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Lazer e mobilidade urbana. As dificuldades
de pedalar em Salvador

Recreación y movilidad urbana. Las dificultades de pedalear en el medio urbano en la ciudad de Salvador

 

Graduado em Educação Física pela Faculdade Social

Membro do Grupo de Pesquisa Arte do Corpo: Memória, Imagem e Imaginário

da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)

Flávio Cardoso dos Santos Junior

flaviao@oi.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A presente produção originou-se a partir da dificuldade encontrada em se locomover sob duas rodas –mais precisamente pedalando bicicletas– na cidade de Salvador, Capital do Estado da Bahia – Brasil. Neste artigo teremos como foco de discussão o uso da bicicleta como equipamento de lazer e transporte. Para tentar desvendar tal problemática investigamos inicialmente um pouco da história do ato de pedalar e como este se dá na cidade em tela. Em seguida discutimos mobilidade urbana e lazer, para tal apelamos ao consagrado Santos (1988), bem como à Marcellino (2006), Camargo (1989) entre outros teóricos, também renomados. Trata-se, então, de uma pesquisa etnográfica onde, além da literatura consultada, foi aplicado um questionário no campo empírico e realizada uma entrevista semi-estruturada em um órgão público fomentador do lazer local. Ao final do texto nos despedimos fazendo uma breve análise dos dados colhidos em campo e dando pistas para as causas do problema de pesquisa, bem como fazemos uma julgamento no sentido de apontar prováveis soluções ao Poder Público no sentido de resolver esta importante demanda urbana, como incentivar o ato de pedalar, pois o mesmo pode agregar à cidade inúmeros benefícios como a diminuição de poluentes, a promoção de saúde e a democratização do lazer.

          Unitermos: Lazer. Mobilidade. Bicicleta. Urbano. Soteropolitano.

 

Resumen

          Esta producción se originó en la dificultad de desplazarse sobre dos ruedas -precisamente andar en bicicleta- en la ciudad de Salvador, capital del Estado de Bahía, Brasil. En este artículo nos centraremos en la discusión sobre el uso de la bicicleta como recreación y medio de transporte. Para tratar de resolver este problema inicialmente investigamos algo de la historia del pedaleo y como esto se lleva a cabo en el escenario de la ciudad. Luego hablamos de la movilidad urbana y el ocio. Para refererirse a estos tomamos a Santos (1988), así como Marcelino (2006), Campbell (1989), entre otros teóricos. Este es, pues, un estudio etnográfico en el que, además de la literatura, se aplicó un cuestionario en el campo empírico y se realizó una entrevista semi-estructurada en un lugar público de instructores de ocio. Al final del texto nos despedimos con un breve análisis de los datos recogidos en el campo y se ofrecen pistas sobre las causas del problema de investigación y un juicio para señalar posibles soluciones para que el Gobierno resuelva esta demanda urbana tan importante, ya que fomentar el acto de pedalear, puede agregar a la ciudad numerosos beneficios, tales como la reducción de contaminantes, promoción de la salud y la democratización del ocio.

          Palabras clave: Ocio y tiempo libre. Movilidad urbana. Bicicleta. Ciudad de Salvador.

 

Abstract

          This production originated from the difficulty of getting around on two wheels - riding bikes more precisely - in the city of Salvador, capital of Bahia State - Brazil. In this article we will focus on discussion of the use of bicycles as recreation and transportation equipment. To try to solve this problem initially investigated a little history of Pedaling and how this takes place in the city screen. Then we discuss urban mobility and leisure, to appeal to such devoted Santos (1988), as well as Marcellino (2006), Campbell (1989) among other theorists, also renowned. This, then, an ethnographic study where, in addition to the literature, a questionnaire was applied in the empirical field and performed a semi-structured interview in a public place of leisure developers.
          At the end of the text we parted with a brief analysis of the data collected in the field and offering clues to the causes of the research problem and do a trial to point out possible solutions to the Government to resolve this important urban demand, as encourage the act of pedaling, because it can add to the city numerous benefits such as reduction of pollutants, health promotion and democratization of leisure.

