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A Educação Física se resume a prática?

¿La Educación Física se resume a la práctica?

 

Acadêmica do 2º ano do curso de Educação Física – Licenciatura

pela Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR). É bolsista

do Programa de Educação Tutorial PET/SESu. É Membro do Grupo

de Estudos Em Educação Física, Educação e Marxismo (EDUFESC/DEF/UEM),

também do Grupo de Estudos e Pesquisas Marxistas sobre Lúdico, Trabalho,

Tempo Livre e Educação (DEF/UEM) e do Grupo Leitura do Capital (DEF/UEM)

Ana Claudia Rodrigues Russi

ana.russi@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo consiste em uma pesquisa que visa explicar porque a Educação Física foi considerada uma disciplina prática, descrever sobre os acontecimentos históricos que levaram a Educação Física a ser considerada por lei uma disciplina prática isenta de qualquer reflexão teórica. E por fim, analisar o papel que o esporte tinha na época da Ditadura Militar especificamente para a classe trabalhadora.

          Unitermos: Educação Física. Prática. História. Esporte.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 164, Enero de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    De acordo com cada período histórico a Educação Física é reformulada de modo a atender diferentes necessidades. O homem foi personagem em diversos cenários e ao longo de sua história a Educação Física sempre esteve presente. A Educação Física sempre foi um instrumento importantíssimo na mão do homem. Por muitas vezes foi utilizada pelo homem para agir sobre outros homens baseada em diversos interesses.

    Para chegar a se tornar uma disciplina prática isenta de qualquer reflexão teórica a Educação Física percorreu um caminho que com certeza teve um impulso inicial fortíssimo no século XIX, século de grandes mudanças, século que se caracteriza pelo início da sociedade capitalista que é a causa de vários problemas.

    A sociedade capitalista se baseia na exploração da força de trabalho, força de trabalho essa que são as pessoas. Essa exploração acarreta problemas que atingem sempre essa classe explorada. A classe exploradora (burguesia) necessita colocar ordem e impor-se sob a classe trabalhadora que deve ser submissa. A Educação Física se caracterizou como um ótimo instrumento de dominação da burguesia como explica Soares a seguir.

    Como o corpo dos indivíduos é elemento constitutivo das forças produtivas da nova ordem, constituindo-se desse modo em realidade biopolítica, o poder de que se revestem certas práticas sociais que nele investem é quase absoluto (SOARES, 2001, p. 20).

    Durante a Ditadura é que a Educação Física assume uma nova face e se consolida como uma atividade prática:

    A compreensão da Educação Física enquanto “matéria curricular” incorporada aos currículos sob a forma de atividade – ação não expressiva de uma reflexão teórica, caracterizando-se, dessa forma, no “fazer pelo fazer” – explica e acaba por justificar sua presença na instituição escolar, não como um campo do conhecimento dotado de um saber que lhe é próprio, específico [...] (SOARES, 2001, p. 108).

    Na Ditadura Militar acreditava-se que o esporte seria o compensador dos malefícios do trabalho e que poderia trazer alguma alegria aos trabalhadores ajudando-os a serem mais produtivos.

    Pretendo descrever melhor os principais fatos históricos que levaram a Educação Física a ganhar uma conotação de disciplina prática sem reflexão teórica o que nos levará a Ditadura Militar de 1964. Sobre a Ditadura pretendo analisar o papel que tinha o esporte nessa época para a classe trabalhadora e para o resto da população, sendo que o esporte, como instrumento da Educação Física, ganhou muita popularidade e foi essencial para a classe dominante exercer seu domínio sob a classe menos favorecida.

Surge o capitalismo e a Educação Física como atividade

    Na pré-história o homem estava a mercê da natureza e precisava lutar e vence – lá já que ainda não a dominava. Estava sempre procurando sobreviver a perigos, como fugir de animais ou de fenômenos naturais, e conseguir sua comida. Com o tempo o homem passa a dominar a natureza e modificar as condições objetivas a sua volta criando novas e diferentes necessidades.

    Na Grécia Antiga, segundo Santos (2002, p. 73) havia a “necessidade de um corpo forte, uma musculatura de combatente e uma estética guerreira, pois as constantes lutas e guerras exigiam-lhes esses requisitos.” Vários povos tinham em suas tradições celebrações que envolviam danças, comemorações que envolviam jogos, rituais, etc., a expressão corporal se fazia presente em diferentes expressões culturais.

