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Jogos e brincadeiras populares na Educação Física 

escolar: um exemplo de sistematização do conteúdo

Juegos y juguetes populares en la Educación Física escolar: un ejemplo de sistematización del contenido

 

Universidade Federal de Juiz de Fora, MG

(Brasil)

Ayra Lovisi Oliveira

ayralovisi@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          A educação física escolar brasileira passou por um significativo processo de discussão teórica sobre a adoção da cultura corporal enquanto conteúdo das aulas. Mas os professores que atuam nas escolas ainda carecem de exemplos de como aplicar esses conteúdos em suas aulas e que instrumentalizem a sua prática. O objetivo desse ensaio é fornecer um exemplo de como trabalhar com o conteúdo jogos e brincadeiras populares nas aulas de educação física, lembrando que não se tem a pretensão de ser uma única verdade, mas sim de ser mais um exemplo para contribuir para a discussão.

          Unitermos: Educação Física Escolar. Jogos populares. Sistematização do conteúdo.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 162, Noviembre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A Educação Física Escolar no Brasil sofreu diversas influências ao longo da sua história: médica (higienista), militar, esportivistas e, a partir da década de 1980, devido ao novo cenário político, o modelo de esporte de alto rendimento para a escola passou a ser fortemente criticado (Coletivo de Autores, 1992). Entra no cenário nacional a discussão esporte na escola e/ou esporte da escola, em voga, até a atualidade. A partir daí surgiram novas maneiras de se pensar a Educação Física.

    Dentre as diversas formas de pensar a Educação Física (EF), partiremos do pressuposto que a EF é entendida como uma disciplina curricular que introduz e integra o aluno na Cultura Corporal, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir dos jogos, esportes, danças, lutas e ginástica em benefício do exercício crítico da cidadania e da melhoria da qualidade de vida (Betti, 1994). Dessa forma, entendemos que o conteúdo dos jogos e das brincadeiras populares tem a sua importância nesse processo e deve ser apresentado aos alunos em suas dimensões: conceitual, atitudinal e procedimental.

    Nessa nova forma de pensar as aulas de educação física, os conteúdos devem ser ensinados ultrapassando a idéia de estar voltado apenas para o ensino do gesto motor correto. Muito mais que isso cabe ao professor de educação física problematizar, interpretar, relacionar, analisar com seus alunos as amplas manifestações da cultura corporal. De tal forma que estes compreendam os sentidos e significados impregnados nas práticas corporais (Darido, 2010).

    Para tanto, é necessário para além do fazer, trabalhar com os alunos as dimensões: conceitual – o que se deve saber sobre o conteúdo abordado (história, conceitos, regras, contexto, etc.); procedimental – o que se deve fazer para vivenciar o conteúdo (regras, fundamentos, etc.); atitudinal – como se deve fazer, as atitudes que se deve tomar diante do conteúdo (cooperação, respeito, valorização, etc.).

    Como tentativa de alcançar essas dimensões, temos como objetivo neste trabalho, mostrar uma forma de sistematização do conhecimento jogos e brincadeiras populares nas aulas de Educação Física. Um exemplo de como trabalhar esse conteúdo de maneira crítica, de forma que os alunos possam compreender sua história, suas diferentes formas, contextualizá-lo, descobri-lo através de outras artes, etc.

    É importante frisar que na prática docente não há como dividir os conteúdos nas dimensões conceitual, procedimental e atitudinal, embora possa ter ênfase em determinadas dimensões. Assim, por uma perspectiva de educação física, seria fundamental considerar os procedimentos, os fatos, os conceitos, as atitudes e os valores como conteúdos, todos no mesmo nível de importância.

1.     Dimensão conceitual

1.1.     A origem dos jogos

    Considerado como parte da cultura popular, o jogo tradicional guarda a produção espiritual de um povo. Essa cultura não oficial desenvolvida, sobretudo pela oralidade, não fica cristalizada. Está sempre em transformação incorporando criações anônimas das gerações. Por ser elemento folclórico, o jogo assume características de anonimato, tradicionalidade, transmissão oral, conservação, mudança e universalidade. Não se conhece a origem desses jogos, seus criadores são anônimos. Sabe-se apenas, que são provenientes de práticas abandonadas por adultos, de fragmentos de romances, poesias, mitos e rituais religiosos (Kishimoto, 2007).

