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Reflexões acerca das diretrizes curriculares para a Educação Física:

contexto, formação e atuação de professores em questão

Reflexiones sobre las directrices curriculares para la Educación Física: 

contexto, formación y actuación de los profesores en cuestión

Reflections on the curriculum guidelines for Physical Education: context, and formation of teacher performance in question

 

Acadêmico do 3º ano do curso de Educação Física Licenciatura

pela Universidade Estadual de Maringá. DEF/UEM/PR

(Brasil)

Jeferson Diogo de Andrade Garcia

jehdagef@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          As diretrizes curriculares apontam perspectivas neoliberais para uma formação mais qualificada no campo de trabalho da educação física, que tem por finalidade a reestruturação do mercado de trabalho, procurando-se assim, priorizar as competências para âmbitos escolares e não-escolares. Diante das condições atuais, apresento reflexões acerca da formação de professores estabelecida pela resolução CNE/CES nº 07/2004, no qual orienta a divisão da formação em bacharelado (graduação) e licenciatura, o que ocasionou uma (des)organização das possibilidades na formação de professores de educação física, além de um sucateamento em sua práxis educativa no âmbito da cultura corporal. Defendo então, a possibilidade de revogação das DCN e a proposta de uma possível superação de tal orientação, por meio do de um currículo da licenciatura ampliada, em debate no movimento estudantil de educação física (MEEF).

          Unitermos: Formação de professores. Diretrizes curriculares. Educação Física.

 

Abstract

          The curricular guidelines suggest neoliberal perspective to a more qualified labor camp in physical education, which has by the purpose of restructuring the labor market, thus attempting to, prioritize the competencies for scopes school and non-scholars. Given the current conditions, I offer reflections on the training of teachers established by the Resolution CNE / CES n º 07/2004, which directs the division of undergraduate training (undergraduate) and graduate, which caused a (dis) organization of training opportunities of physical education teachers, plus a scrap in their educational practice in the cultural body. I argue then, the possibility of revocation of the DCN and the proposal of a possible overcoming of such guidance, through an expanded curriculum of undergraduate, discussed in the student movement in physical education (MEEF).
          Keywords: Teacher formation. Curriculum guidelines. Physical Education.

 

O presente trabalho não contou com apoio financeiro de nenhuma natureza para sua realização.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 147, Agosto de 2010

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Introdução

    Já a segunda metade da década de 90 no Brasil foi marcada pelos ajustes estruturais, os quais se trataram na política de reformas no estado brasileiro para a gerência da crise mundial do capital. O campo educacional foi redimensionado, sobretudo a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso, para orientar a formação do trabalhador de novo tipo, forjado pelas demandas da produção flexível e para adequar o país as exigências das agencias multilaterais do capital internacional, no que concerne a nova formação humana[...] (QUELHAS; NOZAKI, p.76, 2006).

    Através de um resgate histórico, é possível identificar na década de 90, uma inserção de políticas neoliberais no Brasil, onde nos deparamos com mudanças na intervenção política do Estado no campo econômico, político e principalmente na educação, que passou a ser vista como uma forma de garantir a empregabilidade e de preparar a força de trabalho para o mundo do trabalho.

    A privatização e liberalização foram iniciativas para atender às demandas da força econômico-ideológica em questão. Por fim, houve um crescimento do movimento de interesses privados sobre educação, saúde, alimentação, segurança etc., que são direitos consagrados como essenciais para garantir um funcionamento "estável" da sociedade, dos quais estes são obrigações do Estado. Nesse contexto, pode-se incluir o acesso aos bens culturais, equipamentos públicos de lazer e a prática físico-esportiva. O acesso a tais atividades vem, gradativamente, se restringindo aos estabelecimentos privados ou sendo proporcionado através de políticas públicas precárias (GAWRYSZEWSKI; COIMBRA, 2008).

    No campo da educação física, na década passada, foi inserido o processo de reestruturação das Diretrizes Curriculares para a Educação Física. No ano de 1997, o ministério da educação convocou as instituições de nível superior a apresentarem propostas para as novas Diretrizes Curriculares nacionais (DCN) para os cursos de ensino superior.

