efdeportes.com

Educação Física no Brasil: apontamentos sobre 

as tendências constituídas até a década de 80

Educación Física en Brasil: notas sobre las tendencias establecidas hasta 1980

Physical Education in Brazil: notes on trends incorporated to the decade of 80

 

*Acadêmica de Educação Física Bacharelado

na Universidade Estadual de Maringá (UEM, PR)

Bolsista do Programa de Educação Tutorial PET/SESu

**Acadêmico de Educação Física Licenciatura

na Universidade Estadual de Maringá (UEM, PR)

Bolsista do Programa de Educação Tutorial PET/SESu

Membro do Grupo de Estudos em Educação Física, Educação

e Marxismo (EDUFESC/DEF/UEM)

Camila dos Santos Chagas*

mila_chagas@hotmail.com

Jeferson Diogo de Andrade Garcia**

jefersondiogogarcia@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A educação física em sua história esteve sobre a égide da sociedade capitalista, sendo legitimada pelas necessidades de manutenção das relações sociais capitalistas e não pela necessidade de seu conteúdo específico. Ao discutirmos as relações sociais que determinam a atuação da Educação Física no que antecede a década de 80, percebemos que ao consolidar-se enquanto sistema, o capitalismo exigiu a formação de sujeitos que atendessem a seus interesses, e neste contexto é que as tendências tiveram sua função estabelecida. Com isto, houve a necessidade de disseminação das ideias dominantes produzidas pela classe que detém os meios de produção, tendo assim, cada tendência uma forma de manipulação e disseminação da ideologia burguesa. Buscamos então, contextualizar a função das tendências ideológicas na história da Educação Física, no período que compreende a ascensão do capitalismo no Brasil até a década de 80. Para isto classificamos as tendências em quatro: higienista, militarista, pegagogicista e competitivista nos baseando em Castelhani Filho (1988); Ghiraldelli Junior (1994) e Soares (2001).

          Unitermos: Educação Física. Tendências. Ideologia capitalista.

 

Abstract

          The physical education in its history was under the aegis of capitalist society, and legitimized by the maintenance needs of capitalist social relations and not by the need for specific content. In discussing the social relations that determine the performance of Physical Education in before the 80's, we realized that to consolidate itself as a system, capitalism required the formation of subjects that met their interests, and in this context is that the trends were its function established. With this, there was a need for dissemination of ideas produced by the dominant class that owns the means of production, thus having a tendency every form of manipulation and dissemination of bourgeois ideology. We search, to contextualize the role of the ideological trends in the history of Physical Education, the period that includes the rise of capitalism in Brazil until the 80's. For this sort of four trends: hygienist, militaristic, and economic competitiveness pegagogicista basing Castellani Filho (1988); Ghiraldelli Junior (1994) and Soares (2001).

          Keywords: Physical Education. Trends. Capitalist ideology.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 154, Marzo de 2011. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introduçâo

    A Educação Física (EF) tal qual a conhecemos hoje expressa a forma como os seres humanos se relacionam no modo societário capitalista. As modificações do seu conteúdo e da forma de aplicá-los, bem como suas disposições legais, tendem a obedecer à lógica das mudanças dessa organização social, ou seja, a medida que a sociedade é transformada pelos homens, transforma-se a forma da educação física (MELLO, 2009).

    A educação física em sua história esteve sobre a égide da sociedade capitalista, sendo legitimada pelas necessidades de manutenção das relações sociais capitalistas e não pela necessidade de seu conteúdo específico (MELLO, 2009). De um lado, pode-se dizer de forma bastante sintética que a concepção funcionalista da sociedade, entende que a Educação Física é a uma parte constituída de um corpo ou uma máquina harmoniosa, sendo que cada parte contribui com suas devidas funções. A educação física tem então, servido de poderoso instrumento ideológico e de manipulação para que as pessoas continuem alienadas e impotentes diante da necessidade de verdadeiras transformações nas relações sociais.

