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Propostas para o ensino do judô: adequando ‘tradição’ e ‘modernidade’

Propuestas para la enseñanza del judo: articulando ‘tradición’ y ‘modernidad’

Proposals to judo instruction: adjusting ‘tradition’ and ‘modernity’

 

*Mestrando do Programa de Pós Graduação

em Ciências do Movimento Humano da UFRGS

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

**Professor Adjunto da Escola de Educação Física

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Tiago Oviedo Frosi*

tiago.frosi@yahoo.com.br

Alberto de Oliveira Monteiro**

00006908@ufrgs.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Através deste relato pretende-se apresentar uma proposta de ensino do Judô, adequando aspectos “tradicionais” e “modernos”, a partir de experiências de quinze semanas de atividades cumpridas para o Estágio em Atividades Esportivas, no curso de Bacharelado em Educação Física da UFRGS. Sendo assim, confrontaremos os aspectos da metodologia de ensino do Judô dita “antiga” e da “nova”, propondo a partir da análise e da observação do resultado das tentativas em se trabalhar com essas metodologias, uma forma mais adequada de planejar e ministrar uma sessão de treinamento. Além dos aspectos técnicos, buscou-se passar aos alunos aspectos ligados à etiqueta e conhecimento básico da história do Judô e nomenclatura japonesa. A proposta que consiste na evolução para o novo, sem abandonar as boas lições do antigo fica como mensagem, pois a adoção de um modelo misto nas sessões foi o mais eficiente.

          Unitermos: Judô. Esporte. Tradição.

 

Abstract

          With this report, we aspire to present a judo instruction proposal, adjusting traditional and modern aspects, from today on the experiences of fifteen weeks of sportive activities traineeship, in UFRGS’ Physical Education Bachelor’s Course. In such case, we’ll confront judo instruction methodological aspects, old and new, proposing the better way to work, based on observations of the use of these methods. Over there technical aspects, we seek to transmit to the students the ceremonial and historical aspects and the basic knowledge about Japanese nomenclature. The proposal consists in to evolve to the new methods without abandoning the good lessons of the old method. This is the instruction method most liked by the students.

          Keywords: Judo. Sport. Tradition.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 148, Septiembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Considerações iniciais

    Através deste estudo pretende-se apresentar uma proposta de ensino do Judô, adequando aspectos “tradicionais” e “modernos”, a partir de experiências de quinze semanas de atividades cumpridas para o Estágio em Atividades Esportivas, no curso de Bacharelado em Educação Física da UFRGS.

    As atividades foram realizadas em um grande clube de Porto Alegre. As aulas ocorriam nas terças, quintas e sextas-feiras, à tarde, na sala de artes marciais. Trataremos neste contexto, os aspectos “tradicionais” do Judô como aqueles presentes na literatura oriunda dos trabalhos do fundador (KANŌ, 2008). Os aspectos “modernos” serão aquelas inúmeras propostas presentes na literatura, influenciadas principalmente pelo desenvolvimento da Educação Física e que apresentaremos no decorrer do texto.

    O Judô (ou Jūdō, grafado pelos ideogramas 柔道) é uma arte marcial japonesa, fundada pelo grande mestre Jigorō Kanō em 1882. Kanō desenvolveu o Judô a partir das técnicas do Jūjutsu (柔術) a arte marcial japonesa que utilizava predominantemente as técnicas de arremesso, imobilização, estrangulamentos e chaves, desenvolvida pelos samurai desde o período feudal. Além de profundo conhecedor das artes marciais, Kanō foi um eminente intelectual japonês do século XX e presidente do Comitê Olímpico daquele país, até sua morte em 1938.

    O programa de aulas pautava-se no ensino das etiquetas, técnicas básicas, noções de luta e competição de Judô, de forma simplificada e com atividades lúdicas, tendo em vista o público ser formado por alunos entre cinco e doze anos de idade. Mesmo tendo como base o método tradicional de ensino do Judô, uma abordagem integral, com o uso de jogos e participação mais ativa dos alunos na construção do treino (CAZZETO et al, 2006; GONDIM, 2007) foi utilizada. Além disto, buscou-se:

  1. introduzir aos alunos as nomenclaturas das técnicas e outros aspectos relacionados à atividade, no idioma japonês;

  2. trabalhar as capacidades de força, equilíbrio, flexibilidade, lateralidade e consciência corporal; e

  3. Influenciar os alunos a criar hábitos saudáveis de alimentação e higiene com conversas durante as aulas.

    Sendo assim, confrontaremos os aspectos da metodologia de ensino do Judô dita “antiga” e da “nova”, propondo a partir da análise e da observação do resultado das tentativas em se trabalhar com essas metodologias, uma forma mais adequada de planejar e ministrar uma sessão de treinamento.