    As DCN são orientações do governo, formuladas na intenção de direcionar o processo de formação humana nos projetos de escolarização do sistema nacional de educação. A partir da LDB (Lei nº. 9.394/96), os cursos de todo o país iniciaram as reformulações curriculares para uma política educacional direcionada a formação e para o reordenamento do capital, restringindo a formação às exigências do mercado de trabalho (art.1º).

    Na educação física havia uma insatisfação com o currículo da licenciatura plena por uma parcela corporativista da área, pelas justificativas de ser extensa e ultrapassada, com o argumento de que a licenciatura não contemplava as competências dos campos não-escolares, onde estavam seus interesses.

    Sendo assim, Em 31 de março de 2004 foi aprovada a resolução nº 07 do Conselho Nacional de Educação (CNE) que serve de base para a construção dos currículos dos cursos superiores em educação física e propõem a divisão/fragmentação da formação em duas modalidades: Licenciatura e graduação (Bacharelado).

Movimento humano ou cultura corporal? Afinal, o que é Educação Física? O discurso hegêmonico das diretrizes

    Perto do fim do séc. XVIII e início do séc. XIX dá se inicio a construção e consolidação de uma nova sociedade, a capitalista, imediatamente com o surgimento da nova sociedade se viu necessária a construção de um novo homem que fosse apto a esta sociedade.

    No Brasil, os princípios da Educação física foram para o bem estar, que encontramos no movimento higienista1 do início do século XX. Tendo como objetivo a ênfase na saúde e a formação de pessoas sadias e fortes para assumir seus papéis na sociedade, homem que deveria ser mais ágil, mais forte, mais empreendedor, ai onde os exercícios físicos teriam seu papel fundamental. No âmbito escolar, a educação física surge junto com os sistemas nacionais de ensino.

    Em meados de 1980, a educação física brasileira assistiu a uma intensa discussão acerca de seu caráter pedagógico, surgiram então, questionamentos acerca da identidade desta, onde era necessária uma proposta de pratica que trabalhasse em favor de um projeto histórico de emancipação humana, como também, que discutisse sua prática social nos plano social e político.

    Posteriormente, as perspectivas acerca da identidade dessa prática pedagógica, se mostraram presentes nas obras que circundaram as décadas de 80 e 90, como "O que é Educação Física?", escrita por Vitor Marinho de Oliveira (1983), o livro de Go Tani "Educação física escolar: Fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista" que defendeu uma educação física escolar com ênfase no desenvolvimento das capacidades motoras. Em 1992, um grupo denominado por coletivo de autores publicou o "Metodologia do ensino da educação física", com a perspectiva de que o objeto de estudo da Educação Física não é o aprimoramento das capacidades motoras, físicas ou o rendimento esportivo, mas sim o de propiciar aos alunos a apropriação crítica da cultura corporal,2 sendo ela uma prática social que no âmbito da escola deve realizar uma reflexão pedagógica sobre seus conteúdos desenvolvidos historicamente pela humanidade, pela pedagogia critico-superadora (SOARES, et al, 2009, p. 50).

    Desde o início dos anos 90, era cada vez mais acentuada a necessidade de entender a educação física em contraponto ao simples modelo de educação proposto pela sociedade vigente, de cunho hegemônico e liberal3 que impõe, assim, seus valores de reprodução do sistema capitalista.

    Entendo que estas diretrizes não consideraram a história da educação física, ao entenderem, como sua área de conhecimento o movimento humano, no qual esta, que nas correntes pedagógicas é mais bem representada pela a abordagem desenvolvimentista, tendo por objetivo principal o desenvolvimento motor.

    Art. 3º - A educação física é uma área de conhecimento e de intervenção acadêmico-profisional que tem como objetivo de estudo e de aplicação o movimento humano, como foco nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte, da luta/arte marcial, da dança, nas perspectivas da prevenção de problemas de agravo da saúde, promoção, proteção e reabilitação da saúde, da formação cultural, da educação e da reeducação motora, do rendimento físico-esportivo, do lazer, da gestão de empreendimentos, relacionados às atividades físicas, recreativas e esportivas (BRASIL, 2004, p.1).

