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O campo de atuação do profissional de educação física e do esporte

El campo de la práctica profesional de la educación física y el deporte

The field of professional practice of physical education and sport

 

Professor Doutor da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo

Pesquisador, membro da equipe da USP do Núcleo de Estudos, Ensino

e Pesquisa do Programa de Assistência Primária de Saúde Escolar, PROASE

José Eduardo Costa de Oliveira

prof.zedu@usp.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Qualquer que seja a discussão acera da constituição do campo de uma área de atuação profissional, faz-se necessário referenciar a teoria geral dos campos de Bourdieu (1983), que demonstra que diferentes campos apresentam diferenças ou similitudes funcionais, de onde se destacam as especificidades, bem como o grau de autonomia relativa de cada um, em relação a outros. Na intencionalidade de discutir e analisar a constituição do campo de atuação da EF no Brasil, o presente ensaio apresenta duas perspectivas para aqui tratar o tema. Na primeira, discutindo os principais campos de atuação profissional para o bacharel em EF e Esporte na sociedade contemporânea, e, por fim, discutindo o processo de regulamentação da profissão, e suas interfaces com a sociedade de consumo e as possíveis influências na configuração desse campo. numa perspectiva de uma análise conclusiva, o presente ensaio afirma que, a partir dos apontamentos feitos se torna possível argumentar acerca de algumas considerações finais, contribuindo com novos elementos que permitam a ampliação deste debate no cenário do campo da EF brasileira. Posicionar-se de forma crítica frente a estas questões pode ser um passo importante, tanto na direção de contribuir para a promoção de desequilíbrios, quanto na direção de constituir focos de rupturas no status quo e que o pensar cientifico sobre as formas de educação do corpo possam manter uma identidade unitária, o que não significa manter sua dimensão, apenas, no âmbito escolar e/ou curricular, mas, sim no âmbito – pedagógico – onde nesse sentido, estar-se-á vislumbrando a possibilidade de ressignificar a formação humana, no seu sentido mais amplo, nos mais diversos espaços coletivos (escolas, clubes, hospitais, clinicas, ruas, comunidades e etc.), dos quais possa atuar – fundamentalmente – um professor de educação física, balizado cientificamente e pedagogicamente nas suas intervenções.

          Unitermos: Campo. Educação Física. Atuação profissional. Esportes.

 

Resumen

          Cualquiera que sea la discusión acerca de la constitución de un campo de un área de intervención profesional, es necesario referirse a la teoría general de los campos de Bourdieu (1983), lo que demuestra que los diferentes campos tienen diferencias o similitudes funcionales, de los cuales destacan los específicos así como el grado de autonomía relativa de cada uno en relación con los demás. Con la intención de discutir y analizar la constitución del campo de la Educación Física en Brasil, este artículo presenta dos enfoques para abordar la cuestión aquí. Al principio, hablando de los principales campos de la práctica profesional del Profesor y el Licenciado en Educación Física y el Deporte en la sociedad contemporánea, y, finalmente, discutir el proceso de regulación de la profesión, y sus interrelaciones con la sociedad de consumo y las posibles influencias en esta configuración sobre el campo. Como punto de vista de un análisis definitivo, este ensayo sostiene que, a partir de las anotaciones realizadas es posible discutir acerca de algunas consideraciones finales, aportando nuevas perspectivas a este debate en la expansión de la constitución del campo de la Educación Física en Brasil. Posicionarse críticamente frente a estas cuestiones es un paso fundamental para contribuir tanto a la promoción de los desequilibrios, como en la dirección para formar focos de rupturas del status quo y que el pensamiento científico sobre las formas de educación del cuerpo pueden mantener una identidad unificada, lo cual no quiere decir mantener su dimensión sólo en la escuela y/o plan de estudios, pero sí en un ámbito -el pedagógico- que en este sentido, se vislumbre la posibilidad de reformular los recursos humanos, en su sentido más amplio, en diversos espacios colectivos (colegios, clubes, hospitales, clínicas, calles, comunidades, etc.), en lo que pueda actuar -especialmente- el profesor de educación física, impulsado científica y pedagógicamente en sus intervenciones.

          Palabras clave: Campo. Educación Física. Actividades profesionales. Deportes.