    A Educação Física foi influenciada por vários acontecimentos. Pretendo enfatizar alguns ocorridos no Brasil, os mais importantes, para nos situar.

    A Educação Física no Brasil se confunde em muitos momentos de sua história com as instituições médicas e militares. Em diferentes momentos, estas instituições definem o caminho da Educação Física, delineiam o seu espaço e delimitam o seu campo de conhecimento, tornando-a um valioso instrumento de ação e intervenção na realidade educacional e social, ao longo do período que aqui tratamos: 1850-1930 (SOARES, 2001, p. 85).

    Nesse período, uma nova sociedade estava se consolidando em todo o mundo, a sociedade capitalista, e para que ela se consolidasse sem grandes problemas era necessário fazer com que as pessoas a aceitassem, pois com a sociedade capitalista vinha uma série de problemas, pois a classe trabalhadora (que era a maioria) era submetida a uma extensa jornada de trabalho, tinham péssimos salários, viviam em condições precárias sem higiene alguma. A sociedade estava em caos, doenças se espalhavam e começavam a atingir também a burguesia. A classe trabalhadora estava descontente e revoltada o que poderia colocar em risco a sociedade que estava se consolidando.

    A Educação Física, que incluía os exercícios físicos sob a forma de ginástica, começou a ser vista como a solução para todos esses problemas. Discursos de médicos higienistas da época argumentavam sobre a sua importância para que a sociedade capitalista fosse consolidada sem grandes problemas. Era necessário construir um novo homem que aceitasse e suportasse a nova ordem, e que acreditasse que os problemas que estavam surgindo com a sociedade capitalista não eram culpa da sociedade e sim culpa dos próprios homens. Construir esse novo homem era então função da Educação Física como explica Soares a seguir.

    [...] sobre a educação do povo, é possível apreender o caráter instrumental da Educação Física, no qual o exercício físico aparece como antídoto para todos os males, além de ser potencialmente capaz de prevenir e curar doenças... de construir um corpo robusto e saudável, colocando, assim, a responsabilidade da saúde sobre o próprio indivíduo e adestrando-o para os trabalhos manuais(físicos) (SOARES, 2001, p. 85).

    A Educação Física dava enfoque para a implantação nas escolas, para que as crianças já crescessem habituadas ao novo sistema. Os objetivos principais da Educação Física então eram promover saúde, regenerar a raça e as virtudes e dar moral as pessoas, tudo isso seguindo os interesses da sociedade capitalista.

    O Estado Novo (1937-1945) foi outro período que modificou a Educação Física no Brasil. Surge, portanto, a Educação Física e a Educação Moral e Cívica como elos de uma mesma corrente (CASTELLANI, 1988. P. 84).

    A Educação Física nesse período era obrigatória no ensino de primeiro e segundo grau e no ensino profissionalizante. Além de disciplinar e fortificar a força de trabalho através das escolas a Educação Física tinha a função de compensar o trabalho.

    Restabelecer convenientemente a compensação do desgaste de forças, mediante a prática dos exercícios adequados, constitui a missão da Educação Física nos estabelecimentos fabris. Este revigoramento e fortalecimento corporais, mediante os desportos e jogos ao ar livre e ao sol, devem compensar o esforço realizado no desempenho da profissão, proporcionando forças, alegria e saúde (...) (CASTELLANI, 1988. p. 97).

    O objetivo era ocupar o tempo livre do trabalhador, para que ele saísse do trabalho praticasse alguma atividade física, que geralmente era algum esporte, para se divertir e logo fosse pra casa, cansado para dormir. Desse modo ele não iria ocupar seu tempo livre para discutir as péssimas condições de trabalho ou a política, e no outro dia estaria pronto para mais uma jornada de trabalho. Justificava-se a prática da Educação Física dizendo:

    Ela nos proporcionará um desenvolvimento muscular mais amplo, uma capacidade pulmonar maior, a circulação mais ativa e a função digestiva mais regularizada, em síntese, o equilíbrio orgânico. Intelectualmente, ela solucionará situações variadas que requerem raciocínio, atenção, iniciativa, controle, memória e julgamento. Entretanto, assume maior importância, avulta como meio de transformação do indivíduo em cidadão útil à coletividade, o ‘valor social da prática de Educação Física’ (CASTELLANI, 1988. p. 98).

