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Mídia e corpo: possibilidades de intervenção nas aulas de Educação Física

Los medios de comunicación y el cuerpo: las posibilidades de intervención en las clases de Educación Física

 

*Graduada em Licenciatura em Educação Física pela Faculdade Social (Salvador, Bahia)

Pós Graduando em Metodologia do Ensino e da Pesquisa em Educação Física, Esporte,

Lazer e Escolar pela Faculdade Social (Salvador, Bahia)

**Graduado em Licenciatura em Educação Física pela Faculdade Social (Salvador, Bahia)

Pós Graduando em Metodologia do Ensino e da Pesquisa em Educação Física, Esporte,

Lazer e Escolar pela Faculdade Social (Salvador – Bahia). Cursando Mestrado

em Educação e Contemporaneidade na Universidade Estadual

da Bahia/UNEB (Salvador, Bahia) como aluno especial

***Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Educação Física

pela Faculdade Social (Salvador, Bahia) Pós Graduando em Metodologia

do Ensino e da Pesquisa em Educação Física, Esporte, Lazer e Escolar

pela Faculdade Social (Salvador, Bahia). Membro do grupo

de pesquisa HCEL – História da Cultura Corporal Educação

Esporte Lazer e Sociedade da Universidade Federal da Bahia, UFBA

Ariadne Conceição Domingos Lopes*

ariadne_hta@yahoo.com.br

Marcos Vinicius Freire Arraes**

marquinhos.arraes@gmail.com

Nadine Das Neves Lourenço***

nadinedasneves@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Trata-se da teorização de um relato de experiência na rede municipal de ensino de Salvador - BA, em aulas regulares de Educação Física para uma turma de 6º ano. O estudo discute a possibilidade de tratar do corpo numa perspectiva transversal utilizando diferentes mídias como instrumento pedagógico e como viés para a tematização da cultura corporal. Ampliamos o olhar sobre a Educação Física superando o debate sobre o corpo apenas preocupado com a saúde, os hábitos saudáveis de higiene, o condicionamento e a aptidão física. Nessa experiência, o lugar de onde falamos é do entendimento de que o corpo é uma construção social e, portanto, as mídias podem e devem ser utilizadas e tematizadas durante as aulas de Educação Física. Além da relação direta com os conhecimentos da área, observamos que por fazer parte do cotidiano dos alunos de forma intensa e constante, as aulas com e sobre as mídias proporcionaram uma aproximação dos alunos com o conteúdo e os manteve mais motivados e atentos às aulas.

          Unitermos: Corpo. Mídia. Educação Física.

 

Abstract

          This is the theory of a report of experience in municipal schools of Salvador – BA, in regular physical education classes to a class of 6th year. The study discusses the possibility of treating the body from a transversal perspective using different media as a pedagogical tool and how bias to thematization body culture. Expands the vision of Physical Education overcoming the debate on the body just concerned about health, the healthy hygiene habits, the conditioning and physical fitness. In this experiment, the place where we talk is the understanding that the body is a social construction and therefore the media can and should be used and themed during physical education classes. In addition to the direct relationship with the knowledge of the area, we observed that to be a part of daily life for students so intense and constant, the classes with and about the media provided an approximation of the students with the contents and kept them more motivated and attentive to the lessons.

          Keywords: Body. Media. Physical Education.

 

          Artigo científico apresentado junto ao Curso de Metodologia do Ensino e da Pesquisa em Educação Física e Esporte Escolar da Faculdade Social, como parte dos requisitos para aquisição do título de Especialista em Educação física Escolar na linha de pesquisa Cotidiano, Mídia e Escola. Orientadora Profº Ms. Micheli Venturini.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 160, Septiembre de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O presente artigo trata da teorização de uma experiência realizada em aulas regulares de Educação Física para uma turma de 6º ano de uma escola municipal da rede de ensino da cidade de Salvador, na Bahia. Nesse estudo, buscamos demonstrar e discutir como as aulas de Educação Física podem ter a mídia como instrumento pedagógico, tentando tornar as aulas mais interessantes e contextualizadas na medida em que se aproximam da realidade vivida por esses jovens. Além de instrumento pedagógico, as mídias podem e devem ser utilizadas como conteúdo, buscando uma reflexão em torno das suas características e influências, pontos positivos e negativos.