          Keywords: Leisure. Mobility. Bicycle. Urban. Salvador.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 152, Enero de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Escrever este esboço surgiu da inquietação de um cidadão que desde criança sempre gostou de andar de bicicleta. Na insistência de querer ir trabalhar pedalando este se deparou com as dificuldades de fazê-lo. Ao se debruçar com os estudos acerca do lazer e suas políticas sentiu necessidade em contribuir para com uma melhor mobilidade na cidade, bem como no uso da bicicleta como equipamento de lazer. Neste sentido este artigo pode servir de ponte para uma melhor reflexão perante o Estado acerca da problemática em questão.

    Ao pedalar na história descobrimos que o achado da bicicleta como meio de transporte é uma incógnita, pois vários autores divergem quanto ao seu surgimento. Uns crêem que foi o conde francês Mede de Sivrac quem a inventou, em contrapartida, outros dizem que a sua criação veio depois. Porém, existem registros que os antigos egípcios já conheciam o artefato, ou tinha um objeto muito parecido com o que é a nossa bicicleta hoje, assim como Da Vinci em seus apontamentos teria um protótipo muito semelhante também.

    No Brasil ela chegou ao final do século XIX, coincidentemente no período da chamada Revolução Industrial, no auge do processo de urbanização das cidades brasileiras (em virtude da troca de modelo econômico agrário para o industrial). Tal processo trouxe suas consequências: exclusão social, marginalização, violência e etc. (CASTELLANI FILHO, 2006).

    Porém, esta se popularizou facilmente, aqui no país. Nosso ensaio pretende tratar do seu uso na perspectiva tanto do lazer, como instrumento de locomoção urbana. Assim nos propormos a seguir as seguintes questões norteadoras:

  • Quais as vantagens em se usar tal artifício tanto no lazer como no deslocamento para o trabalho?

  • Quais as demandas públicas que incentivam o seu uso?

  • Quais as dificuldades dos seus usuários na capital baiana?

  • Quais os anseios da população que faz seu uso?

Metodologia

    Minayo (1994, p. 42) nos ensina que a metodologia deve ser mais que “uma descrição formal dos métodos e técnicas a serem utilizados...”

    Para tal, o atual estudo foi desenvolvido a partir de uma pesquisa com base na abordagem etnográfica que é um ramo da Antropologia Social que cuida de estudar um sujeito ou uma população de uma forma direta, inserindo-se o pesquisador em sua realidade. Conhecida também como pesquisa social, observação participante, pesquisa interpretativa, pesquisa analítica, pesquisa hermenêutica, segundo Lakatos e Marconi (2002, p.21) estas são necessárias quando se visa: “[...] melhorar a compreensão de ordem, de grupos, de instituições sociais e éticas”.

    Assim o trabalho, que ora se apresenta teve como orientação a aplicação de um questionário, que foi respondido no campo empírico, mais precisamente no Parque Metropolitano do Dique do Tororó, cidade de Salvador, Estado da Bahia – Brasil (no período dos meses de novembro e dezembro de 2010), constando de sete perguntas, onde trinta pessoas que estavam pedalando responderam ao mesmo. O instrumento de coleta de dados se justifica na tentativa de analisar, identificar e discutir questões relacionadas às políticas públicas de lazer e mobilidade urbana inerentes à cidade de Salvador. Segue o questionário aplicado abaixo:

a) Você usa sua bicicleta para:

( ) Lazer

( ) Trabalho

( ) *Outros

*Qual (is)?____________________________________________________________________

b) Quantas vezes na semana você usa sua bicicleta?

( ) Uma ( ) Duas ou mais ( ) Raramente ( ) Todos os dias

c) Para você, qual a maior dificuldade em se pedalar na cidade?

( ) O trafego intenso

( ) A falta de respeito dos motoristas

( ) A ausência de ciclovias e ciclofaixas

( ) A má sinalização das ruas

( ) *Outros

*Qual (is)?___________________________________________________________________

d) Qual o maior benefício em se usar a bicicleta como meio de transporte?