    Apresentaremos aqui, dois exemplos de como trabalhar a origem dos jogos nas aulas:

    Uma forma seria mostrar o Quadro Jogos Infantis de Pieter Brughel de 1560, com desenhos de 84 jogos, e pedir aos alunos que identifiquem quais dos jogos ilustrados eles conhecem e que ainda brincam. Problematizar com eles como esses jogos do séc. XV permanecem até os dias de hoje em nossa sociedade. Pode-se também colar uma figura do quadro em mural da escola e deixar um espaço em branco abaixo, para que os demais alunos da escola identifiquem as brincadeiras e jogos que conhecem.

    Outro exemplo seria pedir aos alunos que fizessem uma pesquisa histórica com sua família. Devem perguntar às pessoas mais velhas da família (avô, avó, tios, pais) as brincadeiras que mais gostavam em sua infância, após a pesquisa os alunos devem apresentar os jogos encontrados para o restante da turma e logo após propor que a turma vivencie esses jogos.

    Pode-se também, convidar pessoas da comunidade escolar para realizar uma palestra nas aulas. Esses convidados podem conversar com os alunos sobre sua infância, como eram as ruas, as casas, as escolas, e realizar junto com os mesmos os jogos que mais brincavam.

    Outra forma interessante de trabalhar a história dos jogos com as crianças é realizar o “Dia dos Jogos” onde toda a comunidade escolar é convidada a participar e a propor essas brincadeiras na escola, um momento onde as famílias poderiam vivenciar junto com os alunos esse conteúdo.

1.2.     Contextualizando os jogos populares

    Na contemporaneidade, o fenômeno da urbanização está ligado à crescente troca de casas por apartamentos, ao excesso de veículos nas ruas, ao aumento da violência urbana. O que gera uma redução dos espaços para praticar os jogos. Levando as crianças a brincarem em espaços delimitados, como os playgrounds dos edifícios (limitadores de criatividade e agressivos pela falta de natureza e espaço). Também o aumento do número de brinquedos industrializados de baixo custo, os jogos eletrônicos e o apelo ao consumo, tem dificultado a preservação dos jogos tradicionais.

    Um meio de contextualizar com os alunos essas mudanças pode ser o filme: O Menino Maluquinho, que mostra uma época em que as crianças podiam brincar na rua, com uma maior liberdade, com brinquedos antigos que utilizavam materiais rústicos. Deve-se problematizar as diferenças entre as antigas infâncias e a atual infância, quais as diferenças entre os tempos, as vantagens e desvantagens. E, também, através de poemas que descrevem a infância, como o de Rita Reikke – Brincadeiras da Infância.

    Também os jogos, em sua forma, sofreram influências da modernização. O processo de industrialização crescente, através das sucatas e outros materiais multiplicaram os recursos disponíveis, que junto com a criatividade popular, fizeram surgir novos brinquedos e brincadeiras. Podemos exemplificar com os alunos mostrando brinquedos construídos desses materiais, como: Lata de óleo de cozinha = carroceria de caminhão; câmeras de ar = a boias; rolimãs usadas = a patinetes; etc.

    Esse pode ser um momento de trabalhar interdisciplinarmente com disciplinas, como história e geografia, que têm os fenômenos da urbanização enquanto conteúdo.

2.     Dimensão procedimental

    Para trabalhar com a dimensão procedimental, iremos apresentar um quadro com as principais características específicas em cada ciclo escolar, acompanhados de sugestões de jogos para se desenvolver tais características. Cabe ressaltar que, em cada ciclo existem diversas outras características e jogos para serem desenvolvidos com os alunos, e que, apresentaremos de forma sintética uma maneira de sistematização e organização desse conteúdo.

2.1.     Jogo no ciclo da educação infantil e no ciclo de organização e reconhecimento da realidade (ed. infantil e 1º ciclo -1º ao 3º anos)

Características

Exemplo

Reconhecimento de si mesmo, e das próprias possibilidades de ação;

Morto-vivo e suas variações

Reconhecimento das propriedades externas, materiais e objetos;