    Utilizamos nossas vivências como professores de Educação Física, para escolher o corpo como conteúdo a ser tratado pela Educação Física pois observamos que cada dia mais a mídia vem explorando a idéia de corpo perfeito, os indivíduos passaram a dar prestígio à imagem de si mesmo, e na busca pelo corpo perfeito fazem uso de procedimentos invasivos como anabolizantes e até cirurgias plásticas, já que os meios de comunicação intensificam uma idéia de culto ao corpo tendo isso como o padrão perfeito. Sendo os adolescentes consumidores em potencial dessa idéia por estarem passando por um processo grande de auto-afirmação, onde é fundamental a construção da auto-imagem e auto-estima.

    Na adolescência os alunos têm a capacidade de construir formas culturais próprias, e é a partir dessas formas culturais que os grupos são formados seguindo as tendências veiculadas pelos meios de comunicação. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) para o Ensino Fundamental nos apontam que a cultura dos jovens está diretamente associada aos meios de comunicação, e estes meios se utilizam de uma linguagem audiovisual que se manifesta na comunicação entre os jovens e na própria linguagem da mídia. O documento se refere em especial à televisão, mas hoje podemos citar a internet como meio de comunicação que atinge a grande parte dos jovens, dentre eles os sites de relacionamento e as redes sociais: Orkut, Facebook, Twitter, nos quais os jovens possuem formas próprias de comunicação, assim como participam de comunidades (grupos) que mais se identificam. Esse sentimento de pertencimento é uma demarcação característica da juventude na construção da sua identidade enquanto novo integrante do mundo adulto, da permissividade e de uma certa autoridade para realizar as suas próprias idéias.

    Diante da crescente investida dos meios de comunicação em busca do corpo belo e sendo os adolescentes os mais afetados por essas investidas, ruminamos em planos de aula, que utilizassem os diferentes tipos de mídia, para tratar do mesmo objeto de estudo: O corpo. Fizemos uso de reportagens de telejornais, revistas, músicas e apresentação em power point, vislumbrando assim obter os melhores resultados. Considerando que não se trata de uma relação unilateral, onde a mídia determina e o jovem absorve inadvertidamente, reconhecemos a capacidade de produção cultural que é própria da natureza humana, o que permite aos jovens realizar críticas sobre a produção midiática e emitir suas próprias repulsas. Mas também, não podemos desconsiderar o potencial influenciador ideológico que as mídias imprimem sobre a forma de ser e viver nesse mundo.

    Um ponto facilitador para o andamento deste trabalho foi a boa estrutura da escola na qual desenvolvemos este projeto. Além do apoio da coordenação, poder contar com uma sala equipada com televisão, aparelho de DVD e ar-condicionado foi extremamente importante para a realização desse estudo. Atualmente, todas as escolas públicas da rede de ensino estadual da Bahia possuem a TV Pen Drive, um grande recurso de auxílio nas aulas de qualquer disciplina. Através dela podemos apresentar os conteúdos de forma mais atrativa para os alunos, com uso de imagens, sons ou vídeos. E foi nesse cenário que fizemos nossas intervenções, tomando como fundamento base as teorias críticas da Educação Física, entendendo a necessidade de articulação entre o conhecimento teórico, as vivências corporais e a reflexão.

Mídia e corpo nas aulas Educação Física

    A todo o momento, somos bombardeados com imagens, sons e palavras produzidos pelas mídias, e estes passam a integrar o nosso cotidiano, exercendo influência direta nos saberes dos jovens. Entendemos mídia como os meios de comunicação de massa capazes de transmitir informações, sendo eles jornal, revista, internet, rádio, TV, CD etc. Mas, segundo Pires (2002, p.34) mídia é também o conjunto de empresas que produz e mercadoriza informação, entretenimento e publicidade.