( ) Melhor mobilidade urbana (facilidade em se locomover)

( ) Promoção de saúde

( ) Ecologicamente correto (não polui o meio ambiente)

( ) Meio de transporte mais barato

( ) *Outros

*Qual (is)?___________________________________________________________________

e) Você se sente seguro em sair de casa pedalando?

( ) Sim

( ) Não

f) Qual a principal área da cidade mais bem preparada para se pedalar?

( ) Cajazeiras

( ) A Cidade Alta

( ) A Cidade Baixa

( ) O subúrbio Ferroviário

( ) A Orla Marítima

( ) *Outros

*Qual (is)?___________________________________________________________________

g) Qual a sua maior reivindicação por parte da Prefeitura em relação ao uso de bicicletas em Salvador?

R=_________________________________________________________________________

    No sentido de ter dados mais concretos e reais (e assim poder avançar mais na discussão) fomos até a Coordenadoria de Esporte e Lazer da cidade (COEL), que é uma das ramificações da Secretaria de Cultura de Salvador-Bahia. Lá entrevistamos o Assessor Técnico que aqui trataremos pelas iniciais A.R. Servimo-nos de uma entrevista semi estruturada, a qual os seus frutos discutiremos ao longo do texto.

Ciclista ou bicicleteiro?

    Consultando Ferreira (1986) chegamos aos significados das palavras ciclismo, que é a arte de pedalar de bicicleta ou o esporte das corridas de bicicleta, e ciclista que consiste em ser a pessoa que pratica o ciclismo. Logo bicicleteiro seria aquele que pedala de forma amadora, descompromissada, o não atleta.

    Em campo, descobrimos que Salvador possui vários grupos de pedalada. Cada bairro tem uma ou mais confrarias, que se reúne em horários e locais distintos, porém no primeiro domingo de cada mês todos se encontram no Dique do Tororó, um parque metropolitano da cidade, e formam um grupo chamado ASBEB (Associação dos Bicicleteiros do Estado da Bahia).

    História da ASBEB: O passeio foi criado em 2002 por um grupo de donos de lojas de bicicletas e representantes comerciais de peças, com o intento de originar uma confraternização entre os indivíduos que pedalam, é organizado pelos seus idealizadores (que se reúnem quinzenalmente para planejar ações de cunho social, de lazer e conscientização ambiental). Eles costumam fazer um percurso de mais ou menos 15 km que percorre diversas áreas da cidade, o ritmo é leve, em virtude de seu público ser bastante heterogêneo (crianças, adultos, idosos).

    No passeio encontramos um público bastante heterogêneo (socialmente, etariamente, economicamente...). Existem bicicletas de todos os modelos e marcas, bem como o desígnio de seus proprietários. Uns as usa somente nos fins de semana, outros a tem como meio de locomoção e trabalho, assim nos diferentes objetivos há um congraçamento e nesse encontro as diversas “tribos” passeiam nas manhãs de domingo.

    Porém neste dia o seu percurso é balizado, pois a ASBEB conta com a parceria da TRANSALVADOR, que é uma empresa da Prefeitura que cuida do trafego urbano da cidade. Acabando o passeio voltam as dificuldades em se pedalar na cidade, que a seguir apontaremos a partir do material colhido em campo.

Regras relativas ao pedalar na cidade

    O código Nacional de transito (CNT) preconiza:

    Art. 21 que compete aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

(...)

    II - Planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;

    Parágrafo único. Durante a manobra de mudança de direção, o condutor deverá ceder passagem aos pedestres e ciclistas, aos veículos que transitem em sentido contrário pela pista da via da qual vai sair, respeitadas as normas de preferência de passagem.

(...)

    Art. 58. Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclo faixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores.

    Parágrafo único. A autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via poderá autorizar a circulação de bicicletas no sentido contrário ao fluxo dos veículos automotores, desde que dotado o trecho com ciclo faixa.

(...)

    Art. 59. Desde que autorizado e devidamente sinalizado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via, será permitida a circulação de bicicletas nos passeios.