Boca de Forno

Conteúdo que implique a inter-relação do pensamento 

de uma ação com a imagem e a conceituação verbal

Gato-mia, escravo de Jó

Conteúdo que implique o sentido de convivência com o coletivo, 

das suas regras e dos valores que esta envolve

Pique corrente

Auto-organização

Estátua

Elaboração de brinquedos, tanto para jogar em grupo, como sozinho

Amarelinha

2.2.     Jogo no ciclo de iniciação à sistematização do conhecimento (4º ao 6º ano)

Características

Exemplo

Jogos cujo conteúdo implique em jogar 

tecnicamente e empregar o pensamento tático;

Bobinho (com as mãos ou os pés)

Jogos cujo conteúdo implique o desenvolvimento da capacidade de organizar os próprios jogos e decidir suas regras, entendendo-as e aceitando-as como exigência do coletivo;

Alerta

 

2.3.     Jogo no ciclo de ampliação da sistematização do conhecimento (7º ao 9º ano)

Características

Exemplo

Jogos que impliquem na organização técnico-tática e 

o julgamento de valores sobre as regras do mesmo

Pique-bandeira

Jogos cujo conteúdo exige a necessidade de aplicação de algumas técnicas e da avaliação individual e em grupo para jogar bem tanto técnico como taticamente

Queimada

 

2.4.     Jogo no ciclo de sistematização do conhecimento (1º ao 3º ano do ensino médio)

Características

Exemplo

Jogos cujo conteúdo implique o conhecimento sistematizado

 e aprofundado das técnicas, táticas e regras

Futebol de quatro lados

Conhecimento sistematizado e aprofundado sobre 

o desenvolvimento geral e específico do jogo

Pique polícia e ladrão

Jogo que propicie a organização conjuntamente 

com os alunos, a escola e a comunidade

Gincana

3.     Dimensão atitudinal

    Na dimensão atitudinal deve-se valorizar o patrimônio dos jogos e brincadeiras no seu contexto. Trabalhar o respeito aos colegas, aos adversários e resolver os problemas com atitudes de diálogo e não violência. Incentivar as atividades em grupos, cooperando e interagindo.

    Levar os alunos a reconhecerem e valorizar atitudes não preconceituosas relacionadas à habilidade, sexo, religião e outras. E, incentivar os alunos a adotarem o hábito de praticar atividades físicas visando a inserção a um estilo de vida ativo.

4.     Avaliação

    O papel da avaliação no processo educativo é o de formar e informar. Formar no sentido de ser para o aluno uma tomada de consciência de suas conquistas, dificuldades e possibilidades, para o seu melhor desenvolvimento no conteúdo. E, informativa, no sentido de oferecer ao professor elementos de uma reflexão continuada sobre a sua prática, no que se refere à escolha de competências, objetivos, conteúdos e estratégias. Ela auxilia na compreensão de quais aspectos devem ser revistos, ajustados ou reconhecidos como adequados para o processo de aprendizagem individual e de todo o grupo de alunos (Darido, 2007).

    No conteúdo dos jogos e brincadeiras populares podemos pensar em algumas possibilidades de avaliação como: pedir que os alunos identifiquem as diferenças entre jogos cooperativos e competitivos; pedir para que elaborem, em grupos ou individualmente um jogo cooperativo. Podem também, realizar uma pesquisa sobre as origens dos jogos populares na cidade onde moram, como também construírem com lixo reciclável brinquedos, entre outras possibilidades. O mais importante é que tanto o professor quanto o aluno tenham claro os processos e objetivos da avaliação.

    Acreditamos que se faz necessário, exemplos de como trabalhar com conteúdos da cultura corporal. Não no sentido de ser uma única verdade ou possibilidade, mas, para mostrar uma maneira viável de trabalhar no cotidiano escolar com conteúdos, muitas vezes negados devido à esportivização e/ou a desvalorização da EFE. Assim, mesmo sabendo e não negando a desumana realidade das escolas, acreditamos ser possível realizar um trabalho de qualidade.

Referências bibliográficas

  • Betti, Mauro. Valores e finalidade na educação física escolar: uma concepção sistêmica. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v.16, n.1, p. 73-81, 1994.

  • Coletivo de Autores. Metodologia do ensino de educação física. Campinas: Autores associados, 1992.

  • Darido, Suraya Cristina. Os Conteúdos da Educação Física Escolar: Influências, Tendências, Dificuldades e Possibilidades In: Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1 (suplemento), 2001.

  • Kishimoto, Tizuco Morchida. Jogos Infantis. O jogo, a criança e a educação. Petrópolis: RJ, 14ªed., 2007.

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