    Durante o desenrolar do texto utilizarei certos termos para indicar atividades resumidamente. Um exemplo é o início das aulas, onde a mesma seqüência foi utilizada, devido sua importância e complexidade de aprendizado pelos alunos. Sendo assim, quando refiro-me a ‘revisão de conteúdos’, englobo os Ukemi (rolamentos/aparo de quedas), posturas, etiqueta básica e conversas com os alunos onde foram explanados conceitos teóricos do Judô. Outro termo que aparece na descrição das atividades é ‘luta com o professor’ ou ‘randori contra o professor’ dentro das brincadeiras. De fato, se configurou em brincadeira os diversos momentos no final ou após a aula em que lutei com todos os alunos ao mesmo tempo, onde aplicava técnicas típicas do Aikidô, como Kokyu Nage, Dai Ichi Kyo, Irimi Nage, Juji Garami e Shiro Nage. Escolhi estas técnicas por forçarem os alunos a usar os Ukemi (rolamentos), pois eram arremessos de grande amplitude, porém, pela natureza do Aikidô, eram também técnicas que não promoviam grande impacto (BULL, 1988), ou seja, eram mais seguras do que as projeções do Karate, por exemplo.

    É importante dizer que todos estes aspectos sobre a hierarquia, disciplina, progressão do ensino dos alunos visando seu desenvolvimento integral, construção do sentimento de esforço e o respeito mútuo são valores inerentes ao Budô (FROSI et al, 2008), ou seja, às artes marciais japonesas, das quais faz parte o Judô. Desta forma, seguimos a idéia que corre já a algum tempo no meio da psicologia e que é apontada recentemente por Bonde (2009), onde alerta sobre a importância da presença do “ancião” nos rituais de passagem dos “jovens”. Constata também que mais e mais pais, e até mesmo crianças jovens, buscam as artes marciais por acreditar que encontrarão neste meio a figura do ancião no sensei e dos ritos de passagem bem estruturados e controlados em eventos como exames de graduação.

    Nos próximos capítulos apresento uma revisão sobre as técnicas e aspectos teóricos do Judô para servir de referência a leitura das atividades descritas, discutindo as relações entre “tradição” e “modernidade” nesta modalidade esportiva.

Metodologia

    Este estudo caracterizar-se-á como descritivo qualitativo, seguindo o veio da análise de conteúdo (Bardin, 1977; Vala, 2003). Salientamos que não foi nossa preocupação usar qualquer meio que nos oferecesse algum dado quantitativo. Para realizar este estudo, observamos a prática pedagógica em três turmas de Judô de um grande clube de Porto Alegre. Para tal optamos por utilizar a técnica da observação participativa. Para isto, foi utilizado um diário de campo onde todas as atividades ministradas e respectivas reações e atitudes subseqüentes da turma eram anotadas.

    A prática da análise de conteúdo visa simplificar para potencializar a apreensão do conteúdo referente ao corpus dos documentos extraídos das observações realizadas com os praticantes de Judô. Neste sentido, consideramos, de acordo com Vala (2003, p.110) que a “categorização é uma tarefa que realizamos quotidianamente com vista a reduzir a complexidade do meio ambiente, estabilizá-lo, identificá-lo, ordená-lo ou atribuir-lhe sentido”. No princípio, identificaremos um quadro de categorias (e de subcategorias) e, depois da análise das entrevistas, esse quadro pode ser ampliado. Para Vala (2003, p.111) a “construção de um sistema de categorias pode ser feita a priori ou a posteriori, ou ainda, através da combinação destes dois processos”; o nosso sistema categorial deverá ser definido pela combinação dos dois processos: a priori e a posteriori.

    Os grupos que participaram deste estudo foram compostos por praticantes de Judô de um clube de Porto Alegre, de ambos sexos, com idades entre cinco e doze anos. A escolha dos sujeitos que compuseram o grupo estudado se deu por conveniência, por estarem matriculados nas turmas de estágio das quais participou o autor.

