efdeportes.com

Tradição e fé na Folia de Reis. Um estudo de forma, padrões e cultura

La tradición y la fe en la Fiesta de Reyes. Un estudio de la forma, los modelos y la cultura

 

Pesquisa em Danças Brasileiras

Minas Gerais

(Brasil)

Caroline de Miranda Borges

carol_line.miranda@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          A Folia de Reis também conhecida como Reisado é uma dança dramática popular no Brasil em que se festeja o Dia de Reis. Os figurantes usam trajes muito coloridos e originais. Essa manifestação apresenta a história dos três Reis Magos, designação dada a três personagens que segundo São Mateus, vieram do Oriente guiados por uma estrela, visitar o recém-nascido “Rei dos Judeus” (Mt. ii, 1-12). São festejados no dia 6 de janeiro em toda Europa católica, mormente nos países latinos e com grande destaque na Península Ibérica. Segundo a tradição é um dia de dar e receber presentes.

          Unitermos: Folia de Reis. Reisado. Folclore. Manifestações populares. Dança brasileira. Religião. Magos. Natal. Presépio. Epifania.

 

Fotos by Wosley Torquato da Silva

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 145 - Junio de 2010

1 / 1

    Segundo Sébillot e Saintyves, folclore é um resumo dos modos de sentir, pensar e agir próprios às camadas sociais populares, nas sociedades civilizadas. Tanto o objeto de estudo, as tradições populares ou o populário, neologismo brasileiro, como a disciplina científica que o compreende, são igualmente designados por folclore.

    A palavra original “Folk-lore” significa segundo Thoms o “saber vulgar” que foi utilizada em uma famosa carta ao Athenaeum de Londres, publicada a 22 de agosto de 1846. Seu propósito era salvar restos de lendas, de baladas, tradições, dos usos e costumes antigos. Não levava em conta a realidade social de que tais elementos faziam parte. Essa coleta enquadrava-se nas tendências gerais do pensamento europeu onde valorizava o romantismo, os costumes nacionais, em que os temas eram oriundos de gente simples do campo, revelava canções, superstições, contos, representações e festas tradicionais, remanescentes de eras remotas.

    As teorias de busca dos fenômenos folclóricos teriam seu ponto de partida no Pantschatantra e no Hitopadesa da velha Índia, segundo Benfey; na Índia e nos povos de língua indo-européia, segundo Max Müller; no Egito segundo Elliot Smith e W. J. Perry; na Assíria e Babilônia, segundo Winckler.

    Alan Dundes, num ensaio demonstrou que o estudo do folclore tendeu a ser diacrônico, e não sincrônico:

    ... as explicações genéticas eram consideradas suficientes para definir a natureza do folclore.

    O fenômeno folclórico foi desde cedo identificado como tradicional, anônimo e popular, com a predominância mais geral da oralidade, ou seja, da transmissão direta de pessoa para pessoa, pelo exemplo, pela participação e pela proximidade. Estes qualificativos sofreram e estão sofrendo, um contínuo reajustamento, à medida que a experiência humana se enriquece. Tradicional, ao tempo de Thoms, era o que sobrava do passado; e a esta concepção simplista correspondia, naturalmente, a da imutabilidade da tradição.

    Um recenseamento sumário, à base de exemplos brasileiros, pode dar uma idéia aproximada do campo do folclore, tais como: literatura oral, folclore infantil, crendices e superstições, lúdicos, artes e técnicas, música, usos e costumes, linguagem. A unidade do folclore apresenta de forma indissolúvel, variada, diversa, multiforme, poli-crômica e nenhum dos seus elementos pode viver isoladamente.

    Em “Contos Populares do Brasil”, Romero excluiu os contos tupis, que não foram passados às populações do Império, considerando o índio estranho a nossa vida presente.(1883). Mas segundo Sébillot e Saintyves o folclore resulta da estratificação social, que não existe, ou pelo menos não separa os indivíduos.

    Muitos estudiosos enquadram o estudo do folclore nas pretensões da História, da Lingüística, da Psicologia, mais atualmente está entre a Sociologia e a Antropologia. Cabendo mais no campo da Antropologia cultural, como uma divisão especial, visto que já recorre a métodos e processos antropológicos para a documentação, a pesquisa e a análise dos seus fenômenos.

    

    Isoladamente quando se fala de Folia de Reis, o termo “Mago” aparece e essa terminologia se aplica aos sacerdotes da antiga religião persa que formavam uma casta coesa e poderosa. Eram tidos como sábios e possuidores de dons divinos. Seu contato com o outro mundo se fazia por meio dos astros, dedicando-se, por isto, ao estudo da Astronomia e às práticas astrológicas. Por causa desse prestígio, eram comumente escolhidos para preceptores dos príncipes persas.

