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Miostatina: da terapia gênica ao dóping genético

La miostatina: de la terapia génica al doping genético

 

*Educador Físico. Faculdade de Educação Física

**Fisiologista. Prof. Drª Centro de Pesquisa

Centro Universitário Metodista do IPA

(Brasil)

Eduardo Cunha Kramm*

Maristela Padilha de Souza Rabbo**

maristela.padilha@metodistadosul.edu.br

 

 

 

 

Resumo

          A terapia gênica se apresenta como uma ferramenta extremamente promissora no desenvolvimento de terapias tanto para prevenção quanto para o tratamento de várias doenças crônico degenerativas. Infelizmente, observa-se que ao mesmo tempo em que a ciência médica e a indústria farmacêutica evoluem exponencialmente na busca de novas drogas para o tratamento destas doenças, concomitantemente também evoluem na mesma proporção, os estudos que envolvem a aplicabilidade destas terapias para melhora da performance no esporte. Neste sentido, o objetivo deste estudo foi de apresentar informações a respeito da terapia gênica com a manipulação do gene GDF-8 (Miostatina) em um contexto mais básico e com uma linguagem acessível para acadêmicos da área da saúde. Através de uma revisão bibliográfica em banco de dados de periódicos científicos, pode-se observar que, em função de sua capacidade de modular o crescimento da musculatura esquelética, a utilização de técnicas que envolvam a modulação da atividade da miostatina trazem uma perspectiva ímpar para o tratamento de distúrbios tanto relacionado à diminuição da composição corporal quanto de ordem motora. Destaca-se também que as mesmas descobertas feitas para a melhoria de qualidade de vida da população em geral, também são as mesmas com potencial uso por atletas dos mais diversos segmentos do esporte no âmbito do alto rendimento. Apesar de ser foco de um número expressivo e crescente de pesquisas, ainda existe controvérsia quanto à aplicabilidade e segurança de utilização de protocolos que envolvam a manipulação da miostatina em humanos.

          Unitermos: Terapia gênica. Doping genético. Miostatina. Performance.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 150, Noviembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Segundo a Organização Mundial de Saúde entende-se por "boa qualidade de vida" a condição das pessoas não se sentirem limitadas para tarefas que desejam realizar por falta de condicionamento físico, as chamadas Atividades da Vida Diária (Avd’s). Neste sentido, considerando os esforços mais comuns na vida diária e no trabalho braçal, a diminuição da força e flexibilidade são alguns dos fatores mais prejudiciais para a qualidade de vida (GONÇALVES, 2007; OMS, 2008). Indivíduos bem condicionados fisicamente utilizam menor percentual de capacidade contrátil muscular do que pessoas debilitadas para as mesmas tarefas. Aumentando a capacidade de recrutamento de unidades motoras (força muscular), consegue-se possivelmente diminuir a intensidade dos esforços em geral. (FLECK & KRAEMER, 2006).

    As Doenças Crônico-Degenerativas são as principais responsáveis pela morbidade e mortalidade da população mundial, possuem etiologia multifatorial, sendo também referidas como Doenças da Civilização (Martins, 1996). O aparecimento de um conjunto destas doenças de etiologia não especifica, deve-se principalmente aos hábitos de vida, que podem estar relacionados a alterações nos hábitos sociais, alimentares, níveis de estresse, tabagismo e sedentarismo dentre outros. (PITANGA & LESSA 2005). Algumas doenças crônico-degenerativas fazem parte de um seleto grupo, cujo qual, é alvo de uma série de pesquisas que envolvem a Terapia Gênica ou Geneterapia. Entretanto, sua aplicabilidade apresenta controvérsias no meio científico. Apesar disso, a perspectiva da utilização da terapia gênica é promissora no tratamento de algumas destas doenças degenerativas (Dalcin et al., 2008; Puñales et al., 2004; Araújo, et al., 2005). Na tentativa de buscar curar e/ou amenizar tais doenças, tem sido utilizados métodos de Terapia Gênica (inserção de genes nas células e tecidos de um indivíduo para o tratamento de uma doença; em especial, doenças hereditárias). A terapia gênica tem o potencial de recuperar tecidos de baixa capacidade regenerativa, tais como: tendões, cartilagens e músculos estriados esqueléticos. Neste sentido, pode otimizar a recuperação de rompimentos de ligamentos e meniscos além de processos que envolvam a calcificação óssea tardia, isto, através da inserção de fatores de crescimento (como o IGF-1, BFGF, NGF, PDGF, EGF, TGF-alpha, TGF-beta, e BMP-2), para estimular a cicatrização (RAMIREZ 2005 b).