    Ao discutirmos as relações sociais que determinam a atuação da Educação Física articulada às condições objetivas (modo de produção humano) e subjetivas (teorias do conhecimento e correntes pedagógicas), é sabido que ao consolidar-se enquanto sistema, o capitalismo exigiu a formação de sujeitos que atendessem a seus interesses, e neste contexto é que as tendências tiveram sua função estabelecida. Com isto, houve a necessidade de disseminação das idéias dominantes produzidas pela classe que detém os meios de produção, tendo assim, cada tendência uma forma de manipulação e disseminação da ideologia dominante, colocando a classe trabalhadora a assumir um pensamento e a construir ações que se identificam predominantemente com as idéias produzidas pela classe burguesa, fazendo com que os trabalhadores assumissem uma subjetividade inautêntica (ANTUNES, 2004).

    As tendências e perspectivas ligadas à Educação Física (EF) expressaram as necessidades relacionadas ao corpo em alguns momentos históricos. Essas tendências partiram da elaboração de um específico modelo corporal e de uma formação ideológica que correspondessem às expectativas da sociedade capitalista. Uma tendência é também uma pedagogia, que é a teoria e o método que constrói os discursos e as explicações sobre a prática social e sobre a ação dos homens na sociedade. Quando uma tendência não corresponde aos interesses das diferentes classes ou ela mesma já não funciona como deveria, ela acaba por dar espaço para o surgimento de uma nova tendência.

    Buscamos então, contextualizar a função das tendências ideológicas na história da Educação Física, no período que compreende a ascensão do capitalismo no Brasil até a década de 80. Escolhemos abordar este período, porque este foi um momento de construção da base dessa prática pedagógica, embasada no viés positivista que direcionou a EF por uma visão acrítica.

    A metodologia utilizada para a construção deste trabalho é de uma pesquisa do tipo bibliográfica segundo Minayo (2003), tendo como matriz teórica o materialismo histórico de Karl Marx e Friedrich Engels. Para mapear o caminho percorrido pela Educação Física consideramos o desenvolvimento da Educação Física brasileira nos baseando em Castelhani Filho (1988); Ghiraldelli Junior (1994) e Soares (2001) e classificamos as tendências em quatro: higienista, militarista, pegagogicista e competitivista.

a.     Higienista

    Perto do fim do séc. XVIII e início do séc. XIX dá-se inicio a construção e consolidação de uma nova sociedade, a capitalista. Imediatamente com o surgimento da nova sociedade se viu necessária a construção de um novo homem, que fosse apto a esta sociedade, homem este que deveria ser mais ágil, mais forte, mais empreendedor.

    Com isto, para construir este estereótipo de homem é que se consolidou a gênese1 da Educação Física em nosso país,2 ligada às instituições médicas e militares. Essas instituições contribuíram para a consolidação e reconhecimento da Educação Física, inicialmente entendida como Ginástica, que em um primeiro momento, segundo Vitor Marinho (2004) foi evidente a identificação com a medicina que deu status a educação física. Dessa maneira, a prática pedagógica foi pensada e posta em ação, uma vez que correspondia aos interesses da classe social hegemônica daquele período histórico.

    A partir de conhecimentos e teorias gestadas no mundo europeu, os médicos desenharam um outro modelo para a sociedade brasileira e contribuíram para a construção de uma nova ordem econômica,política e social. Nesta nova ordem, na qual os médicos higienistas iram ocupar lugar destacado, também colocava-se a necessidade de construir, para o Brasil, um novo homem, sem o qual a nova sociedade idealizada não se tornaria realidade [...] a medicina social, em sua vertente higienista, vai influenciar e direcionar de modo decisivo a educação física, a educação escolar em geral e toda a sociedade brasileira (SOARES, 2001, p.70-71).

    Tendo suas origens marcadas pela influência das instituições militares, condicionadas pelos princípios positivistas, a educação física no Brasil, foi entendida como uma atividade de extrema importância para forjar o individuo forte e saudável, que era necessário para a implementação do processo de desenvolvimento do país (CASTELHANI FILHO, 1988; CHAUÍ, 1982).

    O médico se torna o grande personagem desta história, tendo em seu papel o dever de corrigir e melhorar o corpo social e mantê-lo em constante estado de saúde, respondendo a sua função higienista e impondo sobre as famílias uma mudança direcionada os hábitos saudáveis, dando um fim nos velhos hábitos coloniais. Deste modo, para dar conta de suas atribuições, os higienistas passaram para a educação física um papel de moldar o corpo saudável, robusto e harmonioso em oposição ao corpo flácido e doentio do individuo colonial (SOARES, 2001).

