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Futebol e Cinema: que semelhanças são essas?

Fútbol y Cine. ¿Qué tienen de semejantes?

 

Especialista em Aspectos Biodinâmicos do Movimento Humano (UFJF)

Tutora a distância (UFJF)

(Brasil)

Vera Lucia Ferreira Pinto Fernandes

vera.fernandes@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo analisa algumas relações, em especial de semelhança, entre o futebol e o cinema, enquanto práticas modernas de diversão da sociedade brasileira, através da pesquisa bibliográfica. Concluiu-se que as semelhanças encontradas na prática de ambas as modalidades de diversão deve-se, principalmente, ao período no qual estas chegaram ao Brasil, final do século XIX e início do século XX, período marcado por grandes transformações sociais, econômicas e políticas com o advento da modernidade e, adjunta, influência européia.

          Unitermos: Futebol. Cinema. Lazer.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 155, Abril de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    “Futebol e Cinema: duas paixões, um planeta” já anunciava o capítulo de Victor Melo no livro “Futebol por todo o mundo: diálogos com o cinema”, o qual é também um dos organizadores.

    Assistir ao filme ou ao jogo de futebol seja no cinema, no estádio ou mesmo em casa através de televisores cada vez mais modernos, constituiu-se (e ainda constitui) uma das principais práticas de lazer de grande parcela da população brasileira desde os primórdios até os dias atuais. Nas origens e no decorrer do desenvolvimento dessas práticas podemos observar aspectos comuns: inicialmente, lazer das elites, em diferentes tempos tornou-se a principal diversão de todas as camadas de nossa sociedade.

    Assim, o que se pretende neste trabalho é apontar algumas relações de semelhanças existentes entre o futebol e o cinema enquanto práticas diversão, iniciando esta análise no período de suas chegadas ao Brasil (final do século XIX), a partir da pesquisa bibliográfica. Na concepção de Lima e Mioto (2007: 40) “[...] a pesquisa bibliográfica possibilita um amplo alcance de informações, além de permitir a utilização de dados dispersos em inúmeras publicações, auxiliando também na construção, ou na melhor definição do quadro conceitual que envolve o objeto de estudo proposto”.

    Não há uma divisão entre o desenvolvimento de ambas as práticas. Mas utilizaremos a explicação fracionada para melhor entendimento da questão.1

O futebol chega ao Brasil

    Oficialmente, o que temos registrado como a data de chegada do futebol ao Brasil é o ano de 1894, quando o jovem Charles Miller regressou de seus estudos na Inglaterra trazendo consigo bolas de futebol e outros artigos esportivos como camisas, calções e chuteiras (RODRIGUES, 2003).

    Em nosso país, embora existam registros de partidas realizadas com bolas nos pés por marinheiros franceses, holandeses e, principalmente, ingleses “uma em 1874, disputada nas praias cariocas, onde hoje está o Hotel Glória, e a outra em 1878, quando tripulantes do navio Criméia em enfrentaram-se diante da residência da princesa Isabel” (UNZELTE, 2002: 20-21), estes não possuíam estrutura e espaços organizados ou caráter competitivo. Sendo neste último aspecto, mais precisamente, a influência decisiva de Charles Miller. De acordo com Guterman (2009: 18) “o que Miller introduziria no Brasil seria o perfil competitivo do futebol, com suas regras, limitações e artimanhas [...]”.

    Notadamente elitista é o futebol do final do século XIX e início do século XX: “orientada pelos valores do cavalheirismo, do ‘fair play’ e do amadorismo, envolveu a elite da sociedade brasileira que buscava uma aproximação aos valores da modernidade européia. Um exemplo disso é o Fluminense, fundado em 1902” (CASTRO e VALLADÃO, 2008), como é percebido através de seu mascote, um “Cartola” – símbolo de elegância e status – e a atual tradição em jogar pó de arroz ao início das partidas pelos torcedores. Alusão esta ao período no qual os negros para jogarem pelo Fluminense precisavam pintar seus rostos com pó de arroz para parecerem brancos. Esta tendência elitista atingiria também público espectador.

E os torcedores chegam às arquibancadas

    Os primeiros torcedores viriam a completar o ambiente futebolístico a partir do início do século XX, quando já era possível vislumbrar os primeiros estádios, assim como as primeiras competições entre clubes rivais.

    E como eram as torcidas? Muito semelhante aos jogadores: eram compostas pelas elites, por pessoas muito bem educadas, atraídas pelo esporte que também era patrocinado por gente rica. A esta gente eram reservadas as luxuosas e elegantes arquibancadas. Muito presente, também, era o público feminino sempre elegante e entusiasmado com o desenvolver das partidas. Os pobres, inicialmente, não ocupavam os mesmos espaços destinados aos torcedores das elites. Restavam-lhes se acotovelarem nos muros, telhados e árvores a fim de assistirem ao “esporte bretão” (SANTOS, 2009 e GUTERMAN, 2009).

