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A relação entre ciclismo, meio ambiente e mobilidade urbana

La relación entre el ciclismo, medio ambiente y movilidad urbana

 

*Mestrando em Educação Física e Cultura na

Universidade Gama Filho - Rio de Janeiro - Brasil (UGF/RJ)

Bolsista CNPq

**Mestrando em Educação Física e Cultura na

Universidade Gama Filho - Rio de Janeiro - Brasil (UGF/RJ)

– ***Doutora em Educação, Docente no PPGEF da UGF/RJ

****Doutora em Educação Física e Cultura

Docente Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Ulysses Vitorino dos Santos*

Eduardo Rodrigues da Silva**

Nilda Teves Ferreira***

Vera Lucia de Menezes Costa****

uvds@oi.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo pretende realizar uma reflexão sobre o ciclismo como opção de esporte, lazer e transporte urbano, focando sua relação com a crise ambiental e o discurso do desenvolvimento sustentável, bem como as questões relativas à crise de mobilidade urbana nas grandes cidades. Busca refletir sobre a inserção da bicicleta nesse cenário como opção de transporte ecologicamente correta, sustentável, contribuindo assim para a preservação do meio ambiente, para um acesso democrático ao espaço urbano e para a melhoria da qualidade de vida das pessoas.

          Unitermos: Ciclismo. Meio ambiente. Urbanismo.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 150, noviembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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1.     A crise ambiental

    Vivemos em uma época onde o meio ambiente começa apresentar sinais de desgaste. A tecnologização da sociedade trouxe diversos benefícios e comodidades ao homem, como o automóvel, o telefone celular e o controle remoto. Os avanços na medicina e a facilidade de acesso às informações, consequencia do advento da Internet, possibilitaram o aumento da expectativa de vida da população, ocasionando assim um crescimento populacional. A revolução industrial permitiu o aprimoramento na organização do capitalismo reforçando a visão Cartesiana de ser dono e senhor da natureza. A natureza como “objeto de conhecimento” que pudesse ser manipulada sem conseqüências nefastas. Com o passar do tempo (séc. XVIII aos dias de hoje), o modo de produção baseado na produção/ consumo levou esse homem a devastar florestas, poluir rios, desconsiderar as variáveis sociais e ambientais em nome o progresso. Desconsiderou, também que o esgotamento dos recursos naturais comprometeria sua qualidade de vida colocando sua errância nesse planeta em risco.

    O resultado que encontramos é a degradação dos ecossistemas, níveis de poluição atmosférica altíssimos e conseqüente alterações no clima, extinguindo espécies animais e vegetais. Todos esses fatores acabam por comprometer as condições de vida no planeta. Desastres ambientais se tornam cada vez mais frequentes, casas, bairros e cidades destruídas, milhares de pessoas mortas, outros milhares desabrigadas e doentes. Isto levou o homem a perceber que os recursos naturais não eram inesgotáveis e que a idéia de progresso infinito, que procura validar o modelo de desenvolvimento vigente já se torna centro de discussões internacionais. Uma avaliação crítica de nossa sociedade nos leva a crer que passamos por um processo de insustentabilidade, não só ambiental, mas, também, de nossos estilos de vida individual e social bem como de nossas relações com o mundo natural (Leis, 1999). Para este autor, a evidência dessa insustentabilidade está no caráter antropocêntrico da cultura ocidental que, através da instrumentalidade do conhecimento e da razão e de um individualismo (em massa) expresso no consumo e no império do mercado e das mercadorias, acaba por perpetuar a separação entre a sociedade e a natureza.

    A rigor, a problemática ambiental começa a ser levada a sério com a descoberta do buraco na camada de ozônio, na década de 1980. Percebeu-se que se o processo produtivo continuasse no ritmo que vinha, a destruição da vida terrestre era uma questão de tempo. Esses fatos levam o homem a refletir sobre suas ações na natureza repensando sua relação com a mesma. A comunidade internacional se mobilizou em busca de soluções para amenizar o impacto do desenvolvimento sem medidas no meio ambiente. “Nesse momento se apresenta o discurso do Desenvolvimento Sustentável”. (PINHEIRO, 2008). A partir daí, muitas pessoas começam a se organizar e surgem movimentos visando maior harmonia entre homem e natureza. Já em 1992 acontece a ECO-92 - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, com a participação de representantes de mais de 170 países e de toda a sociedade. Dessa conferência surgiu a Agenda 21, documento que visa harmonizar o desenvolvimento social com a preservação do meio ambiente - e em 1997 mais de 189 nações assinam o Protocolo de Kyoto, iniciativa internacional que visa conter a emissão de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2). Os países que aderiram ao protocolo se comprometeram a reduzir a emissão de gases poluentes na atmosfera.