    Com o desenvolver da sociedade, a riqueza produzida pertencia à minoria e a miséria, pelo contrário, pertencia a muitos, pois os que produziam a riqueza eram aqueles que exauriam as forças de seu próprio corpo, energia humana e intelectual (força de trabalho), que era vendida como mercadoria por ser a única coisa que o trabalhador tinha a oferecer (SOARES, 2001). Devemos considerar que muitas doenças estavam surgindo, o que ameaçava o crescimento da sociedade devido às péssimas condições de trabalho, as excessivas jornadas, a falta de estrutura nas cidades e muitos outros fatores. Assim, Mello (2009) evidencia que para livrar a burguesia das graves condições trazidas pelos péssimos hábitos morais e higiênicos era necessário educar a classe trabalhadora.

    Desse modo, temos então uma tendência tida como “higienista”, a qual foi um movimento baseado principalmente no conhecimento científico e biológico, que buscava melhorar as condições de vida da população por meio do controle do comportamento com vistas à saúde pública.

    A primeira educação corporal, então, deveria ser realizada no lar para reforçar de modo intelectual, moral e sexual as atitudes consideradas masculinas e femininas. O conhecimento e a utilização do corpo, para meninos e meninas, deveria ser diferente cada qual obedecendo ao seu lugar na sociedade (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).

    Ainda no séc. XVIII iniciou a preocupação com a inclusão dos exercícios físicos nos currículos escolares. Surgem aí, necessidades de elaborar adaptações e até novas propostas. Logo são criadas as primeiras sistematizações sobre os exercícios físicos, denominados Métodos Ginásticos que em âmbito escolar surgem (na forma cultural de jogos, ginástica, dança, equitação, etc.) na Europa, em um momento que se instaurava os sistemas nacionais de ensino da sociedade burguesa (SOARES, et al, 2009). O professor de educação física na escola assumiu o papel de educador do físico. O profissional deste período ficou marcado por hábitos militares, passando a ser responsável pelo treinamento de ordem unida para desfiles e comemorações, tornando-se um disciplinador (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).

    Assim a educação física, enquanto ginástica, passou a ser vista na escola como importante instrumento de aprimoramento físico dos indivíduos, que fortalecidos pelo exercício físico estariam mais aptos para contribuir com a grandeza da sociedade crescente e com o exército, se tornando “a própria expressão física da sociedade do capital” (SOARES, 2001, p.6). Com isto, a Educação Física, partiu de uma visão positivista, que forneceu conceitos para se manter a burguesia no poder, a partir de uma veiculação da visão de mundo desta classe, fornecendo então, justificativas para o seu modo de viver.

    Desenvolver e fortalecer física e moralmente os indivíduos era uma das funções a serem desempenhadas pela educação física no desenvolvimento do conteúdo escolar,3 em um momento em que a educação ganhou patamar de ser meio mais eficaz de promover a adequação e a homogeneização das mentes e dos corpos, possibilitando a transmissão de certos valores sobre a população (SOARES, 2001).

    A escola, e em especial a Educação Física passaram a contribuir para que essa sociedade se consolidasse em dois sentidos: para a composição da força de trabalho e para os cuidados higienistas e sanitaristas, devido aos grandes problemas relacionados a saúde pública que estavam surgindo.

    O higienismo, como é direcionado quase que exclusivamente a disciplinar por meio do corpo instalou-se fundamentalmente na Educação Física, por meio de uma intervenção sobre os alunos e seus comportamentos. A disciplina responsável pelo corpo na escola era a Educação Física. Deste modo, passou a desenvolver as práticas higienistas através da ginástica, dos jogos, dos esportes, da recreação, etc., sempre fiscalizada e, muitas vezes, ministrada pelos próprios médicos (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).

    Um aspecto importante é que as turmas eram divididas por sexo e faixa etária. Para os meninos os exercícios deveriam motivar e desenvolver atitudes de liderança, coragem, força, competitividade. Para isto, na Educação Física os meninos praticavam corridas, esgrima e modalidades esportivas que estavam nascendo, como futebol, basquete e vôlei. Para as meninas, as práticas eram voltadas para a dança, a expressão corporal, o teatro e a poesia., visando desenvolver a docilidade, sensibilidade e a flexibilidade (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).