    Apesar do pouco sucesso documentado, e algumas intercorrências, a Terapia Gênica tem se revelado como uma crescente influência no paradigma clínico para o tratamento de doenças herdadas e não herdadas que podem, inclusive, colaborar para o avanço científico, logo, também na medicina esportiva (principalmente relacionadas às melhorias do desempenho no esporte de alto rendimento). Entrando em um contexto esportivo, estas descobertas cientificas tem sido utilizadas também como um recurso ergogênico farmacológico por parte de atletas de diversos segmentos esportivos, sendo caracterizado como doping genético. Segundo a World Anti-Doping Agency (WADA), doping genético é o uso não terapêutico de células, genes e elementos gênicos, ou a modulação da expressão gênica, que tenham a capacidade de aumentar o desempenho esportivo. (WADA - 2005)

    Através do estudo dos fatores de crescimento citados anteriormente, chegou-se à descoberta de uma proteína denominada Miostatina, esta, faz parte da superfamília do fator de crescimento transformante beta (TGF-beta), o qual, compreende um grande número de fatores de crescimento e diferenciação, fundamentais na regulação do desenvolvimento embrionário e manutenção da homeostase tecidual. Neste contexto, pesquisas vêm sendo realizadas tanto em modelos animais adultos quanto em desenvolvimento (McPherron & Lee, 2002). Estas pesquisas demonstram que o bloqueio da expressão gênica da miostatina oferece uma boa estratégia para o tratamento de doenças associadas à perda do tecido músculo-esquelético como, por exemplo, a Distrofia Muscular de Duchenne, HIV e Câncer. (SALEHIAN & KEJRIWAL, 1999; Taylor, et al., 2001; McPherron & Lee, 1997).

    Em função da importância desta temática para o desenvolvimento de tratamentos de reabilitação que melhorem a qualidade de vida da população, este trabalho tem por objetivo apresentar através de uma revisão bibliográfica, informações a respeito dos processos que envolvem a terapia gênica com a manipulação do gene GDF-8 (Miostatina) em um contexto mais básico e com uma linguagem acessível para acadêmicos da área da saúde.

Terapia Gênica (Geneterapia)

    A Terapia gênica é um procedimento clínico/científico que envolve a inserção de genes funcionais em células (somáticas e germinativas) que possuem genes defeituosos com o objetivo de substituir ou complementar esses genes causadores de doenças, em especial as Crônico-Degenerativas. (NARDI et. al, 2005). Os objetivos desta técnica envolvem principalmente a inserção de genes responsáveis por proteínas que poderiam modular as manifestações causadas por mutações gênicas onde, por exemplo, a introdução de um gene normal poderia amenizar ou até mesmo reverter o quadro clínico atual em que se encontra o paciente; sem mencionar que em uma ampla gama de outros tipos de doenças, células geneticamente modificadas poderiam ativar mecanismos de defesa naturais do organismo (como o sistema imune) ou produzir novas moléculas de interesse clínico-terapêutico. Em geral estes procedimentos envolvem a introdução de um gene de interesse conhecido como transgene, o qual é transportado por um vetor. Este estará contido em uma molécula de DNA (ácido-nucleico que contém informações genéticas que especificam o desenvolvimento biológico de todos os tipos de organismos celulares e a maior parte dos vírus encontrados, geralmente na forma de dupla-hélice) ou RNA (responsável pela síntese de proteínas da célula) que carrega ainda outros elementos genéticos muito importantes para a sua manutenção e expressão. Existem algumas formas variadas de transferência deste vetor contendo o gene, sendo importante definir no tratamento se é mais apropriado inserir o gene diretamente no organismo (in vivo) ou se células serão retiradas do indivíduo, modificadas terapeuticamente e depois novamente reintroduzidas neste indivíduo (ex vivo) (CLOTET, 1997; Menck & Ventura, 2007; Nardi et al., 2002).