    Entre as causas do aquecimento global, o automóvel pode se configurar em um dos principais agentes poluidores da atmosfera uma vez que a fonte de sua energia é a queima de combustíveis fósseis. De acordo com dados do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), 460.537 veículos foram fabricados e emplacados no Brasil de janeiro a março de 2009. Conseqüência da má qualidade dos transportes públicos, o aumento da frota de veículos no país também causa problemas no trânsito. Congestionamentos de grande extensão já se tornaram rotina em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, levando o Brasil a enfrentar uma crise de mobilidade urbana. Os deslocamentos feitos atualmente se configuram como verdadeiros desafios para aqueles que necessitam dispor desses horários e para os que não o fazem, mas que são afetados pela emissão de gases e ruídos. Pode-se dizer que o que foi dito acima compromete a qualidade de vida das pessoas que se deslocam no meio urbano. Além de aumentar a poluição do ar, o excesso de veículos motorizados pode causar estresse e outros males físicos e psicológicos, em motoristas e passageiros. Diante disso, medidas já estão sendo adotadas em algumas cidades do país de modo a atender os preceitos da Agenda 21 e do protocolo de Kyoto, bem como aliviar o trânsito nos grandes centros. Como é o caso de Ubatuba no litoral norte de São Paulo, onde foi criado o Programa Cilcloviário de Ubatuba obtido pelo site http://jornadaexperimental.blogspot.com. O Governo Federal por sua vez, também vem adotando medidas nesse intuito como, por exemplo, o Programa Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta – Bicicleta Brasil, criado pela Secretaria de Transporte e Mobilidade Urbana – SeMob do Ministério Das Cidades. O conceito de Mobilidade Urbana Sustentável aparece como resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação que visam proporcionar um acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através de priorização dos modos de transporte coletivo e não motorizados de maneira socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável. E para a implementação desse conceito parte da inclusão da bicicleta nos deslocamentos urbanos.

2.     A bicicleta

    A bicicleta veio para preencher uma necessidade da vida do homem e está até hoje integrada com o ser humano. A história de sua invenção ainda gera discussões acerca de quem a inventou. Um dos primeiros modelos de bicicleta que se tem registro é o chamado celerífero ou cavalo de duas rodas no ano de 1790. Inventada pelo conde Sivrac, compreendia uma trave de madeira colocada sobre duas rodas, um modelo bem arcaico longe das bicicletas que temos nos dia atuais, não possuía pedais, o movimento se dava pelo impulso dos pés no chão e só andava em linha reta já que não tinha direção.

    Mais tarde em 1818 a bicicleta foi aperfeiçoada pelo barão alemão Karl Friederich Christian Luudwwig Drair Von Samerbram. O barão criou a Draisienne, com uma roda dianteira que se movia ao redor de um eixo vertical, e uma barra transversal que permitia girar a roda para a direita e para a esquerda (guidão). Esse aparelho ainda era movido pela ação dos pés sobre o solo.

    Em 1861, Pierre Michbaux recebe uma draisienne para reparos. Seu filho Ernest teve a idéia de colocar uma manivela na roda dianteira, nasce o velocípede com sua roda dianteira desproporcionalmente maior em relação à traseira e um pé de vela dianteiro. O velocípede foi aperfeiçoado com o tempo, surgindo os freios, os pneus com válvula para encher de ar, os pedais passaram para o centro da bicicleta jogando a tração para a roda traseira. A popularidade da já chamada bicicleta era enorme (TUBINO, 2007).

    Em 1890, somente na França existiam cinco mil ciclistas, em 1900 esse número aumentou para dez milhões. Muito usada como meio de transporte, bastante econômica, a bicicleta necessita espaço reduzido e sua manutenção não requer gasto exagerado, o que a torna ainda mais atraente.(CARPES & ROSSATO, 2005) Atualmente as bicicletas são diferenciadas de acordo com o objetivo do praticante podendo, estas, serem caracterizadas como de passeio, utilizadas por ciclistas eventuais que procuram pura e simplesmente o prazer e diversão de andar de bicicleta; a de estrada recomendada para quem quer pedalar no asfalto ou participar de provas clássicas de ciclismo, e aquelas feitas para terrenos irregulares e trilhas, a mountain bike.

