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A dança e a criança que dança: delineando

possibilidades na educação infantil

El baile y el niño que baila: diseñando alternativas en la educación infantil

 

*Licenciada em Educação Física

Professora de Dança na Secretaria Estadual de Educação de Goiás

Mtda em Educação Brasileira pela

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás.

**Graduada em História pela UEG, 2003 e em Educação Física pela UFG, 2009

Agente educativo nos CMEIs na Rede Municipal de Educação de Goiânia desde 2004

Regiane Ávila*

Ladeane Dourado Oliveira**

regianeavila@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Com este trabalho identificamos e analisamos como a dança vem sendo tratada pedagogicamente no âmbito da educação infantil. A base empírica desta pesquisa foram os Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) de Goiânia através de entrevistas semiestruturadas com os professores inseridos neste contexto. Trata-se de uma pesquisa qualitativa vinculada às abordagens críticas da educação, visando à construção de um trabalho que apresente uma contribuição significativa e necessária para a formação dos profissionais que trabalham na educação infantil.

          Unitermos: Educação Física. Educação infantil. Dança.

 

Artigo realizado a partir de trabalho monográfico apresentado em 2009, UFG, sob orientação da professora Mtda. Regiane Ávila

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 145 - Junio de 2010

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Introdução

    Este trabalho surgiu da necessidade de compreender a dança como elemento da cultura corporal e parte integrante da aprendizagem e desenvolvimento da criança na faixa etária de 0 a 5 anos. A temática, “A dança na Educação Infantil”, é apontada a partir de questionamentos que foram surgindo com estudos sobre esta fase da vida e por meio de observações acerca da atuação dos profissionais dentro dos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs)1 em Goiânia.

    A educação infantil configura-se hoje pelo atendimento institucionalizado às crianças de zero a cinco anos em creches e pré-escolas, sendo a primeira etapa da educação básica. Este atendimento é assegurado na legislação brasileira, como a Constituição de 1988, Inciso IV, Artigo 208, que afirma: “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de (...) atendimento em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos” (BRASIL, 1988). Como contexto de formação para a criança, a educação infantil é um importante campo de atuação e construção do saber, no qual o atendimento à criança deve ser pautado pelo respeito e desenvolvimento da cultura infantil e pela formação da criança como cidadão de direitos e deveres.

    A dança como arte e prática corporal trabalha a capacidade de criação e imaginação das crianças, além de possibilitar a sensação e percepção, contribuindo para a educação integral nesta fase da formação. A dança também proporciona possibilidades de autodesenvolvimento da criança pela expressão, conhecimento, liberdade, controle e educação. Nela, os sujeitos podem pensar, agir e viver o tempo, o espaço, o corpo.

    Na concretização deste estudo, utilizamos a pesquisa qualitativa do tipo pesquisa exploratória, buscando não restringir somente à aparência do fenômeno social, mas em sua essência (TRIVIÑOS, 1987).

    Desse modo, pergunta-se: como vem sendo tratada pedagogicamente a dança no universo da educação infantil dos CMEIs de Goiânia? Para tratamos do nosso foco em questão, ressaltamos a importância de se pensar uma pedagogia própria para o ensino da dança e que seja significativa no processo de transformação e construção que a infância exige sua aprendizagem e desenvolvimento na perspectiva de uma formação humana.

    Partindo, desta realidade, esmiuçamos e confrontamos, de forma dialética, os dados desta pesquisa para compreendemos a dança na educação infantil nas diferentes realidades em que a mesma se apresenta nos CMEIs. Isto porque queremos ir além de meras formalidades, buscando reflexões que possam ser relevantes para outros profissionais que venham a trabalhar com a dança na educação infantil, visto que é um campo que necessita atualmente de sujeitos competentes, críticos e conscientes de seu papel.

    Enfim o presente trabalho contextualiza o trato pedagógico atribuído à dança na educação infantil da rede municipal de Goiânia com base em algumas categorias de análise.

Primeiros passos: a pesquisa e o campo em estudo

    Neste trabalho optamos pelo método dialético para uma visão ampla e dinâmica da realidade em estudo. Partindo da fundamentação do nosso problema de pesquisa que emergiu de questionamentos acerca da dança no trato pedagógico nos CMEIs de Goiânia, que foi substrato de curiosidade científica a respeito deste campo de conhecimento que nos propusemos a estudar.

    O primeiro contato com as instituições, base empírica desta pesquisa, se deu através do contato com a direção e as professoras. Obtivemos uma licença junto à Secretaria Municipal de Educação (SME) e assim, agendamos as entrevistas com os sujeitos participantes. Os instrumentos de pesquisa pautaram-se na estruturação de entrevista semiestruturada que teve por objetivo ressaltar o aprofundamento nos questionamentos levantados e obter esclarecimentos sobre o problema da pesquisa. Partimos de questões que tiveram por base de aprofundamento as teorias referentes ao problema da pesquisa, seguindo a linha de pensamento que abrangesse uma abertura qualitativa de apresentação das experiências relatadas (TRIVIÑOS, 1987).