 

Abstract

          Whatever the sidewalk discussing the constitution of a field area of ​​professional practice, it is necessary to refer to the general theory of fields, Bourdieu (1983), which shows that different fields have functional differences or similarities, of which highlight the specific as well as the degree of relative autonomy of each in relation to others. The intent to discuss and analyze the constitution of the field of Physical Education in Brazil, this paper presents two approaches to address the issue here. At first, discussing the main fields of professional practice for the Bachelor of Physical Education and Sport in contemporary society and finally, discussing the process of regulating the profession, and their interfaces with the consumer society and the possible influences in this configuration field. Perspective of a definitive analysis, this essay argues that, from the notes made becomes possible to argue about some final considerations, contributing new elements that allow the expansion of this debate in the setting of the field of Physical Education in Brazil. Positioning is a critical front of these issues can be an important step toward both contribute to the promotion of imbalances, as in the direction to form foci of disruption of the status quo and that the scientific thinking about the forms of education of the body can maintain a unified identity, which does not mean maintaining its size, only in the school and / or curriculum, but rather under - teaching - which in this sense, it will be glimpsing the possibility of reframing the human, in its broadest sense, in various collective spaces (schools, clubs, hospitals, clinics, roads, communities, etc.), which can act - crucially - a physical education teacher, buoyed scientifically and pedagogically in their interventions.

          Keywords: Field. Physical Education. Professional activities. Sports.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 161, Octubre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Qualquer que seja a discussão acera da constituição do campo de uma área de atuação profissional, faz-se necessário referenciar a teoria geral dos campos de Bourdieu (1983), que demonstra que diferentes campos apresentam diferenças ou similitudes funcionais, de onde se destacam as especificidades, bem como o grau de autonomia relativa de cada um, em relação a outros.

    A produção do campo da Educação Física (EF), enquanto objeto de estudo foi tecida por Paiva (2003) apud Bracht e Crisório (2003), e elaborada através de um diálogo com a historicidade da própria área e checada nos estudos das condições e possibilidades que permitiram o engendramento do campo, no que tange as influências do pensamento médico higienista brasileiro do século XIX. Essa produção permitiu trabalhar de forma diferenciada com a questão da herança da área, o que de certo modo culminou numa tendência a biologização da EF.

    Sendo assim, a síntese aproximativa decorrente do exercício de objectualização e objetivação do campo, possibilitou reconhecer e sistematizar–se pela pesquisa histórica e no diálogo com a historiografia, aquilo que Boudieu chamou de – propriedades dos campos - definindo e configurando o campo da EF no Brasil, enquanto campo de conhecimento, em função do fenômeno da área na sociedade ao longo de seu percurso histórico.

    Portanto, considerando o exposto, e, na intencionalidade de discutir e analisar a constituição do campo de atuação da EF no Brasil, o presente ensaio apresenta duas perspectivas para aqui tratar o tema. Na primeira, discutindo os principais campos de atuação profissional para o bacharel em EF e Esporte na sociedade contemporânea, e, por fim, discutindo o processo de regulamentação da profissão, e suas interfaces com a sociedade de consumo e as possíveis influências na configuração desse campo.

Os principais campos de atuação profissional para o bacharel em Educação Física e Esporte

    Observa-se no cenário brasileiro, a partir de 80, um reordenamento do trabalho em Educação Física (EF), que era tido como um afazer tipicamente – docente. Neste contexto, o trabalho da área transcende os muros escolares, bem como atinge beneficiários de todas as idades. é ainda nos anos 80, sob o parecer do CNE 03/87, que se viu a divisão da - formação profissional - em licenciatura e bacharelado.

    Assim, novos campos, a exemplo do Bacharelado em Saúde e Esporte, representados em nichos de mercado como as academias de ginástica, os clubes, os spas e etc., ganharam grande espaço no Brasil, impulsionadas pela política de desobrigação do Estado, no que diz respeito à garantia aos direitos sociais, dentre eles a saúde (Bracht e Crisório, 2003).

    Além disso, destaca-se que o contexto histórico atual da formação profissional, que sofre outras profundas transformações, oriundas de modificações nas práticas econômicas, políticas, sociais, culturais, entre outras, exigindo, portanto, uma reestruturação da sociedade nos seus mais diferentes setores.

    Devido ao avanço da ciência e da tecnologia, esse processo de mudanças altera a estrutura do sistema de produção e de contratação, bem como requer também novas exigências profissionais (novos conhecimentos, habilidades, atitudes e valores).