    Torna-se imprescindível compreender, que este conhecimento da Educação física tem em si uma intenção política, que se diz neutra, mas, vale situar que tal prática não possui intenção revolucionária no que se refere a projeto histórico, ela então é reacionária, burguesa, do qual está pautada em uma ideologia neoliberal de interesse com a formação do homem como mercadoria, regido pela lei do valor, onde o homem mercadoria, ou seja, a força de trabalho deve estar sendo aprimorada e qualificada através de cursos técnicos, profissionais, dentre outros, pensando exclusivamente na concorrência e preparação para o mercado de trabalho.

    Além dos fatores apontados, quando se fala da legitimização da educação física dentro da escola e que surgem alguns equívocos, por ser ou não um componente importante do currículo escolar na formação do ser humano. E é nesse sentido que, certamente, a concepção de educação física tenha adquirido conceitos mal formulados sobre sua especificidade e tenha ganhado a co-notação de ser a disciplina em que o desenvolvimento motor, a saúde e a aptidão física são seus principais conteúdos, do qual percebemos explicitamente na resolução.

    Acresce que, devo deixar claro o conhecimento sobre o a composição dos conteúdos educação física, remete ao entendimento desta como pratica pedagógica construída historicamente pelo homem enquanto ser social, que atua na natureza modificando e sendo modificado por ela, produtor de sua cultura que é passada de geração após geração através da educação.

    [...] diremos que a educação física é uma prática pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de atividades expressivas corporais, como jogo, esporte, dança e ginástica, formas estas que configuram uma área de conhecimento que podemos chamar de cultura corporal (SOARES, et al 2009, p.50).

    Tafarrel e colaboradores (2006) apontam que a Educação Física se caracteriza historicamente pelo trabalho pedagógico, da docência no campo da cultura corporal, ou seja, a ativi­dade pedagógica no trato com o conhecimento da cultura corporal.

Diretrizes curriculares e mundo do trabalho: a Educação Física como meio e o lucro como fim

    Em 1998, surge mais um golpe liberal, foi criado pela Lei nº 9.696, de 1º de setembro o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), que é uma instituição de direito público destinada a orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício das atividades próprias dos profissionais de Educação Física (BRASIL, 1998). Este conselho se consolidou por interesses corporativistas e empresariais, que defendeu as diretrizes como formas de garantia de mercado de trabalho aos profissionais de educação física.

    Neste texto, vejo como importante situar a influência desse conselho na estruturação das diretrizes curriculares, percebendo a intenção de desorganizar a classe trabalhadora em seu coletivo, uma vez que essa dissociação do proletariado corresponde aos interesses da classe social hegemônica desse período histórico (burguesia).

    Pires (2006) contextualizou que a proposta de diretrizes curriculares defendida pelo sistema COFEF/CREF tinha como princípio a oferta de dois cursos distintos, sendo estes o Bacharelado profissionalizante (formação para atender diferentes postos de trabalho, exceto Educação Física Escolar) e de Licenciatura (formação para atender o ensino de Educação Física na Educação Básica), esta proposta constava como estratégia a troca de nomenclatura, provavelmente para fugir de um debate antigo da área, atribuindo o nome de Graduado em Educação Física e não Bacharelado.

    Desde a década de 80, no cenário mundial, com o advento das políticas de desobrigação do Estado na gerência das conquistas sociais, bem como o início da flexibilização das relações de trabalho que trouxeram duras penas para a classe trabalhadora, que é possível perceber, na educação física brasileira, um reordenamento no trabalho do professor. [...]em 1987, o grupo privatista conseguiu avanços na formulação da Resolução 03/87, quando esta previu a possibilidade do bacharelado para a educação física. Este foi o primeiro ataque fragmentador da licenciatura em educação física. A perspectiva do bacharelado apontava para a formação para os campos de trabalho não escolares, numa vã tentativa de se assegurar tais campos para o professor de educação física, buscando, inclusive, descaracterizá-lo enquanto um trabalhador assalariado do magistério e caracterizá-lo como um profissional liberal, flexível ou empreendedor, trabalhador este característico do fenômeno de precarização do trabalho evidenciado mundialmente nos anos 90 (QUELHAS; NOZAKI; p.74, 2006).