Principais vetores de transferência gênica

    Algumas das formas de transferência utilizam vírus, sendo os principais conhecidos como: adenovírus, retrovírus e vírus adeno-associados. Ainda existem outros vetores como o DNA Plasmidial Complexado e Mitocôndrias e DNA Mitocondrial. Dentre os citados, destacam-se os retrovírus os quais são responsáveis pelo processo de formar DNA a partir de RNA viral também denominada retrotranscrição, este processo se da através da enzima transcriptase reversa. Também chamados de RNAvírus, formam a família dos Retroviridae (Vírus de RNA que se caracteriza por ter um genoma constituído por RNA simples e não possuírem DNA). Um exemplo comum de retrovírus é o vírus da imunodeficiência humana (HIV) (MENCK & VENTURA, 2007; Tenório et al., 2008).

    Interessantemente, as mitocôndrias e o DNA mitocondrial também podem ser utilizados como vetores, sendo a única organela que possui seu próprio DNA (mtDNA). As mitocôndrias se assemelham aos lipossomos também utilizados em transferência gênica, sendo estes constituídos por membranas lipídicas que envolvem as moléculas de DNA. As mitocôndrias poderiam ser utilizadas como vetores de transferência gênica uma vez que podem ser purificadas através de um método chamado ultracentrifugação de homogenados celulares. As mitocôndrias isoladas do sangue de doadores podem ser fundidas a células receptoras, gerando cíbridos (híbridos de citoplasma) viáveis. O uso de mitocôndrias ou do mtDNA como vetores gênicos pode ter aplicação potencial na reposição do mtDNA em células, cujo qual, possuam deficiências no metabolismo energético da fosforilação oxidativa causadas por mutações gênicas. Estas mutações no mtDNA podem estar ligadas a um grande número de síndromes degenerativas neuromusculares hereditárias. Além disso, mutações no mtDNA ocorrem em células da linhagem somática e podem se acumular durante o processo de envelhecimento e em condições de stress oxidativo, o que pode explicar boa parte dos fenótipos característicos da idade avançada, como perda da força muscular associado a sarcopenia, doença de Alzheimer, doença de Parkinson etc. (Cooper et al., 1992; Pena et al., 2000; et al., Silva & NARDI 2000).

    Amplamente estudada e envolvendo muita polêmica, é a utilização de células tronco neste processo. A célula-tronco caracteriza-se por ser uma célula indiferenciada, ou seja, capaz de se proliferar e de se auto-regenerar. São células que possuem uma capacidade extraordinária de se diferenciar, originando outras células diferenciadas com capacidade funcional normal. A célula-tronco pode seguir dois modelos considerados básicos de divisão celular com o objetivo de realizar a dupla tarefa de se auto-regenerar e ao mesmo tempo produzir estas células diferenciadas. Primeiro o determinístico, onde a divisão de uma célula-tronco gera invariavelmente uma nova célula-tronco e uma célula que irá se diferenciar. O segundo modelo, onde algumas células-tronco geram apenas novas células-tronco ao se dividirem, enquanto outras geram apenas células com potencial para sofrer diferenciação, este processo é chamado de aleatório ou estocástico (MORALES, 2007; SCHWINDT et al., 2005).

    A questão primordial da terapia gênica seria a escolha de um vetor adequado aplicado a cada situação, ou seja, o vetor ideal seria aquele que pudesse comportar um tamanho ilimitado de DNA introduzido, que estivesse disponível em uma forma concentrada e pudesse ser facilmente produzido. Que este vetor pudesse ser direcionado para grupos e tipos específicos de células e ao mesmo tempo não permitisse replicação autônoma do DNA e este não fosse tóxico e imunogênico, garantindo assim uma expressão gênica a longo prazo. Obviamente este vetor para transferência gênica in vivo ainda não existe e nenhum dos sistemas de entrega de DNA é perfeito no que diz respeito a qualquer um destes pontos citados anteriormente. Além disso, o conhecimento médico-científico do controle transcricional é incompleto.