    Assim, em qualquer que seja o viés da formação na EF (bacharelado e a licenciatura), o estudante é forjado para intervir profissional e academicamente no contexto específico, a partir de conhecimento de natureza técnica, científica e cultural, não se esquecendo de considerar as características regionais e os diferentes interesses identificados com o campo de atuação profissional.

    É nesse sentido, portanto, que se destaca que as novas diretrizes curriculares sinalizam para a preparação de um profissional adaptável às situações novas e emergentes; tendo progressiva autonomia profissional; e possuindo condições para contribuir na produção de conhecimentos (BERTICELLI, 2006).

    Aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser - são termos utilizados na linguagem das diretrizes que buscam referenciar a preparação do profissional (CNE 1/2001 apud BRACHT e CRISÓRIO, 2003).

    Existem trabalhos que identificam mais de 30 atuações possíveis no campo da EF e do Esporte, sendo que, em todos os setores é este profissional quem define o tipo de atividade física mais indicada para cada pessoa, orientando-a quanto à postura, intensidade e freqüência de cada exercício, sempre, norteados pelos objetivos dos beneficiários (PILATTI E VLASTUIN, 2008).

    Na área do bacharel, diversas são as possibilidades contemporâneas de atuação, delegando os profissionais a operarem nos diversos segmentos da organização social, quer sejam públicas ou particulares, com exceção do sistema escolar.

    Como exemplos, cita-se: o técnico em esportes (atuante da iniciação ao alto nível, do competitivo ao recreativo); o professor de academias - das atividades aquáticas, nas ginásticas de solo, incluindo-se a musculação, o pilates, as artes marciais e etc. (OLIVEIRA, 2001).

    Esta atuação profissional também pode se dar nos clubes recreativos e esportivos, ou nas associações atléticas, nas associações classistas e no desporto comunitário.

    Como um novo campo, surgido após o fim do século XX, estão também os hospitais (como os profissionais incluindo-se em programas de reabilitação, onde os processos de fomento de alguma capacidade física seja necessário à completa reabilitação do paciente); em hotéis (em programas recreativos, lúdicos, e com esportes de aventura principalmente); e em spa’s (em programas de condicionamento físico e emagrecimento).

    Em programas específicos com a primeira infância (nos processos de aprimoramento e desenvolvimento motor destes); em programas específicos para terceira idade (na prevenção e promoção da saúde, frente aos processos de envelhecimento do organismo humano); em programas de EF adaptada (na inclusão e no desenvolvimento motor e intelectual dos portadores de necessidades especiais).

    Em programas de ginástica laboral em empresas e indústrias (na prevenção das enfermidades oriundas das diferentes atividades profissionais); na organização e arbitragem de torneios esportivos (nas mais diversas modalidades, tanto na atuação como árbitros, mesários, fiscais e etc.).

    Enquanto Personal Trainer (que apesar do vínculo com as atividades do professor de academia, constitui um dos principais nichos, em relação ao número de vagas disponíveis no mercado contemporâneo para o bacharel, principalmente pelo fato desta intervenção ter transcendido o próprio ambiente da academia, para a atuação nas residências, parques, nas corridas de rua e no forte apelo estético, tão valorizados pela sociedade contemporânea, na busca por este tipo de serviço).

    Na organização e supervisão de eventos esportivos; na recreação e no lazer (tanto nos processos de prescrição, bem como na orientação e empoderamento dos beneficiários para o uso correto do tempo livre do trabalho).

    E, como o mais recente e emergente nicho de atuação do profissional de EF e esporte, a – gestão esportiva - (atuando no gerenciamento, na direção, na gestão de pessoas e de recursos humanos, materiais e financeiros de academias, escolas, clubes e entidades esportivas, das mais variadas razões sociais, que prestam serviços na área de atividade física e/ou de esportes).

    É – na gestão esportiva – que tem sido objeto de várias publicações e estudos, da abertura de múltiplos cursos de pós-graduação (lato senso), no sentido de capacitar o profissional de EF, que sempre foi concebido para atuar enquanto licenciado e/ou bacharel, mas, sobretudo, enquanto um empregado (entenda-se funcionário, colaborador) nas instituições que oferecem serviços em EF. E que agora, vislumbra-se a possibilidade do profissional também ser concebido - enquanto um empreendedor - um empresário do ramo da atividade física. Colocado não só como gestor, mas, sobretudo enquanto proprietário desses estabelecimentos.

