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O ensino da técnica como instrumento 

de apreensão da cultura corporal

La enseñanza de la técnica como instrumento de aprehensión de la cultura corporal

 

*Professora de Educação Física

da rede municipal de Florianópolis, SC

**Profª. Drª. Do Centro de Educação Física e Desportos

da Universidade Federal de Santa Maria

(Brasil)

Giziane Sigales*

gizisi@yahoo.com.br

Maristela da Silva Souza**

souzamaris@bol.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O presente artigo traz uma discussão sobre o ensino da técnica nas séries finais do ensino fundamental, apresentando a Ginástica Artística enquanto conteúdo de estudo. Para isso, utilizamos a lógica dialética dos Cinco Passos propostos por Saviani (1997) e os Princípios Curriculares no trato com o Conhecimento, conforme Coletivo de Autores (1992), para que o ensino e apreensão deste conhecimento sejam realizados de forma a romper com a fragmentação e alienação do conteúdo. A partir desta lógica de apreensão do saber, a técnica passa a ser instrumento para mediar questões que contextualizam desde a gênese da ginástica, até sua configuração atual, apresentando-a enquanto Cultura Corporal, construída pelo homem ao longo de sua história, diante das necessidades impostas pela natureza.

          Unitermos: Ginástica. Técnica. Séries finais do ensino fundamental.

 

Resumen

          Este artículo presenta una discusión sobre la enseñanza de la técnica en los grados superiores de la escuela primaria, presentando a la gimnasia artística como contenido escolar. Para ello, utilizamos la lógica dialéctica de los cinco pasos propuestos por Saviani (1997) y los Principios Curriculares en el tratamiento con el conocimiento, siguiendo la Colectivo de Autores (1992), para que la aprehensión del conocimiento se lleve a cabo con el fin de romper con el la fragmentación y la alienación del contenido. Desde esta lógica de aprehensión del conocimiento, la técnica se convierte en una herramienta para mediar en las cuestiones que contextualizan desde la génesis de la gimnasia, hasta su configuración actual, presentándola como Cultura Corporal, construida por el hombre a lo largo de su historia, teniendo en cuenta las necesidades impuestas por la naturaleza.

          Palabras clave: Gimnasia. Técnica. Grados superiores de la escuela primaria.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 157 - Junio de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O presente artigo foi desenvolvido no contexto de produção acadêmica da LEEDEF - Linha de Estudos Epistemológicos e Didáticos em Educação Física.1 A referida linha embasa seus estudos no pressuposto teórico do Materialismo Histórico e Dialético e utilizada esta lógica como teoria de conhecimento para o estudo, a intervenção e a transformação da realidade. O processo científico do pensamento, sob a lógica da dialética de acordo com Kopnin (1978), começa na busca das determinações do real. Esta busca inicia pela observação direta (representação do real), resultante da abstração que tem a função de reproduzir o concreto no pensamento, não na sua realidade imediata e sim na sua totalidade.

    No que se refere especificamente à área de conhecimento da EF, a LEEDEF utiliza como pressuposto metodológico, a proposta Crítico–Superadora de um Coletivo de Autores (1992). Esta obra define como área de conhecimento da EF a Cultura Corporal, expressa pela ginástica, esportes, jogos, capoeira, mímica, etc. “O estudo desse conhecimento visa apreender a expressão corporal como linguagem” (pg. 62). Diante dessa posição pedagógica busca-se a determinação de valores como a coletividade, a cooperação e ênfase à liberdade de expressão dos movimentos, superando a relação de dominação e submissão do homem pelo homem.

    Sob esta perspectiva Teórica-Metodológica, a linha objetiva instrumentalizar acadêmicos e professores sobre as tendências epistemológicas do conhecimento científico e sobre os parâmetros didáticos que orientam as práticas pedagógicas em Educação Física, estabelecendo uma relação indissociável entre ensino, pesquisa e extensão.