    A ginástica de antes é substituída pelo esporte. Acreditava-se que o esporte ajudaria na disciplina e no desenvolvimento do trabalhador e no aumento da produtividade, pois, num jogo existem regras que devem ser cumpridas, e cumprindo essas regras o trabalhador estaria treinando sua habilidade de obedecer, já que ele deve obedecer às regras no seu trabalho e na sociedade. Até então, as únicas pessoas que eram professores de Educação Física eram os militares, pois se acreditava ser cabível a eles o papel que desempenhava a Educação Física. Porém, segundo (CASTELLANI, 1988. p. 99), [...] em 17 de abril de 1939, deu-se a criação, na Universidade do Brasil, da Escola Nacional de Educação Física e Desportos.

    Com a Ditadura Militar que se iniciou a partir de 1964 a Educação Física passa a ser obrigatória do ensino primário ao Universitário, e não só a Educação Física se torna obrigatória também é obrigatória na Universidade a matéria de Estudos de Problemas do Brasil e nas escolas de primeiro e segundo grau a matéria de Organização social de políticas do Brasil, essas matérias tinham o objetivo de exaltação do patriotismo (CASTELLANI, 1988).

    Agora não são somente as escolas profissionalizantes que formam técnicos para o mercado de trabalho, as escolas também já iniciam as pessoas desde cedo para que comecem a trabalhar. As escolas não têm caráter de formar alunos críticos, pensantes, inteligentes e capazes de construir cultura.

    Explicitava-se tal tendência tecnicista, na incorporação, por parte dos responsáveis pela definição da política educacional, de um entendimento do sistema educacional associado, quase que mecanicamente, à qualificação profissional, pautado em parâmetros fixados por uma formação técnico-profissionalizante respaldada na concepção analítica de Educação, pertencente ao quadro das Teorias Acríticas de Filosofia da Educação – conforme classificação de Saviani – geradora de posturas despidas de criticidade, apoiada e paralelamente ratificadora do modelo tecnocrático de desenvolvimento, traduzindo, em termos de Política educacional, na Teoria do Capital Humano, referencial teórico do tecnocratismo educacional. Intencionava-se. Segundo palavras de Romanelli, adotar-se “... em definitivo, as medidas para adequar o sistema educacional ao modelo de desenvolvimento econômico que então se intensificava no Brasil...” (CASTELLANI, 1988. p. 104).

    A Educação e a Educação Física, mais especificamente, não cuidam dos homens, cuida somente da força de trabalho, não se trata da construção histórica dos homens e sim da força de trabalho flexível. A Educação Física com isso se caracteriza por seu caráter instrumental.

    Esse caráter instrumental, evidencia-se ainda mais quando o Decreto n.° 69.450/71, em seu artigo 1.°, refere-se a ela como sendo “... ATIVIDADE que por seus meios, processos e técnicas, desperta, desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando (constituindo-se em) um dos fatores básicos para a conquista das finalidades da Educação Nacional...” (CASTELLANI, 1988. p. 107).

    Dessa forma a Educação Física ganha explicitamente a conotação de um fazer prático não significativo de uma reflexão teórica, o que a caracteriza no fazer pelo fazer. Sua presença na escola se explica não como um campo do conhecimento dotado de um saber específico que teria a intenção de refletir na formação dos alunos, mais como uma experiência sem compreensão do conhecimento.

A Ditadura, a classe trabalhadora e o Esporte

    As liberdades democráticas no Brasil foram totalmente sufocadas por uma repressão violentíssima que persegue os opositores do regime militar de 1964 (Ditadura Militar). Qualquer manifestação contrária às diretrizes políticas estabelecidas pelo governo recebia a reação imediata de todo um aparato especializado em seqüestrar, sacrificar, violentar, destruir, etc. O povo tentou reagir, porém, muitas pessoas foram presas em exílios.

    As manchetes nos jornais silenciavam sobre os desaparecidos políticos que estavam sendo mortos e espancados e se dedicavam aos gols, jogadores, aos grandes jogos etc., para mascarar o que realmente acontecia no país. O esporte era utilizado pelo governo militar para evitar que houvesse mais articulações contra a falta de democracia no Brasil.