    No cristianismo, o termo Reis Magos se refere a três célebres personagens que, segundo São Mateus, vieram do Oriente, guiados por uma estrela, visitar o recém-nascido Rei dos Judeus (Mt. Ii, 1-12). Este singelo e poético relato bíblico inspirou igualmente a tradição cristã primitiva, a imaginação popular e a arte dos pintores renascentistas. São vários os quadros célebres dessa cena. Desde cedo, a piedade cristã atribuiu nomes e outras particularidades a esse fato. Chamar-se-iam, pois, Melquior, Gaspar e Baltasar, mas as pinturas das catacumbas e alguns escritores do primeiro século sugerem dois, quatro e até doze reis magos. Talvez o número de três se tenha fixado pelo fato de se apresentar cada um como representante de cada uma das raças: branca, amarela e negra.

    A crença nos Reis Magos foi trazida desde os primórdios do descobrimento do Brasil, os encontros eram regados de comida, bebida, dança e orações cantadas em várias vozes.

    Sua festa, dia 6 de janeiro, foi sempre muito popular em toda a Europa católica, hoje é ainda lembrada nos países latinos e mais acentuada na Península Ibérica onde é feriado. O Dia de Reis, como é conhecido e ainda é festejado de maneira toda especial conforme a tradição é o dia de dar e receber presentes. Os colonizadores, portugueses e espanhóis transplantaram essa manifestação para a América Latina.

    No interior do Brasil, essa data é festejada com os chamados reisados. Em geral são formados por grupos que percorrem casas mais abastadas pedindo presentes e entoando cânticos folclóricos:

    ...”Ò de casa, nobre gente, escutai e ouvireis, lá nas bandas do Oriente, são chegados os três Reis”

    O Dia de Reis ou conhecida como Epifania inclui-se nas festividades do ciclo natalino.

    Cantam e encantam versos que segundo Affonso Furtado, em seu livro Reis Magos – História, Arte e Tradições, brinda-nos com belíssimos poemas:

Barcos de Santos Reis – Deífilo Gurgel

 

“Na festa de Santos Reis,

Da Cidade de Natal,

Qualquer pessoa do povo,

Com modesto capital,

 

Pode, se assim lhe aprouver,

Transformar-se num instante,

No feliz proprietário

Dos barcos mais elegantes

 

Que alguém já pensou em ter,

Para poder, algum dia,

Fazer um longo cruzeiro

De Oropa, França e Bahia.

 

São naus de papel de seda

Carregadas de castanhas

Sonhando terras distantes

De Portugal e de Espanha.

 

Herdeiras das velhas naus,

Catarinetas e Fragata,

Veleiros de D. Sancha

Coberta de ouro e prata.

    No centro sul brasileiro as Folias de Reis existem em grande número e suas visitas às casas tem como objetivo o pagamento de promessas e a arrecadação de “prendas” ou “donativos em dinheiro” para festa do Dia de Reis. Estas festas podem ser realizadas tanto no dia 6 de janeiro como durante todo o mês, ficando por conta da tradição local.

    Nas pesquisas mais recentes pode-se encontrar variações dessa festa tradicional, onde grupos são denominados como: Reisados, Terno de Reis, Boi de Janeiro, Boi de Mamão, Boi de Reis, Bumba-meu-boi, Cavalo Marinho, Companhias de Pastores, Guerreiros, Lapinhas, Mulinha de Ouro, Pastores, Pastorinhas, Pastoris, Rancho de Nas festas de Reis encontra-se grande fartura de comida e bebida onde são servidos a todos sem distinção de raça ou poder econômico. Existe grande união de famílias que se propõem em realizar um serviço voluntário em prol da comunidade e união para entretenimento de todos e a manutenção da tradição e religiosidade local. A festa anual faz com que essas famílias abram suas casas para que as Folias cantem seu louvor. Os donos das casas enfeitam as janelas e o interior com toalhas, flores e imagens de santo, para receberem foliões. Muitas dessas casas onde se realizam as festas por tradição, são consideradas pelos foliões um campo sagrado, um local santo.

    Os grupos de Folia de Reis no centro sul brasileiro, em especial no triângulo mineiro, são formados de músicos e cantores onde todos trajam ternos brancos com lenços coloridos envoltos no pescoço. Usam-se bandeiras coloridas que simbolizam o nascimento e a visita dos três Reis Magos. A bandeira é o símbolo mais importante da festa onde é adorada e colocada em local de destaque. Os instrumentos utilizados são: instrumentos de corda, sanfona e percussão. Os cânticos contam a viagem, a chegada e a partida dos Reis Magos quando em visita ao nascimento do Rei dos Judeus – Jesus.