    A nós professores, cabe utilizarmos a mídia como instrumento pedagógico em nossas aulas, uma vez que esta possui uma linguagem atraente, que combinam os sons, as letras de diversas formas, cores, imagens e palavras, que despertam o interesse dos leitores (BETTI, 2001). Mas para, além disso, e visando a formação integral do cidadão, é relevante considerar que a mídia também precisa ser tratada por nós como objeto de pesquisa, como foco a ser investigada e questionada por nossos alunos, e na Educação Física, especificamente, há uma diversidade de mídia que se ocupam exclusivamente do esporte e da qualidade de vida.

    Dentre as mídias a televisão é uma das mídias com presença significativa na vida das crianças e jovens, e a cultura corporal está inserida nesse meio de forma expressiva, o que portanto leva a Educação Física a responsabilidade de assumir a responsabilidade e o desafio, como toda a escola, de potencializar uma compreensão e leitura crítica do mundo (COSTA, 2007 p. 163).

    Com o uso da TV pendrive, as aulas de Educação Física podem ganhar uma nova cara, contribuindo para a formação de sujeitos crítico/reflexivos, sem descaracterizá-la enquanto uma disciplina “prática”, como aponta Betti (2001) sendo este um dos motivos pelos quais muitos profissionais hesitam em adotar as teorias críticas. Mas completa que

    a educação física escolar não deve transformar-se num discurso sobre a cultura corporal de movimento, mas numa ação pedagógica com ela, que estará sempre impregnada da corporeidade do sentir (dimensão biológica-psicológica) e do relacionar-se com o outro (dimensão psico-social), sendo que a dimensão cognitiva (crítico-reflexiva) far-se-á sempre com base nesse substrato corporal (p.127).

    A incorporação das mídias às aulas oferece muitas vantagens, pois ao usarmos vídeos com matérias jornalísticas, videoclipes, músicas e imagens, atraímos os alunos uma vez que estes possuem uma linguagem mais simples e as imagens conseguem atingir os alunos de forma mais rápida do que a leitura de um texto. Considerando o movimento contemporâneo que Cortella (2009) chama de miojização do mundo, fazendo referencia a necessidade de rapidez, praticidade e facilidades que a sociedade tem visto imprimir sobre si mesma, compreendemos que na era da tecnologia do conhecimento é fundamental uma prática pedagógica que leve em consideração essa realidade e demanda.

    É necessário ao professor saber manusear esses meios de comunicações, pois não basta apenas dominar o conteúdo, as técnicas de ensino e as avaliações, é preciso reconhecer e trazer à discussão os conhecimentos que fazem parte da cultura cotidiana dos alunos, para que assim o processo educacional seja considerado interessante.

    A partir dessa relação, mídia enquanto ferramenta para a educação, incluímos o elemento corpo pensando o seu lugar na escola, uma vez que os humanos são seus corpos e [...] usufruem de seus corpos para inventar a vida, e as ações humanas só são possíveis porque somos corpo (VAGO, 2009 p.30).

    É bem verdade que Educação Física tem no corpo sua referência específica e através dele tematiza as produções humanas, mas também o utiliza como conteúdo a ser estudado. Procuramos mostrar aos alunos que nossos corpos trazem marcas sociais e históricas, portanto questões culturais, questões de gênero, de pertencimentos sociais podem ser lidas no corpo (NÓBREGA, 2001 p.610).

    As novas tecnologias recriam nossa convivência com o corpo, desde a comunicação, que já não necessita de um contato corporal direto, até as modificações corporais. Isso acontece devido à crescente preocupação com imagem corporal e nesse percurso a mídia cria discursos sobre o corpo, ditando padrões de beleza e vendendo produtos, acessórios e tudo o que possa adequar os corpos ao padrão estabelecido.