    Tal processo favoreceu muito e reforçou decisivamente a ideia de superioridade masculina e submissão feminina. Estas ações correspondem ao que, segundo Chauí (1982), se baseava (e se baseia) na divisão social do trabalho, que começa no trabalho sexual de procriação e prossegue na divisão das tarefas no interior da família.

    A Educação Física gerou a base da visão de corpo do ser humano no começo do séc. XX, conquistando assim seu reconhecimento social enquanto disciplina. No entanto, gerou também uma visão mecânica e fragmentada desse mesmo corpo por causa da influência positivista, o que deixou as pessoas estranhas em relação a sua própria concepção corporal.

B.     Militarista

    Até os anos 30, tínhamos uma Educação Física pautada no higienismo, preocupada com o saneamento público, a prevenção de doenças e uma sociedade livre de vícios. Após isto, vemos durante o Governo Vargas uma Educação Física de concepção Militarista, com o intuito de formar uma juventude pronta para defender a Pátria.

    Sobre o contexto histórico, lembremos que a década de trinta começou com o Brasil buscando sua identidade cultural e econômica. Por identidade cultural devemos entender a revalorização de aspectos nacionais. Esses aspectos diziam respeito aos hábitos, aos valores, à moral e à ética do povo brasileiro. Por outro lado, houve a necessidade da reformulação do modelo econômico brasileiro, que até então estava baseado, quase que exclusivamente, no modelo agrícola (república do café com leite). Tal mudança é ocasionada pela grande crise de 1929, que derrubou as bolsas ao redor do mundo e obrigou o Brasil a diversificar sua economia. De país produtor de matéria prima (agrícola e mineral), o Brasil se obrigou a se industrializar, trazendo multinacionais como a Coca-Cola (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).

    Ghiraldelli Jr. caracterizou este período da Educação física brasileira de “militarista”, pois a EF era utilizada em um projeto de eugenia e de preparação para a defesa da pátria. A educação física passou a ter uma identidade relacionada a ordem moral e cívica, juntamente com os princípios de segurança nacional que se relacionava a eugenia da raça e ao adestramento físico referente a defesa sobre os perigos internos,4 e se configuraram no sentido de desestruturação da ordem política, econômica e social daquele momento que visava assegurar o processo de industrialização em nosso país, tendo em busca a mão de obra fisicamente adestrada e capacitada, que para isto colocava sobre a educação física o papel de recuperação e manutenção da força de trabalho (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).

    A escola5, sendo um aparelho ideológico do estado, passou a sofrer os ajustes necessários para veiculação da ideologia dominante. Os primeiros índices deste ajuste foram a ênfase sobre o ensino cívico6 e a Educação Física, a qual passou a ter o Método Francês de ginástica como oficial para a Educação Física brasileira (CASTELHANI FILHO, 1988). O método francês, por suas bases altamente científicas e fisiológicas, procurava desenvolver as atividades corporais com objetivo de fortalecer o corpo e o espírito dos militares que tinham como dever dar a vida pela pátria.

    Com a lógica militar e positivista influenciando decisivamente o método francês, sua prática se disseminou pelos colégios7, levando à população civil a aceitação de uma disciplina, valores, atitudes e ideias típicas dos quartéis. Os mais aptos fisicamente eram dirigidos ao esporte, os menos aptos à Educação Física secundária e as meninas à Educação Física feminina (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994). Pelo método francês, nos primeiros ciclos ao invés de se trabalhar com jogos e atividades lúdicas, o enfoque se dava em preparar o corpo e o pensamento das crianças para as fases seguintes. Desse modo, o respeito às regras sociais e morais eram desenvolvidos a partir da Educação Física secundária, que juntamente a Educação Cívica e Moral passou a ser obrigatórias para todos os estudantes com até 21 anos de idade de todo o país a partir de 08 de março de 1940 (CASTELHANI FILHO, 1988).

    Durante o Estado Novo, os desportos coletivos que faziam parte da proposta do Método Francês ganharam papel de destaque no cenário nacional. Começava-se então, toda uma campanha de valorização da prática desportiva, que acarretou na realização de vários eventos neste sentido. Podemos destacar, por exemplo, o I Campeonato Intercolegial de Educação Física realizado na cidade de Santos, em agosto de 1941, com a participação de 32 estabelecimentos de ensino de 29 cidades paulistas somando 1.690 estudantes-atleta ( CASTELHANI, 1988).