    Processo este que tem acontecido de maneira exponencial, em face da observação que se faz do grande número de egressos das Instituições de Ensino Superior (IES), e que abrem seus próprios negócios, principalmente no ramo das academias de ginásticas e nas clínicas ou estúdios de treinamento personalizado, de pilates, de natação e etc.

    O campo de atuação da administração esportiva poderá ainda estender-se à consultoria e a prestação de serviços a órgãos públicos, empreendimentos particulares e aos meios de comunicação de massa, no que se relacionar à EF e ao esporte.

    Portanto, depreende-se que o Profissional de EF e Esporte é especialista em atividades físicas, nas suas diversas manifestações – das ginásticas, dos exercícios físicos, dos desportos, jogos, lutas, danças, atividades rítmicas, expressivas e acrobáticas, da reabilitação e a ergonomia, do relaxamento corporal, yoga, exercícios compensatórios à atividade laboral, perpassando por outras práticas corporais, tendo como propósito prestar serviços que favoreçam o desenvolvimento da saúde, contribuindo para a capacitação e/ou restabelecimento de níveis adequados de desempenho e condicionamento físico-corporal dos seus beneficiários (CONFEF, 2004).

    Visando também à consecução do bem-estar e da qualidade de vida, da consciência, da expressão e estética do movimento, da prevenção de doenças, de acidentes, de problemas posturais, da compensação de distúrbios funcionais, contribuindo ainda para o fomento da autonomia, da auto-estima, da cooperação, da solidariedade, da integração, da cidadania, das relações sociais e a preservação do meio ambiente.

O processo de regulamentação da profissão, e suas interfaces com a sociedade de consumo

    No que diz respeito às possíveis influencias do processo de regulamentação no caminho do esclarecimento e da autonomia da área dentro do campo, segundo Sautchuk (2005), em bases gerais, a regulamentação de uma especificidade profissional constitui-se, sobretudo, numa forma de controle social, a fim de impor limites, no sentido de restringir a livre atuação profissional.

    As primeiras intenções de regulamentar a área (1954), esbarraram na legislação vigente, que só permitia que profissões substantivas, e não adjetivas como o caso da EF fossem regulamentadas. No entendimento de Bracht e Crisório (2003), e também do presente texto, o problema consistia no fato da profissão ser formada por professores, e não por x-ologos, pois o ofício na EF era caracterizado em como educar a expressão corporal do homem.

    Os anos de 98 foram o start para a regulamentação definitiva da área, frente à possibilidade do aumento dos nichos de atuação profissional, como os que foram supracitados, bem como de um maior reconhecimento social do trabalho da EF.

    No entanto, o processo de regulamentação está firmado em três princípios: a relação de consumo, alvo da regulamentação; a saúde - que justifica a regulamentação como medida de proteção social; e a ciência, que procura conferir legitimidade e exclusividade aos diplomados (BRACHT e CRISÓRIO, 2003).

    Outra afirmação que o ensaio não se acanha em fazer, é que apesar dos intensos debates epistemológicos travados nos anos 80 acerca desse tema, que a regulamentação, apesar de não ter interrompido, descartou - ao menos por hora – todo a discussão epistemológica que vinha sendo construído na EF.

    E, talvez a lógica de mercado que norteou esse processo tenha dispersado as possibilidades da área em alçar vôos maiores, particularmente, aqueles referentes à sua – autonomização - culminando num atual empobrecimento do debate sobre o assunto.

    Portanto, constitui-se um momento histórico que aponta para uma mudança no eixo do processo de formação profissional no campo da EF. Da possibilidade de pensar a formação inicial, como um meio de contribuir em um processo de transformação social.

    No entanto, se apresenta à perspectiva de acomodação, a partir dos ditames do mercado de trabalho, visto a preocupação principal com a inserção dos estudantes em postos de trabalho, mesmo que estes estejam cada vez mais precários, a exemplo das academias de ginástica, que utilizam mão-de-obra barata (como no caso dos estagiários) gerando uma concorrência desleal para o profissional formado.

    É fato que os conselhos fiscalizam este estágio, bem como que existem leis que o regulamente, mas, também é fato que esta mesma fiscalização o legaliza, sob a justificativa de complementar a formação do universitário, resultando num aumento no número de estagiários que ocupam vagas que poderiam ser disponibilizadas a profissionais formados.

