efdeportes.com
Dança escolar: uma proposta ressignificada

 

Licenciada e Bacharel em Educação Física, UNIJUÍ

(Brasil)

Vanessa Mastella Lena de Souza

vanessalena@bol.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O presente relato descreve um trabalho voltado a dança escolar, como projeto extracurricular, desenvolvido em uma escola da rede privada de ensino, no município de Ijuí, Rio Grande do Sul/Brasil ao longo de 4 anos. Uma proposta de ensino que foi sendo aprimorada ao longo de cada ano e ressignificada a partir das relações existentes entre professor e aluno. Neste relato uma contribuição metodológica aos profissionais da área.

          Unitermos: Dança. Escola. Projeto extracurricular.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 147, Agosto de 2010

1 / 1

Introdução

    A dança é uma manifestação do ser humano presente em todos os tempos e em todos os povos. Conforme GARAUDY (1980, p. 9), a dança é “uma das raras atividades humanas em que o homem se encontra totalmente engajado: corpo, espírito e coração”. Por meio de sua linguagem corporal consegue manifestar o seu estado de espírito, deixando claro os seus desejos, anseios, sentimentos e emoções, é à vontade de falar, transmitida através de gestos que podem visivelmente ser percebidos e interpretados pelo outro.

    A dança pode estar inserida em vários contextos, com diferentes sentidos e significados. Neste artigo o contexto em que ela será tratada é o escolar, de forma a apresentar um trabalho inspirado em concepções da dança-educação, dança criativa e contextualizada.

    A dança escolar tem como objetivo principal à formação dos sujeitos, propiciando o conhecimento sobre si, e sobre o outro. Estimula vivências da corporeidade, incentiva a expressividade dos indivíduos, possibilita a comunicação não verbal, proporciona a liberdade de criar, inventar e reinventar, fazendo uso da imaginação e dos diálogos corporais, (Barreto, 2004). Todo esse processo é mediado pelo professor que a partir destas propostas, em suas aulas cria condições para que a criança se movimente. E é nisso que se baseou as minhas estratégias de ensino.

    Trago aqui o relato de uma proposta inspirada na Dança-Educação (Laban) que se apresenta em “contraposição à técnica rígida, mecânica e imposta de fora para dentro” (Marques, 2003, p.141) com estratégias de ensino que buscam conhecer e entender o perfil do ser dançante, verificando seus anseios e necessidades, compreendendo o seu pensar, o seu agir, respeitando os conhecimentos em dança e a bagagem cultural que cada criança já possui.

    Ainda a Dança Criativa “onde sugere que as aulas de dança devem permitir e incentivar os alunos, a experimentar, explorar, expandir, “colocar seu eu” no processo de configuração de gestos e movimentos” (Marques, 1999) e na Dança Contextualizada que “está direcionada a uma ação educativa relacionando seus conteúdos com a cultura, com o mundo vivido dos alunos e da sociedade de maneira significativa” (Marques, 1999).

    Uma metodologia que não teve por objetivo a formação do dançarino e o aprimoramento da técnica, mas sim, que visou a formação do ser humano mais crítico, sensível, criativo e autônomo. Com isso acredito firmemente que as ações descritas abaixo irão contribuir e auxiliar muitos profissionais envolvidos com o ensino da dança, na elaboração de suas estratégias de ensino. Este relato tem a intenção de apontar caminhos, trazendo sugestões de organização das aulas de dança principalmente para os acadêmicos/professores em inicio de carreira.

Objetivos do projeto

    Oportunizar a criança a partir de vivências corporais a expressividade do corpo, dos sentimentos e das emoções, o conhecimento sobre si e sobre o outro, a comunicação, a sensibilização e criatividade, permitindo a criança ter autonomia para criar e representar.

    Desenvolver e aprimorar as possibilidades de movimentação da criança, descobrindo novos espaços, novas formas, superando suas limitações e condições para enfrentar novos desafios quanto aos aspectos motores, sociais, afetivos e cognitivos.