    Com relação ao contexto esportivo, a terapia gênica poderia, portanto, ter uma aplicação expressiva, permitindo, entre outras, a reconstituição de tecidos lesionados (tendões, cartilagens, ligamentos e músculos estriados esqueléticos) (NARDI et al.,, 2005). Um dos principais fatores de abandono precoce da carreira esportiva ou de afastamento prolongado de treinos e de competições, e de queda no rendimento do atleta são as lesões decorrentes desta prática podendo até mesmo acarretar em limitações funcionais em idades mais avançadas (ARTIOLI et al., 2007). Especificamente para o esporte, a terapia gênica pode oferecer um caminho promissor e vantajoso na recuperação de tecidos de baixa capacidade regenerativa tais como os citados anteriormente, pela inserção de fatores do crescimento (IGF-1, bFGF, NGF, PDGF, EGF, TGF-alpha, TGF-beta, BMP-2) para estimular a cicatrização (Martinek et al., 2000, Huard et al., 2003). Entretanto este tipo de tratamento pode ter um risco potencial, quando associado a um uso indevido por atletas de alto rendimento que procuram melhorar sua performance. Este uso indevido caracteriza-se como doping genético, que tem provocado um grande debate científico-acadêmico, cuja importância vem crescendo no que se remete ao estudo da medicina esportiva e ciências do esporte. No âmbito desportivo, a ciência busca otimizar a performance e dentro deste contexto, se destacam os estudos relacionados à modulação da proteína miostatina, denominada de GDF-8 (fator de diferenciação e crescimento 8). Esta proteína quando bloqueada pode catalisar processos de hipertrofia no tecido músculo-esquelético. Entretanto, são grandes as evidências e possibilidades de que sua manipulação possa estar sendo direcionada diretamente para o aumento da performance de atletas (ARTIOLI et al., 2007; RAMIREZ, 2005 a).

Miostatina (GDF-8)

    Durante o desenvolvimento dos mamíferos as células musculares esqueléticas, surgem a partir de precursores mesenquimais pluripotenciais (espécie de células tronco semelhantes a um fibroblasto) que se comprometem com a linhagem miogênica, e esta se dá através da expressão dos fatores de transcrição básicos myoD e myf5, (Fatores de Regulação Miogênica, MRFs). Em resposta aos sinais de diferenciação, a miogenina (gene, membro da família myoD) e o fator regulatório muscular (também pertencentes à família bHLH, ou hélice-alça-hélice) executam um sistema de diferenciação que leva à expressão de proteínas específicas do tecido muscular e à fusão dos miócitos (células contráteis maduras que formam um dos três tipos de músculo) em miotubos multinucleados (componente da fibra muscular e da lâmina basal) (KARP, 2005). Durante esse processo, mais células têm de ser constantemente geradas para manter o mesmo ritmo de acordo com o crescimento embrionário, a fim de que o crescimento muscular resulte de um equilíbrio entre a proliferação das células precursoras e a sua subseqüente diferenciação em fibras musculares. Esse processo é regulado in vivo através de mecanismos que envolvem interações entre célula-célula e célula-matriz, assim como fatores extracelulares secretados. Entre os últimos, diversos membros dos fatores de transformação do crescimento, TGF-β (superfamília de fatores de crescimento e transformação que mostraram-se potentes reguladores do crescimento muscular) (McPherron et al., 1997). A regulação da embriogênese e a manutenção da homeostase tecidual em animais adultos e em desenvolvimento compreendem um grande número de fatores de crescimento e diferenciação. O GDF-8 é um gene desta superfamília sendo responsável pela codificação de uma proteína que controla negativamente (promoção do catabolismo) a manutenção da massa muscular esquelética, denominada Miostatina. (OMIM, 2009; MCPHERRON et al. 1997).

    A miostatina é transcrita no músculo estriado esquelético como um RNA mensageiro de 3.1kd, este codifica uma proteína precursora contendo 335 aminoácidos, esta proteína precursora é expressada e secretada no plasma, podendo ser detectada nas fibras musculares esqueléticas do tipo I, IIa e IIb. A expressão da miostatina parece não modificar conforme a idade. (Gonzalez-Cadavid et al., 1998, COSTA, 2002; McPherron et al.,1997).

    O papel de inibidor do crescimento muscular exercido pela Miostatina foi comprovado somente no final da década de 90 segundo quando foi demonstrado que mutações no gene que codifica esta proteína eram capazes de promover um ganho extraordinário de massa muscular em bovinos, e também observado em cães da raça Whippet (SUTTER et al., 2007; SHELTON & ENGVALL, 2007). Além destes fenótipos (características observáveis de um organismo) relacionados à mutação no gene da Miostatina observados em animais, Schuelke (2004) descreveu o primeiro caso de mutação em seres humanos. Diversos estudos mostram que a expressão da Miostatina é regulada em situações, nas quais, são evidenciadas alterações na massa muscular (LEE et al., 2004; PATEL & AMTHOR, 2005). Sabe-se que doenças como o câncer e da Síndrome da Imundo Deficiência Adquirida promovem intenso catabolismo e estão positivamente relacionadas ao aumento na expressão sistêmica excessiva de miostatina (GONZALEZ-CADAVID et al., 1998; ZIMMERS et al., 2002).