    As entrevistas foram realizadas nos meses de setembro e outubro de 2009, após autorização e liberação da SME para entrada em campo. Daí por diante buscamos suprir todos os empecilhos para o máximo aproveitamento na análise e elaboração do relatório final, sendo realizadas 20 entrevistas com professoras de 10 unidades institucionais da educação infantil da rede municipal de Goiânia.

    Todas as entrevistas foram realizadas com professoras da RME que, em sua maioria (50%), estão atuando com a educação infantil acerca de dois a cinco anos. Constatamos que elas apresentam formação na área de pedagogia, sendo sete egressas da UFG, cinco da UCG, três da UEG e cinco de outras instituições privadas. Das 20 entrevistadas, onze delas (a maioria) possuem a especialização em educação infantil devido ao interesse e por estarem atuando neste nível da educação básica. Neste trabalho apresentaremos alguns trechos significativos das entrevistas, que serão identificadas por numerações para explicação e compreensão da problemática em discussão.

    Utilizamos também análises documentais (Diretrizes da Rede Municipal, Saberes sobre a Infância e P.P.P. dos CMEIs) no sentido de conhecermos a realidade apresentada e a contextualização do fenômeno para complemento das informações coletadas. Para análise das entrevistas, partimos de categorias2 as quais foram levantadas durante a coleta e análise dos dados, buscando utilizarmos a triangulação dos dados propostos por Triviños (1987).

    Os CMEIs de Goiânia são tidos como espaço que possibilita o entrelaçamento de saberes e a formação do conhecimento humano da criança de 0 a 5 anos. Buscamos conhecer e problematizar nosso foco de investigação, privilegiando os dados qualitativos de forma diferenciada, discutindo o processo de apropriação dos conhecimentos transmitidos às crianças que devem ser encarados como um desafio tanto para a Pedagogia como para outras áreas de conhecimento, como a própria Dança e Educação Física. Espera-se que este possa ser instrumento para as discussões didático-pedagógicas sobre a dança na educação infantil. Assim, como a realização de estudos e trabalhos em diversas áreas de atuação com as crianças nesta faixa etária e que nos sirva como ponto de partida para delimitarmos nosso papel em face ao projeto de educação das crianças para além das abordagens espontaneístas, utópicas e subjetivistas (BARBOSA, 2005).

    As instituições privadas, filantrópicas e públicas estaduais de Goiânia, que eram mantidas por órgãos de assistência social, passam a se inserir no sistema municipal de ensino.3 Em 1998, além da absorção das unidades de Educação Infantil sob a responsabilidade da Fundação de Desenvolvimento Comunitário (Fumdec) pela SME, estas passam a ser chamadas de Centros Municipais de Educação Infantil e os Centros de Educação Infantil (CEIs). Neste período, ocorre também a estruturação da Divisão de Educação Infantil (DEI) pela SME, formada por uma equipe de professores da rede municipal (GOIÂNIA, 2004).

    Juntamente com a solicitação para entrada no campo de pesquisa, buscamos realizar um planejamento de exploração inicial dos campos a ser pesquisados, pois atualmente a rede municipal de Goiânia conta com um número de 100 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), entre conveniados e criados recentemente.

    Diante destas estatísticas que apresentam um número ampliado de instituições, procuramos direcionar nosso trabalho a partir de alguns critérios: acesso facilitado ao campo, aceitação da pesquisa pela instituição e professores atuantes nas mesmas e uma maior abrangência na atuação da rede de ensino municipal de educação infantil, com a seleção de dez CMEIs sendo dois vinculados a cada uma das cinco Unidades Regionais de Ensino (UREs), com esta organização desde 2002/2003.

    Os CMEIs que entramos em contato e realizamos a presente pesquisa tiveram uma boa recepção e acolhimento para a realização deste estudo. Apesar das distintas localizações e estruturações, encontramos pouco diferencial no que diz respeito ao contexto pedagógico dos professores, mesmo com realidades divergentes, pois, como prevíamos (hipótese), a dança neste contexto educacional apresenta-se de forma linear e superficial. Mas, apesar das realidades apresentadas, percebe-se que os sujeitos envolvidos nas mesmas, desde a RME até as próprias crianças que são o ponto de inspiração destes, estão abertos a novas contribuições e autoavaliação. Daremos início às apresentações das categorias de análise, a saber: Formação inicial – Saberes da Dança – Trato pedagógico.