    Através da interação com o outro, por meio de trabalhos coletivos, possibilitar a troca de experiências, a socialização, o respeito e a construção de conceitos.

Descrição da experiência

    Minha experiência teve inicio no ano de 2006, ano em que iniciei meu trabalho e minha carreira profissional como professora de Educação Física em uma escola da rede privada de ensino, no município de Ijuí. Junto, a possibilidade de assumir e coordenar o projeto de dança extracurricular da escola, desenvolvido com crianças da Educação Infantil a partir de 4 anos e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Na época, ainda acadêmica do curso de Educação Física, precisei buscar estratégias para ministrar minhas aulas, pondo em pratica o conhecimento em dança existente, junto do saber pedagógico, proporcionando uma aula prazerosa, algo que não fosse imposto, mas sim construído em conjunto. Lembro-me bem, recorri a obras de inúmeros autores buscando ampliar e aprimorar meus conceitos, aperfeiçoei meu conhecimento através de cursos e da troca de experiências com profissionais da área que contribuíram muito para o meu fazer pedagógico.

    O projeto de dança escolar, na instituição de ensino, era ofertado em turno inverso ao de aula, uma vez por semana, durante uma hora semanal. Atendia em torno de 20 crianças, a cada ano. Em função de ser um projeto optativo, ofertado como oficina, as crianças podiam optar entre tantas outras oferecidas pela escola, como futebol, capoeira, música, teatro. Ao longo destes 4 anos, muitas crianças passaram pelo projeto dança, o curioso é que todas meninas, mesmo fazendo uma boa divulgação, para os projetos extracurriculares os meninos preferiram aderir a outras modalidades. Muitos diziam ao serem indagados que dança era “coisa para menina”. Parece-me que existe ai um fator cultural.

    Durante os quatro anos a proposta foi sendo desenvolvida e aprimorada com dinâmicas de trabalho diferenciadas. No desenvolver das aulas eram proporcionados trabalhos de expressão corporal e interpretação rítmica, associando a dança às artes cênicas. Trabalhos de mímica, improvisação, o trabalho com diferentes ritmos e estilos musicais buscando ampliar a gama de conhecimentos sobre repertórios já existentes nas crianças, a representação de trechos de musicas infantis, ações inspiradas no cotidiano, construção coletiva de histórias para representação corporal, o jogo rítmico onde exploravam ruídos, sons do próprio corpo (respiração, batimentos do coração, da língua, palmas, pés), combinados a sons de instrumentos musicais, estes eram apenas algumas das ações propostas.

    Como exemplo de uma das ações desenvolvidas, escolhíamos em conjunto uma música, posso citar “A linda rosa juvenil” e as crianças organizavam suas estratégias para representar, fazendo uso dos movimentos corporais e de alguns acessórios que eram disponibilizados no espaço de aula. A partir daí, em grupos construíam suas “apresentações” para socializar com o restante do grupo e assim poder dialogar sobre as criações. Junto do dançar, o desinibir, o falar, o criar e o representar, possibilitando o crescimento de um sujeito mais autônomo e criativo. As intenções existentes com as atividades propostas apoiavam-se no desenvolvimento rítmico, conhecimento corporal, possibilidades de movimentação, noções de espaço, tempo, direções, planos, fluências, e não na técnica como procedimento único e primordial.

    Durante as aulas, era proporcionado as alunas, materiais alternativos para que criassem, interagindo corpo e objeto. Ocorria a exploração de materiais diversificados como cordas, jornais, bolas, arcos, lençóis, plásticos, elásticos, bastões, entre tantos outros, com o propósito de explorar e complexificar as diferentes possibilidades de movimentos corporais com deslocamento, sem deslocamento, em pé, deitado, com diferentes variações em diferentes planos, sentidos e níveis, para que através dos mesmos elas pudessem criar novas formas de envolver seus corpos, descobrindo, criando e recriando.