    As linhagens de camundongos com distrofia muscular possuem um mecanismo de retroalimentação negativa (reversão de resposta ao estímulo original) para a expressão do gene GDF-8 devido à relação entre regeneração tecidual e expressão protéica, com isso, Bogdanovich et al. (2002) testaram a inibição da miostatina in vivo em camundongos mdx9. Os resultados revelaram um aumento de peso, massa (secção transversal) e força muscular absoluta, com uma ligeira diminuição no processo degenerativo muscular e concentração sérica de creatina-quinase (isoenzima que possui sua atividade elevada geralmente após lesões celulares). Outros experimentos em camundongos realizados por Lin et al. (2002) e McPherron e Lee (2002) além de terem revelado aumento na massa muscular, demonstraram uma redução na produção e secreção do hormônio leptina (secretado pelo tecido adiposo) sugerindo que a miostatina pudesse estar envolvida tanto na regulação do tecido adiposo quanto na do tecido muscular estriado esquelético. Os autores também perceberam que a inibição da Miostatina poderia atenuar parcialmente a obesidade e o diabetes tipo II, sendo assim, os agentes farmacológicos que bloqueiam a função da miostatina poderiam ser úteis, não somente para promover o crescimento muscular (hipertrofia/anabolismo), mas também para desacelerar e/ou prevenir o desenvolvimento da obesidade e do diabetes tipo II.

    A expressão do gene GDF-8 é similar em tecidos musculares de indivíduos portadores de dois tipos de distrofia muscular (Duchenne e Becker) com diferentes graus de comprometimento clínico. Com os avanços no campo da terapia gênica Walter et al. (2000) desenvolveram uma perspectiva de mensurar a expressão da miostatina de forma não invasiva, enquanto Blankinship et al. (2004) enfatizaram a eficácia dos adenovírus como vetores mais apropriados para carregar o GDF-8. Curiosamente foram identificadas variações alélicas (seqüências de nucleotídeos que podem ser encontradas no mesmo loco cromossômico) em uma criança alemã com hipertrofia e força muscular incomuns, uma mutação que levou à síntese de proteínas, entretanto, não foram constatadas anormalidades em suas funções cardíacas, visto que, a inibição do gene GDF-8 também pode ocasionar hipertrofia no miocárdio (SCHUELKE et al., 2004).

    Em termos de aplicação clínica, muitos cientistas acreditam que a descoberta do bloqueio da miostatina pode levar ao desenvolvimento de uma droga para o tratamento de indivíduos com distrofias musculares e outras doenças crônico-degenerativas. Há um mercado em expansão com o potencial para obtenção de tais drogas, os cientistas de universidades e empresas farmacêuticas já estão tentando encontrar uma maneira de limitar a quantidade, a atividade e a expressão sistêmica da miostatina no organismo humano. Já estão em andamento pesquisas com seres humanos, sendo estes submetidos à utilização de um anticorpo geneticamente projetado para neutralizar a ação da miostatina, este anticorpo chama-se MYO-029 (KRIVICKAS et al., 2009). Segundo este mesmo autor, o anticorpo MYO-029 atua na proteína, e não no gene que produz a proteína, embora esse não seja exatamente um exemplo de terapia gênica a sua aplicação na corrente sanguínea poderia resultar em hipertrofia músculo-esquelética. O MYO-029 está em fase experimental em seres humanos, já em camundongos, por exemplo, o uso deste anticorpo parece ser eficaz. Embora os resultados não tenham sido excelentes em seres humanos portadores de doenças crônico-degenerativas musculares, o uso de fármacos semelhantes ao MYO-029 oferece uma certa esperança para o tratamento de distrofias musculares como de Duchenne, Becker, Miotônica e a Síndrome de Williams.

    Com relação ao seu mecanismo de ação, a miostatina exerce um papel fundamental na modulação do crescimento tecidual através de sua relação com as células satélites. As células musculares são cercadas por células satélites imaturas que se encontram em estado latente até que o músculo seja lesado perante um esforço, esta situação serve como estímulo, para que estas células-satélites sejam ativadas, se proliferem, se diferenciem e migrem para o músculo, otimizando a síntese protéica e promovendo, deste modo, o reparo tecidual. Sem a miostatina, a reconstituição do tecido músculo-esquelético através das células-satélite poderia se manifestar de uma forma tão ativa (como um mecanismo de retroalimentação positiva, por exemplo) que estas poderiam se esgotar no início de sua função. Sendo o MYO-029 ou outro anticorpo, os cientistas concordam que o doping genético é praticamente inevitável e que em breve será possível elaborar um mapa genético dos potenciais genes que controlam cada sistema fisiológico do organismo humano. (FRIEDMANN, 2005; KRIVICKAS, 2009).