    Assim, partindo especificamente das experiências do Projeto de Extensão2 intitulado Experienciando a Ginástica Enquanto Possibilidade Superadora no Plano da Cultura Corporal, este estudo, visa produzir conhecimentos sistematizados para o ensino da técnica da Ginástica, de maneira que a técnica seja empregada como instrumento mediador para questões que vão além da simples prática do exercício e que o seu uso e produção possam ser mais um ponto de partida para novos conhecimentos e problematizações, dentro do âmbito escolar.

    Como afirma Both (2005):

    a prática pela prática também não modifica o estado das coisas, pois não se apropria do conhecimento humano sistematizado e historicamente acumulado, além de correr o risco de trabalhar apenas com base na aparência, e não na essência dos fatos (pg.9).

    Focalizamos, para este fim, as séries finais do ensino fundamental, que, de acordo com o Coletivo de Autores (1992), os alunos encontram-se no segundo e terceiro ciclo de aprendizagem. No segundo ciclo, que abrange 4ª, 5° e 6ª séries, os alunos passam a iniciar a sistematização do conhecimento, fazendo abstrações, estabelecendo nexos, fazendo generalizações. E, no terceiro ciclo, que abrange a 7ª e a 8ª série, o aluno ampliará a sistematização do conhecimento em seu pensamento, sendo oportuno o ensino mais elaborado da técnica.

    Tendo em vista que:

    os conteúdos devem ser tratados simultaneamente, construindo referencias que vão se ampliando no pensamento do aluno de forma espiralada, desde o momento da constatação de um ou vários dados da realidade, até interpretá-los, compreendê-los e explicá-los (Coletivo de Autores, 1992, pg. 34).

    Faz-se necessário, para entendermos melhor nossa questão de estudo, seguir um caminho que demonstre, em um primeiro momento, a história do processo de desenvolvimento da ginástica. Usaremos como obra básica, as referências oriundas da publicação do livro Educação Física: Raízes Européias, de Carmem Lucia Soares.

    Em um segundo momento, passaremos a apresentar uma concepção de técnica enquanto resultado do processo de conhecimento que a humanidade elaborou para manter, reproduzir e elevar as suas formas de existência. Por fim, apresentaremos possibilidades para o ensino da técnica da ginástica, exemplificando com o conteúdo de Ginástica Artística.

Ginástica: Conhecimento historicamente construído

    De acordo com Soares (2001), a ginástica formou-se a partir de diferentes conceitos, assumindo diversas funções nas diferentes culturas, ganhando muitos significados e objetivos, de acordo com a sociedade que estava inserida e sua época.

    A história do homem confunde-se com a história da ginástica. Segundo (Ramos 1982) “a ginástica surge na Pré-história, afirma-se na Antigüidade, estaciona na Idade Média, fundamenta-se na idade moderna e sistematiza-se nos primórdios da Idade Contemporânea” (p.8).

    No homem pré-histórico a atividade física tinha um papel importante perante sua sobrevivência, pois era expresso principalmente pela necessidade de atacar e defender-se. O exercício físico rudimentar de caráter utilitário e sistematizado era transmitido através das gerações e fazia parte dos jogos e festividades.

    A ginástica aparece como um elemento sinônimo de um conjunto de atividade física, baseada na massagem e nos movimentos respiratórios, com objetivos médicos e morais e com varias particularidades de cada civilização antiga que atuava, alguma delas são: Egípcia, Indú e a Chinesa.

    Na Antigüidade nasceu a idéia de beleza humana, vista em várias obras de arte espalhadas pelo mundo. Especialmente na Grécia existiram duas concepções da ginástica, a primeira era a de Atenas onde a prática de exercícios físicos era valorizada como educação corporal e segunda era a de Esparta que tinham como objetivo principal o treinamento dos homens para a guerra.

    Na Idade Média, os exercícios físicos foram bases da preparação militar dos soldados, que durante os séculos XI, XII, XIII lutaram nas Cruzadas pela igreja católica. Entre os nobres servia para enobrecer o homem e fazê-lo forte e apto (Ramos, 1982).

    Porém, a manutenção da prática e da existência da ginástica, tão repleta de sentidos e praticamente estruturada, não foi mantida nesse período. Já que, o que realmente foi predominante neste período foi à prática de cavalaria por servos e senhores, enquanto atividade física prioritária, com caráter guerreiro e de entretenimento.