    A partir de 1942, a educação física se tornou obrigatória no ensino industrial, tendo em sua ação a responsabilidade de contribuir com o controle do trabalhador, ou seja, além do tempo de trabalho já administrado, é incorporado o tempo de não-trabalho, que era entendido como o tempo de recuperação da força de trabalho, como também o seu tempo livre.

    O propósito de tal ação, vincula-se à intenção de orientar a ocupação do tempo de não-trabalho do trabalhador, no sentido de relaciona-lo, ainda que indiretamente, ao aumento de sua produtividade. Pretendia-se mesmo, de forma articulada à preocupação com a produção, estabelecer um processo de educação da classe trabalhadora, pautada nos valores burgueses dominantes, de forma a descaracterizá-la enquanto classe social (CASTELHANI FILHO, 1988, p. 95, grifo nosso).

    Compensar o desgaste da força de trabalho mediante a prática de exercícios constituiu a função da educação física dentro das fabricas. Este revigoramento era dado por meio de jogos ao ar livre, natação, lutas, ciclismo, dentre outros.

    Preocupado com a profissionalização do povo, com vistas ao projeto de industrialização nacional, o governo cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) em Janeiro de 1942, subordinado à Confederação Nacional da Indústria e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Estes dois serviços tinham como objetivo formar uma classe trabalhadora com mão de obra especializada por meio do ensino profissionalizante (CASTELHANI FILHO, 1988). Em seguida, o governo cria a Comissão Técnica de organização Sindical e o Serviço de Recreação Operária em 1943, que tinha um norte político-ideológico voltado aos interesses dos donos dos meios de produção, visando buscar a melhoria da capacidade produtiva da classe trabalhadora (CASTELHANI, 1988). Na verdade, as reformas deste período tratam de reafirmar e naturalizar as diferenças sociais ao destinar o ensino secundário às elites e o ensino profissional às massas.

    Com a derrota das nações do eixo na 2º guerra mundial e com o fim do estado novo, em 1945, a ideologia nazi-facista mascarada sobre o manto do nacionalismo defendido por Vargas perde sua força. Com isto, o método francês perde também o seu espaço.

    Este período representou, segundo Castelhani filho (1988), um período de militarização do corpo pelo exercício físico, aprimoramento da raça, melhoria na força de trabalho, como também militarização da mente (espiritual), relacionada a segurança e defesa da pátria com a colaboração civil por meio do esporte, senso de superioridade, obediência, consciência.

C.     Pedagogicista

    Após a II Guerra Mundial (1939-1945), a ginástica perdeu espaço para o esporte que passou a ser hegemônico no Brasil. O contexto político, social, econômico e histórico do país nas décadas posteriores a guerra conduziram a uma tendência chamada de Educação Física Pedagogicista (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994). Esta foi a concepção que reclamou na sociedade a necessidade de encarar a Educação Física não somente como uma prática capaz de promover saúde ou de disciplinar a juventude, mas de encarar a Educação Física como uma prática eminentemente educativa.

    A Educação Física Pedagogicista trouxe marcadas as influências da Pedagogia Nova e da Fenomenologia, que mesmo sustentando o pensamento liberal burguês, foi o primeiro movimento na área que buscou a valorização da Educação Física (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).

    No processo de implantação da Educação Física na grade curricular das escolas, buscava-se habilidades consideradas fundamentais para a saúde física e mental, por meio de competições gincanas, desfiles entre outras que visassem o lazer com o intuito de suscitar o controle emocional, o aproveitamento das horas livres e a formação do caráter dos alunos.

    Tal espaço foi sendo construído muito lentamente, e começou a se constituir de fato quando foram acrescentadas disciplinas como “prática de ensino”, “recreação e lazer”, didática”, etc. aos currículos das faculdades. Estas disciplinas visavam formar, no futuro profissional, um olhar mais direcionado ao ato educativo, levando o professor a pensar a atividade física não só como meio de desenvolver a eficiência e o rendimento (CASTELHANI FILHO, 1988).