Formação inicial

    No que diz respeito ao contato e à formação inicial das professoras de educação infantil no campo desta área do conhecimento, constata-se que as mesmas não possuem, em suas formações, uma frágil fundamentação teórica e pedagógica para a atuação com esta área. Apresentaram apenas vivências obtidas durante sua formação sócio-histórica, formação esta que se vincula ao trato pedagógico para construção e ação de propostas pedagógicas ao trabalho das múltiplas linguagens (movimento, teatro, dança, artes, música) vinculadas a outras áreas que são pouco ou não contempladas na pedagogia.

    O trabalho com estas outras áreas de expressão, principalmente com a dança, é direcionado a partir das vivências cotidianas, sociais e histórico-escolar (vivências de balé, jazz contemporâneo), ou do pouco que as mesmas (quatro das entrevistadas) apropriaram-se durante a formação dentro de disciplinas como Artes e Didática, as quais foram explanadas de maneira superficial.

    Se eu for falar de uma formação especifica, eu não possuo, os conhecimentos que eu possuo são muitos culturais, são as coisas que eu aprendi na infância, no dia a dia, do cotidiano, mais nada especifico [sic] (P 07).

    Nenhum, não especifico para educação infantil, não. Não, eu tive arte de uma forma muito geral que ficou muito na parte teórica da dança. Na realizada é muito fora do contexto de atuação com a criança na educação infantil no CMEI [sic] (P 19).

    No que diz respeito à formação e necessidades de capacitação das professoras da educação infantil, defendemos e acreditamos, assim como Strazzacappa (2001), que os cursos de formação em Pedagogia ou demais licenciaturas específicas, deveriam pensar com seriedade no oferecimento de disciplinas de cunho artístico corporal, dentro de sua dinâmica curricular. O corpo não é específico e de responsabilidade somente da Educação Física, o corpo está presente e em constante desenvolvimento e aprendizado tanto na criança e no adolescente, como no ser humano, “nós somos nosso corpo, toda educação é educação do corpo” (STRAZZACAPPA, 2001, p. 79).

Saberes da dança

    Acerca da compreensão e conceituação da dança como campo científico de conhecimentos teórico-prático, percebe-se que, das 20 professoras, todas possuem uma compreensão muito superficial sobre a dança e suas manifestações, sendo que 13 delas compreendem-na como ato de expressão corporal, vinculado ao caráter sociocultural, em que a criança ou ser humano, expressa seus sentimentos, gestos, atitudes.

    A dança enquanto atividade pedagógica deve favorecer uma relação de sujeito-mundo, onde suas atividades propiciem ações reflexivas, que propiciem uma prática social criativa e critica de atuação, reforçando assim, a autoestima, autoconfiança e autocompreensão da mesma (VERDERI, 2000, p.58).

    Ao responderem nosso questionamento sobre o que é dança, todas se fundamentaram, de forma simplista e ambígua, através de “achismos” ou vivências sócio-históricas de vida, principalmente de forma generalista. Nas suas compreensões, constatamos também muito o caráter técnico de visualização da dança como forma específica de passos e coreografias.

    É uma expressão corporal, podendo ser uma expressão regional, cultural. (pausa) E o ato de se expressar, com a dança você expressar alegria, tristeza, expressar sentimentos [sic] (P 19).

    É o movimento do corpo que pode acontecer com ou sem música, que pode acontecer dentro de um ritmo criado pela pessoa, é que vai proporcionar o movimento de todos os músculos do corpo, ou seja, o movimento corporal [sic] (P 08).

    Ao analisarmos todas as colocações obtidas durante a pesquisa sobre as concepções da dança na educação infantil, não buscamos traçar verdades ou inculcar conceitos, mas sim, apresentar observações e estudos da maneira como a dança é compreendida pelas professoras na educação infantil dos CMEIs. Isso porque contatamos, em sua maioria, uma compreensão da dança como expressão corporal, porém marcada propriamente em bases psicobiológica e generalista.

    Mesquita, segundo (VERDERI, 2000, p.57), analisa a dança como elemento educacional que, demonstrada de maneira estigmatizada, como método de treinamentos ou passos coreografados, tem por objetivo legitimar uma plasticidade de festas usualmente comemoradas, como meio de apresentações em detrimento de experiências que possibilitem a criatividade e o aspecto lúdico canalizados para sensações de alegria, liberdade de expressão e movimentos, e do desenvolvimento de outras dimensões. Nos parece que é justamente este entendimento e trato pedagógico que a dança vem recebendo nos CMEIs.

O trato pedagógico

    Em resposta a problemática apresentada, um fator importante a ser ressaltado é o trabalho com esta área, principalmente na educação infantil. Que o mesmo não seja um trato pedagógico massificado e mecanizado de movimentos, para que não bloqueemos a expressividade e individualidade criativa das crianças, que muito se propõem algumas professoras dos CMEIs em suas colocações. Os movimentos, nesta etapa da vida que é a infância, expressam desejos e percepções de estímulos externos, tornando se uma das principais formas que a criança tem de expressar seus pensamentos e um recurso significativo ao trabalho na educação com as mesmas (WALLON apud GALVