Lecturas: Educación Física y Deportes
Revista Digital
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O TEMPO LIVRE.
CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO

Paulo Tojeira


3. Conceitos e estrutura. A divisão do dia
Vários autores e o cidadão comum utilizam diferentes termos para se referirem ao tempo livre, nomeadamente:


Como componente geral de convergência entre os diversos termos, podemos considerar a ausência de qualquer actividade concreta, ou seja, uma certa liberdade de não fazer coisa nenhuma.

O "tempo de meditação" ou "dia de meditação" (em termos práticos, dia de não fazer nada) foi mesmo utilizado como forma de luta popular (Gandi - Índia).

O conceito LAZER, encerra uma carga altamente subjectiva.

Pinto, J. (sd) refere que "em 1869 ... um autor francês definiu lazer como o tempo disponível após as ocupações diárias" e que em "1930, para outro autor francês o lazer era constituído pelas distracções e ocupações a que cada um se dedica por sua livre vontade durante o tempo que não gasta no trabalho diário". Ou seja, no primeiro conceito, o lazer era identificado com o tempo disponível e no segundo, com distracções e ocupações livremente aceites.

Um inquérito realizado (Pinto, J. sd) "em 1953 entre operários e empregados evidenciou o conceito de lazer como tudo o que se opõe às ocupações da vida quotidiana", nomeadamente "trabalho profissional, trabalho doméstico, actividades de manutenção pessoal, actividades familiares, espirituais e sociais obrigatórias, estudo para concursos e exames". Na opinião do referido autor, "qualquer que seja o conceito de lazer, este tem sempre três funções: de descanso, de divertimento e de desenvolvimento da pessoa", podendo concluir-se que (Magnan, G.1964) "o lazer é um conjunto de ocupações às quais as pessoas se entregam por sua livre vontade, quer para descansar, quer para se divertir, quer para desenvolver a sua informação ou a sua função desinteressada, a sua participação social voluntária ou a sua capacidade de livre criação - após o desempenho das obrigações profissionais, familiares e sociais".

Hourdin, G. 1970 refere que "tempos livres são, numa sociedade extremamente racionalizada como a nossa, aqueles tempos de que podemos dispor como queremos, legitimamente, legalmente e livremente".

Surge de forma inequívoca uma tentativa de definição de um certo tempo (fora das ocupações diárias) em contraponto com o outro tempo (o das ocupações diárias).

Assim, parece o conceito TEMPO LIVRE aquele que melhor corresponde à sentida necessidade de "baptizar" a parte do dia em que não estamos ocupados com actividades objectivamente definidas. O significado de Tempo Livre (Tempo - duração limitada e Livre - desimpedido) parece de facto traduzir o espaço desimpedido do dia, que pode ser utilizado subjectivamente. Até que ponto ele é de lazer (prazer por si mesmo - "If something has be done, then it isn't leisure" Kelly, J. 1985) só cada indivíduo o poderá afirmar.

Para Dumazedier, J. 1962 o tempo livre "deixa de ter o carácter de classe do século XIX, para passar a ser um fenómeno de massas no século XX", não obstante "as diferentes classes sociais terem diferentes conceitos de tempo livre ... por terem diferentes possibilidades materiais" (Jelev, J. 1978) e, consequentemente, "várias formas de o utilizar" (Hourdin, G. 1970). Jelev, J. 1978 considera que o "aumento do tempo além da actividade profissional não o torna automáticamente livre no sentido intrínseco do termo".

Gruchin, B. 1967 apresenta os "elementos do tempo além da actividade profissional" de seguinte forma:

  1. Tempo não utilizado profissionalmente, mas intimamente ligado com a profissão (mudança de roupa, higiene, pegar e largar ferramentas, etc.);
  2. Tempo gasto no caminho para o trabalho e de regresso;
  3. Tempo gasto para satisfação de necessidades vitais (trabalho doméstico, compras, serviços, etc.);
  4. Tempo dedicado às crianças;
  5. Tempo para higiene pessoal, alimentação e sono.

"Obtemos o tempo livre no sentido concreto do termo, se ao tempo livre de actividade profissional subtrairmos o tempo gasto em actividades domésticas e com a família" ou seja, "o tempo livre distingue-se das outras componentes do tempo livre de actividades profissionais pelo motivo de que o indivíduo é seu detentor e pode organizá-lo e dispendê-lo da forma que bem entender" (Jelev, J. 1978).