    Quanto ao processo de romanização a partir do Japonês, foi utilizado o sistema Hepburn (ヘボン) (Hebon Shiki Rōmaji). Além de ser o mais utilizado entre os três sistemas oficiais (Hepburn, Nippon e Kunrei), representa fielmente a fonética dos termos do idioma.

A proposta de ensino

    A opção de utilizar uma metodologia ligada ao lúdico e ao jogo, na perspectiva de CAZZETO et al (2006) e GONDIM (2007), mesmo sem fugir totalmente ao modelo tradicional apresentado por WILSON (2007) e Ratti & Westbrook (2006), ocorreu pelo fato de se buscar uma formação integral. Essa formação integral está apoiada no conceito tradicional do Budô (FROSI et al, 2008), onde os jogos podem ajudar no desenvolvimento social, afetivo e motor, mas em hipótese alguma substituem o ‘treinamento tradicional’ na construção de valores como coragem, espírito de luta e disciplina.

    Para facilitar o processo ensino-aprendizagem, foram usados os feed-backs sonoros (comandos e explicações vocais), visuais (demonstrações das técnicas) e cinestésicos (correção direta no movimento do aluno). A seqüência pedagógica adotada visou a execução de exercícios de dificuldades amenas para mais complexas.

    O programa seguiu a teoria formulada por Baptista (1999), que admite uma seqüência onde são executados os rolamentos (para trás, para o lado, por cima do ombro), as projeções e as imobilizações, sendo que acrescentamos a prática de jogos de luta, ou luta propriamente dita a esta seqüência. O autor ainda afirma que:

    A seqüência pedagógica é o caminho mais eficiente e seguro para que os objetivos sejam atingidos, facilitando a assimilação dos conhecimentos. Consiste em degraus que devem ser percorridos do mais baixo ou simples, para o mais alto ou mais complexo.

    A introdução de brincadeiras nas aulas demonstrou ser um fator de enorme motivação aos alunos, o que vai de encontro ao estudo de Cazzeto et al (2006) quanto a sua aplicação nas aulas. Entre estas foram realizadas cachorro-louco (preparação para o morote-gari), judô-fute (futebol na sala de judô com cubo de espuma), pega-pega e várias variações, caçador (com o cubo de espuma), escalada e balanceio nas cordas, além do tradicional ‘bobinho’ (com o cubo de espuma).

    As atividades de ‘Jogos de Luta’ (GASPAR, 1978a,b,c; OLIVIER, 1993) demonstraram-se eficientes ferramentas não apenas para a construção das táticas e percepções diversas para a prática da luta institucionalizada, como também em se tratando de objeto de motivação aos alunos. Segundo Baptista (1999):

    Quanto maior a motivação, maior a vontade de aprender. Mantê-la num nível elevado é imprescindível para que a criança ultrapasse os momentos de desinteresse, saturação e o ponto considerado crítico, que é após os treze/quatorze anos, onde o abandono desportivo se dá com grande freqüência. Deve ser trabalhada através de atividades recreativas, com o objetivo de tornar as aulas mais atraentes, fazendo com que a criança sinta prazer em participar.

    Tendo isto em vista, os objetivos da parte técnica das aulas, condizentes com os propostos pela Federação Francesa de Judô (1982), foram:

  1. Quanto á consciência corporal

    • definir lateralidade;

    • trabalhar propriocepção;

    • consciência da respiração;

  2. Projeções

    • sentir o adversário (atitude de uke e de tori)

    • conhecimento das grandes famílias de projeções (koshi, te e ashi)

  3. Imobilizações

    • utilização do apoio do corpo no solo;

    • conhecimento das grandes famílias de imobilizações (kesa e shihō)

    • conhecimentos das entradas e saídas de diversas situações.

    Para um maior esclarecimento destes aspectos e outros abordados ao longo do relatório, exemplificarei as técnicas trabalhadas, sendo tori (o praticante que aplica uma técnica) e uke (aquele que recebe).

Rolamentos

  1. Te Uchi Ukemi (手打ち受身) – consiste em batidas com um dos braços, para absorver o impacto da queda ao solo. O corpo fica posicionado de lado em contato com o solo, a mão que não executa a batida fica posicionada sobre o peito e as pernas afastadas. A cada repetição o praticante vira-se para um dos lados executando a batida.