    Nas empresas se difundia a idéia de que proporcionar uma atividade aos funcionários, como o esporte, que ajudaria no aumento da produtividade, na compensação das lesões causadas pelo trabalho e ainda proporcionaria aos trabalhadores alegria e divertimento.

    [...] dizia então da necessidade das grandes firmas dinamizarem o setor desportivo de seus funcionários e dirigentes. “...Isto poderá ser alcançado – dizia ele – seja através de uma prática bem orientada (colônia de férias, ginástica de pausa, competição entre diversas fábricas, criação de praças esportivas, etc.) (SOARES, 2001, p. 113).

    O esporte passou a ser visto pelas elites dominantes como um componente fundamental a ser atingido na sua cruzada disciplinatória. Utilizou-se o esporte desviar a atenção das pessoas para o que estava realmente acontecendo no Brasil. A Ditadura.

    No que diz respeito ao Esporte, sua capacidade de catarse, de canalizar em torno de si, para seu universo mágico, os anseios, esperanças e frustrações dos brasileiros, foi imensamente explorada (SOARES, 2001, p. 115).

    O movimento “Esporte para Todos” (EPT), que começou a ganhar corpo no início dos anos 70, se tratava de uma proposta de esporte não formal para ocupar ainda mais o tempo livre de todas as camadas da população e que encontrou grandes possibilidades de ser implantado no Brasil:

    [...] a partir da necessidade sentida pela classe governante, de convencer aos segmentos menos favorecidos da sociedade brasileira, de que o desenvolvimento econômico propalado na fase do ‘milagre’, tinha seu correspondente, no campo social [...] O EPT, assim, seria a comprovação de que, ao desenvolvimento social da sociedade brasileira, expresso – dentre outras formas- no acesso às atividades físicas de lazer pela camada da população, até então dela alijada...” (SOARES, 2001, p. 116).

    Fica claro que o governo ditador queria associar o desenvolvimento do esporte no Brasil com o desenvolvimento da qualidade de vida das pessoas que aqui viviam, ou seja, se o esporte cresce no país, se o país ganha muitas medalhas e se destaca em Olimpíadas e Copas do Mundo, significa que a qualidade de vida de todos os indivíduos do país cresce à medida que crescem o número de medalhas. O que não é verdade, pois, mesmo com as inúmeras medalhas que o Brasil conquistou (graças à popularidade que o esporte ganhou) as condições de trabalho e de vida da classe trabalhadora ainda eram precárias, os salários eram miseráveis, não havia liberdade de expressão, entre muitos outros problemas.

Conclusão

    Durante vários períodos da história a Educação Física foi utilizada de diversas formas e para diversos fins, porém, basicamente no período que descrevo no artigo a Educação Física foi utilizada pela burguesia sob a classe trabalhadora para a consolidação de seus interesses, pois estes puderam perceber nela e nos seus componentes um instrumento bastante eficaz para domesticar, confundir, desviar a atenção, etc. Foi utilizada no início da consolidação do capitalismo para que esse fosse consolidado sem reclamações e contras já que com ele uma classe estaria super favorecida já que explorava a outra e ficava com toda a riqueza produzida por esta enquanto a outra classe ficaria menos favorecida e seria explorada enquanto vivia em péssimas condições e ainda deveria praticar exercícios e ser higiênicos.

    Nesse período a Educação Física nas escolas tinha o objetivo de injetar nas crianças a idéia de que a nova sociedade que estava se consolidando era ótima e de começarem a domesticar as crianças para aceitarem pacificamente as condições estabelecidas. A Educação Física não era fundamentada em mais nada a não ser em instrumento de domesticar os trabalhadores, tanto que na Ditadura por meio de uma lei a Educação Física ganhou o caráter de atividade prática sem nenhuma reflexão teórica. Utilizavam o esporte na Ditadura para desviar a atenção das pessoas para as atrocidades que estavam acontecendo, das torturas, das mortes, etc. A Educação Física estava cumprindo o papel que a vestiram para cumprir. Inclusive depois que a Ditadura passou as pessoas ainda viam a Educação Física com maus olhos, pois, se recordavam de para que ela serviu antes.

    Ainda hoje há um questionamento sobre o verdadeiro papel da Educação Física, porém, ainda não há uma concordância unânime nesse aspecto.

Referências

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