    Compreende-se então, que a pretensão do Sistema CONFEF/CREF com as diretrizes foi de adaptar a Educação Física brasileira a ética de livre mercado, sem a preocupação com a qualidade da formação e sim com a garantia do mercado para os profissionais da área.

    Se antes existia a defesa deste mercado contra o dito leigo, e este foi um motivo encontrado para centralizar a defesa da regulamentação, hoje os conhecidos anteriormente como "leigos"4 passaram a ser chamados de "profissionais de educação física" a partir de cursos oferecidos pelo próprio Sistema CONFEF/CREF.

    Analisando o contexto brasileiro, percebemos que a última grande ofensiva do setor neoliberal foi à intervenção direta no processo de construção das atuais diretrizes curriculares, no qual a versão final do documento orienta a formação dos futuros professores/profissionais de Educação Física e define que a função do professor/profissional de Educação Física seria fomentar um estilo de vida ativo nas pessoas (art. 4º) (GAWRYSZEWSKI, 2007).

Formação de professores e atuação profissional: a dicotomia entre bacharelado e licenciatura

    A presente resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em educação física, em nível superior de graduação plena, assim como estabelece orientações especificas para a licenciatura plena em educação física (BRASIL, 2004).

    A divisão entre licenciatura e bacharelado, proporciona uma formação fragmentada do conhecimento, causando a desqualificação do trabalhador na sua atuação profissional fazendo com que este perdesse sua noção de totalidade. Esta separação passou a representar uma formação meramente pedagógica para a licenciatura e uma formação puramente técnica para o bacharelado.

    Art. 4º - O graduado em educação física deverá estar qualificado para analisar criticamente a realidade social, para nela intervir acadêmica e profissionalmente por meio das diferentes manifestações e expressões do movimento humano, visando à formação, a ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas, para aumentar as possibilidades de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável. [...] 2º O professor da educação básica, licenciatura plena em educação física, deverá estar qualificado para a docência deste componente curricular na educação básica, tendo como referência a legislação própria do Conselho Nacional de Educação, bem como as orientações especificas para esta formação tratadas nesta resolução (BRASIL, 2004)

    No que se trata do bacharel, o art. 6º das atuais diretrizes declara que a formação do graduado em educação física deverá ser concebida de acordo com algumas competências transcritas no documento como, pesquisar, conhecer, compreender, analisar, avaliar a realidade social para nela intervir acadêmica e profissionalmente, por meio das manifestações e expressões do movimento humano, dentre outras. As instituições de ensino superior poderão incorporar outras competências e habilidades que se mostrem adequadas e coerentes com seus projetos pedagógicos.

    A definição das competências e habilidades gerais e específicas que caracterizarão o perfil acadêmico-profissional do professor de educação básica, licenciatura plena em educação física, deverá pautar-se em legislação própria do CNE (BRASIL, 2004).

    A Resolução CNE/CES nº 07/2004 estabelece que na organização dos cursos, seus currículos devem articular os conhecimentos de Educação Física, sendo estes divididos em de "Formação ampliada" e de "Formação Específica" que por sua vez, são subdivididos nas "Dimensões do conhecimento" (BRASIL, 2004, p.3).

    1º A Formação Ampliada deve abranger as seguintes dimensões do conhecimento:

  1. Relação ser humano-sociedade

  2. Biologia do corpo humano

  3. Produção do conhecimento científico e tecnológico

    2º A Formação Específica, que abrange os conhecimentos identificadores da Educação Física, deve contemplar as seguintes dimensões:

  1. Culturais do movimento humano

  2. Técnico-instrumental

  3. Didático-pedagógico (Brasil, 2004, p.3)

    De fato, se percebe que esta formação ampliada não leva em consideração a formação pedagógica em suas dimensões, deixando claro, a intenção que se coloca sobre os bacharéis, técnico-instrumental, com formação de exército de reserva para mercado de trabalho.

    O curso de licenciatura plena direciona a formação dos professores da educação básica correspondente ao ensino fundamental, médio, superior e EJA e permite legalmente ao licenciado atuar em qualquer área sendo ela escolar ou não escolar.