    O exercício físico, de acordo com a obra de Soares (2001), na Idade Moderna passou a ser valorizado como um elemento de educação, pois com a Revolução Francesa, a qual derrubou a Monarquia e implantou a República na França, houve no ensino a conquista do acesso à escola pelas demais classes sociais, que antes era apenas destinada aos ricos. A partir desse momento, a ginástica aparece como base da Educação Física, essa disciplina surge em decorrência da estruturação dos sistemas de ensino nas escolas, tratando de cuidar do aprimoramento moral, motor e higiênico das crianças.

    Devido, a um plano maior de investimento na educação e na saúde que objetivava o desaparecimento de problemas enfrentados pela população por causa da detenção do saber pela igreja e pela baixa qualidade de vida que se tinha naquela época. Em decorrência disso, teve inicio um movimento de sistematização dos conteúdos da área do conhecimento e conseqüentemente da ginástica.

    Diversas personalidades, filósofos, médicos nos séculos XV, XVI, XVII, contribuíram para que, cada vez mais, a ginástica fosse justificada, enquanto prática necessária ao homem e a criança, principalmente no ambiente escolar. Onde afirmavam que a ginástica era uma prática capaz de fortalecer o físico, manter a saúde, e cada vez mais disciplinar o corpo e a moral.

    Como a ginástica começou a ser praticada de forma metodizada com a finalidade da manutenção das funções fisiológicas do corpo, isso revela o avanço cientifico da época e justifica sua prática deixando-a inquestionável.

    Resumidamente, a partir disso fica comprovado que a ginástica foi entendida como Educação Física, ou seja, como disciplina curricular que tem objetivos, conteúdos e métodos, logicamente respaldados pela ciência.

    Foi neste momento histórico, através do Movimento Ginástico europeu, que a Educação Física passou a desenvolver seus conteúdos, ao longo do séc. XIX, com base na cultura da Grécia Antiga, que valorizava a força, saúde, beleza, enfim a perfeição. Todas as atividades eram denominadas ginásticas.

    A esta se atribuía o desenvolvimento do caráter, tais como o sentimento de coragem, ousadia, perseverança e a formação física e moral eram voltadas para o nacionalismo de lutar pela pátria; sendo vivenciada na Alemanha, Suécia, Dinamarca, França e Inglaterra. Observamos ao longo da trajetória da ginástica, que essa em alguns momentos transfere-se da base da Educação Física para o sinônimo desta.

    Cita-se a seguir algumas práticas corporais utilizadas na época: saltos, corridas, equitação, esgrima, natação, acrobacias, jogos, exercícios para a guerra. Por ter sido um período de guerras, surge a Tendência Militarista, a maior corrente no Movimento Ginástico Europeu, a qual buscava a formação de indivíduos saudáveis, fortes e de caráter para servir a nação.

    Então, a EF ganhou força no aspecto utilitário, destreza do indivíduo que também se revertia no rendimento do trabalho e conseqüentemente no crescimento do país. Dessa forma, a tendência militarista apresentava como objetivo formar indivíduos fortes, saudáveis e de caráter para servir a sua nação e incluía exercícios caracteristicamente militares, principalmente tiro e esgrima (Soares, 2001).

    A autora trata em seu livro, ainda, a Tendência Naturalista ou Método Natural, que surge em contraposição a tendência anterior, onde não eram levados em consideração os anseios da nação, mas os da própria pessoa “os benefícios eram revertidos para o praticante” e ainda essa confere o sentido de lazer, liberdade. Também nesta época, havia manifestações de práticas corporais populares praticadas pelos malabaristas, palhaços, saltimbancos, bailarinas nos circos, praças, feiras com a intenção de divertir o público, com movimentos que expressavam liberdade, alegria, corpos ágeis e enaltecendo a “topografia baixa” (que representava tentação, inferno) sem compromisso com o universo utilitário de servir à guerra ou ao mundo do trabalho.