Tempo livre é também, para alguns, o tempo em que os cidadãos procuram ficar informados.

Patruchev, V. 1966 propõe um gráfico sobre a estrutura do tempo, no qual estabelece a diferença entre :


Tchotchkov, V. 1970 (Quadro 2) divide o dia em "tempo de trabalho e tempo além do trabalho". O "tempo além do trabalho" é dividido por sua vez em "tempo para as actividades quotidianas e domésticas necessárias e tempo livre".

Pais, J.M. 1989 num estudo sobre a juventude portuguesa, propõe que, "para efeitos analítica", os tempos se dividam em cinco categorias: "tempo das necessidades básicas (quanto tempo passou na cama? quanto tempo gastou no conjunto das refeições?); tempo de trabalho (quanto tempo trabalhou?) e/ou estudo (quanto tempo gastou na assistência às aulas? quanto tempo gastou a estudar?); tempo de trabalho doméstico (lavar a roupa e passá-la a ferro, lavar e limpar a louça, cozinhar, cuidar da casa, de crianças ou de animais, compras e reparações caseiras); tempo de deslocações (a pé, de bicicleta ou moto, de carro ou de transportes públicos); e, finalmente, tempos livres". Se considerarmos globalmente o conjunto de tempos livres, constatamos que o que nas actividades dá mais prazer é a convivência com os amigos. Klapp, C. 1969 e Parker, S. 1978 classificam os tempos livres em quadrados, aqueles que "respeitam às actividades que, muito embora possam contribuir para quebrar a rotina, preparam os indivíduos para o regresso à rotina" e transgressores, "considerados em oposição aos valores do trabalho ou nada tendo a ver com eles".

Quadro 2: Divisão do Tempo Diário (Tchotchkov, V. 1970)
Tempo de trabalho
Tempo fora do trabalho Tempo para restabelecimento da capacidade de trabalho e para as necessidades quotidianas.
  • higiene pessoal
  • actividade social
  • caminho de e para o trabalho
  • sono, alimentação e vestir/despir
  • trabalho caseiro
  • trabalho de jardinagem
  • cuidar das crianças
Tempo livre
  • formação e elevação da qualificação
  • laser cultural, leitura, cinema, teatro, divertimentos
  • educação física e turismo
  • actividade artística
  • passeios, visitas
  • lazer passivo

Pais, J.M. 1989 propõe também uma classificação dos tempos livres em função da sua localização espacial - lazeres públicos e privados (Quadro 3).

Quadro 3 : Classificação dos tempos livres em função da sua localização espacial (Pais, J.M. 1989)
POSIÇÃO DO INDIVIDUO
ESPAÇO DA PRÁTICA
DOMÉSTICO
(ou privado)
EXTERIOR (ou público)
Rua, aldeia Espaço urbano Fora das aglomerações
E
M
I
S
O
R
INTERACÇÃO
Domésticos
comunitários
De sociabilidade
a) Local b) Urbana  
EXPRESSIVIDADE
Domésticos
expressivos
De expressividade
a) Artística b) Desportiva c) Ao ar livre
R
E
C
E
P
T
O
R
EXPRESSIVIDADE
De abandono Espectaculares de participação expressiva
INFORMAÇÃO
Domésticos
receptivos
Espectaculares informativos

Concluindo, parece-nos ressaltar o facto da ausência de uma estrutura universal e abrangente, que possa por um lado organizar de forma global o tempo quotidiano e, por outro lado, que possa situar de forma precisa o tempo livre, de forma a possibilitar uma intervenção adequada sobre a sua rentabilização.


4. Uma nova estrutura do tempo
A estrutura que propomos (Quadro 4), fundamenta-se no tipo de ocupação que se faz do tempo ou, simplesmente, na sua não ocupação.

Entre os componentes da ESTRUTURA DO TEMPO proposta, não haverá lugar à criação de compartimentos estanques. Aliás, tudo gira numa harmonia dialéctica, qual princípio dos vasos comunicantes. O que equivale a dizer-se que o aumento do tempo necessário à realização de determinada tarefa é directamente proporcional ao tempo retirado a outra ou outras actividades e sobretudo ao Tempo Livre (propriamente dito).