3.     O ciclismo

    De acordo com Tubino (2007) o ciclismo é um esporte por equipe ou individual onde o sujeito utiliza a bicicleta para disputar corridas em estradas, pistas cobertas ou não, terrenos acidentados com aclives e declives dentre outros, permitindo também a prática do esporte-lazer. Condicionada a história da evolução da bicicleta, a história do ciclismo começaria apenas em 1855 com a introdução do pedal. Treze anos mais tarde, foi realizada a primeira competição de ciclismo no parque Saint-Cloud, em Paris numa distância de 1.200 metros. A primeira grande prova aconteceu em 1869 no percurso Paris – Rouen, de 123 Km, vencida pelo inglês James Moore com a marca de 12 Km/h, que era impressionante a época. No ano de 1890 quando, na cidade de Paris, foi construído o primeiro velódromo, já havia cinco mil ciclistas somente na França (CARPES & ROSSATO, 2005).

    O ciclismo caracteriza-se pelo uso da bicicleta, sendo que as disputas são realizadas em estradas, trilhas ou em recintos fechados, estes em locais especiais ou velódromo, com pista de madeira. Para a prática desses esportes é necessário que a máquina utilizada esteja em perfeita harmonia com a habilidade do ciclista.

    Conhecido em todo mundo, o ciclismo teve sua prática essencialmente esportiva separada do emprego da bicicleta como lazer, iniciada em meados do século XIX, na Inglaterra, logo que os aperfeiçoamentos na fabricação do veículo possibilitaram o alcance de maiores velocidades. Em 1865, já existiam na Inglaterra alguns círculos entusiastas do esporte, e vinte anos depois, com sua difusão por toda a Europa, era fundada na França, a União Ciclística Internacional. Desde a primeira Olimpíada da época moderna, em Atenas-1896, o ciclismo integra os jogos Olímpicos.

    Poucos esportes alcançaram na Europa o prestígio do ciclismo, que passou a integrar os campeonatos pan-americanos e sul-americanos. As provas são realizadas individualmente ou em conjunto, em bicicletas de um ou dois lugares, de velocidade, de resistência ou de revezamento.

    Os circuitos Paris-Roubaix, Paris-Yours, Bordeaux-Paris, Milão-San Remo, a Volta da França, a Volta da Itália, são algumas das corridas de estrada mais conhecidas.

    O ciclismo no Brasil já era praticado em fins do século XIX e, em são Paulo, já vinha sendo considerado como o esporte da moda, onde foi construído um velódromo. Em 1925, surgiu a Federação Paulista de Ciclismo. O primeiro campeonato brasileiro aconteceu em 1938, na cidade de Porto Alegre.

    A bicicleta de competição é diferente da comum, sendo mais leve e dotada de dispositivos de mudança de marcha que permitem ao ciclista o desenvolvimento de maiores velocidades.

3.1.     O ciclismo no espaço urbano

    O espaço urbano se configura como reflexo da sociedade e, conseqüentemente, um condicionante social. Um espaço fragmentado e articulado. Corrêa (2005) o define como um conjunto de símbolos e um campo de lutas. Produto, condição e meio para a reprodução das relações sociais, um espaço para a realização do ser social. Qualquer análise nesse espaço implica na análise da vida humana em sua multiplicidade.

    E é nesse espaço de lutas e realizações do ser, que nos deparamos com algumas das grandes questões da atualidade: a crise de mobilidade urbana e a crise ambiental. Ambas contam com um agente desencadeador em comum: o automóvel. Como dito anteriormente, o aumento da frota de veículos motorizados no país vem causando grandes transtornos no que se refere à mobilidade urbana e conseqüentemente gerando danos ao meio ambiente, com o aumento da emissão de dióxido de carbono. Nesse contexto entra em cena a bicicleta como alternativa para o alívio no trânsito das grandes cidades e também como transporte ecologicamente correto, já que não emite gás carbônico.

