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Sociologia a partir dos jogos?

¿Sociología a partir de los juegos?

 

Doutorando em Educação Especial pela UFSCar

Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Licenciado e Bacharel em Educação Física pela UFSCar

Professor efetivo de Educação Física da rede estadual de educação

do Estado de São Paulo, município de Araraquara

Gustavo Martins Piccolo

gupiccolo@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Inequivocamente, pensar em uma possibilidade de análise sociológica mediante a utilização do jogo como recurso exegético é tarefa de grande monta e perfilho teórico, a qual está além das capacidades deste trabalho e do próprio autor que o escreve. Nesse sentido, quando falamos em pensar no que tange uma sociologia a partir dos jogos objetivamos interpretar o social a partir das relações tracejadas no campo da esfera lúdica. Este consiste em nosso principal objetivo. Para tanto, nos valemos de uma análise historiográfica do jogo enquanto fenômeno histórico cultural e as múltiplas relações que este sofre, mas também faz sofrer, e daí seu caráter dialético, pela e para a sociedade da qual se constitui.

          Unitermos: Sociologia. Jogo. Dialética.

 

Abstract

          Clearly, thinking about the possibility of a sociological analysis using the game as a resource exegetical task is of major consequence and theoretical tiller, which is beyond the capabilities of the author's own work and who writes it. Accordingly, when we think in terms of a sociology from the games aim to interpret the social relations from the dashed sphere in the field of play. This is to our main goal. For this, we use a historical analysis of the game as a historical phenomenon and the multiple cultural relations that he suffers, but does suffer, and hence its dialectical character, by and for the society of which it is.

          Keywords: Sociology. Game. Dialetical.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 152, Enero de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Considerar os jogos como importante recurso sociológico significa acreditar em seu potencial de compreensão social. O jogo só pode ser uma fonte da Sociologia se ele permitir o desvendamento e a compreensão da estrutura cotidiana de certo local, além disso, sua prática deve influir diretamente na vida das pessoas, ou seja, não pode ser considerado como uma atividade banal e frívola.

    De certa forma o universo dos jogos é um pré-molde de uma ampla visualização da sociedade, a qual atualmente estrutura seu poder entre dominantes e dominados. Assim sendo, quem governa os jogos busca por intermédio de suas regras explorarem os participantes, sem aniquilá-los, além de garantir algumas remotas possibilidades de sucesso e êxito para que eles continuem praticando a atividade.

    Para Caillois (1990), uma análise atenta da história nos mostra como os jogos sempre estiveram presentes no interior de nossa sociedade, os jogos competitivos tornaram-se desportos, os de imitação religião e os de azar se transformaram em potentes instrumentos lógicos e esotéricos.

    É claro que a presença dos jogos em toda a história da humanidade caracteriza-o como um elemento fundamental na construção das diversas relações sociais de certa comunidade, entretanto, estar presente não significa exercer a mesma influencia em distintas épocas históricas. Os jogos são produtos e resíduos da sociedade e cultura, por isso, percorrem séculos e países com, praticamente, a mesma lógica lúdica, porém, sua área de atuação se altera na medida em que os grupos dirigentes da sociedade trocam ou invertem suas relações de poder.    

    Por isso, notamos a predominância de alguns jogos em determinadas eras políticas, sociais, econômicas e ideológicas.

    Um estudo criterioso dos jogos nos permite averiguar os próprios costumes, normas e padrões aceitos e não aceitos de determinada população. Os jogos prediletos de uma comunidade representam muito mais do que o principal passatempo, pois sua prática interfere, de acordo com Caillois (1990, p.15), “na história da auto-afirmação da criança e na formação da sua personalidade.” Além disso, as atividades lúdicas podem refletir, mas não como um espelho, as principais atividades laboriosas realizadas em certa sociedade. Os jogos praticados treinam seus participantes a partir de alguns objetivos propalados pela própria sociedade da qual se faz parte, por exemplo, sociedades cooperativas tendem a construir seus jogos de uma forma mais harmônica e altruísta, enquanto nas sociedades competitivas, o maior prazer dos jogos consiste em vencer o outro, o desenrolar dessa atividade só tem graça quando um perde e outro ganha.

    Para Caillois (1990), não seria absurdo algum supor que uma dada época possa ser definida pelos seus jogos, pois seu desenrolar oferece linhas de força sobre as principais características da natureza social.

    Uma melhor visualização deste exemplo pode ser oferecida pela análise de dois jogos extremamente influentes em seu tempo, quais sejam: jogos de gladiadores no Império Romano e os esportes praticados nas sociedades capitalistas atuais.

    Na antiga Roma os jogos de gladiadores representavam ao mesmo tempo a famosa política do pão e circo na sociedade, a qual era a principal ferramenta de poder usada pelos governadores de uma dada época em Roma. Superficialmente, poderíamos acreditar que esta atividade representava apenas o circo, pois tinha como principal função promover a distração e o entretenimento da população. As pessoas se alucinavam/alienavam, tal qual pontuava Marx (2003) sob o contexto do fetichismo da mercadoria, a tal ponto que esqueciam os principais problemas sociais de Roma.