    Gonçalves Júnior (apud BENTO e GONÇALVES JÚNIOR, 2006 p.2) comenta que:

    A pressão dos meios de comunicação é tanta que, se outrora era apreciada a mulher de formas mais arredondadas, que no máximo usava espartilho para acentuar a cintura, agora esta deve exibi-la sem quaisquer recursos externos, seu corpo deve ter o próprio “molde” incutido (como se o corpo fosse a própria roupa), seja por horas a fio de ginástica “modeladora” e regimes, por técnicas de intervenção da denominada cirurgia estética ou até mesmo por meio de drogas não devidamente testadas.

    O autor faz citação às mulheres que estão se submetendo a modificações corporais para atingir um modelo de corpo ideal propagado pela mídia, mas esse comportamento também pode ser percebido nos homens, que já se submetem a horas de musculação ou uso de drogas para atingir o corpo satisfatório. O que buscamos foi pensar que o corpo não contém somente um amontoado de órgãos, mas traz consigo marcas da cultura em que está inserido, não se tatá apenas de uma construção individual, mas também social.

Sobre a organização do trabalho

    O objetivo da investigação foi identificar de que forma a educação física poderia tratar do corpo através da mídia, e para tanto, realizamos uma visita inicial a escola para conhecemos a realidade, identificamos quais as mídias a escola possui e se os professores, e em especial o professor de Educação Física, utilizava as mídias em suas aulas.

    Após essa primeira etapa, partimos para a seleção dos conteúdos e a elaboração dos planos de aula a serem desenvolvidos com os alunos. Buscamos ajuda em Pertence et al (2009) por entender que a escolha dos conteúdos deve sempre ocorrer em consonância com a realidade sócio-cultural dos alunos. Isso significa que esses conteúdos devem ser retirados dos conhecimentos da realidade, do cotidiano de vida dos próprios protagonistas da história.

    Compreendendo que a todo tempo somos (professores e alunos) bombardeados de várias informações através das diversas mídias, e que em especial os jovens hoje se apropriam rapidamente dessas informações, procuramos fazer uma seleção de conteúdos que estivesse dentro da realidade dos alunos e que chamasse a sua atenção.

    Outra orientação que buscamos foi a de que a seleção dos conteúdos deve levar em consideração a sua relevância social, promovendo nos alunos uma reflexão crítica da sociedade como um todo, de modo que eles também não são determinados a priori, e nem se configuram como estáticos na realidade dos planejamentos e projetos de ensino.

    Os planos de aula foram construídos pensando na realidade dos alunos, nos acontecimentos/assuntos atuais que estavam presentes na mídia, sempre levando em consideração a utilização das mais diversas mídias presentes e que os assuntos fossem abordados de forma a chamar a atenção dos alunos.

    Procuramos em todas as aulas promover nos alunos uma leitura crítica do que estava sendo apresentado, dando voz aos mesmos para interferirem, questionar sempre que algo os inquietasse, e nós professores procurávamos questionar e problematizar as questões sociais, culturais e econômicas impostas pela mídia.

    Como nossa ferramenta de trabalho/intervenção em todas as aulas foi à mídia, procuramos utilizar as mais diversas, sempre relacionando-as com um tema gerador que levasse os alunos a refletirem sobre as duas questões centrais das aula: Mídia e Corpo.

    Abaixo segue um quadro com as informações de cada intervenção realizada.

Aula

Tema/ Conteúdo

Procedimentos Metodológicos

1

Apresentação/Mímica

Apresentação da proposta de trabalho. Representação corporal sobre diferentes temas e conversa sobre as representações feitas.

2

Que corpo é esse!

(Mídia impressa)

Os alunos selecionaram corpos masculinos e/ou femininos nas revistas disponíveis. Atribuíram identidade para esses corpos. Logo após ocorreu uma discussão sobre modelos e padrões corporais relacionados com as identidades apresentadas.

3

Body-Modification – Diferentes padrões de beleza em diferentes grupos e culturas

(Mídia Digital)

Apresentação de imagens fotográficas e vídeos, sobre diferentes culturas onde o corpo é modificado, e diferentes grupos que utilizam de práticas para remodelagem do corpo.