    1.º O ciclista desmontado empurrando a bicicleta equipara-se ao pedestre em direitos e deveres.

    Assim compreendemos que a Lei ampara os que pedalam, porém ao ir às ruas nos deparamos com uma realidade diferente, como por exemplo, na distância que um carro tem de passar ao lado de uma bicicleta, que é de 1,5m, o não cumprimento deste procedimento gera uma multa de R$ 85,00 ao infrator, porém poucos casos no Brasil existem do registro desta infração. Assim a opção dos amantes do pedal e dos atletas de triátlon, por exemplo, é pedalar noturnamente, pois a cidade está bem mais vazia.

    Em contrapartida, o mesmo Código Nacional de Trânsito em seu artigo VIII prevê que para se pedalar nas vias públicas as bicicletas terão de ter campainha, sinalização noturna (traseira, dianteira, lateral e nos pedais) e espelho retrovisor no lado esquerdo, bem como o é imprescindível o uso dos EPI (equipamentos de proteção individual) como capacete, luvas, calçado fechado e óculos. Raramente a lei é obedecida.

Mobilidade Urbana e Lazer

    Se locomover na cidade de Salvador não é nada fácil. A geografia local se apresenta como o primeiro problema, devido a uma falha tectônica a cidade é repartida em duas: “Cidade Alta” e “Cidade Baixa”, que são ligadas pelo Elevador Lacerda (um dos cartões postal soteropolitano), teleféricos e ladeiras.

    O fato de a cidade ter mais de mais de 460 anos e carregar traços da antiga arquitetura européia (ruas estreitas) também atrapalha muito o deslocamento das pessoas, além do acelerado desenvolvimento urbano da década de 1960, que gerou um grande problema, trazido à tona na tese de doutorado de Medeiros (2006): a capital da Bahia ocupa o terceiro pior índice de mobilidade urbana quando comparada com outras capitais brasileiras, ficando atrás de Florianópolis e Rio de Janeiro.

    Santos (1988, p.18) nos lembra que a nova dinâmica dos meios de transportes acabou gerando um aumento no chamado “movimento”, pois o: “[...] número de produtos, mercadorias e pessoas circulando cresce enormemente...”. A partir disso novos complicadores surgem como os congestionamentos (a frota de veículos aumenta desesperadamente e as vias não acompanham tal demanda gerando um verdadeiro caos urbano que compromete significativamente a mobilidade do cidadão), a poluição e destruição do meio ambiente entre outros.

    Voltando a questão do espaço urbano Milton nos revela que o território é: “[...] a cena do poder e o lugar de todas as relações, mas sem a população, ele se resume apenas a uma potencialidade, um dado estatístico...” (p.48). Assim existe uma inter-relação entre espaço e sociedade, onde o primeiro só ganha sentido em função do segundo, pois quem dá sentido ao território são as pessoas que nele habitam. O espaço deve ser um conjunto indivisível da sociedade, pois:

    De um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, seja a sociedade em movimento. O conteúdo (da sociedade) não é independente, da forma (os objetos geográficos), e cada forma encerra uma fração do conteúdo. O espaço, por conseguinte, é isto: um conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento As forma, pois têm um papel na realização social (p.10).

    Desse modo, entendemos que se faz necessário uma melhor intermediação, por parte de Estado, entre sociedade e território. O tempo “roubado” do trabalhador se conduzindo para o trabalho, e vice versa, poderia ser aproveitado para outras atividades que o realizasse, como o lazer, por exemplo. Este deslocamento além de ser um tempo desperdiçado é estressante e gera várias sequelas para a população e o planeta.

    Em compensação, voltando à perspectiva do lazer, podemos apelar a Camargo (1989) que diz que o mesmo é:

    [...] um conjunto de atividades gratuitas, prazerosas, voluntárias e liberatórias, centradas em interesses físicos, culturais, manuais, intelectuais, artísticos e associativos realizados num tempo livre roubado ou conquistados historicamente “... [...] que interferem no desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos... (p. 97).