    Como o pensamento da elite e o religioso eram contra essas manifestações, utilizando-se do espírito cientificado, essas práticas populares foram abafadas, pois mostravam o que deveria ficar escondido, oculto. Conseqüentemente esses conteúdos acabaram por se esvaziar de seu rico sentido e passaram a desenvolver áreas médicas, como: anatomia, fisiologia e mecânica do movimento. Ocorreu a invenção de aparelhos/máquinas com fins corretivos (ortopedia) ou aumento de força (Soares, 2001).

    Assim, a ginástica passa a ser controlada, incorporando o cientificismo do século XIX, voltando-se à pesquisa, medição e classificação e sistematização, que pudesse ser praticada em ginásios e escolas, junto com aparelhos utilizados nos circos e apresentações agora associados aos estudos científicos como a mecânica dos movimentos, retirando as características de universalidade, espontâneas, gestos grotescos e impondo técnicas e padrões.

    Já não sendo possível a livre expressão pela prática da ginástica pelos populares, essa cultura por sua vez passa a ser predominantemente esportificizada e a técnica é usada para este fim. A ginástica, assim como os outros esportes, passa a seguir padrões de execução de movimentos que se sobressaem frente aos significados da cultura corporal dos sujeitos.

    Contudo, nos currículos das escolas brasileiras, a prática da ginástica, vem sendo menos praticada. Para Coletivo de Autores (1992), essa situação acontece, pelo predomínio da esportivização, falta de instalações e aparelhos que desestimula o professor e quando estes existem, sobressai o sexismo e a capacidade artística individual tida como inata, gerando assim, a elitização da ginástica.

    Diante do contexto acima descrito, percebemos que a produção da cultura ginástica foi humanamente construída numa relação dialética do sujeito com a natureza resultando no conhecimento técnico da mesma. Porém, um entendimento de técnica a partir de uma lógica natural/tecnicista, acarreta limites no processo de formação do sujeito. Assim, pretendemos apresentar outra possibilidade que se faz necessária para orientar a relação entre a técnica e a prática da ginástica. Assim, passamos a apresentar o nosso entendimento de técnica, especificamente no contexto de ensino da técnica na ginástica.

Técnica: Resultado do processo de elaboração de conhecimento universal

    A compreensão de técnica aqui exposta remete ao entendimento de que esta é uma dimensão sistematizada de conhecimento, elaborada no processo histórico da vida de acordo com as necessidades enfrentadas pelo homem. Vemos, que da superação dos desafios vem a construções de meios, técnicas, que possibilita, de maneira mais eficaz a existência humana, tornando-a mais fácil no que condiz a apropriação dos meios de produção. Laraia,(1992) afirma que:

    A grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas próprias limitações; um animal frágil, provido de insignificante força física, dominou toda a natureza e se tornou o mais terrível dos predadores. Sem asas dominou os ares; sem guelras ou membranas próprias conquistou os mares. Tudo isso porque difere dos outros animais por ser o único que possui cultura (pg.24).

    Nas palavras de Maus (1974), vemos a seguir como ele nomeia o uso dos conhecimentos adquiridos na relação homem-natureza:

    Digo expressamente as técnicas corporais porque é possível fazer a teoria da técnica corporal a partir de um estudo de uma exposição, de uma descrição pura e simples das técnicas corporais. Entendo por essa palavra as maneiras como os homens, sociedades por sociedade e de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos (p. 211).

    O autor acrescenta ainda que a técnica é: “um ato tradicional eficaz (...). Não há técnica e tampouco transmissão se não há tradição. E nisso o homem se distingue, sobretudo, dos animais: pela transmissão de suas técnicas e muito provavelmente por sua transmissão oral” (p. 217).

    Para Baccin e Souza (2005), o ensino da técnica torna-se essencial no âmbito de conhecimento da cultura corporal, pois “através da sua apropriação, torna-se possível demonstrar que as atividades corporais aperfeiçoaram-se, à medida que a prática social humana foi se tornando refinada, resultante dos desafios postos entre o sujeito e a natureza” (p.2).