    Porém, uma investigação mais acurada sobre a prática desses jogos, nos permite visualizar que ele também representava de maneira disfarçada o pão (o caráter material) na sociedade romana medieval, já que, os gladiadores eram em sua totalidade escravos capturados nas guerras vencidas por Roma, os quais eram duplamente explorados tanto na produção de alimentos como na distração das massas populares. Mas porque o pão, a base material, estava representado nos jogos de gladiadores?

    Na verdade o grande sustentáculo do Império Romano eram seus escravos, a partir de suas atividades laboriosas Roma tirava o sustento de grande parte de seu povo, ou seja, os escravos representavam à mola mestra da economia romana e, os jogos de gladiadores se caracterizam como a atividade que mais bem refletia as contradições presentes nessa sociedade, pois colocava frente a frente os verdadeiros produtores e pilares da sociedade romana, a citar, os gladiadores contra os parasitas de Roma tão bem representados pela aristocracia. O embate travado sepultará o próprio desenvolvimento do Império Romano, o qual alicerçou suas bases sobre uma estrutura parca e insustentável, que desmoronou assim que os escravos se rebelaram contra o regime inumano em que viviam.

    Nas sociedades atuais, os esportes se tornaram a principal atividade lúdica realizada pelos homens na sociedade e, sua estruturação pode ser observada na própria constituição do regime capitalista.

    O capitalismo, enquanto regime sócio-político-econômico se baseia no princípio da livre concorrência e da igualdade formal de direitos, característica essa, presente no interior de qualquer atividade esportiva, já que o transcorrer das ações pressupõe a oportunidade de que o melhor efetivamente vença na sociedade, além disso, o palco do jogo deve ser igualitário para não possibilitar qualquer vantagem aos jogadores, fato que quebraria o princípio da livre concorrência.

    Entretanto, a tão propalada igualdade de condições não quer dizer, em hipótese alguma, possibilitar aos indivíduos as mesmas condições de desenvolvimento, mas, sim, através de regras delimitadas, as quais não podem ser violadas, fazer com que os participantes se adaptem a um sistema rígido de comportamentos e padrões a serem seguidos para que os melhores vençam a disputa de forma leal e justa.

    Ou seja, a gênese do esporte, assim como, da sociedade capitalista, tem em seu bojo histórico a idéia de que os mais aptos devem substituir os mais fracos, além disso, cria um corpo social de vencedores e a imensa maioria da população passa a ser taxada como perdedores.

    Não há qualquer possibilidade de livre concorrência em uma sociedade que não destina as mesmas oportunidades para seus indivíduos. Nossa sociedade (e nossa porque a construímos, ainda sabendo que a humanidade atual é de responsabilidade tanto do reino dos vivos como dos mortos) ainda se baseia no produto, não visualiza o processo de construção humana e, o esporte reflete como poucas atividades a divisão da sociedade em regras fixas, as quais não podem ser contestadas. Ou seja, se impede qualquer tentativa de transformação social; apenas os mais fortes governam; as leis de concorrência são as mesmas para qualquer participante; quem tem mais dinheiro, em geral, consegue maior sucesso se comparado àqueles que não possuem, enfim, o desenvolvimento esportivo (principalmente o de alto rendimento) reflete a discriminação presente na estrutura histórica da sociedade capitalista e garante a manutenção em parte desse regime segregacionista.

    Para Caillois (1990), os jogos de competição como os esportes são um excelente meio para a inserção das crianças em sociedades competitivas e capitalistas, pois permite que elas se constituam na mesma lógica histórica que a sociedade necessita, ou seja, são potentes instrumentos de aprendizagem.

    Outra excelente maneira de representar como os jogos são influenciados e influem no modo de estruturação de certa sociedade, pode ser realizado quando investigamos as mudanças nas principais categorias de jogos praticados pelos habitantes em certa época.

    Para Caillois (1990), geralmente a passagem das sociedades primitivas para àquelas consideradas civilizadas está relacionada à passagem dos jogos que utilizam principalmente o ilinx e o mimicry nas relações sociais para outros em que preponderam os princípios do agôn e alea. Lembrando que em Caillois (1990), os jogos podem ser divididos basicamente em quatro tipos, quais sejam:

    Para Caillois (1990, p. 38), esse tipo de jogo se encontra apenas nos seres humanos, já que:

    os animais, demasiado dominados pelo imediato e demasiado escravos dos seus impulsos, não seriam capazes de imaginar um poder abstrato e insensível, a cujo veredicto se submeteriam previamente, por diversão e sem reagir.

    as grandes manifestações desportivas não deixam de ser ocasiões privilegiadas de mimicry, mesmo esquecendo que a simulação é transferida dos actores para os espectadores: não são os atletas que imitam, mas sim os assistentes. A mera identificação com o campeão constitui já uma mimicry semelhante àquela que faz com que o leitor se reconheça no herói do romance e o espectador no herói do filme. (CAILLOIS, 1990, p.42).