    A graduação (bacharelado) compete à prática profissional para outros ambientes como as academias, clubes, empresas de lazer, hospitais, entre outros. Na realidade o Bacharel em educação física é quem tem sua atuação profissional limitada, pois não é permitida sua atuação nas escolas, enquanto para o licenciado não existe nenhuma restrição legal.

    Os cursos de bacharéis seguem as diretrizes de graduações em educação física que possibilitam uma fragmentação na formação, podendo assim, ter muitas graduações, com diversos bacharelados para especialização, como lazer, esporte, treinamento, entre outros, limitando a atuação destes as áreas não-escolares e reduzindo uma formação que deveria ser ampla.

    Quelhas e Nozaki (2006) retratam algumas das criticas acerca dessa formação, sendo ela uma proposta mediada fundamentalmente pela noção de mercado de trabalho, que desconsidera que a formação em educação física pressupõe enquanto objeto central a docência, o elemento pedagógico, independente do campo de atuação. Além do mais, esta formação não leva em conta que o trabalhador da educação física precisa para se manter, tendo, para isso, de atuar, muito nos vários campos de trabalho, o escolar e os não-escolares.

    A divisão do curso de educação física serviu para colocar trabalhador (professor) contra trabalhador (profissional liberal, bacharel). Esta divisão da classe acaba por enfraquecer as lutas em conjunto dos trabalhadores pela melhoria das condições de trabalho, ou seja, pela regulamentação do trabalho.

    No que diz respeito à concepção de professor a ser formado, entendo que, pensar uma concepção de professor é pensar em que escola se quer construir, tendo em mente em qual sociedade estamos inseridos e qual sociedade que queremos construir (TAFFAREL; LACKS; JUNIOR, 2006).

Licenciatura ampliada: algumas aproximações

    [...] na perspectiva da defesa da licenciatura ampliada, apresentamos as contribuições do grupo de estudo e pesquisa em educação física & esporte e lazer (LEPEL, 2005). A denominação do curso proposta é a licenciatura ampliada em educação física, compreendendo aqui como licenciado o que está apto a agir, atuar e desenvolver a atividade docente em diferentes campos de trabalho, mediado pelo objeto – cultura corporal (NOZAKI, p.83, 2006).

    Entendo como importante discutir o porquê de ser contrário a divisão dos cursos de educação física em licenciatura e bacharelado, mas então o que defender? E por quê?

    A intenção aqui é fazer alguns apontamentos sobre a proposta de licenciatura ampliada, por entender que a há necessidade e possibilidades concretas de construção de um currículo que integre a formação do licenciado e do bacharelado.

    A Licenciatura Ampliada é uma proposta desenvolvida pelo movimento estudantil (MEEF) e também pelo grupo de estudo e pesquisa em educação física & esporte e lazer (LEPEL). A proposta é assim chamada pelo entendimento de que se deve ter uma formação ampla onde o acadêmico tenha contato com todo o conteúdo abarcado pela cultura corporal sendo este na área escolar ou não escolar, lembrando que, a titulação que se restringe a uma área de atuação é o bacharelado, pois não pode trabalhar nas escolas.

    Vale ressaltar que, a licenciatura Ampliada não é a junção entre Licenciatura e Bacharelado, pelo contrário, ela tem por intenção romper com a fragmentação do conhecimento da educação física, para então ser contrária a lógica do capital voltada para o mercado de trabalho.

    O curso de Educação Física, pela proposta de Licenciatura Ampliada, deverá ser pautado em uma formação que possibilite a qualificação para trabalhar, orientada em princípios morais, político e pedagógicos, entendendo que a relação da práxis pedagógica é que identifica o professor de educação física independente do seu campo de atuação.

    As Diretrizes Curriculares para os Cursos de Licenciatura Am­pliada em Educação Física foram desenvolvidas em consonância com os princípios enunciados no Parecer n. 776/97, da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CES/CNE), constituindo-se num conjunto articulado de princípios e de orientações que devem ser considerados na proposição e no desenvolvimento curricular desta modalidade de curso. Nelas, o currículo é concebido como fenômeno histórico, resulta­do das relações sociais, políticas e pedagógicas que se expressam na or­ganização de saberes vinculados à formação do ser humano. O currículo pressupõe a organização interativa de conhecimentos pautados nas tradi­ções cultural e científica do nível e/ou da área de formação, estabelecidos a partir das questões que emergem do contexto sócio-cultural, superando as visões de currículo que se caracterizam pela organização formal, linear e fragmentada de disciplinas convencionais, e por excessiva carga de dis­ciplinas obrigatórias com grandes vínculos de pré-requisitos (TAFFAREL; LACKS; JUNIOR; et al. p.162, 2006)