    Nessa direção, compreendemos a técnica como instrumento necessário, para o aprendizado dos alunos, desde a simples técnica dos fundamentos da ginástica como o saltar, o equilibrar, o trepar e o balançar/embalar, como também, na construção de uma seqüência coreográfica, que apresenta gestos característicos, com particularidades de movimentos, que, sem uma compreensão do seu contexto, torna-se sem sentido.

    Partiremos, dentro das limitações deste artigo, para o estudo das técnicas da ginástica artística, onde observamos nas palavras de Bregolato (2008), que:

    A ginástica do circo e dos saltimbancos nas praças e feiras foi reinventada com dados científicos pelos idealizadores dos métodos ginásticos, de onde surge a ginástica artística. O mesmo aconteceu com os aparelhos utilizados nos circos nos quais a ginástica artística se inspirou, como barras e trapézios (pg. 139).

    Vemos ainda que suas características marcantes condizem com “a prática sistemática de um conjunto de exercícios físicos em aparelhos, como argolas, barras, traves e cavalos (com e sem alças), ou no solo. Os movimentos dos ginastas são extremamente elegantes e demonstram força, agilidade, flexibilidade, coordenação, equilíbrio e controle do corpo”.3

    De acordo com Bregolato (2008), os exercícios realizados no solo ou tablado são os saltos nas posturas estendidos, cardo, grupados, afastado e celado, tanto podem ser realizados individualmente com o auxílio dos colegas. Os exercícios de solo incluem rolamentos nas mesmas posturas dos saltos, realizados tanto para frente como para trás.

    Temos também os equilíbrios nas posições de aviãozinho, ponte, espacato, vela, parada de mãos, três apoios. Acrobacias como a roda, rondada, peixe, flick-flack para frente e para trás, mortal para frente e para trás. Apoios que formam figuras, como por exemplo, uma pirâmide, e outras evoluções acrobáticas realizadas em grupo. Nos aparelhos oficiais, utilizados temos a trave, o cavalo sem alça, as barras assimétricas, as barras simétricas, a barra fixa, as argolas, o cavalo com e sem alça.

    Especificamente, na apropriação da técnica da ginástica, faz-se necessário, superar a apropriação da técnica sob os pressupostos da Lógica Formal. Como nos declara Saviani (1987), a Lógica Dialética supera por inclusão e incorporação a Lógica Formal. Isso quer dizer que devemos ensinar a técnica, porém, não como simples prática mecânica e sim, possibilitar a sua apropriação na essência, como conhecimento construído historicamente no processo de elaboração da vida. Este entendimento de técnica no âmbito de apropriação da cultura corporal torna-se essencial, quando queremos que esta realmente, torne-se instrumento de transformação social.

Ginástica Artística: possibilidade de trato pedagógico

    Há necessidade de um trato com o conhecimento, de modo que sejam alcançados os objetivos a que se propõem as aulas de EF, em um determinado momento do processo de aprendizagem, de modo que seja possível construir conhecimento de forma lógica e seqüenciada dialeticamente, com saltos qualitativos tanto aos alunos como para o professor, superando a fragmentação do conhecimento.

    Para Coletivo de Autores (1992), o ensino é “compreendido como atividade docente que sistematiza as explicações pedagógicas a partir do desenvolvimento simultâneo de uma lógica, de uma pedagogia e da apresentação de um conhecimento científico” (p. 28). E continua afirmando: “Cabe-lhe formar o cidadão crítico e consciente da realidade social em que vive, para poder nela intervir na direção dos seus interesses de classe”.

    Nesse sentido, Laraia (1992), afirma que “não basta a natureza criar indivíduos altamente inteligentes, isto ela o faz com freqüência, mas é necessário que coloque ao alcance desses indivíduos o material que o permita exercer a sua criatividade de forma revolucionária” (p. 47-48). Cabendo ao professor a tarefa de encurtar a distancia entre o conhecimento sistematizado e o aluno, de modo que este possa criar novas formas de se relacionar com a natureza.