    Deste modo, entendemos que o lazer tem uma ligação direta na formação humana, bem como na dinâmica social de um povo. Cabe lembrar que o mesmo é algo participativo, não um mero entretenimento nem mercadoria, ele deve ser democratizado e os espaços da cidade devem ser locais de integração, pois o lazer se constitui naquilo que o sujeito idealiza não no que é comumente ofertado. (MARCELLINO, 2006). Talvez seja esta idealização a maior explicação das pessoas usarem bicicletas em seu horário de ócio, mesmo sem ter condições apropriadas. Tal insistência não isenta o poder público em investir no setor.

Figura 1.a, b, c. Da esquerda para a direita: (a) Passeio dominical da ASBEB, (b) pedalada noturna

 do grupo Pedal Night e (c) Parque Metropolitano de Pituaçu. (Fonte: Santos Junior, 2009).

    Ampliado a discussão podemos lembrar que a capital baiana será uma das cidades sede da Copa do Mundo de 2014, o recebimento de um evento deste porte requer um enorme investimento por parte do poder público. Sem dúvida o mesmo trará alguns benefícios consigo, pois culturalmente o Brasil se “auto intitula” o país do futebol e para a sua população ser anfitriã de um mundial é sem dúvida uma grande alegria, além da visibilidade que o evento traz consigo há um aquecimento da economia local. Porém nos indagamos se a população foi consultada para tal, se fosse certamente concordaria, mas a falta da participação popular torna o evento quase que um “trampolim” político.

    Será que a população não teria outras demandas de lazer mais prioritárias? Certamente que sim, o professor da Universidade Estadual da Bahia Luiz Rocha (2003) nos adverte que a política pública de lazer:

    [...] requer a compreensão da dinâmica que envolve sua estrutura, e que estão expressas nas atitudes cotidianas dos atores políticos da cidade... Neste sentido o poder público – enquanto um dos principais atores políticos da cidade – poderia estar atento a esta realidade, analisando o contexto social e os princípios que devem nortear uma política pública... que atendam efetivamente às necessidades da comunidade local, independente das condições sócio-culturais e político-econômicas dos seus sujeitos (p.19).

    De tal modo, Rocha (2003) chama atenção para a carência real da população. Qualquer ato fora deste contexto corre o risco de ser o chamado “trampolim político”, ações cuja visibilidade dá bônus político para aquele que o fez.

    Portanto, mobilidade urbana e lazer transcendem a necessidade humana se constituindo num fator emancipador que sofre influências sócio-econômicas. Ou seja, cada camada da população tem acesso a um quinhão diferente, reflexo de uma sociedade excludente que insiste em dizer que é democrática.

Analisando os dados

    Ao aplicarmos os questionários chegamos aos seguintes resultados:

    Neste sentido, entendemos que há uma carência de ações públicas que incentivam o uso da bicicleta, pois uma grande parcela da população faz uso da bicicleta tanto como equipamento de lazer como de transporte, porém existe uma insegurança em se pedalar na cidade.

    A principal dificuldade em se locomover sob duas rodas na cidade é a ausência de ciclovias e ciclo faixas, sendo a construção destas o maior anseio dos pesquisados. Por curiosidade a melhor área (segundo os ouvintes da pesquisa) para pedalar na cidade é a Orla Marítima, ou seja uma porção mais abastada economicamente da urbe, onde se tem uma enorme visibilidade, pois a mesma possui praias e outros atrativos, além de servir de acesso ao Aeroporto Internacional.

    Voltando para a discussão acerca do lazer, pudemos encontrar na fala do funcionário público A.R, do órgão fomentador de esporte e lazer do município (COEL), um discurso que nos leva a entender que pouca coisa a prefeitura faz pela demanda do lazer na perspectiva popular.

    Questionado, por nós a respeito dos projetos e programas de esporte e lazer implementados em Salvador, ele nos disse que existe um antigo, uma ação focalizada, chamado “Ruas de Lazer”, que existe a pelo ao menos 10 anos e tem dois formatos: um fixo e um itinerante.