    O primeiro dia de visita do grupo para cumprir a tradição deverá ser feita no dia 24 de dezembro, conforme pesquisa realizada em Uberaba – MG com a família Torquato com mais de 70 anos de tradição em folia de reis, e assim repete diariamente durante a última semana de dezembro e todo mês de janeiro.

    A participação de crianças é algo marcante para a disseminação e perpetuação da tradição, crianças se vestem de anjos e levam a bandeira - símbolo do grupo.

    Em algumas folias o número de integrantes varia de 10 a 14 pessoas e equivale ao número de apóstolos de Cristo e mais os soldados de Herodes que segundo a Bíblia foi o rei que mandou matar o menino Jesus. Todos integrantes do grupo cantam e/ou tocam instrumentos como sanfona, viola, violão, bandolim, cavaquinho, triângulo, pandeiro, bumbo, caixa, chocalho, entre outros.

    Para alguns foliões e amantes da tradição, a Folia é uma religião. Entre os componentes estão:

  • Mestres - que conduzem a Folia, cantam, falam os versos nas chegadas das casas

  • Contra-mestres que representam os reis magos - na busca pela estrela que os levará ao menino Jesus

  • Palhaço(s) representam os soldados de Herodes disfarçados em farrapos e máscaras, que perseguiam os Reis Magos, a fim de informar o Rei Herodes onde estava o menino Jesus. Mas que ao encontrarem o menino, eles se arrependeram e se ajoelharam em adoração. Os palhaços acompanham a Folia de longe, indo atrás, para não serem notados. Só depois se revelam e cantam versos. Os palhaços costumam duelar entre si, por meio de suas trovas e versos cantados quando mais de uma folia se encontram. Na bênção da Folia na igreja, os palhaços tiram suas máscaras em respeito, os que se recusam a tirar as máscaras têm que esperar os outros foliões do lado de fora.

  • Foliões – pessoas que seguem o grupo como procissão.

    Muitas manifestações culturais e religiosas em nosso país se baseiam em músicas ou mesmo em estrofes com 4 versos, com versos falados ou cantados, passados de geração em geração pela rica cultura oral. As músicas ou versos cantados nessas manifestações têm uma cadência tão característica, e temática tão própria que só de ouvir de longe já se sabe do que se trata. (Overmundo, net)

... Eu te saúdo Rei Gaspar

Dai-me dessa semente para

Que eu possa ter e possa dar

 

...Eu te saúdo Rei Belchior

Dai-me dessa semente para

Que eu possa ter e possa dar

 

...Eu te saúdo Rei Baltazar

Dai-me dessa semente para

Que eu possa ter e possa dar

    Nas pesquisas realizadas junto a grupos do centro sul brasileiro pode-se notar grande fé popular nos Reis Magos, muitas promessas são feitas e muitos milagres são narrados pelos foliões.

    Existem grandes feiras promovidas por entidades governamentais e encontros de folias que ajudam na manutenção da cultura, mas somente nos grandes centros urbanos onde o capitalismo impõe suas regras de comércio e marketing.

    Um grande esforço é realizado pelas famílias festeiras para manter a tradição dos reisados, passando e ensinando de forma oral, voluntária e pouco didática para filhos, parentes, vizinhos e comunidade em prol da preservação cultural.

    Dados estatísticos mostram muitas folias espalhadas por todo o Brasil e em grande proporção e diversidade. Muitos grupos mesmo sem apoio financeiro ou incentivos culturais, no interior do país continuam suas apresentações e visitas pela fé e pela preservação colocando à mostra a riqueza das manifestações populares brasileiras.

Referências

  • ALVARENGA, Oneyda. Música popular brasileira, Porto Alegre, Editora Globo, 1950.

  • ANDRADE, Mário de. Danças dramáticas do Brasil, São Paulo, Livraria Martins Editora.

  • AZEVEDO, Ricardo. Armazém do folclore, São Paulo, Editora Ática, 2000.

  • BERÇACO, Ériton. Folia de reis: o canto que toca e encanta, Overmundo, net. 2007.

  • BORIS, Kochno. Le Ballet. Hachetted, Paris, 1954.

  • CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro, Instituto Nacional do Livro, 1954.

  • MAGALHÃES, Alvaro. Dicionário enciclopédico brasileiro ilustrado, Rio de Janeiro, Editora Globo, 1951.

  • RIBEIRO, Darcy.O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Cia. Das Letras, 1997.

  • SILVA, Affonso M. Furtado da. Reis magos: história, arte, tradições. Rio de Janeiro,Leo Christiano Editorial, 2006.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

revista digital · Año 15 · N° 145 | Buenos Aires, Junio de 2010  
© 1997-2010 Derechos reservados