    Tratando mais especificamente do ensino e aprendizagem para as séries finais do ensino fundamental, observamos que os alunos estão em uma fase de transição. Alguns no período da pré-adolescência e outros já na adolescência, mudanças no corpo, alguns desconfortos, por vezes medos, inseguranças característicos desse momento de suas vidas, e na maioria das vezes, vergonha de se comunicar em público.

    Diante disso, a compreensão de ensino para o segundo e terceiro ciclo de aprendizagem, objetiva também a superação desses bloqueios de relacionamento entre os alunos4, de forma a trabalhar a confiança entre os colegas e as diferenças na forma de solucionar os problemas referente a cultura corporal. Sob este aspecto, o erro merece atenção, pois poderá gerar frustrações. Assim, torna-se importante, um trabalho que envolva todos os alunos, de modo que o coletivo, sem exceções, possa ter sucesso na apropriação dos elementos que constituem o desenvolvimento da prática.

    Nesse sentido, segue uma discussão, usando como referencia os planos de aula5 desenvolvidos com o conteúdo Ginástica Artística - GA, durante três aulas consecutivas, com uma turma composta por alunos da 5ª a 8ª série. Objetivamos, nesse período, edificar valores como coletividade, desenvolvendo a criatividade e criticidade, por meio dos elementos de equilíbrio e evoluções acrobáticas realizadas em grupo, como também, noção de ritmo e construção de uma seqüência coreográfica a partir do conteúdo desenvolvido.

    Envolvemos neste planejamento os Princípios Curriculares no trato com o Conhecimento, conforme o Coletivo de Autores (1992), que são requisitos a serem verificados na escolha e procedimento metodológico de ensino dos conteúdos, e os Cinco Passos propostos por Saviani (1997), apresentando assim, a lógica a ser apreendida no plano do pensamento, durante o desenvolvimento de uma aula ou, como é o caso, uma seqüência de aulas. A estruturação dos planos de aulas se configuram em cinco momentos articulados, de forma que o aluno se aproprie do conhecimento de forma coerente, ao passo que interage constrói o conhecimento.

    Num primeiro momento, a seleção do conteúdo, leva em consideração a importância deste para os alunos, expresso no princípio de Relevância Social dos Conteúdos. Aqui no exposto, temos a Ginástica Artística, onde se constata que os alunos apresentam uma visão caótica desse conteúdo construída, muitas vezes, através da mídia, e em alguns casos, através da vivência de outras culturas corporais, como a capoeira e experiências da vida cotidiana. Esse ponto de partida é o que Saviani (1997) chama de Prática Social, o que é comum ao professor e aos alunos, neste caso, o conteúdo da Ginástica Artística.

    Seguindo esta lógica, faz-se necessário uma Adequação do conteúdo as possibilidades sócio-cognitivas do aluno. Vale lembrar aqui, que essa adequação não condiz com uma visão maturacional do aluno, em que o conteúdo é ensinado considerando somente os seus aspectos biológicos de desenvolvimento, mas sim, o conteúdo é ensinado de maneira que se considere o conhecimento acumulado destes, bem como as suas condições de grupo social. Ao mesmo tempo em que, para a apropriação do conteúdo, é mister que se faça uma reflexão, para conhecer os conceitos já formados e identificar o que será necessário dominar para uma melhor apropriação deste.

    Questão essa, que se enquadra no segundo passo proposto por Saviani (1999), a Problematização. Aqui, o diálogo remete ao Confronto e contraposição de saberes, ou seja, confrontar o conhecimento próprio do aluno e o conhecimento sistematizado apresentado pelo professor. Com base nesse diálogo, são construídas generalizações no pensamento, objetivo este fundamental para o segundo ciclo de aprendizagem.

    Então, como ocorrerá a Problematização da GA? Respondendo a essa pergunta, proporcionamos um momento de reflexão com os alunos em relação às vivências de movimentos que possuem, tanto em casa como em outros espaços. Através da problematização se tem a possibilidade de saber quais as atividades que mais gostam, como também, saber o que já conhecem ou até mesmo o que já dominam. Nessa direção, questiona-se onde encontramos apresentações de ginástica hoje? O que mais chama a atenção nessas apresentações? Com o que se assemelham tais movimentos? Qual a relação de cada um com esse âmbito da cultura corporal? Praticantes ou telespectadores?

    Uma questão muito pertinente a ser tratada com esse conteúdo é a inversão da ordem habitual das coisas e relações sociais. Notamos que, na GA “a posição em pé é passageira e na maioria das vezes o princípio e a conclusão de gestos complexos executados pelos braços” CARRASCO, (s/data, pg.12). Diante disso, observemos como os deslocamentos realizados com os membros inferiores são comuns, mas, deslocar-se ou se manter equilibrado com o apoio das mãos gera uma mudança, tanto de equilíbrio como de desafio e interesse aos alunos.

    O que leva ainda, a questionamentos mais amplos, como é o caso de refletir sobre os papeis desempenhados em diferentes culturas por homem e mulher, vejamos nas palavras de Mead (1971), citadas na obra de Laraia (1922): “até a amamentação pode ser transferida a um marido moderno por meio de mamadeira” (pg. 19). Ilustrando assim, como os papeis desempenhados por homens e mulheres, ao longo da história podem ser modificados e adquirir novos sentidos. Até mesmo, pensar por que a prática de ginástica artística predominantemente é realizada por meninas e por que isso acontece.

    Diagnosticada essa realidade e feita alguns nexos e generalizações, faz-se necessário vivenciar esses movimentos relatados, até mesmo por imitação do aluno que sugeriu tal movimento, percebendo as possibilidades e dificuldades apresentadas e propor o ensino sistematizado do conteúdo com base nessa realidade. Se a turma apresenta educandos com uma vasta vivência em movimentos usados na GA, adquirido na prática da capoeira ou em outros espaços, a exemplificação fica ainda mais rica e com isso, o grupo percebe que, a construção da aula é baseada na participação dos alunos, direcionada pelo professor, com o fim de atingir os objetivos propostos.

    Esse momento de confronto do saber próprio do aluno e do conhecimento apresentado pelo professor, de forma sistematizada, é denominado por Saviani (1999), de Instrumentalização. Oportuno nesse momento é perceber a Provisoriedade do conhecimento, este princípio apresenta ao aluno a noção de historicidade, tratando os conteúdos desde a sua origem, de forma a entender que a realidade atual não foi igual como era no passado, e que o próprio aluno é um agente histórico construtor de conhecimento.

    É adequado, no ensino das técnicas específicas, usar palavras em que o aluno entenda e visualize a dinâmica do movimento a ser executado, ou até mesmo a criação de novos termos adequados à prática. Claro que, a terminologia específica usada no desporto também deve ser ensinada, pois, os conceitos servem como instrumentos de comunicação em todo mundo. Como é o caso da nomenclatura dos saltos Spagetty, Gazela, Tesoura, por exemplo. Esta questão nos remete ao princípio da Contemporaneidade dos Conteúdos, ou seja, garantir que os alunos tenham acesso ao que há de mais moderno, aos acontecimentos nacionais e internacionais, bem como aos avanços da ciência e da técnica em relação a determinado conteúdo.

    Ainda na Instrumentalização, torna-se imprescindível o contato com um repertório de movimentos que pode ser realizado por meio de brincadeiras/atividades e que proporcionem um contato próximo com os exercícios da GA. A experimentação de posições básicas do corpo, que desenvolva qualidades físicas como a coordenação, a flexibilidade, força, resistência, entre outras, deverão facilitar a apreensão do conteúdo. Para tanto, o conteúdo não deverá ser explicado de forma isolada, o que dificulta a compreensão de totalidade ao qual este está inserido, o que nos remete ao princípio da Simultaneidade dos conteúdos enquanto dados da realidade, passando a ser ampliado a medida que se avança de uma unidade para outra, de forma espiralada, dando saltos qualitativos.