    O fixo é feito parceria com empresas privadas, que tem interesses em determinados locais. Ex: o farol da Barra é com o shopping Barra, mas o trabalho é todo orientado por nós. Na Praça da Piedade o Center Lapa faz o papel de parceiro. O itinerante, a gente realiza com a nossa equipe em bairros populares, circulamos todo fim de semana, sábados pela tarde a domingos pela manhã, vamos a bairros quase sempre distantes, bairros que tem pouco acesso a este tipo de trabalho e realizamos.

    Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010 a cidade possui mais de 2.670.000 habitantes. A atual gestão está em sua segunda edição e somente um projeto de lazer funciona (com auxílio da iniciativa privada) de forma precária e insuficiente “[...] alimentando uma rede assistencialista, onde o lazer é visto como favor concedido às pessoas e não um direito social (ROCHA, 2003 p.100).

    Ao se referir à política de esporte e lazer em Salvador A.R é taxativo, segundo ele a mesma funciona de forma muito precária, pois: “[...] Salvador é uma cidade muito pobre, e arrecada pouco, então a verba direcionada para COEL, hoje, é de dois milhões e novecentos mil reais. Praticamente pagam-se a folha de mais ou menos um milhão e novecentos mil reais para se poder trabalhar”.

    Deste modo, entendemos que há uma carência de projetos de lazer e entretenimento na cidade, bem como as demandas da população não são atendidas, pois segundo prefeitura existem na cidade apenas 38 espaços culturais para mais de 2.600.000 de habitantes. Uma cidade que tem uma área de 709,50 km2, sendo destes uma faixa de litoral de 69,5 km (segundo a Prefeitura Municipal de Salvador) é inadmissível tal carência.

    Todavia, traçamos ao longo deste estudo um diálogo seguro a respeito das dificuldades em se pedalar na cidade, seja na perspectiva do lazer ou simplesmente para se deslocar de um local para outro. Percebemos que na cidade pouco se investe em relação a esta prática, porém Salvador está prestes a inaugurar seu metrô, os números de seu custo aos cofres público são da ordem de quase meio bilhão de reais (segundo o Ministério das Cidades). Inicialmente ele correrá um trecho de 6 km e ligará a Estação da Lapa ao acesso Norte. Sua inauguração está mais que atrasada, pois sua obra se arrasta por mais de dez anos. Segundo o educador Silva (2010), professor da Universidade Estadual de Feira de Santana, em seu blog Esporte em rede:

    Esta pedra ultrapassa o fator mobilidade urbana. Ela é a materialidade da forma como as empresas agem em relação às obras públicas e como agem os políticos, que delas dependem para suas campanhas políticas. Notem que durante esse tempo em que estamos esperando o metrô, até onde vai a minha memória, dois grandes shoppings já foram construídos e outros foram reformados, construindo-se um shopping dentro de outro shopping.

    Fica então o questionamento: quantas ciclovias e ciclo faixas se construiriam de posse desse erário? A sua construção foi fruto de uma gestão democrática que contou com a participação popular? Decisões de interesse público devem ter como objetivo atender as demandas da população.

    Permanece evidente que na cidade o lazer está a serviço da lógica do capital. Nossa pesquisa denuncia que a cidade oferta pouquíssimas opções de lazer popular. Em duas gestões a Prefeitura só oferece dois programas de lazer. A indústria do entretenimento é a mais beneficiada com isso, pois será que ao se incentivar práticas corporais ao ar livre não se esvaziaria os espaços de lazer fechados como os Shoppings Center?

Considerações finais

    Entendemos, através de nossa produção, que é preciso mudar a concepção de Política Pública, pois esta tem de ter uma interlocução com a população e deve ser continua. O povo deve ser consultado quanto as suas necessidades. Para Castellani (2006) há uma falta desta participação, bem como planejamento nas cidades. Para o autor há uma má distribuição (uma concepção equivocada de lazer) e um crescimento populacional acelerado, assim como as políticas de lazer têm que ser inclusivas e democráticas.