    Todavia, as classes populares ganhariam seu espaço: primeiro a “geral” e, por conseguinte, ocupariam seu lugar nas arquibancadas. Entendendo a dinâmica do esporte, em breve tais os torcedores passariam a eleger um time para torcer e exigir resultados. Fato este que trouxe para os estádios uma de suas principais artimanhas: a vaia. Diante disso, Murad (1999) observa que o futebol tornou-se o principal esporte para a diversão do povo num curto espaço de tempo a partir de sua chegada ao Brasil.

O cinema chega ao público brasileiro

    Assim como o futebol, o cinema possui registros de sua chegada ao Brasil ao final do século XIX. Influenciado por práticas de diversão de cidades européias, Menezes (2000) nos conta que a primeira exibição pública de um filme em terras nacionais aconteceu no ano de 1896 na cidade do Rio de Janeiro. Louro (2003: 423) acrescenta ao comentar que

    Em várias sociedades, incluindo a brasileira, o cinema passou a ser, desde as primeiras décadas do século XX, uma das formas culturais mais significativas. Surgindo como uma modalidade moderna de lazer, rapidamente conquistou adeptos, provocando novas práticas e novos ritos urbanos.

    Apesar de concordar com as palavras de Louro (2003), não podemos afirmar que o cinema atingiu a toda população brasileira assim que pisou em território nacional. Murad (1999) cita que no princípio, até as primeiras décadas do século XX, o cinema viabilizou suas produções à classe média, mais intelectualizada, vindo a constituir-se enquanto prática de diversão das camadas menos favorecidas mais significativamente a partir dos anos de 1930.

Futebol e cinema: semelhantes em quê?

    Diante das informações trazidas até o presente podemos perceber tanto o futebol quanto o cinema chegaram ao Brasil entre o final do século XIX e início do século XX: período marcado por grandes transformações sociais e econômicas com o advento da modernidade.

    Neste período, a Europa vivenciava o que se convencionou chamar de belle-epoque, no qual hábitos de higiene e disciplina e costumes deveriam ser difundidos mundo a fora. O Brasil não deixaria de ser atingido. Nesta perspectiva, encontravam-se o futebol e o cinema, produtos de exportação, capazes de difundir regras, valores, crenças, hábitos e costumes de seus países de origem através da diversão: praticar o lazer europeu significava “ser moderno”.

    Assim, embora não linearmente, tanto o cinema quanto o futebol, até a década de 1930, tornaram-se as principais atividades de lazer da população brasileira. Sendo hoje, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as preferências de diversão fora e dentro de casa em grandes e médios centros urbanos e suburbanos, onde se concentra 75% de nossa população (Murad, 1999).

    Para Marcelino (1996: 14) uma das características do lazer encontra-se na “possibilidade de escolha das atividades e o caráter ‘desinteressado’ de sua prática”. Melo e Alves Júnior (2003: 24) complementam este conceito ao citarem que “[...] as atividades de lazer são buscadas tendo em vista o prazer [...], embora nem sempre isso ocorra [...]”.

    Algo que podemos utilizar para exemplificar as características do lazer acima descritas são os diferentes sentimentos que os torcedores e (tele) espectadores vivenciam numa partida de futebol ou filme: a alegria e alívio pelo vitória (do time num jogo ou do mocinho do filme), mas também, o sofrimento pela derrota de seu time do coração ou a tensão ao torcer pela mocinha do filme. Muito embora tenhamos escolhido a atividade e buscado o prazer em suas práticas, em ambos os casos há situações não previstas. No lazer a surpresa também se faz presente.

    Outra semelhança, segundo Melo (2006), encontra-se na comparação entre jogadores de futebol e atores do cinema e comenta que ambos são tratados como estrelas e sempre estão à frente de propagandas o que lhes confere, a todo instante, grande visibilidade. Para o autor, o futebol, assim como o cinema, é uma forma de arte.

    E não há como discordar das palavras de Melo, se em ambas as práticas existem os ensaios ou treinos: tudo para apresentar ao público a mais bela exibição. A diferença reside no fato de que numa partida de futebol um erro pode ser fatal. Não sendo para o cinema uma recíproca verdadeira, visto que numa filmagem existe a real possibilidade de repetição da mesma cena. E não podemos deixar de lembrar que ambas as modalidades movimentam um grande comércio de produtos e estilos apresentados pelos astros da cena (jogadores/atores) e difundidos pela mídia. Além disso, a Copa do Mundo2 e a entrega do Oscar3 encontram-se entre os maiores eventos da atualidade, conferindo ao futebol e cinema o caráter de espetáculo.

    Ainda temos que observar que tanto o futebol quanto o cinema podem ser utilizados como formas de escapismo – fuga da realidade. É possível afirmar que (tele) espectadores e torcedores saem pelo instante de um filme ou partida de futebol de seus mundos para vivenciarem outras realidades, sentimentos e comportamentos. Atitude que gera tanto fatores positivos quanto negativos. Mas não iremos tratar desta temática neste estudo.