    Assim, quando são alcançados os objetivos, com a compreensão por parte dos alunos da proposta da aula, ou seqüência de aula temos a Catarse, que é o momento em que se realiza a ruptura em relação ao conhecimento menos elaborado, aquele presente no primeiro passo. Por meio do conteúdo trabalhado, da sua instrumentalização e conseqüentemente do se entendimento mais elaborado, chega-se ao quinto passo denominado também de Prática Social, em que a técnica da GA é entendida e praticada com sentido e significado por parte do aluno. Neste momento, professor e aluno chegam à compreensão denominada síntese orgânica. Isto demonstra que aluno e professor encontram-se em constante processo de aprendizagem, demonstrando a provisoriedade da produção teórico/prática.

    Como nos declara Saviani (1999),

    A compreensão da prática social passa por uma alteração qualitativa. Conseqüentemente, a prática referida no ponto de partida (primeiro passo) e no ponto de chegada (quinto passo) é e não é a mesma. É a mesma, uma vez que é ela própria que constitui ao mesmo tempo o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da prática pedagógica. E não é a mesma, se considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica (p. 82).

    Diante dessa lógica de apreensão do saber, o desenvolvimento da técnica da GA, torna-se possível de ser ensinada, considerando o tempo pedagogicamente necessário para o ampliá-la e aprofundá-la, de maneira que os alunos a apreendam enquanto um singular no geral, ou como dizia Marx (1982), enquanto concreto, síntese de múltiplas determinações.

Considerações finais

    Sendo, nas séries finais do ensino fundamental, um período de ampliar a sistematização do conhecimento, é oportuno que a técnica, aqui, mais especificamente a técnica da ginástica artística, seja contextualizada desde o seu processo de criação e desenvolvimento, até os moldes esportivizados de hoje, para que seja possível reconstruí-la a partir de novas perspectivas de educação do indivíduo, visando desenvolver os interesses do grupo, levando em conta as contribuições de todos os envolvidos no processo. Por meio da lógica dialética apresentada, o ensino da técnica da ginástica possibilitará o contato com o conhecimento que já foi construído e sistematizado. A técnica da ginástica passará a ser entendida como patrimônio cultural da humanidade, indo além do simples gesto motor.

    Concomitante a este processo, a área de conhecimento da EF terá a possibilidade de superar determinados equívocos que acompanham historicamente a área no que condiz a relação entre teoria e prática. Bracht (2001) apresenta como um equívoco entender que aqueles que tratam criticamente o processo de esportivização negam a técnica. Concordamos com o autor quando este diz que quando um determinado bem é valorizado socialmente, busca-se aperfeiçoar os procedimentos para a sua produção, ou seja, investe-se no desenvolvimento de técnicas com este fim. “O que é fundamental a perceber é que a técnica é (deve ser assim considerada) sempre meio para atingir fins. Estabelecer fins/objetivos (sentido) é que é um predicado humano, portanto a técnica deve ser sempre subordinada as finalidades humanas” (Bracht , 2001, p. 16)

    Através da proposta aqui apresentada acreditamos ter demonstrado que os condicionantes teóricos surgem da prática e assim dialeticamente e que a través da cultura corporal da ginástica temos a possibilidade de desenvolver no contexto de ensino uma prática superadora.

Notas

  1. Constituem este grupo, acadêmicos dos cursos de Educação Física Licenciatura e Bacharelado da UFSM, alunos da especialização, mestrandos e professores. Realizamos grupos semanais de estudos, seminários de aprofundamento, trocas com movimentos sociais, participação em eventos, reuniões pedagógicas, projetos de extensão e atividades de pesquisa.

  2. Realizado desde o segundo semestre de 2007, na cidade de Santa Maria – RS, em escolas da rede pública de ensino.

  3. Informação obtidas do site http://www.ginasticas.com.br/ginasticas/gin_artistica.html, dia 9 de junho de 2009, às 11 horas e 07 min.

  4. Tratando aqui, de turmas mistas.

  5. Os planos de aula aqui citados, que servem de base para a discussão, foram extraídos do projeto de extensão intitulado: Experienciando a Ginástica Enquanto Possibilidade Superadora no Plano da Cultura Corporal, entre os dias 12 a 26 de junho de 2008.

Bibliografia

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 16 · N° 157 | Buenos Aires, Junio de 2011  
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