    Esta afirmação acima se baseia no fato que os estagiários não são contratados para aprender, para complementar suas formações – objeto do estágio supervisionado. E legítimo e positivo na formação do educando em EF, diga-se de passagem.

    E sim, para atuar substituindo o profissional que custa mais caro, em face aos encargos trabalhistas que as empresas ficam dispensadas em pagar aos estagiários.

    Acrescenta-se ainda, que o mercado das academias são verdadeiras máquinas de estágio, pois, emprega-se um número mínimo de professores (de 20 a 30 do quadro total de funcionários), que irão atuar enquanto responsáveis técnicos, e o restante das vagas (os outros 70 ou 80%) são destinadas aos estagiários para as diferentes funções. Assim, complementa-se a formação do estudante, mas, sucateia-se as vagas e o salário dos formados.

    A EF contemporânea é a única profissão regulamentada que possui quatro tipos de "profissionais" dividindo as vagas no campo de atuação: os estagiários, os provisionados, os ex-atletas (leigos, quiçá monitores esportivos), e, por fim, os profissionais graduados.

    O que cabe afirmar, é que não há escolha e os sujeitos são apenas levados a um modelo de vida profissional, sem possibilidades de negociação. Pois, seria possível negociar, recusar e/ou duvidar desta figura chamada – lógica de mercado?

    O ensaio responde que sim! Cabe refletir, no mínimo! Cabe uma atitude que não seja a de total subserviência a ela!

    Em muitos casos, “atender demandas de mercado” passou a ser a grande alavanca propulsora dos processos de formação profissional, balizada pelo cunho mercadológico que o processo de regulamentação carrega em seu bojo.

    Um aspecto a destacar e a criticar, é que a formação profissional em EF, que vem recebendo mais influências transformadoras a partir de novos ordenamentos legais, do que da produção intelectual dos profissionais que atuam nesse campo.

    Como conseqüência, os indicativos apontam para um processo, em longo prazo, de ainda maior fragmentação do conhecimento. A “especialização” de estudantes (já na graduação) tende a ser ainda maior, devido à tendência de estabelecer a especificidade, desde o início do processo de formação (BRACHT e CRISÓRIO, 2003).

    Nesse sentido, a intenção do campo da EF não se constitui historicamente, de acordo com a intenção dos sujeitos que o constituem. Isso se relaciona diretamente com formas hegemônicas ou não de pensar o mundo, e nessa direção pode-se pensar na compreensão de alguns fenômenos que constituem o campo da EF.

    A partir disso, se torna possível articular alguns apontamentos, a fim de compreender de forma mais concreta os elementos que constituem a contemporaneidade do campo da área,

    Pois, a naturalização do contexto contemporâneo da EF é uma questão que vem se apresentado com extrema facilidade, como se os problemas do campo já estivessem resolvidos. Para o ensaio, isso ainda carece de maior sustentação.

    Pois, a falta de consenso é a tônica que se faz presente. O cerne da discussão tem se resumido ao lócus de atuação no mercado de trabalho dos egressos dos cursos de EF (Licenciatura e Bacharelado), empobrecendo o debate e atrelando os processos de formação, ainda mais, aos ditames do mercado.

    Assim, o campo da EF parece entrar em uma nova fase, não necessariamente melhor para os trabalhadores deste campo, amparada por argumentos que não conseguem sustentar grande parte dos encaminhamentos adotados. Percebe-se a ausência de argumentação teórica para diferenciar os processos de formação de professores/profissionais na lógica licenciatura/bacharelado.

    Além disso, questiona-se em que medida o cerne do conhecimento da EF se diferencia nestas esferas.

    Ao afirmar, por exemplo, que a diferença está no “perfil” necessário ao campo de atuação, é no mínimo subestimar a capacidade intelectual construída nesse campo ao longo de sua história (BRACHT e CRISÓRIO, 2003).

    Nessa direção, a preocupação em estabelecer uma identidade epistemológica, permitiria maior compreensão das bases que sustentam ou constituem o campo em questão. O que não vem ocorrendo.

    A perspectiva do livre mercado, por exemplo, e o discurso da empregabilidade vem constituindo outro elemento falacioso neste debate. O processo regulamentatório, ao invés de lutar pela garantia das conquistas (históricas) da classe trabalhadora, fez o contrário.