    O trabalho sempre iniciava das atividades mais simples para as de maior complexidade, das ações mais espontâneas para as mais especificas e elaboradas, das atividades de menor duração, para as atividades de maior duração, de ritmos lentos para os mais rápidos, seguindo o pensamento de VERDERI (2000), contendo na organização da aula a preocupação com o desenvolvimento individual frente às atividades, oportunizando a interação entre os sujeitos com situações individuais e coletivas. Situações coletivas que incentivaram a participação e aceitação do outro, o respeito pelas individualidades e limitações de cada um.

    Propunham-se sempre atividades lúdicas, sendo utilizadas como estratégia didática centrada nos movimentos naturais e espontâneos da criança, utilizados como pré-requisito para o desenvolvimento das estruturas psicomotoras como o esquema corporal, lateralidade, equilíbrio, tônus corporal, organização espaço-temporal, ritmo e a coordenação, favorecendo as relações interpessoais e estimulando a auto-estima, a fantasia, a criatividade. Acredito que o fator lúdico deve acompanhar o ensino da dança, pois se não houvesse ludicidade, não haveria alegria, e a dança deve estar presente na vida dos sujeitos como algo que “alimenta a alma”, que dá prazer e satisfação.

    Como experiências corporais que embasaram o projeto tínhamos a conscientização corporal, a instabilidade, o jogo da comunicação, reação em cadeia e contraste. Estas experiências eram ofertadas novamente com o intuito de encorajar o aluno à um agir autônomo, criativo e crítico, integrando o aluno ao meio, fazendo-o estabelecer relações com ele mesmo, com os outros, com os objetos, colocando-o em confronto com seu mundo de movimentos, reconhecendo a partir dos movimentos pré-existentes a possibilidade de ir além.

    Tais experiências aconteciam com a finalidade de permitir ao aluno dançar desvencilhando-se do medo de errar, pois muitas vezes algumas crianças acreditando que não conseguiriam criar algo com seus corpos, retraiam-se, demonstrando-se tímidas, mas por meio do dialogo tentou-se possibilitar sempre um ambiente constante de construção, onde professor e aluno estivessem abertos para o “novo”, para a ressignificação dos movimentos dançantes.

    Busquei sempre favorecer a aprendizagem criando condições para que o aluno se movimentasse. No desenvolver das aulas a dança não tinha regras, todo movimento era válido, desde que elaborado a partir da concepção de movimento que o aluno possuía. Sendo assim, não existia movimento predefinido, não existia um procedimento único para se atingir o mesmo fim. O que importava era o movimento, o ritmo, a música, o desejo da criança e a harmonia. As crianças eram incentivadas a produzir sempre, a pesquisar nas escolhas dos temas, a argumentar porque das escolhas, cada qual da sua maneira, dentro das suas possibilidades conforme faixa etária, havia o respeito pelas individualidades de cada uma em especial, umas se colocando mais, outras menos.

    Sim, pois como nesse grupo a faixa etária era bastante diferenciada, o tempo de concentração, criação e organização das ações, acontecia de acordo a individualidade de cada criança, umas mais lentas, mais tímidas, outras mais dinâmicas. Enfim, aos poucos as crianças foram trabalhando juntas, e assim se constituindo enquanto grupo. E assim foram reconhecendo a necessidade do respeito às individualidades e as diferenças.

    Junto de todo esse trabalho de base em sala de aula, outra proposta do projeto era a participação em eventos representando e divulgando a escola. Nesse sentido, já tendo conhecimento da participação de alguns eventos durante o ano, junto das atividades propostas elaborávamos coreografias que geralmente eram tematizadas. O trabalho era construído ao longo de dois ou três meses, e depois que as crianças demonstravam estar seguras e preparadas para subir ao palco, iniciávamos as apresentações. Os ensaios aconteciam no horário da aula e algumas vezes em horários extras, era o momento de improvisar, compor, tentar de novo.