    A proposta de Licenciatura Ampliada trás como matriz científica a história do homem e da natureza. Assim, para compreendermos o que é educação física temos que entender como o homem se dá enquanto ser social e como a sociedade se desenvolveu até os dias de hoje, assim, para entendermos como a educação física de desenvolveu. Isso se torna mais importante ao pensarmos na estrutura que o currículo do curso de educação física deve estar pautado.

    No que se refere à autonomia das instituições de ensino para a formação sobre o currículo, no art.5º a instituição de ensino superior deverá pautar o projeto político do curso de graduação em educação física em alguns princípios, dentre os quais se destaca a autonomia institucional e uma construção e gestão coletiva do projeto pedagógico. De tal maneira, as DCN orientam e não impõem uma proposta de formação.

    Art.7º - Caberá à instituição de ensino superior, na organização curricular as unidades de conhecimento de formação específica e ampliada, definindo as respectivas denominações, ementa e cargas horárias em coerência com o marco conceitual e as competências e habilidades almejadas para o profissional que se pretende formar. [...] 3º A critério da instituição de ensino superior, o projeto pedagógico do curso de graduação em educação física poderá propor um ou mais núcleos temáticos de aprofundamento, utilizando até 20% da carga horária total (BRASIL, 2004).

    É possível que as instituições de ensino superior optem pelo oferecimento conjugado dos dois tipos de formação a partir de uma entrada única, independente do modelo de entrada proposto, tentando assim contemplar desde o início da formação, os créditos exigidos para uma e outra habilitação.

    [...] as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Licenciatura Ampliada em Educação Física foram desenvolvidas de modo a: assegurar a autonomia das Instituições de Ensino Superior na composição da carga horária e duração dos cursos, bem como na espe­cificação das unidades de estudo, [...] compreender uma concepção de formação humana omnilateral, em contraponto a concepção de competências, não incorrendo o redu­cionismo que induz a formação a um sentido meramente instrumental, mas sim, como uma política global que compreende dimensões huma­nas como a científica, pedagógica, técnica, ético-moral e política ( TAFFAREL; LACKS; JUNIOR; et al; p.163-164, 2006).

    A Licenciatura Ampliada fundamenta-se na concepção de homem como um possível transformador da realidade, pautando-se na construção de uma sociedade sem classes, sem ricos, pobres, burgueses e proletários.

    Para tal é necessário entender a conjuntura por qual passa a sociedade, na qual o capitalismo dita como os homens devem se (des)organizar. É preciso assim, exercer uma análise crítica das concepções de homem, mundo e sociedade, para um real entendimento das contradições sociais, para a construção de tal proposta curricular.

Considerações finais

    Na educação física, as diretrizes curriculares pautadas pela resolução nº07/2004 podem ser facilmente entendidas como um retrocesso na formação do professor, visto que os interesses colocados sobre esta divisão não são os interesses da maioria dos afetados, acadêmicos e professores (trabalhadores), mas de uma parcela corporativista, que fragmentam a luta da classe trabalhadora, em busca da regulamentação da profissão e se esquecem que é o trabalho que deve ser regulamentado.

    Entendo que, no campo da educação física, nunca se justificou esta divisão do curso em Licenciatura e Bacharelado onde a diferenciação dos espaços de intervenção profissional não deve se traduzir em uma necessidade de estabelecer a formação dicotomizada.

    A fragmentação apenas gerou discussões no que se trata da formação sendo ela estruturada para quem? Professores ou profissionais em educação física? Dicotomia causada sem verdadeira fundamentação histórica e que além do mais indaga com algumas perguntas pertinentes em relação ao seu impacto no trabalho docente e modo que a formação humana é sucateada por esta formação.