    O aspecto não crítico da Educação Física Pedagogicista elencava alguns fins para os quais a Educação Física deveria ser dirigida: 1. saúde: a Educação Física deveria contribuir para a saúde física e mental; 2. caráter e qualidades mínimas de um bom membro de família e bom cidadão, no qual a Educação Física serviria para o desenvolvimento do caráter; 3. preparação vocacional, no qual certos tipos de atividades físicas, especialmente as competições desportivas, desenvolveriam controle emocional e liderança; 4. uso contínuo das horas livres ou de folga: A EF estaria relacionada com o intuito de ir contra o mau aproveitamento do tempo livre, pois isto poderia destruir a saúde, reduzir a eficiência e quebrar o caráter, além de degradar a vida (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).

    A educação física pedagogicista seguiu então, a forma da educação liberal, a qual buscava a formação de um cidadão voltado aos valores da sociedade vigente. E que em um primeiro momento, discutiu uma nova concepção de Educação Física, mas que apesar de sua contribuição, não fugiu a reprodução dos ideais conservadores.

D.     Competitivista

    A chegada de grandes indústrias promoveu uma separação ainda mais intensa entre ricos e pobres no país, a desigualdade social ficou maior e, por consequência, os conflitos de classe se tornaram cada vez mais intensos e violentos, culminando no golpe de 1964, quando os militares, que tinham bom respaldo social e apoio das elites econômicas, assumiram definitivamente o controle do país, calando com tortura e morte todos aqueles que se opusessem ao seu regime.

    Neste cenário, coube à educação física o papel de colaborar, por meio de seu caráter lúdico esportivo, com o esvaziamento de qualquer tentativa de rearticulação política do movimento estudantil no contexto universitário (CASTELHANI FILHO, 1988).

    A influência do esporte na educação física passou a ter tal magnitude que ela se tornou submissa ao esporte, colocando outras praticas corporais em segundo plano, caracterizando as aulas em âmbito escolar como um prolongamento da instituição esportiva com intenção de rendimento atlético. O esporte passou a determinar o conteúdo da educação física, no qual a relação entre professor e aluno passaram a ser um professor “treinador” e aluno “atleta” (SOARES, et al 2009).

    O gosto pelas competições e rivalidades desportivas coincide com o momento político em que o patriotismo e a competitividade no mercado de trabalho também ganham corpo dentro do nosso país. Tamanha era a ênfase ao desporto8 nesse período, que a própria Educação Física era voltada ao treinamento esportivo, sendo trabalhada como uma uma preparação e um complemento ao treinamento (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994).

    Desta maneira, o desporto torno-se uma paradigma na Educação Física brasileira, constituindo a base de todo o processo de formação profissional na área. É nessa época que se desenvolve a idéia do professor atleta, ou seja, o bom profissional de Educação Física deveria ser aquele que já tivesse praticado a modalidade que ensina e quanto melhor o atleta tivesse sido, melhor professor seria considerado (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994). O extremo absoluto dessa ideia de profissional fica expresso nos pré – testes físicos a que os candidatos a cursar uma faculdade deveriam se submeter. Eram provas para testar a condição física e atlética do candidato como: corridas, natação, modalidades esportivas. Aqueles que não obtivessem índices desejáveis eram excluídos do processo de seleção.

    O próprio contexto social explica, em grande parte, o desenvolvimento e a predominância da Educação Física Competitivista no Brasil, no qual, o esporte de competição passa a ser visto como um modelo de propaganda política, além de amortecer a consciência das pessoas em relação à repressão e à ditadura que estava instalada no país (CASTELHANI FILHO).

    A prática de alguma modalidade esportiva se tornou tão importante sob esse prisma político que justificou a criação, na década de 70, de um programa federal chamado “Esporte Para Todos” (EPT), cujas bases ideológicas assentavam-se justamente na popularização da prática esportiva como uma espécie de analgésico para a consciência das pessoas (CATELHANI FILHO, 1988).

    O esporte de alto nível passou a ser usado como espetáculo, distração e orgulho nacional. A imagem do herói atleta é dominante como nunca e o sucesso brasileiro nas disputas9 internacionais encheram o povo de orgulho. Paralelamente, buscava-se desviar a atenção da população acerca dos acontecimentos importantes, como os momentos em que o governo militar caçava, espancava, torturava e matava inúmeras pessoas, cuja única transgressão era pensar diferente daquilo que os militares consideravam correto.