  2. Ushiro Ukemi (後受身) – é a recepção de quedas para trás. Ao entrar em contato com as costas no solo, o praticante continua o movimento permitindo que as pernas se elevem e batendo com os dois braços ao lado do corpo, sempre com o queixo encostado no peito. Pode ser seguida de um rolamento para trás sobre um dos ombros.

  3. Zenpō Kaiten Ukemi (前方受身) – é o rolamento propriamente dito. O praticante rola sobre um dos ombros, fazendo com que o solo toque diagonalmente suas costas, iniciando pelo ombro de um lado e finalizando pelo quadril do outro lado. O movimento é terminado com uma batida idêntica a do Te Uchi Ukemi. Pode ser executado após salto sobre um obstáculo que pode ser um objeto, um colega ou vários colegas.

  4. Yoko Ukemi (横受身) – é a recepção de queda para o lado. O praticante inicia o desequilíbrio lançando uma das pernas na direção da outra, causando um desequilíbrio para cair. Ao cair procura tocar o solo com o tronco de lado realizando uma batida semelhante ao Te Uchi Ukemi.

  5. Mae Ukemi (前受身) – consiste numa recepção de quedas para frente. Diferente dos outros ukemi que eram feitos com todo o braço, o Mae Ukemi é feito com os antebraços e as mãos apenas.

Imobilizações

  1. Hon Kesa Kesa Gatame (本袈裟固) – é a imobilização onde o tori prende uke com um dos braços abraçando o pescoço e o outro segurando um dos braços. O peso do corpo de tori é aplicado sobre o peito de uke.

  2. Yoko Shihō Gatame (横四方固) – é a imobilização onde o tori prende uke ‘pelos quatro cantos’, com um dos braços prendendo pescoço e ombro e o outro prendendo perna e quadril. O peso do corpo de tori é aplicado sobre o abdome de uke.

  3. Tate Shihō Gatame (縦四方固) – é a imobilização onde o tori prende uke na vertical, com os braços em chave atrás do pescoço, prendendo também os braços de uke. O peso do corpo de tori é aplicado sobre o tronco de uke, pois tori está montado sobre ele.

  4. Kami Shihō Gatame (上四方固) – é a imobilização onde o tori prende uke na vertical, com as mãos prendendo uke pela faixa, tendo os braços presos por baixo. O peso do corpo de tori é aplicado sobre a cabeça de uke.

Descrição dos conceitos teóricos trabalhados com os alunos

Histórico

    Tendo como fundador o intelectual japonês Jigorō Kanō (STEVENS, 2005), o Judô (Caminho da Flexibilidade) nasce num período de intensas transformações políticas e sociais no Japão. Sendo uma síntese dos estilos de Jūjutsu (técnica da flexibilidade) treinados por Kanō, a nova arte marcial não era pretendida apenas como técnica de guerra (Jutsu), mas como um caminho ‘filosófico’ para construção de bons cidadãos ().

Há vários aspectos interessantes na história do Judô, como o fato de Kanō ter sido durante muito tempo membro do Comitê Olímpico Japonês (aliás, até o momento de sua morte), ter sido amigo pessoal dos mestres Gichin Funakoshi (o pai do Karate moderno) e Morihei Ueshiba (fundador do Aikidô), com os quais também treinara e enviara alunos para ter lições etc.

    Para a introdução das crianças neste ‘mundo’ da história da modalidade que praticam, procura-se de forma muito simplificada passar os seguintes saberes:

  1. Judô, o Caminho da Flexibilidade, foi criado no Japão.

  2. O fundador do Judô foi o mestre Jigorō Kanō.

  3. O Judô foi criado com o intuito de formar bons cidadãos.

Etiqueta

    Os principais aspectos da etiqueta dizem respeito às atitudes em aula. Como na antiguidade, a figura do sensei (professor de artes marciais), ainda é envolta num ar de mistério e respeito incondicional, coisa que faz parte da cultura das artes marciais. Como relatam Ratti & Westbrook (2006),

    freqüentemente, no coração do ryu encontramos essa misteriosa figura da qual dependia a existência do bujutsu, assim como a preservação do desenvolvimento de sua teoria e de sua prática: o mestre de armas, o professor, o instrutor de artes marciais, o sensei.

