miméticas (ELIAS; DUNNING, 1992). Desta forma, todos os respectivos elementos norteadores das válvulas de escape são encontrados no futebol. “Mas é no estádio de futebol que a catarse se expressa no seu apogeu, levando pessoas a se liberar das amarras sociais” (ALMEIDA e GUTIERREZ, 2005a). Sendo assim, o futebol praticado no âmbito lazer foi (e continua sendo) uma potente válvula de escape para a evolução do processo civilizatório.

    O momento em que a população tinha para se desviar de toda a alienação e regras impostas estava vinculado ao lazer no tempo livre. Para os militares, era evidente que essas manifestações de lazer serviam como propaganda política e ideológica. Pautado nesta visão de gestão pública, a ditadura iniciou um amplo investimento na área esportiva, principalmente através de políticas que objetivavam o incentivo e a divulgação da participação brasileira em campeonatos mundiais de futebol e jogos olímpicos. Além disto, essa época foi marcada pela construção de estádios, campos de várzea e parques públicos (ALMEIDA e GUTIERREZ, 2011).

    O futebol e a política sempre seguiram percursos diretamente ligados, desde sua criação na Inglaterra (JÚNIOR, 2007). Sua valorização cultural e popularidade nacional em conjunto com sua fácil instrumentalização política foram fatores decisivos para seu uso político, principalmente no fortalecimento do regime ditatorial instituído. Quando chegou ao Brasil, a expansão desta modalidade foi significativa em nosso território, justamente por ser um fenômeno incorporado em diversas faces da cultura brasileira.

    Em meio ao contexto político repressor, os momentos de lazer eram fundamentais como parte de um processo planejado pelos militares. O futebol, através de seus elementos caracterizadores e de sua disseminada pratica nos momentos de lazer, seria sem dúvidas um potencial investimento político. Portanto, partiu-se da hipótese de que o futebol, como prática de lazer, foi utilizado politicamente para fortalecer ideologicamente o regime, porém o questionamento é como esses mecanismos foram empregados dentro do processo civilizador.

    Compreender a magnitude do uso do futebol de forma estratégica, como veículo de propaganda política e ideológica durante um período de intensas transições e manifestações permite, através do olhar social e político, aprofundar o conhecimento da disseminação e repercussão da modalidade no Brasil no período. Além disto, permite interpretar, por meio do processo civilizador, o contexto em que a modalidade foi utilizada para fortalecer o regime.

    O entendimento sociológico do futebol durante o período em questão como parte de um processo histórico, social e político é importante para a reflexão sobre a vitalidade da cultura política autoritária e sobre as relações que se estabeleceram, evidenciando a sólida relação entre as características nacionais, políticas e futebolísticas.

Futebol, lazer e militares

    O lazer é um espaço de interação, sociabilidade, inclusão e pertencimento social (PRONI, 2001), sua função moral ressalta sua necessidade social em virtude do acúmulo de sentimentos reprimidos e acumulados durante o processo civilizador, o qual revela normas e regras incorporadas na sociedade. O futebol, no âmbito do lazer, foi mais que um investimento político, foi a base que auxiliou o regime e o meio de mostrar uma aparente normalidade para a sociedade.

    O futebol praticado no espaço de lazer, tanto na prática amadora da modalidade quanto através do envolvimento dos espectadores, foi relevante no processo em curso pelo fato da sua influencia ser percebida e utilizada para desenvolver a afirmação e o fortalecimento do regime.

    A primeira evidência do uso político do futebol ocorreu no dia primeiro de maio de 1964 (dia do trabalhador), temendo manifestações contrárias ao golpe recente o governo Castelo Branco (1964-1967) determinou uma série de clássicos regionais em todas as cidades com mais de 50.000 habitantes (SALVADOR; SOARES, 2009). No início de um período repleto de estereótipos e instabilidades, o futebol foi um meio de garantir a ordem social.

    Em decorrência da magnitude das influências de uma Copa do Mundo, o uso do futebol também foi um meio para manter os objetivos do regime, através do controle indireto sobre os espectadores. A comissão técnica que preparou a seleção brasileira de futebol para a Copa de 1966 acumulou diversos equívocos: foram realizados onze amistosos no Brasil dois meses antes da copa e seis amistosos na Europa. Este fato acabou tendo serventia maior para a exposição do futebol nacional dentro e fora do país (JÚNIOR, 2007) do que para a preparação dos jogadores.