4

Diferentes atitudes em busca do corpo ideal

(Mídia televisiva)

Aula que se utilizou de reportagens televisivas para promover a discussão sobre a incessante busca por padrões de beleza.

5

Além da estética – 

O corpo ideal é o seu

(Música - Som)

Leitura e compreensão da música – Máscara (Pity). Logo após, discussão sobre o corpo e suas particularidades e sua exposição nas mídias

Colocando o pé no chão da escola

    Em nosso primeiro contato com a turma, fomos apresentados aos alunos pela vice-diretora da escola, que ao entrar conosco na sala de aula nos concedeu total autonomia sobre os alunos, nos deixando por todo o tempo ministrando as aulas. A professora da turma nos dava o apoio necessário, mas não interferia nas aulas, em alguns momentos ela até assistiu a algumas. Nesse mesmo dia, após as apresentações, iniciamos a atividade da mímica, onde conseguimos identificar já nas primeiras mímicas que os alunos representavam as profissões seguindo alguns padrões. Esses padrões eram buscados a todo momento no intuito de fazer com que os colegas identificassem a profissão o mais rápido possível.

    O padrão estético é uma construção cultural, social e histórica. Ele muda de tempos em tempos, de sociedade para sociedade, e pode variar também em diferentes grupos sociais. Neste sentido, ser uma mulher bela, urbana, no século XXI é diferente de ser uma mulher bela no Renascimento cujo padrão era o de corpos mais robustos, pois indicava poder para se alimentar bem e sinônimo de saúde. Diferente também de ser uma mulher bela em uma etnia indígena ou africana (SILVA, GODOI, 2009).

    Quando a mímica foi da profissão de advogada, os alunos pediram para uma das meninas soltar os cabelos, cruzar as pernas e ficar sentada numa melhor postura. Dificilmente algum daqueles alunos já tenha tido a oportunidade de ver um advogado atuando em sua profissão, mas por conta das imagens exploradas nas diversas mídias, eles representaram copiando os padrões por elas explorados. Para Freitas (1999) a mídia promove a idéia de que se o indivíduo optar por utilizar produtos por eles propagados, os resultados desejados serão mais eficazes. Logicamente, consideramos a capacidade de refletir dos alunos, mas entendemos muito mais forte a condição de influência a que estão submetidos.

    Na aula seguinte, esta padronização continuou evidenciada. Ao trabalharmos os recortes retirados das revistas poucos alunos se aproximaram da identidade das pessoas das imagens. Grande parte dos alunos relacionou pessoas magras, brancas e altas com profissões de modelo e atriz. Atribuímos a esse fato, a forte utilização de pessoas com essas características físicas pelas mídias como afirmam Kussunoki e Aguiar (2008), onde atualmente existe uma imposição de um padrão corporal pela mídia, um corpo magro, sem gorduras, firme em sua musculatura e de preferência, com a musculatura definida visualmente.

    Abriu-se então uma lacuna, onde começamos a dialogar com os alunos sobre a nossa visão em relação aos resultados das duas aulas. Discutimos sobre o corpo, suas particularidades e sua exposição nas mídias. Enfatizamos, a todo momento, a aceitação de cada corpo como único, tentando mostrar que cada um traz consigo marcas das experiências vividas e que além de únicas não são menos importantes que as dos outros. Cada corpo expressa a história acumulada de uma sociedade que nele marca seus valores, suas leis, suas crenças e seus sentimentos, que estão na base da vida social (GONÇALVEZ, 1994, p. 13).

    Com o intuito de utilizar as mais variadas mídias como instrumento pedagógico, na aula seguinte montamos uma apresentação em slides com fotos e dois vídeos retirados da internet. Junior (2007) afirma que [...] o professor deve discutir e dialogar rotineiramente com os educandos, vinculando a utilização de vídeos, documentários, revistas, jornais e entre outras que possibilitem o diálogo com os fundamentos teóricos de uma Educação Física concebida como apropriação e transformação da cultura corporal de movimento.