    Como exemplo de um tema desenvolvido nas coreografias posso citar “O Mito da Caverna” narrado por Platão, apresentado no Curso de Leitura e Escrita promovido pela escola. No palco as crianças apresentaram os primeiros contatos da leitura e da escrita feita pelos primórdios até os dias de hoje, destacando as possibilidades percebidas pelo homem de criar e transformar tudo aquilo que estava ao seu redor, aquilo que vê, sente e toca. Representaram a evolução do homem a partir dos diferentes contatos que realizava, mostrando que através da cultura ele transformava o conhecimento adquirido, para integrar-se à civilização humana. Ainda mostraram que o homem desprendeu-se da escuridão a partir do momento em que passou a ter diferentes contatos com o mundo vivido. Ele passou a se aculturar e a se humanizar pelas diferentes linguagens como forma de sobrevivência. Como recurso às crianças levaram ao palco imagens, símbolos, números, letras, livros, sons, mostrando o processo de aprendizagem e construção do conhecimento a partir da leitura e escrita.

    As escolhas dos temas para composição coreográfica eram definidas a partir do interesse do grupo, ou das temáticas dos eventos em que participávamos, situação em que, por meio do diálogo e o espaço de troca, sugestões iam sendo trazidas e juntos fechávamos o que queríamos mostrar, intenções, mensagem. O cenário, o figurino, tudo era pensado em conjunto. As participações aconteciam em eventos da Feira do Livro do Município, Noite Artística, Festa Junina da Escola entre outros convites.

    Concordo com o dizer de BARRETO (2004) quando diz que “nos ensaios experimentamos as primeiras delicias da dança, as encenações e interpretações, desde a fase prematura até o amadurecimento”, um tempo para crescer e começar a brilhar. E foi isso que aconteceu, elas simplesmente brilharam, em cada uma das apresentações, cada qual com as suas particularidades, independente de faixa etária, relatavam o friozinho na barriga, percebia-se a ansiedade, mas nada que apagasse o brilho e a leveza de cada ser dançante. Era visível a realização das crianças ao ver o sorriso e os aplausos calorosos do público presente e o legal de tudo isso é que sempre ficava na criança o desejo do querer mais.

Considerações finais

    Ao final deste relato volto a salientar que os desafios foram muitos e que esta proposta deu certo devido ao planejamento cuidadoso de cada aula, o respeito pelas individualidades de cada sujeito, a valorização pelo que cada um foi capaz de contribuir, cada qual no seu tempo. Uma proposta ressignificada, que possibilitou a construção conjunta, tanto nas atividades propostas como nos processos coreográficos, um trabalho que não foi imposto, mas sim construído e reelaborado, dando sentido e significado aos movimentos. Percebo que os objetivos foram atingidos, a partir do momento que cada criança foi conhecendo um pouco mais de si, um pouco mais do outro, e assim, pode ampliar as suas possibilidades de movimentação, percebendo que era capaz de ir muito mais além do que imaginava. Também conhecendo, descobrindo e valorizando o outro, quando em situações coletivas precisava propor idéias, argumentando-as e respeitando ao mesmo tempo as intenções que estivessem em desacordo com seus pensamentos.

    Outra questão importante é que ao longo do ano foram melhorando as questões de timidez, oralidade, ansiedade, postura, adquirindo maior segurança e leveza nos movimentos. Tudo isso se deu a partir das interações que realizaram individualmente e de forma coletiva. Nesse sentido pode-se dizer que a dança escolar possibilitou as crianças participantes um espaço de crescimento tanto cognitivo, como social, afetivo e motor, auxiliando na formação dos sujeitos.

Referências bibliográficas

  • BARRETO, Débora. Dança... ensino, sentidos e possibilidades na escola. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.

  • GARAUDY, Roger. Dançar a vida. RJ. Nova Fronteira, 1980.

  • MARQUES, Isabel A. Ensino da dança hoje: textos e contextos – São Paulo: Cortez, 1999.

  • SCHWENGBER, Maria Simone Vione. Expressão Corporal; Cadernos Unijuí. Educação Física, série 10. Ijuí, 1995.

  • VERDERI, Érica Beatriz L. P. Dança na Escola, 2ª ed. SPRINT, 2000.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

revista digital · Año 15 · N° 147 | Buenos Aires, Agosto de 2010  
© 1997-2010 Derechos reservados