    Mendes Júnior, Ferreira e Mendes (2009: 170) afirmam que através do cinema

    [...] as pessoas vivenciam o imaginário, saem de suas rotinas e se permitem rir, chorar, gritar sem a repressão comum em nossa sociedade, que não permite certos comportamentos ou os recrimina quando realizados em público. No escuro da sala de cinema, muitas atitudes de sentimentos como medo, paixão, alegria, satisfação e insatisfação ocorrem de forma espontânea

    E Silva (2005: 25) relata que através do futebol

    O que parece é que o torcedor vai ao jogo buscando, muitas vezes, a alegria, a realização ou o sucesso que não conseguiu ter naqueles dias ou nos últimos tempos em sua vida. O seu time, assim, pode representar uma parte de sua vida que deu certo.

    Dessa forma, que ir ao cinema e ao estádio ou reunir os amigos em frente à TV para assistir a um filme ou ao futebol constitui-se em práticas modernas de diversão que fazem parte do lazer cotidiano da população brasileira. Hoje, contamos com belíssimos estádios de futebol e milhares de salas de cinema espalhadas pelo país, além de TVs e outras tecnologias cada vez mais modernas que nos permitem divertimento sem sair de casa. Associado aos locais e instrumentos de apreciação dos jogos ou filmes, contamos ainda com um calendário rico em partidas de futebol e inúmeros filmes que estréiam em nosso país a cada dia.

    Não há dúvidas: o cinema e o futebol podem ser considerados os maiores fenômenos do lazer moderno.

Conclusão

    Diante do apresentado, não é de se estranhar notadas semelhanças entre o futebol e o cinema enquanto práticas de lazer no Brasil. Ambas possuem raízes européias e chegaram a nosso país ao final do século XIX e início do século XX, período marcado pelo advento da modernidade, no qual encontraram nossa população sedenta por novas formas de diversão. Sendo o futebol e o cinema práticas de lazer importadas da Europa, praticá-las significava estar “em dia” ao que acontecia no mundo moderno, mais que isso, significava “ser moderno”.

    Para pesquisas futuras sugere-se a investigação da relação “cinema e futebol no lazer” a partir de cidades, estados e/ou países específicos, a fim de podermos comparar resultados em estudos ulteriores ampliando, assim, a compreensão da temática.

Notas

  1. O futebol neste estudo será tratado ora como jogo, ora como estádio. O cinema aqui será tratado ora como filme, ora como espaço físico cinema, visto que o trabalho nos mostra a possibilidade de suas práticas (enquanto lazer) em diferentes espaços.

  2. Para saber mais consultar Ribas, L. (2010) O Mundo das Copas.

  3. Para saber mais consultar Osborne, R. (2008) 80 Years of the Oscar.

Referências

  • CASTRO, Bruno e VALLADÃO, Rafael. Um ensaio histórico sobre o surgimento do futebol, dos clubes de futebol carioca: Vasco, Flamengo, Fluminense e Botafogo e suas tendências elitizadas e populares. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 13, N° 126, 2008. http://www.efdeportes.com/efd126/o-surgimento-do-futebol-dos-clubes-de-futebol-carioca.htm

  • GUTERMAN, Marcos. O Futebol Explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do país. São Paulo: Contexto. 2009.

  • LIMA, Telma e MIOTO, Regina. Procedimentos Metodológicos na Construção do Conhecimento Científico: a pesquisa bibliográfica. Katálysis. Florianópolis, 10 (esp.), 37-45, 2007.

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  • MARCELLINO, Nelson. Estudos de Lazer: uma introdução. Campinas: Autores Associados. 1996.

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  • MELO, Victor e ALVES JUNIOR, Edmundo. Introdução ao lazer. Barueri: Manole, 2003.

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  • Menezes, Paulo. Imagens no (do) Brasil: a nação Vera Cruz. In SOCINE. Estudos de Cinema II e III. São Paulo: AnnaBlume, 2000, p. 306-320.

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  • RODRIGUES, Francisco. Modernidade, corpo e futebol: uma análise sociológica da produção social do jogador de futebol no Brasil. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 8, N° 57, 2003. http://www.efdeportes.com/efd57/jogador.htm

  • SANTOS, Ricardo. Tensões na Consolidação do Futebol Nacional. In Del Priore, Mary e Melo, Victor. (Orgs.). História do Esporte no Brasil: do império aos dias atuais. São Paulo: UNESP, 2009, p. 179-212.

  • SILVA, Sílvio. A Construção Social da Paixão no Futebol: o caso do Vasco da Gama In DAÓLIO, Jocimar. (Org.) Futebol, Cultura e Sociedade. 1a ed. Campinas: Autores Associados, 2005, p. 21-52.

  • UNZELTE, Celso. O livro de ouro do futebol. São Paulo: Ediouro, 2009.

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