    Sob a lógica do neoliberalismo, os direitos dos trabalhadores vem sendo, gradativamente precarizados, sob a égide da prestação de serviços. No Brasil, a política neoliberal surge a partir do inicio dos anos 90, com o objetivo pautado na premissa de recuperar a reprodução interna do capital (KUNZ, 2003). Neste contexto, processo análogo também atingiu o campo educacional, que também começou a ser redimensionado. E a EF não ficou longe desse contexto.

    Pois, o que preocupa o ensaio é o fato desta vertente relegar os profissionais a abrirem mão da proteção social, ou seja, trabalharem sem direito a repouso semanal remunerado, férias remuneradas, 13º salário, FGTS, assistência de saúde, seguro desemprego/saúde entre outros. Em razão da discussão que afirma que o educador físico deve constituir-se, sobretudo, num profissional liberal, num empreendedor.

    Pensar assim é moderno! Mas, injusto, também, diga-se de passagem.

    Numa outra analogia, afirma-se que há um dogma messiânico da salvação, imbricado nesse contexto, pois, esse tipo de discurso provocado pela ilusão de que a partir da Lei 9.696/98 e do processo de regulamentação, a “sociedade” irá respeitar os profissionais de EF. Só assim irá?

    Obviamente que não, pois, acredita-se que o respeito se conquista no cotidiano das relações presentes no mundo da vida, e não por decretos.

    Talvez a busca pela compreensão da episteme dessas questões, ao invés da afirmação pelo dogma, possa ampliar a discussão acerca de elementos sinistros ao desenvolvimento do ser humano, desconsiderados pelos documentos da regulamentação.

    Outra constatação que o texto afirma perceber é uma certa - vigilância hierárquica - sob o pretexto de “cumprir a lei”. Fiscais rastreiam os diversos espaços que prestam serviços em EF e esporte, na ânsia de aumentar o número de registrados. Parece que a proteção e a orientação estão em segundo plano. Em primeiro, esta aumentar o credenciamento.

    Buscando sustentação para a discussão em Foucault (2005), é possível realizar mais uma analogia com a vigilância hierárquica apresentada: “a vigilância hierarquizada, contínua e funcional não é, sem dúvida, uma das grandes invenções técnicas do século XVIII, mas sua insidiosa extensão deve sua importância às novas mecânicas de poder que traz consigo.” (p. 146).

    Essas novas mecânicas de poder se apresentam, em muito, na lógica da regulamentação, onde as relações entre os sujeitos se coisificam. Nessa esteira, corpos dóceis, como o referido autor sustenta, representam um patamar necessário na disputa pelo poder que se instaura no seio deste debate.

    Ainda para Foucault, o poder significa antes de tudo um verbo, uma ação, uma relação de forças, ou seja, poder não é simplesmente algo que alguém tem ou não; o poder é uma relação constitutiva de qualquer relação social, portanto, incluindo as relações oriundas dos profissionais de EF e usa entidades legitimadoras.

    Assim, o policiamento espacial estrito, a hierarquia de poder, a inspeção constante, apoiada por um sistema de registro permanente, podem aproximar tranqüilamente as considerações do referido autor à essência das considerações aqui traçadas.

Considerações finais

    Face ao que foi exposto, numa perspectiva de uma análise conclusiva, o presente ensaio afirma que, a partir dos apontamentos feitos se torna possível argumentar acerca de algumas considerações finais, contribuindo com novos elementos que permitam a ampliação deste debate no cenário do campo da EF brasileira.

    Posicionar-se de forma crítica frente a estas questões pode ser um passo importante, tanto na direção de contribuir para a promoção de desequilíbrios, quanto na direção de constituir focos de rupturas no status quo (MOLINA NETO et al. In: REZER, 2006).

    Considera-se pertinente também, refletir acerca de algumas perspectivas de avanço nesse cenário, fruto de elementos que vão se constituindo de acordo com as posições assumidas ao longo deste texto.

    Contudo, não se tratando de ignorar a regulamentação, inclusive como fato que pode ser positivo para a área, bem como o mercado de bens e de materiais que a sociedade vive contemporaneamente, e que mantém fortes laços com o mercado de bens simbólicos e que as disputas no campo da produção cultural, não se configurem conforme essa reordenação do campo econômico e social, pois, quanto maior for à autonomia de um determinado campo, maiores serão as possibilidades de relações com este mesmo mercado, desde que não seja a de reprodução e a de subserviência a ele.