    Utilizar a bicicleta como alternativa para a redução do nível de poluição atmosférica não é coisa inédita. Em Amsterdã, na Holanda, que tem uma população de 730 mil moradores, existem 600 mil bicicletas e conta com mais de 400 quilômetros de ciclovias, e exemplos assim se espalham pelo mundo. Na França, em julho de 2007, mais de 20 mil bicicletas foram disponibilizadas pelo poder público em 1250 locais diferentes da cidade de Paris, principalmente nas estações de metrô. Berlin, na Alemanha, adotou o sistema de bicicletas públicas localizáveis por satélite. O custo é oito centavos por minuto. Já a China parece que caminha em sentido contrário. País que sempre chamou a atenção pelo uso da bicicleta, agora vive a invasão automobilística. Só na capital chinesa mais de 2,4 milhões de pessoas se locomovem de bicicleta diariamente, desde crianças escolares até profissionais de destaque na sociedade como o ambientalista chinês Liang Congjie, que diz usar a bicicleta desde a escola. Para ele já não é mais seguro pedalar pelas ruas de Pequim.

    No Brasil várias são as cidades onde é crescente o uso das bicicletas como meio de locomoção, como é o caso de Curitiba que tem 120 quilômetros de ciclovias que ligam 20 parques e bosques da capital paranaense. Estimativas apontam que na cidade, onde vivem 1,7 milhão de habitantes, existe uma frota de 121 mil bicicletas. A cidade de Sorocaba também se destaca através de seu Plano cicloviário, que enfatiza a bicicleta como um meio de transporte saudável, pois possibilita o lazer, o esporte e uma melhor mobilidade urbana.

    Estudos realizados na cidade de São Paulo, elaborados pela Companhia de Engenharia de tráfego (CET) e pela São Paulo Transportes S.A. (SPTrans) apontam que dos 23,4 milhões de viagens diárias na capital paulista, 130 mil são realizados com o uso das bicicletas e 5,1 milhões por automóveis. A pesquisa mostra ainda algumas das vantagens da bicicleta como meio de locomoção: baixo custo na aquisição e manutenção, agilidade nos deslocamentos para distâncias até cinco quilômetros, menor interferência no espaço público da cidade, contribuição à saúde do usuário e reduzido impacto ambiental. Segundo dados do Ministério das cidades e estudos da Associação Nacional dos Transportes Públicos – ANTP, 7,4 % dos deslocamentos feitos no Brasil são realizados de bicicleta, o que representam mais de 15 milhões de viagens diárias.

    É notório o uso cada vez maior da bicicleta, seja por jovens ou adultos, para irem trabalhar ou estudar, e mais ainda como prática esportiva e de lazer. Nesse cenário a bicicleta emerge como alternativa para uma mobilidade urbana sustentável, pois a emissão de dióxido de carbono é zero, já que ao se locomover de bicicleta as pessoas não utilizam energia proveniente dos combustíveis fósseis, mas sim a energia do próprio corpo. Ao fazer isso, o sujeito pode vir a melhorar seu condicionamento físico bem como os sistemas cardiovascular e respiratório, promovendo maior gasto calórico, resistência muscular e diminuição do estresse. A bicicleta surge, além de opção de transporte urbano ecologicamente correto, também como opção de lazer e prática esportiva.

    Ao ter a bicicleta como instrumento de sua prática, o ciclismo assume um papel importante na conjuntura político-ambiental da atualidade, pois a bicicleta além de possibilitar a prática esportiva, é também meio de transporte e o mais importante, não polui o ar com emissão de gases do efeito estufa, ao contrário do automóvel.

    No meio urbano, esse veículo de duas rodas vem ganhando destaque através de medidas e projetos implementados nacional e internacionalmente. No Brasil, o Ministério das cidades confirma essa política com a criação do Programa Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta – Bicicleta Brasil, dito anteriormente. Entre ruas e avenidas, carros e ônibus, a bicicleta assume diversas finalidades. Tem um grupo de pessoas que a utilizam como meio de transporte: a) para estudar, b) para trabalhar c) ou para garantir seu próprio sustento. Enfim, pessoas que trabalham pedalando. Tudo isso pode ser acrescentado àqueles que pedalam em seus momentos de lazer.