    No governo Costa e Silva (1967-1969) as manifestações contrárias ao regime se intensificaram e em resposta foi instituído o AI-5, considerado o ato institucional mais severo ao ser um instrumento que retorquia todas as mortes e torturas de acusados ou suspeitos de subversão (institucionalização da violência). Tal governo enfrentou uma serie de protestos de estudantes, políticos da oposição, trabalhadores e inclusive os setores da igreja que se posicionou contra a doutrina de segurança nacional, denunciando-a como teoria fascista (ANSARA, 2009).

    Paralelamente em virtude da necessidade do governo em se criar subterfúgios para o enfrentamento das contestações, através do decreto número 62.119 de 15 de janeiro de 1968 foi criada a AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas), o futebol era utilizado como tema de campanha política (SALVADOR; SOARES, 2009). Nesse contexto, o futebol foi um poderoso veiculo ideológico no auxilio da manutenção das imposições do regime na medida em que associavam o futebol com o ideal de progresso e desenvolvimento que o regime estava oferecendo.

    Durante o governo Médici (1969-1974), cuja repressão foi a marca principal do período (GUTERMAN, 2006), o futebol, mais do que nunca, se tornou a base ideológica do regime ditatorial. Para a oposição, “torcer” para o Brasil significava apoiar o regime. Foi um momento em que as propagandas da seleção de futebol se propagaram através da marchinha “Pra frente Brasil” tocada nos desfiles militares, nas escolas, nos rádios e na TV e através dos slogans “Ninguém mais segura este país”, “Brasil: ame-o ou deixe-o”, “Ontem, hoje, sempre Brasil”. O caráter patriótico da Copa do Mundo fez Médici incorporou o desenvolvimento do futebol ao desenvolvimento proposto pelo regime, em evidência com o falso milagre econômico. Era importante a conquista do titulo para a legitimação do regime em curso. O futebol estava tão intimamente relacionado aos militares que a comissão técnica foi militarizada com majores, brigadeiros, capitães e subtenentes. “O jogador rebelde de talento espontâneo cedia espaço ao atleta soldado, sujeito a mecanismos disciplinares e repressores, da mesma maneira que o cidadão brasileiro submetido à Ditadura Militar” (JÚNIOR, 2007, p.142).

    O contexto político foi impregnado em todos os sistemas sociais, inclusive no setor esportivo. A interferência política se deu em demasia na aplicação midiática, técnica e tática do futebol, o que tornou os jogadores mais um elemento norteador para a sustentação e fortalecimento do regime.

    A expectativa e finalmente a vitória do tricampeonato foram a base para o desvio político e critico da sociedade, o progresso do futebol se fundia ao do regime (auge do milagre econômico). Reconhecendo e aproveitando os efeitos do futebol que mascaravam a realidade drástica do período, o regime continuou investindo na sua aplicação. A ditadura organizou em 1972 a taça da independência para comemorar o sesquicentenário da emancipação política (JÚNIOR, 2007), patrocinou uma minicopa mundial de futebol (GASPARI, 2003), criou através da CBD o campeonato brasileiro a partir de 1971 com vinte clubes e organizou cinco amistosos em 1971, dez em 1973 e nove em 1974 somente com jogos contra selecionados nacionais (JÚNIOR, 2007). Foram construídos trinta estádios entre 1972 e 1975, fora os demais construídos durante o período, fato que auxiliava na popularidade do governo, servia para promoção a cargos políticos e expressava o ideal de desenvolvimento e progresso do discurso político entre os militares. O governo patrocinou o desfile em carro aberto pelas ruas das grandes capitais e a exibição publica do troféu. A loteria esportiva criada em 1970 além de contribuir para a manifestação ideológica do futebol foi uma fonte arrecadadora de recursos para o governo.

    Em 1974, o Movimento Democrático Brasileiro obteve resultados significativos nas eleições, conquistando mais de 50% dos votos para o senado e quase 50% para a câmara dos deputados, ganhando também eleições para prefeito na maioria das grandes cidades (ANSARA, 2009). O futebol se encontrava tão incorporado ao regime que alguns militares como o general Moraes Rego chega a atribuir a derrota da copa de 74 um peso relativo nessas eleições (GASPARI, 2003). Em 1974 com a supremacia da Holanda, o futebol brasileiro se mostrou desorganizado e sem motivação, o que poderia refletir o estado do país também. Em função dos empréstimos estrangeiros o regime levou o país a uma divida externa de mais de 12 bilhões de dólares (ANSARA,2009), o que acarretou um crescimento vertiginoso da inflação, situação agravada pela crise mundial do petróleo em 1973. Segundo análises do SNI (Sistema Nacional de Informação), a derrota nos resultados baseava-se no alto custo de vida, conseqüência de dois tipos de inflação, a importada e a herdada. O descontentamento da oposição, dos torcedores e da sociedade em geral ressurgia de maneira mais forte.