    Nas práticas atuais o modelo autoritário de identidade do professor vem sendo abandonado. Sem deixar de lado a questão do comando e da liderança, os alunos têm maior liberdade para realizar perguntas e ajudar na construção das atividades da sessão de treinamento. Esta foi a idéia adotada em nosso processo de ensino, onde os valores como respeito e hierarquia não são abandonados, mas trabalhados sem autoritarismo.

    Como práticas características do bloco de atividades ritualísticas do Judô, foram introduzidas as formas de sentar, de joelhos (seiza) e de pernas cruzadas (ogura). Também foram trabalhadas as saudações, sentada (za-rei) e em pé (ritsu-rei). O ritual de início e término dos treinos, diferente do modelo tradicional, onde apenas o aluno mais graduado e antigo (senpai) comanda as saudações, foi realizado de forma mais ‘democrática’. A cada treino um aluno diferente, não importando graduação, realizava o comando para saudação. Foi uma estratégia para que todos aprendessem os comandos e se motivassem a falar para o grupo.

Materiais e recursos do judô

    O foco deste bloco foi passar aos alunos as nomenclaturas dos materiais e estrutura para prática do judô, em idioma japonês. Sendo assim, era realizada em forma de perguntas ao grupo, o nome dos objetos etc, testando-os, desafiando-os a relembrar os nomes a cada duas ou três aulas. O vocabulário deste bloco consistiu de:

  1. Uniforme de Judô = Judō-gi (柔道着), formado pelo casaco = uwagi; calça = shitabaki; faixa = obi; chinelo = zori;

  2. Sala de Judô = Dōjō (道場), cujos elementos são: a área de treinamento = Shiai-Jō; Colchão = tatami.

Regras de competição

    Foi o ponto menos discutido com os alunos. Consistiu em explicar sobre a pontuação ganha com os golpes (toque das costas no solo valendo ippon etc.), quando estava ou não valendo uma imobilização (osae-komi) e alguns tipos de penalizações (realizar pegada dentro da boca da manga ou da boca da calça, pressionar a face do adversário, usar golpes proibidos etc.).

    A preocupação reduzida com este aspecto se deveu ao fato de estarmos trabalhando em turmas de iniciação ao Judô, e não em turmas de equipes de competição. A iniciação esportiva precoce é um fator de grande preocupação e ao qual se tem muita atenção para não promover nestas turmas.

Considerações finais

    Tendo uma experiência prévia como praticante de Karate-Dō (空手道) e Iaidō (居合道) (uma das técnicas de esgrima japonesa), minha experiência no Judô se iniciou em 2005 num curso com o professor do Clube onde treinava. Teve continuidade na disciplina de ‘Judô Fundamentos’, já na Universidade e em termos teóricos teve um incremento com um curso de treinamento físico em Judô ministrado pelo técnico da Seleção Cubana, na época do Pan americano realizado no Rio de Janeiro. A mesma teve incremento na disciplina de ‘Judô Técnicas de Ensino’ e no estágio do Curso e Bacharelado em Educação Física, realizado num grande clube de Porto Alegre.

    Com uma estrada de mais de dez anos no Karate, sendo os últimos 4 destes como instrutor, sentia falta do dia-a-dia do Dōjō para solidificar o conhecimento em Judô. Pela experiência sabia que havia uma diferença muito grande entre o conhecimento dos cursos rápidos e das disciplinas da Universidade se comparando com a prática diária na academia. Vivenciar este treinamento no clube, junto de uma pessoa com um conhecimento notável na arte, e que vivenciou o Judô por mais de 50 anos, me fez ter uma oura perspectiva do ‘Caminho da Flexibilidade’. Mesmo com uma graduação de iniciante, minha experiência em outras formas de Budô e a formação acadêmica, aliadas a esta verdadeira experiência diária, me dão, hoje, a possibilidade de dizer que me sinto capaz de ministrar aulas de Judô para crianças. Esta prática mais robusta me permite também a possibilidade de aperfeiçoar o programa de Defesa Pessoal baseado em Karate, e agora também Judô, que ministro. Muitas vezes, ouvimos diversos colegas afirmarem que não se sentem seguros em levar uma modalidade do Budô para o ensino nas escolas. Compreendo suas posições exatamente pela descrição que dou acima. Modalidades como o Judô e o Karate não são triviais, pois sua técnica é complexa e oriunda de uma cultura muito diferente daquelas que compõe alguma de nossas raízes históricas. Sem uma experiência mais profunda acredito que realmente seja difícil sentir-se preparado para assumir o papel de sensei, mesmo que seja em termos de iniciação à modalidade.