3.2.     O ciclismo na natureza

    A preocupação mundial com a preservação do meio ambiente encontra eco no movimento esportivo, como podemos verificar na 8ª Conferência Mundial sobre Esporte e Meio Ambiente, realizada em março de 2009 em Vancouver, que estabelece: a) luta contra a mudança climática; b) redução de resíduos; c) reforço da biodiversidade; d) promover a inclusão e e) incentivar a vida saudável. As conclusões e recomendações da conferência exortam as entidades interessadas a agir no intuito de uma maior sensibilização das questões ambientais, onde as federações internacionais serão encorajadas a adotar políticas de sustentabilidade redirecionando-as às federações nacionais.

    Essa relação esporte/natureza nos dizeres de Bento (apud DA COSTA, 1997, p. 61) ressalta a tendência, de levar o desporto para o espaço aberto, para o ar livre, para o exterior, para a natureza.

    Nesse sentido cresce o número de modalidades esportivas que levam seus praticantes à natureza, e também o número de pessoas que chegam a ela pelo esporte. Talvez isso se deva às questões ambientais em voga, uma vez que o esporte, de uma maneira, geral não deixa de ser afetado pelas questões que afligem a humanidade, bem como as próprias de seu enredo, tais como os casos de doping, a corrupção dos dirigentes e o aumento da violência nas disputas esportivas (TUBINO, 1999). Hoje, uma nova questão se apresenta ao esporte: a degradação do meio ambiente, o que de acordo com Vieira (2004), pode privar as pessoas de um direito garantido pela Constituição Federal, o direito à prática esportiva.

    No campo relacional esporte/meio ambiente encontramos o ciclismo, um esporte que permite um contato direto com a natureza, onde podemos perceber os efeitos da degradação do meio ambiente, bem como o contato com o meio urbano, local onde se encontra um dos principais agentes poluidores da atmosfera: o automóvel. A conscientização ecológica pode ser vital tanto no natural quanto no urbano, é o papel social de cada um e do esporte.

    Nesse sentido, alguns esportes que dependem do meio natural para sua prática surgiram, como é o caso do mountain bike (MTB), uma modalidade do ciclismo praticada na natureza, nos mais variados terrenos que, por suas características, classifica-se na corrente dos esportes-aventura/na natureza/radicais.

    O mountain bike teve início em 1933 nos EUA com a introdução da bicicleta com pneu balão, ficando esquecido por um período e reaparecendo na década de 1970 nas montanhas da Califórnia. Surge como alternativa a proibição da utilização de motocicletas em descidas de montanhas, devido aos estragos causados por essas ao meio ambiente. O esporte difunde-se, ao final da década de 1980, pelo continente Europeu e Oceania tornando-se esporte olímpico nos Jogos de Atlanta em 1996.(TUBINO, 2007) O mountain bike brasileiro nasceu no município de Paraíba do Sul, interior do Estado do Rio de Janeiro, no começo do ano de 1988 com a organização do 1º Mountain Bike Cup Fazenda Hotel Jatahy. No momento em que ocorrem debates acerca da problemática ambiental, o MTB cresce no cenário nacional sendo notória a adesão de diversas pessoas a esse esporte em seus momentos de lazer.

    Nesses momentos os bikers – praticantes de mountain bike, se libertam do mundo cotidiano entrando em um mundo paralelo, um mundo de prazer, de novas descobertas. Onde a cada trilha, a cada curva surgem novos desafios, novos cenários, novos motivos para seguir em frente. Às vezes, na frente ditando o ritmo, apontando o horizonte, às vezes por último pelo simples prazer de apreciar aquele contraste de cores, cadenciado, em ritmos diversos, mas com um mesmo pulsar. Nesse mundo, o caminhante dos pedais pode ir aonde quiser e sem o consumo de combustíveis, mas através da transformação da energia de seu próprio corpo, e perceber que a energia que ele gasta ao pedalar tem uma dinâmica de preservação dele mesmo, que faz bem para a saúde e ainda preserva a natureza.

    Pedalar uma bicicleta é desvendar belas paisagens em suas trilhas, interagindo com elas, imprimindo-lhes sentidos e significados ao longo de suas trajetórias, tal como falou Corrêa e Rosendahl (1998). E nessas trajetórias, a bicicleta também assume um valor simbólico, ganha uma energia poderosa capaz de tirar o biker de sua condição profana e levá-lo a um outro plano, sagrado, onde a bicicleta é a personificação da busca de novos caminhos, novas descobertas e possibilidades, da busca de novos horizontes. Um efeito mediador entre o sagrado e o profano, uma hierofania (COSTA, 1999).