    Uma analise histórica nos mostra que nas sociedades primitivas a máscara assumia um papel de destaque nas relações sociais, denotando o poder e a ira dos deuses. Porém, com a ascensão da ciência se começa a dar atenção para outros valores que não os místicos, já que a construção de uma sociedade em si necessita a formação de rígidos aparelhos burocráticos e estatizantes, os quais só podem se estruturar através dos princípios competitivos e não mais em recursos sobrenaturais. Conseqüentemente, a competição é a grande mola propulsora das sociedades modernas.

    Atualmente, as máscaras passaram de principais elementos nas relações de poder exercidas pelos seres humanos para simples objetos de venda, ou seja, foram englobadas pelo mercado capitalista, transformando-se em bens de consumo e não de adoração à alguma divindade.

    Para Caillois (1990), a partir da ordenação e concepção de um universo mais estável, a mimicry entra em plena decadência, já que agora passa-se a dar um sobre-valor ao número em detrimento de outros elementos.

    O número passa a exercer um papel significativo em qualquer sociedade capitalista, sua presença pode ser notada na expansão do mercado e da vida administrativa, além disso, juntamente com a competição dá origem a burocracia, a qual tende a colocar o agôn como recurso imprescindível a qualquer carreira.

    Ou seja, o jogo de competição está plenamente de acordo com os ideais propalados pela democracia, pois, como diria CAILLOIS (1990, p. 131), ele se baseia na:

    concorrência honesta, da igualdade de direitos, e, em seguida, da igualdade relativa de oportunidades, permitindo revelar-se ao nível dos fatos, do real, uma igualdade jurídica que freqüentemente se revela mais abstrata que eficaz .

    Mesmo com a competição vencendo como o elemento primordial nas relações sociais, não se conseguirá eliminar, por completo, nas sociedades capitalistas um elemento que aparentemente se opõe à competição, a citar, a sorte. Por mais que se tente aniquilar os princípios que não sejam àqueles baseados no esforço próprio da pessoa em vencer seus obstáculos, nunca conseguiremos impedir que a vantagem de freqüentar determinados meios sociais ocorra nas relações cotidianas, conseqüentemente, a tão sonhada igualdade de direitos não possa de um recurso ideológico capitalista.

    Por mais que se tente elevar o agôn a um nível nunca visto anteriormente a sorte ainda subsistirá, nem sempre ligada a roletas, loterias ou baralhos, mas, sim, a um jogo interminável e sempre em construção que é a história humana, a qual se manifesta de diferentes maneiras para diferentes sujeitos. Devido a todas essas características os principais elementos dos jogos atuais são constituídos pelo agôn e alea, os quais se encontram fortemente presentes na estruturação da própria sociedade.

Considerações finais

    Analisar os jogos como uma construção coletiva através dos tempos pode possibilitar o entendimento sobre o desenvolvimento da própria sociedade de que fazemos parte, como bem salientou Caillois (1990), não bastasse isso, a construção desse esteio histórico seria de fundamental importância para contestar os princípios vigentes em nossa sociedade contemporânea do individualismo exacerbado, do egoísmo elevado a categoria de valor humano, elementos esses que dão corpo as análises pós-modernas em diversas áreas acadêmicas. A falta de solidariedade e coletividade só pode extremar, ainda mais, a competição e violência características das sociedades modernas, ou seja, na verdade, a ênfase no individual e na solidão representa a desumanização do próprio homem, o qual não se torna mais humano, portanto, já não é mais homem.

    Enfim, estes são alguns dos breves caminhos que podem ser adotados no sentido de explicar a gênese dos jogos com um fundamento sociológico. Claro que a tarefa aqui proposta é sumamente singela e inicial, devendo ser enriquecida em termos analíticos, lógicos e epistemológicos.

    Encerramos nosso trabalho acreditando na construção de um mundo melhor, mais solidário, fraterno e justo. O enigma da esfinge novamente se faz presente, entretanto, ainda não encontramos sua resposta como fez Édipo, mas, esperamos que sua decifração esteja na dialética entre o trabalho como atividade material produtiva e, a educação como instrumento promovedor da conscientização humana, nesse embate dialético se insere os diversos jogos humanos, os quais representam e realizam como poucos elementos o diálogo entre o particular e o geral, o material e o espiritual.

    Nosso caleidoscópio educacional ainda não aprendeu a visualizar a importância das várias cores na construção humana, construção essa que se realiza pela influência de diferentes povos e culturas. Não aprendemos que na mistura encontramos a singularidade e vice-versa, continuamos a enxergar o mundo sob uma perspectiva linear e unidirecional, a qual obscurece nossos olhos míopes para os grandes problemas enfrentados pela humanidade contemporânea. Talvez, os jogos representem como poucas atividades um instrumento que pode ser considerado verdadeiramente um caleidoscópio educacional e da própria formação social e humana.

Referências bibliográficas

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