    Em 1976 e 1978 o MDB vence novamente as eleições o que acelera o processo de redemocratização. O mundo do futebol também entrou no clima de contestação. O jogador Tostão deu entrevistas defendendo a Reforma Agrária e confessando ter sido eleitor do então exilado Leonel Brizola. Segundo Júnior (2007), houve uma diminuição do interesse público pelo futebol em 78 e 79.

    Em 1979, João Batista Figueiredo assume o poder devido à maioria arenista ainda presente e aprova a Lei de Anistia que liberava os condenados por crimes políticos e permitia a volta dos exilados, aprova o restabelecimento do pluripartidarismo, a ARENA passou a ser PDS (Partido de Democratização Social), o MDB passou a ser PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e são criados outros partidos como o PDT (Partido Democrático Trabalhista), o PP (Partido Popular) e o PT (Partido dos Trabalhadores). Em 1980 a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) substitui a CBD (Confederação Brasileira do Desporto).

    Em 1984 inicia-se as diretas já onde a esquerda de Lula e Brizola falavam em transição com aprofundamento das transformações sociais (JÚNIOR, 2007). Em 1985 Tancredo morre e não chega a assumir a presidência, Sarney, ex presidente da ARENA, assumi o cargo. O fim da ditadura foi caracterizado pela desmoralização dos militares em termos econômicos, pois estes conduziram o Brasil para a entrada em uma das mais fortes recessões. Entregaram o governo aos civis em 1985 com os índices de inflação anual superior a 200% e com uma dívida externa que crescera cerca de 3.900% em vinte anos ( ANSARA, 2009).

A esfera política do Regime Militar nas vertentes do Processo Civilizador e sua influência nas práticas de lazer

    A política unilateral e dependente da economia que sustentou o regime se baseava substancialmente nos aparatos repressivos para sucumbir às necessidades de controle e conseqüente ordem social. A busca contínua em moldar as ações racionais dos sujeitos faz parte de um processo inerente as sociedades complexas e que se desenvolve através de ações reiteradas no tempo e reproduzíveis. O processo civilizador (ELIAS, 1993) conduz aos meios de controle criados e modificados para a sustentação de indivíduos passivos as normas e regras impostas pela sociedade, a qual evolui durante a história. Tendo como fundamento estratégias bem estabelecidas amparadas na produção e sustentação de elementos inerentes a vida em sociedade.

    A política de segurança nacional foi instrumento norteador para o desenvolvimento do regime. “A política de segurança nacional foi fruto de uma estratégia de fortalecer o Estado e ampliar seu rigor e controle perante uma sociedade já cansada do liberalismo fisiocrático de eras passadas” (GASPARI, 2003).

    As características do regime ditatorial revelam um processo civilizador intenso, na medida em que desponta como um dos períodos mais repressivos e controladores da história brasileira. Torturas, prisões, mortes, censura, entre outros aparatos utilizados pelo governo, mostram a intensa aplicação política para o controle de uma ordem social, que foi construída em bases instáveis. A inflexibilidade era essencial para a manutenção do regime e parte agregadora do processo civilizador.

    A esfera política do regime evidenciava a necessidade direta e irrestrita de nos momentos de lazer vivenciar atividades que proporcionassem a liberação das pulsões e emoções reprimidas. Esse momento de exteriorização, segundo Elias, faz referencia as válvulas de escape – parte de um contexto que visa interiorizar as normas coletivas e civilizatórias. Cria-se uma moral que passa pela permissão social de atos não aceitos no mundo das obrigações. Embora possa ter um aspecto paradoxal, o próprio processo civilizador cria condições para o alívio do recalque que tal processo acarreta nos indivíduos em sociedade.

    Elementos do processo civilizador consolidaram direta e indiretamente o fortalecimento do regime e sua afirmação perante o contexto nacional e internacional. É dessa maneira que a sociedade humana avança como um todo: de planos emergindo, mas não planejada. Movida por propósitos, mas sem finalidade.