    A Educação Física Competitivista nas escolas revelou o seu objetivo de desenvolvimento do gesto técnico nos estudos biomecânicos. As séries primárias eram direcionadas a grandes jogos, com ênfase na competição, ou seja, de 1a a 4a séries, as crianças deveriam participar de jogos e brincadeiras que atuassem sobre todo esquema corporal, visando desenvolver as habilidades básicas para a futura prática de algum desporto (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994). Já de 5a a 8a séries, as aulas deveriam ser dirigidas aos fundamentos de alguma modalidade esportiva, além de horários exclusivos para o treinamento das “seleções colegiais”. No segundo grau,10 deve-se desenvolver mais noções técnicas e táticas, para competir contra outros colégios e/ou cidades (CASTELHANI FILHO, 1988). A ideologia do esporte e a construção do corpo eficiente e dócil permanecem na atuação de inúmeros profissionais, bem como permanece o desporto de alto nível como modelo de atividade física, de espetáculo e de anestésico à consciência social.

    A crescente prática do esporte, desenvolvida em lugares específicos, como nos clubes, nas escolas e nas universidades, ajudou para que essa expressão da cultura fosse sendo regulamentada sob a intervenção do Estado que, por sua vez, passou a assumir a organização esportiva com a criação de políticas. É importante ressaltar também que o crescimento do esporte não teve um caráter de neutralidade, mas de sentidos e significados políticos e ideológicos, de uma determinada estrutura social que produz uma visão de mundo e de sociedade sob a lógica da manutenção e perpetuação das relações capitalistas (CASTELHANI FILHO).

    Assim como no estado novo, a Educação Física, agora como disciplina acadêmica e como política social voltada as demandas de lazer/tempo livre dos universitários, teve uma função ideológica clara, a qual coube à educação física o papel de colaborar, por meio de seu caráter lúdico esportivo, com o esvaziamento de qualquer tentativa de rearticulação política do movimento estudantil no contexto universitário. Desse modo, surgiram neste período os Jogos escolares, jogos municipais, jogos abertos, jogos da juventude e todas as demais competições em nível “amador”.

Considerações finais

    As tendências que contemplam a Educação Física até a década de 80 partiram de planos elaborados para tipos específicos de formação ideológica e corporal que correspondiam as expectativas da sociedade capitalista. Entretanto, ambas são concepções não críticas por fazerem da Educação Física um simples instrumento na reprodução da sociedade em que ela se insere.

    O aspecto não crítico da Educação Física neste período elencava alguns fins para os quais a Educação Física deveria ser dirigida, fins estes que tinham seus pressupostos na da sociedade capitalista, condicionadas pelos princípios positivistas. A Educação Física no decorrer de seu processo histórico assumiu diversas tendências. Porém, todas elas objetivavam dois pontos em comum: 1) a dominação do corpo (pelo exercício físico, eugenia da raça, identidade relacionada a ordem moral e cívica, melhoria na força de trabalho, controle do comportamento com vistas à saúde pública, preparação de mão de obra fisicamente adestrada e capacitada, recuperação e manutenção da força de trabalho); 2) manipulação ideológica (relacionada a segurança e defesa da pátria com a colaboração civil por meio do esporte, senso de superioridade, obediência, consciência, homogeneização das mentes, transmissão de certos valores sobre a população, caráter e qualidades mínimas de um bom membro de família e bom cidadão, preparação vocacional).

    É importante ressaltar que a Educação Física não teve um caráter de neutralidade, e sim, de direcionamentos políticos e ideológicos definidos, que visavam construir uma determinada estrutura social que produzisse uma visão de mundo e de sociedade sob a lógica da manutenção e perpetuação das relações sociais capitalistas.