Quadro 4 : Estrutura do tempo
1. TEMPO OCUPADO PROFISSIONALMENTE ( OU NA ESCOLA )
2. TEMPO LIVRE DE OCUPAÇÃO PROFISSIONAL
2.1. Tempo ocupado em complemento da actividade profissional (ex.: horas extraordinárias, 2ª profissão, resolução de trabalhos de casa para os estudantes, etc.);
2.2. Tempo ocupado com trabalho doméstico e em assistência à família;
2.3. Tempo ocupado para satisfação de necessidades (fisiológicas ou não) gerais naturais (ex.: vestir/despir, transportes, dormir, alimentação, informação, etc.);
2.4. Tempo ocupado com actividades programadas (ex.: treino regular de modalidade desportiva, aulas de música, curso de línguas, etc.);
2.5. Tempo ocupado com actividades de bricolage, hobby ou em trabalho, tendo em vista principalmente a realização pessoal;
2.6. Tempo ocupado em valorização pessoal (ex.: ler, ver filmes documentais, etc.);
2.7. Tempo ocupado em actividade social (ex.: colectividades, sindicatos, partidos, etc.);
2.8. Tempo ocupado em actividades não previstas, mas de realização obrigatória (ex.: efetuação de pagamentos, consultas médicas, recados, etc.);
2.9. Tempo ocupado a assistir a cinema, teatro, TV.
3. TEMPO LIVRE (PROPRIAMENTE DITO)

Evidentemente, o equilíbrio entre os vários tempos, necessários ou gastos nas várias ocupações ou desocupados, deverão ser avaliados em cada caso, tendo em conta não só o indivíduo, mas também o meio real em que se encontra inserido e desenvolve a sua actividade.

Naturalmente haverá actividades que, consoante o motivo / finalidade em vista, poderão pertencer a esta ou áquela alínea (Quadro 5). Trata-se de actividades que têm muito a ver com o sujeito e com os seus gostos pessoais.

Seria interessante verificar-se o carácter das actividades laborais ao longo dos tempos e encontrarem-se as relações daquelas com a personalidade e o gosto pessoal de quem as executa.

Quadro 5 : Exemplos de actividades com diferentes finalidades
ACTIVIDADE DESENVOLVIDA
QUAL A FINALIDADE ?
ALÍNEA (NA ESTRUTURA DO TEMPO)
Ir às compras
  • para adquirir géneros alimentícios
  • para comprar roupa
  • por prazer de comprar
2.2
2.3
2.5
Ver televisão
  • filme documental
  • assistir a filme ou telenovela
  • por falta de alternativas
2.6
2.9
3
Actividade desportiva
  • treino regular de uma modalidade
  • prazer da prática desportiva
  • prática ocasional
2.4
2.5
3

Cremos ter-se o trabalho em geral tornado mais "impessoal", lançando o indivíduo numa saturação precoce, que leva à necessidade de cada um sentir o desejo de desenvolver, além da sua profissão, uma outra "actividade profissional" onde os fins em vista sejam a realização pessoal.

Assiste-se também ao facto de que cada vez mais o indivíduo é forçado a encontrar segundo emprego (ou a transformar o hobby em segundo emprego), como forma de assegurar o bem estar a que aspira.

Neste final de século fervilhante, o indivíduo cada vez se desloca com mais facilidade e rapidez e produz em mais quantidade. Paradoxalmente, cada vez se move menos, seja devido à automatização da produção, seja devido à melhoria dos transportes, serviços, quantidade de electrodomésticos, etc.

Assim, entre o "Tempo ocupado profissionalmente " e o "Tempo livre de ocupação profissional" cada vez mais se vai estabelecendo uma "continuidade ininterrupta" que, pese embora o efeito compensante do segundo, não respeita a essência social e biológica do indivíduo e as suas necessidades de uma vida equilibrada.

Pode concluir-se que, no quadro existente, a possibilidade real de contribuir para o equilíbrio multifacetado do indivíduo, terá de respeitar os seguintes factores:


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Año 4. Nº 14. Buenos Aires, Junio 1999