O futebol no âmbito do lazer como parte integrante do regime político

    A prática amadora e os espectadores da modalidade caracterizam o futebol no âmbito do lazer entre as atividades conectadas ao regime. Sua função política e ideológica auxilia na regulamentação da doutrina vigente, ao facilitar a incorporação de normas e regras.

    Ao perceberem o poder de abrangência do futebol, os militares começam a fazer o uso excessivo de suas estruturas. Entre as características facilitadoras para sua instrumentalização poderemos destacar (a) a popularidade nacional e a valorização cultural; (b) o custo benéfico com relação às exigências materiais; (c) as regras de fácil compreensão; (e) a comunicação de massa; (d) a afirmação de identidades e a identificação com o coletivo; (e) a apropriação dos jogadores como representantes do sistema (SIGOLI; ROSE, 2004).

    Os investimentos econômicos, sociais e políticos no futebol que ocorreram tanto sobre a prática profissional, quanto sobre a prática amadora, eram realizadas através de patrocínios, propagandas, políticas públicas. Com sua exploração houve um substancial afastamento populacional do cenário político, lideranças sindicais argumentam sobre o uso do futebol para o desvio do olhar crítico e político.

    Em ditaduras violentas e repressivas como a militar, o aparato ideológico do lazer se fez necessário para sua manutenção e o futebol contento a sociabilidade, mobilidade e imaginação. O lazer foi um meio de liberação dos sentimentos reprimidos e acumulados advindos do processo civilizador, fundamentalmente ancorado pelo investimento do governo, visto que o futebol, como prática de lazer, se torna efetivamente parte integrante do regime político.

O processo civilizador interno do futebol e o fortalecimento do regime vigente

    Segundo Elias, todo esporte tem um processo civilizador interno que norteia suas estruturas. No futebol, seu processo civilizador interno justifica e ampara toda a superestrutura que perfaz os elementos caracterizadores e os métodos de controle social da modalidade.

    Neste processo, o futebol foi mais ainda incorporado aos hábitos cotidianos, alem de criar e manter através da regulamentação das condutas tais hábitos no contexto da modalidade para sua constante evolução e atuação popular. Tal regulamentação sustenta a legitimidade da modalidade e condiz aos meios de controle social, “O que é moldado também molda. Por sua vez é a auto-regulação do indivíduo em relação aos outros que estabelece limites a auto-regulação destes.”(ELIAS, 1994, p. 52), ou seja, o processo civilizador interno do futebol na sua busca por moldar as ações racionais para o estabelecimento de padrões morais criam sujeitos envolvidos em auto-regulações, necessárias para a convivência coletiva e evolução da sociedade. Os níveis de conduta civilizada na coexistência humana são mantidos com o alto nível de diferenciação e interdependência entre os sujeitos. “O processo de civilização está relacionado à auto-regulação adquirida, imperativa para a sobrevivência do ser humano” (ELIAS, 1993, p. 37).

Referências bibliográficas

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  • ALMEIDA, Marco Antonio Bettine de; GUTIERREZ, Gustavo Luiz. O lazer no Brasil: do nacional-desenvolvimentismo a globalização. Conexões, v.3, n.1, 2005b.

  • ANSARA, Soraia. Memória política, repressão e ditadura no Brasil. Curitiba: Ed. Juruá, 2009.

  • ELIAS, Norbert. A sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 1994.

  • ELIAS, Norbert. Escritos e Ensaios 1.Estado, processo, opinião pública. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

  • ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador: Formação do estado e civilização. V.2 – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.

  • ELIAS, Norbert; DUNNING, Erich. Memória e Sociedade a Busca da Excitação. Lisboa: Difel, 1992.

  • GASPARI, Elio. A ditadura derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

  • GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

  • GUTERMAN, Marcos. O futebol explica o Brasil: o caso da Copa de 70, 2006, 140p. Dissertação de mestrado (História) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São, 2006.

  • JÚNIOR, Hilário Franco. A dança dos deuses: futebol, sociedade e cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

  • SALVADOR, Marco Antonio Santoro; SOARES, Antonio Jorge Gonçalves. A memória da Copa de 70: esquecimentos e lembranças do futebol na construção da identidade nacional. Campinas: Autores Associados, 2009.

  • SIGOLI, M. A., DE ROSE JR., D. A história do uso político do esporte. R. bras. Ci e Mov. 2004; 12(2): 111-119.

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