4.     Considerações e recomendações

    A relação entre esporte e meio ambiente é uma relação de mão dupla, no momento em que o esporte pode exercer uma influência positiva sobre o meio ambiente, desde que seja praticado de forma consciente, respeitando a natureza e, por outro lado, pode ocasionar alterações no mesmo ou até destruí-lo. E essas alterações ainda podem ameaçar a prática dos esportes que dependem desse ambiente.

    A crescente preocupação com os problemas concernentes a preservação da natureza, tanto pela sociedade civil quanto pelo poder público, volta-se inevitavelmente ao esporte, em especial àqueles que dependem do meio natural para sua prática como é o caso do mountaim bike. Contudo a prática desse esporte não se restringe à natureza, ela se dá também no meio urbano, onde a bicicleta assume um importante papel no discurso da sustentabilidade, daí seu compromisso com a natureza e o meio ambiente.

    Vivemos em um mundo marcado cada vez mais pela interdependência entre povos e nações. Tal processo se reflete nas diversas sociedades onde cada vez mais se faz necessário uma integração entre seus mais variados setores, a fim de buscar uma solução para a atual crise que é ao mesmo tempo conjuntural e civilizatória. Nesse sentido a bicicleta aparece como uma importante aliada nessa busca, pois ela é considerada como um meio de transporte não-motorizado, tendo sua utilização voltada para os mais diversos fins no espaço urbano, se configurando numa peça fundamental na solução dos problemas de mobilidade urbana e de valiosa ajuda na redução de gases do efeito estufa.

    A bicicleta é também instrumento da prática do ciclismo, um esporte que se faz presente tanto no meio urbano como no meio natural, proporcionando um contato direto com os problemas de mobilidade ao ser praticada nas cidades, bem como um contato com a natureza através de sua prática enquanto esporte-aventura/na natureza, o mountain bike, podendo proporcionar a construção de novas subjetividades, novas singularidades capazes de reorientar novos valores, interesses e comportamentos incompatíveis com a sustentabilidade ambiental (LEIS, 1999).

    Para Guattari (1990), o esclarecimento de tais questões depende da articulação das três ecologias (ecologia do meio ambiente, das relações sociais e da subjetividade), que são as relações do homem com o meio em que ele vive, com os outros homens e com sigo mesmo. Assim o esporte, em especial o ciclismo, assume esse papel uma vez que ele pode nos proporcionar uma relação com o meio em que vivemos já que quando praticamos, o fazemos em algum lugar e também uma relação com as outras pessoas quando praticado com/contra outras pessoas. Quando praticado solitariamente, o ciclismo pode propiciar um encontro conosco mesmo, com nossa subjetividade, nossos medos, crenças, fantasias, devaneios. Pode nos levar a uma reflexão de nossas atitudes e valores para com os seres humanos e não humanos que constituem essa supra-unidade biótica e abiótica chamada Gaia (LOVELOCK, 1991).

    É preciso debruçar na construção dessa nova subjetividade, indo ao sentido de uma re-singularização individual e coletiva, no tangível e intangível. Mas o esporte em si não basta, depende de quem o pratica, desse ser que anda, que corre, pedala, desse ser que vê, admira, sente, chora.

    Logo, será relevante que em estudos posteriores analisemos os sentidos que o meio ambiente e o próprio ciclismo tem para esses sujeitos, de que forma a natureza e o discurso do desenvolvimento sustentável aparecem em seus imaginários e quais os mitos, crenças e ideologias conduzem seus comportamentos. Investigar, pois, a realidade social de cada grupo apreendendo sua ordem constitutiva. Para isso é preciso mergulhar nos caminhos sinuosos desse imaginário que de certa forma regula os comportamentos recíprocos dos indivíduos (FERREIRA, 1992). Caminhar pela linguagem, por meio da análise dos discursos, das imagens e dos contos, para encontrar pistas que revelem o imaginário social dos ciclistas. Pois acreditamos que ao desvendar tal imaginário, possamos contribuir com um estudo que trate dessa relação esporte e meio ambiente não somente sob o ponto de vista dos esportes de aventura na natureza, mas também sob a ótica do meio urbano, da urbe, cenário ou forja de modelação, de reconhecimento e concretização de aspirações e direitos, de sonhos e utopias.

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