    Nessa aula trouxemos as diferentes modificações realizadas no corpo por diversos grupos e culturas. Mostramos a cultura das mulheres-girafas1 que utilizam aros no pescoço e nos braços, as mulheres dos pés pequenos2 na china, os alargadores na África3, a cultura da tatuagem, piercing, escarificação4, nulificação5, branding6, dentre outras modificações que são utilizadas. Continuamos relacionando os acontecimentos da aula com a nossa forma de pensar o corpo. Nessa aula em específico, tentamos diferenciar como cada pessoa dentro de cada cultura se expressa através do corpo e como isso tem relação com suas experiências e a sociedade em que vive. Compartilhando assim das idéias de Betti (2004) quando diz [...] o corpo é linguagem, é expressão da natureza, da individualidade e do pertencimento social; é, pois, linguagem da vida e do homem. O que chamou a atenção principalmente das meninas foi à proporção dessas modificações em mulheres.

    Continuamos utilizando diversas mídias como instrumento pedagógico nas aulas de Educação Física e nessa aula utilizou-se a mídia televisiva, onde apresentamos duas reportagens exibidas em um programa de televisão. Uma falava sobre o uso inadequado de anabolizantes e outra sobre a banalização das cirurgias plásticas. Consideramos importante a utilização de programas exibidos na televisão pelos professores de Educação Física, tendo em vista o grande número de informações sobre a cultura corporal explorada por eles. Além disso, com o auxilio do professor, o aluno pôde produzir novos conceitos sobre os programas de TV, bem como refletir melhor sobre questões que se relacionam com a matéria e que antes, sozinho ou apenas no cenário da família, ele não pudera produzir.

    Tendo como destaque a televisão, por transmitir inúmeras informações sobre a cultura corporal de movimento, apresentados repetidamente em comerciais de TV, programas esportivos e transmissões constantes de jogos. Discutindo regras, valores, táticas, técnicas, aptidão física, modelos e padrões corporais, aspectos históricos, entre outros assuntos.

    Após a apresentação das reportagens pudemos aprofundar a discussão sobre a influência da mídia sobre o modo como as pessoas enxergam seus corpos e a busca do corpo dito perfeito e suas conseqüências. Como a reportagem usou exemplos extremos de modificações do corpo, após nossas explicações todos os alunos se colocaram contra o uso de todos aqueles artifícios. Como afirmou Junior (2007) no caso da televisão, a imagem proporciona um impacto aos educandos e a partir dessa primeira emoção pode-se mediar uma interpretação mais crítica e racional.

    Na última aula, utilizamos a mídia radialística ao trazer a música Máscara, da cantora baiana Pitty. A escolha da música atendeu a dois aspectos: primeiramente o vínculo do conteúdo com a realidade dos alunos, pois escolhemos a música após percebemos que muitos alunos ouviam músicas dessa cantora. Sobre a escolha do conteúdo Soares et al (1992, p. 31) descreve que [...] a relevância social do conteúdo que implica em compreender o sentido e o significado do mesmo para a reflexão pedagógica escolar. O segundo é a relação da música com o tema estudado, tendo em vista que na música a cantora busca a todo o momento a aceitação do seu corpo como único, enfatiza que cada corpo tem suas diferenças e que essas devem ser mostradas e não escondidas dentro de uma máscara. Escrevemos a letra no quadro, e ao tocarmos a música, muitos alunos aproveitaram para cantar, tornando a aula bastante dinâmica.

    Nessa aula, por conta da escolha da música e como fruto das aulas anteriores, a discussão aconteceu com mais naturalidade, com os alunos falando sobre pontos interessantes como o entendimento de uma aluna sobre a música - a música diz que temos que nos aceitar da forma que somos e não ser do jeito que os outros querem.