    Do mesmo modo, nosso estudo pôde perceber que as vantagens em se usar a bicicleta tanto no lazer como para trabalhar é o fato desta se tratar de um equipamento, relativamente acessível e barato, saudável e de fácil manutenção. Além de ser constituir num hábito bastante prazeroso para aquele que a usa, pois há a liberação de alguns hormônios em decorrência da atividade física (como o cortisol e a endorfina), é uma atividade de baixo impacto (preserva as articulações) e culturalmente se tornou um costume que une e socializa as pessoas.

    A sociedade precisa dialogar com o governo no sentido de fazer valer o direito ao lazer e a mobilidade urbana. As políticas públicas devem ser discutidas nos dois sentidos, de cima para baixo e vice e versa para fazer valer as demandas da sociedade, democratizando assim a participação da comunidade civil nas elaborações de projetos públicos dos diversos setores.

    Pedalar além de ser um costume ecologicamente correto, é um fator promotor de saúde, que eleva a auto-estima das pessoas e as afasta de hábitos nocivos (etilismo, tabagismo...). Incentivar seu uso seria descongestionar o trânsito, diminuir as filas dos hospitais, gerar qualidade de vida e socialização entre os indivíduos da pólis.

    Neste sentido se faz necessário educar ciclistas, motociclistas, motoristas, ao invés de simplesmente alimentar a cruel “indústria da multa”. Investir na promoção e prevenção, a taxação é necessária, porém não é a única forma de educar. Só serve para a manutenção de um Status quo.

    A grande problemática se diz no sentido de que a construção de ciclovias e ciclo faixas dão menos visibilidade que a edificação de viadutos e implantação de metrôs. Certamente fica a reflexão no sentido de se equacionar a questão e assim a população ter assegurado os direitos garantidos na Constituição Brasileira: “Lazer” e “ir e vir”.

Referências

  • Esporte em Rede. A Copa do Metrô. Disponível em: http://esportemrede.blogspot.com. Acessado em 06/11/2010, às 18:53h.

  • ASBEB, disponível em: http://www.amigosdebike.com.br. Acessado em 05/10/2010, às 19:44h.

  • CASTELLANI FILHO , Lino. Gestão Municipal e Politica de Lazer. In: “Sobre Lazer e Política: Maneira de ver, maneira de fazer”. LINHARES, Meily Assbú; e ISAYAMA, Helder (orgs). Belo Horizonte, UFMG, 2006, p. 119 – 135.

  • CAMARGO, Luiz Otávio de Lima. O que é Lazer. São Paulo. Brasiliense, 1989.

  • Código Nacional de Trânsito (CNT), Disponível em: http://www.denatran.gov.br. Acessado em 10/12/20010

  • FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: O dicionário da língua portuguesa. 3º ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: http://www.ibge.gov.br. Acessado em 18/10/2010, às 14:20h.

  • LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Técnicas de pesquisa: Planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

  • MARCELLINO, Nelson C. O lazer e os espaços na cidade. [IN]: ISAYAMA, Hélder; LINHARES, Meily A. (orgs.). Sobre lazer e política: maneiras de ver, maneiras de fazer. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006, p. 65 a 93.

  • MEDEIROS, Valério Augusto Soares de. Urbe Brasiliae ou Sobre Cidades do Brasil: Inserindo assentamentos Urbanos do País em Investigações Configuracionais Comparativas. Tese de doutoramento – Universidade de Brasília (UNB) – 2006.

  • MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994.

  • Ministério das Cidades. Disponível em: http://www.cidades.gov.br. Acessado em 15/10/2010, às 14:00h.

  • Prefeitura Municipal de Salvador, Disponível em: http://www.salvador.ba.gov.br. Acessado em 18/10/2010, às 11:00h.

  • ROCHA, Luz Carlos. Políticas Públicas no Subúrbio Ferroviário: (in)visibilidade na dinâmica da cidade do Salvador. Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual da Bahia – 2003.

  • SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. In Metamorfoses do espaço habitado: Fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. Hucitec. São Paulo 1988.

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