Doping genético no esporte: a nova era

    Atualmente podemos observar uma grande incidência de casos de doping no esporte tanto entre atletas de alto rendimento como entre amadores. Entretanto, com o passar dos anos, poderemos perceber também uma rápida evolução no desenvolvimento de novas classes de doping, os quais ficam muito além da utilização de esteróides anabolizantes e estimulantes. Neste sentido destaca-se o doping genético, a manipulação de genes humanos e genes modificados em laboratório através de procedimentos clínicos.

    A WADA define doping como a utilização de recursos nutricionais (como a cafeína, por exemplo) e/ou farmacológicos (esteróides anabólicos androgênios, por exemplo) com caráter ergogênico, ou seja, com o objetivo primário de melhorar a performance de um indivíduo, seja este atleta profissional ou amador federado (WADA, 2005).

    A repercussão na mídia e no mundo cientifico da provável inclusão do doping genético em atletas de alto rendimento fez com que a WADA oficializasse em 2003, uma listagem de substâncias e manipulações proibidas de uso. O doping genético pode ser definido como a utilização/modulação da expressão gênica não terapêutica destes genes, sendo estes, manipulados em laboratório (sintéticos) ou retirados de atletas, modificados e reinseridos no próprio, ou seja, elementos genéticos e/ou células que têm a capacidade de melhorar e conseqüentemente aumentar a performance de um atleta que se submete a tal prática (RAMIREZ, 2007). Com certeza, além da ética esportiva, da preservação da saúde dos atletas e da própria igualdade de oportunidades, devemos considerar também os reflexos de ordem social que apresentam as condutas aditivas no mundo esportivo (RIBEIRO & PUGA, 2004). Segundo Friedmann (2005), o doping genético virá com certeza, mais cedo ou mais tarde, não há como evitar, sendo que a complexidade do doping genético exigirá muito tempo e recursos para combater o seu mau uso.

    Sobre novas perspectivas de combate ao doping, a WADA vem estudando ha cerca de uma década, métodos de combate ao doping genético. Um destes métodos foi a criação de uma identidade biológica do atleta, que tem por finalidade manter a entidade atualizada sobre possíveis modificações no DNA e qualquer outra estrutura fisiológica ou mecânica, as quais possuam mensuração através de exames antidoping que possam vir a ser modificadas através de geneterapia, esta identidade chama-se “Passaporte Biológico”. Obviamente o Passaporte Biológico consiste em uma estratégia inovadora no âmbito da luta contra o doping. A primeira etapa deste processo contra o doping genético (já concluída em 2009) consistiu na obtenção de uma linha de análises sanguíneas relativas ao perfil hematológico desenvolvida por laboratórios credenciados junto a WADA (WADA, 2005).

Conclusão

    A terapia gênica se apresenta como uma ferramenta extremamente promissora no desenvolvimento de terapias tanto para prevenção quanto para o tratamento de várias doenças crônico degenerativas. Neste sentido, em função de sua capacidade de modular o crescimento da musculatura esquelética, a utilização de técnicas que envolvam a modulação da atividade da miostatina trazem uma perspectiva ímpar para o tratamento de distúrbios tanto relacionado à diminuição da composição corporal quanto de ordem motora. Infelizmente, observamos que ao mesmo tempo em que a ciência médica e a industria farmacêutica evoluem exponencialmente na busca de novas drogas para o tratamento destas doenças, concomitantemente também evoluem na mesma proporção, os estudos que envolvem a aplicabilidade destas terapias para melhora da performance no esporte. Neste sentido, podemos observar que, as mesmas descobertas feitas para a melhoria de qualidade de vida da população em geral, também são as mesmas com potencial uso por atletas dos mais diversos segmentos do esporte no âmbito do alto rendimento. Apesar de ser foco de um número expressivo e crescente de pesquisas, ainda existe controvérsia quanto à aplicabilidade e segurança de utilização de protocolos que envolvam a manipulação da miostatina em humanos.

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