Dificuldades e possibilidades

    Por entendermos que as aulas de Educação Física devem ser mais do que práticas vazias é que trouxemos essa possibilidade de trabalho. Salientamos que esta é apenas uma dentre várias opções que nós professores temos e devemos apresentar para os nossos alunos.

    Sobre essa necessidade de mudança Bianchi et al (2011) diz que vemos que esse modelo educacional em alguns campos escolares ainda prevalece, os debates e exploração de assuntos interligados a corporeidade ainda é ausente no planejamento das aulas de Educação Física. Por isso nossas aulas utilizaram diferentes mídias, com o intuito de discutir o corpo como forma de expressão corporal, os padrões estéticos e a imagem corporal. As mídias foram utilizadas primariamente como instrumento pedagógico para alcançarmos o objetivo dentro das cinco aulas, não aprofundamos discussões sobre as influências da mídia e seus efeitos, procuramos mostrar que a mídia pode ser utilizada como um instrumento pedagógico, despertando o interesse dos alunos, já que estes estão cada dia mais envolvidos com os recursos tecnológicos. Deixamos essa discussão mais específica como uma possibilidade para futuras intervenções.

    É importante deixar claro que não somos contra a utilização dos recursos tecnológicos por parte dos alunos, acreditamos sim que os professores devem levar para a sala de aula a discussão sobre como essas recursos são utilizados e suas consequências, buscando levar o aluno a pensar de forma crítica sobre aquilo que consome. Mas esse não foi o objetivo do trabalho.

    Conseguimos utilizar a mídia, que hoje em dia é tida como vilã, de forma positiva como instrumento pedagógico para tratar o corpo e suas manifestações. O fato da mídia fazer parte da vida dos nossos alunos, nos favoreceu ao aproximar os alunos do conteúdo de uma forma mais prazerosa, mantendo os alunos motivados e atentos durante todas as aulas. Aliado a isso, a escolha por tratar o corpo, e os aspectos escolhidos para tratá-lo também foram importantes na motivação e dedicação dos alunos.

    Por muito tempo a Educação Física olhava para o corpo apenas preocupada com a saúde, os hábitos saudáveis de higiene, o condicionamento e a aptidão física. Hoje o nosso olhar deve ver além do biológico, entendendo o corpo com algo construído socialmente. Entender que ele é fruto das relações entre os indivíduos e as culturas onde estão inseridos.

    Reconhecemos que a dificuldade em se trabalhar o corpo numa perspectiva mais reflexiva se dá ao caráter histórico atribuído à Educação Física, enquanto atividade meramente prática. Por isso cabe a nós professores e professoras buscar novas inspirações que despertem o interesse em nossos alunos.

Notas

  1. Na parte mais baixa das montanhas da Tailândia vivem os Karen. Nessa comunidade há os padong, conhecidos como a tribo das mulheres-girafas, porque tem o pescoço envolta em até vinte e cinco argolas de metal. Já se conheciam mulheres-girafas na África, mas a origem desse hábito na Ásia tem várias interpretações lendárias.

  2. As mulheres conhecidas como ‘pés pequenos’ ou ‘pés de lírio’ quebravam quando jovens os ossos dos pés e os enfaixavam dobrando para dentro os dedos de modo que parassem de crescer. O pé pequeno era sinônimo de graça e beleza nas antigas sociedades chinesas e a cultura foi sendo abandonada apenas após o ocaso da Dinastia Qing, no início do século passado. Tal prática chegou a ser feita por dois bilhões de mulheres chinesas ao longo dos últimos mil anos.

  3. Os alargadores são usados em diversas tribos na África.

  4. A escarificação é uma técnica na qual são feitos cortes de bisturis a fim de formar cicatrizes de acordo com o desenho desejado pela pessoa.

  5. A remoção voluntária de partes do corpo, como testículos, dedos, e até mesmo de membros inteiros.

  6. O Branding é uma das práticas do Body Modification na qual é feita a aplicação de ferro quente na pele do praticante, depois da queima forma-se uma cicatriz com o desenho escolhido.

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