    É necessário buscar um projeto de homem, mundo e sociedade - “contra hegemônico” e mais que isso, “revolucionário”- e isso, me condiciona a apontar para uma luta, em virtude, da superação e revogação das atuais diretrizes curriculares para educação física, por compreende-lá como mais uma manobra neoliberal que enfraquece a classe trabalhadora, de seus interesses coletivos, os classificando por bacharéis e licenciados, onde que, na verdade, não deveria existir tal dicotomia ao considerar que tratarmos, todos nós, da educação em nosso trabalho, pois somos antes de tudo, professores.

    Compreender a educação física nesse momento histórico atual trata de perceber como ela vem sendo determinada pelas contradições da sociedade capitalista, no qual, não pode apenas ser um elemento de reprodução, mas sim, uma prática social com tendência de transformação da social.

Notas

  1. O movimento higienista tinha com objetivo formar uma "raça brasileira" pura e saudável. Essa raça brasileira deveria ser branca, com descendência européia e para tanto, a exclusão de negros, mulatos e índios era reforçada. Outro interesse ascendente era a manutenção de mão-de-obra, ou seja, o trabalhador, que deveria estar apto para essa nova sociedade emergente (capitalista), pois o trabalhador não poderia estar doente para o serviço.

  2. O conceito de Cultura Corporal começa a ser usado em meados da década de 80, perante um contexto nacional de abertura política e num contexto específico de crítica à esportivização da Educação Física brasileira. Assim, o Coletivo de Autores (2009, p. 62) tratou o conceito a partir da lógica do Materialismo-Histórico. A cultura corporal é sistematizada pelos conteúdos das danças, lutas, esportes, ginásticas e jogos (brincadeiras, brinquedos, cantigas...) (SOARES et al., 2009).

  3. O termo "liberal" não tem sentido de "avançado", "democrático", "aberto", como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como justificação do sistema capitalista, que ao defender a predominância da liberdade e dos interesses individuais da sociedade, estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção e divisão social do trabalho, denominada sociedade de classes (LIBÂNEO,1995, p.21).

  4. Os profissionais das danças, yoga, artes marciais, recreacionistas, fisioterapeutas, dentre outros.

Referências

  • BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 7, de 31 de Março de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena. Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação, Brasília, 2004b.

  • BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, Diário Oficial da União, 23 dez. 1996.

  • BRASIL. Lei Nº 9.696, de 1º de setembro de 1998. Dispõe sobre a regulamentação da Profissão de Educação Física e cria os respectivos Conselho Federal e Conselhos Regionais de Educação Física. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 set.

  • COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino da Educação Física. 2ed. São Paulo: Cortez, 2009.

  • GAWRYSZEWSKI, B. A prática docente (desvalorizada) em Educação Física no contexto neoliberal. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 11, n.105, fevereiro/2007. http://www.efdeportes.com/efd105/a-pratica-docente-desvalorizada-em-educacao-fisica-no-contexto-neoliberal.htm

  • GAWRYSZEWSKI, B; COIMBRA, T.C. A precarização do trabalho do professor de Educação Física e a burguesia do fitness: ACAD/ SINDACAD e CONFEF. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 13, n.120, maio/2008. http://www.efdeportes.com/efd120/a-precarizacao-do-trabalho-do-professor-de-educacao-fisica.htm

  • LIBÂNEO, J. C.; Democratização da escola pública: pedagogia crítico social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1995.

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  • NOZAKI, H.J; QUELHAS, A. A.; A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA E AS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES FRENTE AOS AVANÇOS DO CAPITAL. Motrivivência, 26(1): 69-87, 2006.

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  • PIRES, R.G.; Formação profissional em educação física no Brasil: suas histórias, seus caminhos. Revista da Faced, nº 10, 2006.

  • TAFFAREL, C. Z; LACKS, S.; JUNIOR, C. de L.S; et al. Formação de professores de educação física para a cidade e para o campo. in: Pensar a Prática 9/2: 153-179, jul./dez. 2006

  • TAFFAREL, C; LACKS, S; JUNIOR, C. de L.S. FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: estratégia e táticas. Motrivivência, Nº 26, P. 89-111 Jun./2006.

  • TANI, G. et al. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista: São Paulo: Epu. Editora da Universidade Estadual de São Paulo, 1988.

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