Notas

  1. Dois nomes são importantes no processo de implantação da educação física no Brasil: o primeiro é Rui Barbosa que escreveu um parecer que serviu de referencial teórico para defender a educação física na escola, ao indagar a importância e o papel da educação física (exercício) na idade pubertária e para a formação do homem moderno. Assim, este parecer esboçava o modelo corporal a ser buscado no período, como também, os papéis destinados aos homens e mulheres. Ele propôs, dentre outras coisas, a ampliação da ginástica a ambos os sexos e a inserção da educação física nas escolas primarias. Deste modo, a educação física da mulher deveria ser integral, higiênica, com base nos trabalhos manuais com jogos infantis, ginástica educativa e esportes menos violentos e compatíveis com a delicadeza do organismo da mulher/mãe. O segundo é Fernando de Azevedo, que seguindo os indicativos de Rui Barbosa para regeneração do povo, apoiou a necessidade de se reeducar a mulher e destinava à educação física, nessa questão da eugenia da raça, um papel de forjar mulheres fortes e sadias para terem condições de gerarem filhos saudáveis e aptos a servirem a pátria. Percebemos assim, um pensamento dominante a respeito de um estereótipo de mulher que se adequasse às exigências da sociedade capitalista em ascensão (CASTELHANI FILHO, 1988).

  2. O método adotado pela Educação física neste foi o sueco, que após a 1º guerra perdeu espaço para o método francês, tendo em vista a derrota alemã e a vinda da missão francesa ao Brasil.

  3. O ensino profissionalizante era ofertado ao ensino secundário da rede pública, destinado as classes populares, com o objetivo de formar mão de obra especializada. Já a escola particular de nível secundário procurava proporcionar o acesso ao ensino superior.

  4. Isto se refere a defesa da nação frente ao movimento da intentona comunista.

  5. As primeiras escolas de Educação física foram em âmbito militar.

  6. O ensino cívico seria ministrado em todos os graus e ramos de ensino e a educação física seria obrigatória nos cursos primário e secundário, sendo facultativa no ensino superior.

  7. A primeira escola de Educação Física do país foi a Escola de Educação Física do Exército, fundada em 1933. Depois, em 1939, foi criada a primeira escola civil de formação de professores de educação física (CASTELHANI FILHO, 1988).

  8. Foi dado um grande apoio ao esporte pelos governantes, com os jogos escolares tais como: JEP’S, JEB’S, e outras competições.

  9. As vitórias de Emerson Fittipaldi na formula I e o tri-campeonato de futebol no México, são exemplos de como o esporte foi utilizado no regime militar para mascarar as ações militares.

  10. A educação no regime militar teve os rumos ditados por duas leis e um amplo conjunto de decretos. A primeira lei regulamentava a Reforma universitária e a segunda fixava as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º grau (lei nº 5.062/71) que foi grande novidade do regime militar: à reforma do ensino fundamental e médio. A Reforma do ensino de 1º e 2º graus pretendia atender ao maior número de alunos no que se referia à idéia de profissionalização. Deste modo, esperava-se que os jovens em busca de qualificação profissional se contentassem com a formação de nível médio, conseqüentemente diminuiria a pressão pelo aumento de vagas no ensino superior. Pela nova lei, o antigo curso primário e o ginasial são substituídos pelo ensino de 1ºgrau, destinado a formação da criança e do pré-adolescente (VIEIRA; FARIAS; 2007).

Referências

  • ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 5º ed. São Paulo: Boitempo, 2001.

  • CASTELLANI FILHO L. Educação Física no Brasil – A História que não se conta. 3ª ed., Campinas, SP: Papirus, 1988.

  • GHIRALDELLI JUNIOR P. Educação Física Progressista – A Pedagogia crítico-social dos conteúdos e a Educação Física Brasileira. 3ª ed., São Paulo: Editora Loyola, 1994.

  • LESSA, Sergio. Lukács. Ética e Política: Observações acerca dos fundamentos ontológicos da ética e da política. Chapecó: Argos. 2007.

  • MELLO, R. A. A necessidade histórica da Educação Física na escola: a emancipação humana como finalidade. Tese (Doutorado), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.

  • MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. 2ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.

  • MINAYO, Marília Cecília de Souza. (org.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 22 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

  • OLIVEIRA, V. M. O que é Educação Física. São Paulo: Brasiliense, 1983.

  • SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. 33.ª ed. revisada. Campinas: Autores Associados, 2000.

  • SOARES et al. Metodologia do Ensino da Educação Física. 2ed. São Paulo: Cortez, 2009.

  • SOARES, C. L. Educação Física: Raízes Européias e Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 1994.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 15 · N° 154 | Buenos Aires, Marzo de 2011
© 1997-2011 Derechos reservados