    A autonomia pode ser a garantia da produção de sentidos próprios e melhores condições de enfrentamento, pois, a pouca autonomia do campo da EF deixa a área vulnerável a esta lógica de mercado, que por sua vez, não se acanha em estabelecer seus domínios para muito além dos seus produtos originais e acaba alienando o profissional.

    Pensar o campo para a EF, para o presente ensaio significa – repedagogizá-la e cientifizá-la – sem que haja qualquer movimento no sentido da escolarização da área (BRACHT e CRISÓRIO, 2003).

    Pois, acredita-se que o campo da EF está inserido num contexto que aponta um terreno fértil para nossa formação, pois apresenta uma grande variedade de opções de trabalho e que estão materializadas em diferentes práticas, em diversos contextos institucionais, profissionais e.

    O profissional de EF desempenha suas atividades relacionadas com a aquisição e controle do movimento. Atua sob diversas formas na expressão corporal, sistematizadas no campo educacional, do rendimento esportivo, do lazer, na educação motora, da reabilitação, da gestão de empreendimentos relacionados com as atividades físicas, com o esportivo e o lazer, sendo desenvolvidas através de atividades de ginásticas, esportes, lutas, danças, jogos, recreação e do ensino personalizado, entre outros.

    Assim, o graduado em EF e esporte está habilitado para intervir na sociedade como professor/pesquisador nos diversos níveis de ensino, desempenhar funções burocráticas (verificação de súmulas, criar tabelas de campeonato, etc.), podendo ainda prestar orientação técnica, assessoria e consultoria a órgãos e instituições públicas e privadas na educação e em equipes multidisciplinares na área da saúde e no ensino personalizado.

    Que o pensar cientifico sobre as formas de educação do corpo possam manter uma identidade unitária, o que não significa manter sua dimensão, apenas, no âmbito escolar e/ou curricular, mas, sim no âmbito – pedagógico – onde nesse sentido, estar-se-á vislumbrando a possibilidade de ressignificar a formação humana, no seu sentido mais amplo, nos mais diversos espaços coletivos (escolas, clubes, hospitais, clinicas, ruas, comunidades e etc.), dos quais possa atuar – fundamentalmente – um professor de educação física, balizado cientificamente e pedagogicamente nas suas intervenções.

Referências bibliográficas

  • BERTICELLI, I. A. Epistemologia e educação – da consciência, auto-organização e caos. Argos: Chapecó, 2006.

  • BOURDIEU, P. O Campo Científico. In: Ortiz, Renato (org.). Coleção Grandes Cientistas Sociais, n 39, Editora Ática, São Paulo, 1983.

  • BRACHT, V.; CRISORIO, R. (Org.) A Educação Física no Brasil e na Argentina – identidade, desafios e perspectivas. Campinas: Autores Associados, 2003.

  • BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Currículo Mínimo de Educação Física: Resolução n.º 03, de 16 de junho de 1987, do Conselho Federal de Educação. Brasília, 1987.

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  • KUNZ, E. Formação profissional em Educação Física: revisões e alienações. Revista Motrivivência, v.15, n.20-21, 2003.

  • MOLINA NETO, V.; MOLINA, R.M.K.; SILVA, L.O.; DIEHL, V.R.O. Os desafios da formação continuada em educação física: nexos com o esporte, a cultura e a sociedade. In: REZER, R. (ORG.) O fenômeno esportivo – ensaios crítico-reflexivos. Chapecó: Argos, 2006.

  • OLIVEIRA, José Eduardo Costa de. Aspectos socioculturais na atuação do profissional de Educação Física e Esporte. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 158, p. 1-13, 2011.

  • PILATTI, Luiz A. VLASTUIN, Juliana. Esporte e mídia: projeção de cenários futuros para a programação regional e global. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 10, n. 70, dez. 2004. http://www.efdeportes.com/efd79/midia.htm

  • SAUTCHUK, C.E. Regulamentação. In: GONZÁLES, J.F. e FENSTERSEIFER, P. (Org.). Dicionário crítico de Educação Física. Ijuí: UNIJUÍ, 2005.

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