    Há muitos aspectos que não são construídos em duas ou três disciplinas de graduação, mas que só podem ser vividos no meio do Budô. Estes aspectos e valores, ligados à tradição das artes marciais do Japão, não são passíveis de aprendizado a não ser pela experiência prática aliada a teoria, motivo pelo qual a maioria das pessoas não entende que Budô não é a filosofia da arte de lutar, e sim um conjunto das duas coisas, bem como todos os seus aspectos sociais, de saúde, espirituais e até de relação com a totalidade. É o mesmo paradoxo que faz com que os estudiosos não compreendam que o Olimpismo assim também o é em relação às atividades atléticas, não conseguindo dar um sentido filosófico-educacional para a prática esportiva ou à Educação Física, quando a resposta está bem a sua frente.

    Compreender e seguir ensinando o Judô apenas em seu aspecto marcial ou apenas em seu aspecto esportivo parece grande armadilha a que o instrutor se arrisca nos dias de hoje. Por um lado, a prática assumindo exacerbadamente os valores “tradicionais” parece auxiliar no aparecimento de diversos aspectos como autoritarismo, dogmatismo, mistificação dos aspectos intrínsecos (como técnicas de respiração e pressão dos pontos vitais) e até o uso de violência gratuita por instrutores ou alunos. Nada disso favorece a construção de um ambiente harmônico e onde aconteça um bom processo de ensino-aprendizagem, como era almejado pelo próprio fundador, mestre Jigorō Kanō.

    Da mesma forma, o ensino a partir da supervalorização dos aspectos “modernos”, ou esportivos, pode vir a causar diversos revezes que atingirão diretamente o pequeno atleta, tais como: competitividade exagerada, desconhecimento da etiqueta e cultura japonesa intrínseca a prática do Judô, desenvolvimento dos aspectos integrativos e terapêuticos da arte (tão reconhecidos em outras práticas como a Yoga e o Taic’hi Chuan, mas muito semelhantes às do Budô) e especialização esportiva precoce (limitando o “vocabulário motor” dos pequenos judocas).

    O Judô nos dá, nos dias de hoje, uma oportunidade de refletir sobre uma prática que mantenha todos os aspectos da boa formação através do esporte (já presentes na obra de Pierre de Coubertin), como o respeito à outras culturas (internacionalismo), fair-play, desenvolvimento integral e excelência e adicionando os próprios conceitos desta arte a este crescimento do indivíduo. Sob este aspecto, Kanō prevê os princípios de ‘eficiência máxima’, ou Seiryoku Zen'yō (精力善用), aproximando-se da excelência, ou Areté; do ‘benefício mútuo’, ou Jita kyōei (自他共栄); ‘ceder para vencer’, ou Ju yoku go o seisu, a flexibilidade e compreensão, que pode ser extrapolada além do seu sentido literal usado no combate; antecipação ao adversário, ou Saki o tore, o desenvolvimento mental pelo planejamento e atitude; e saber quando parar, ou Tomaru tokoro o shite, o aspecto da tolerância e do autocontrole; básicos para a formação do judoca. Equilibrar estas duas faces, o “moderno” e o “tradicional”, nos remete a uma idéia de construção de um indivíduo completo. Para tanto, construímos a proposta descrita ao longo deste estudo e aplicamos a um grupo de crianças, que se mostrou satisfeito com as sessões de treinamento. Que outra recompensa maior pode ter um professor do que a alegria de praticar pressente entre seus alunos? A proposta que consiste na evolução para o novo, sem abandonar as boas lições do antigo fica como mensagem, pois a adoção de um modelo misto (que agregasse valores modernos e tradicionais) nas sessões foi o mais eficiente (tanto em termos organizacionais quanto de motivação dos alunos pela prática). Poderemos assim, tornar-nos profissionais mais críticos à nossas atividades, construindo aulas melhores e obtendo êxito profissional? Talvez sim, mas o certo é que nada obteremos sem aquela máxima do Budô que diz: ‘crie o intuito de esforço!’ 

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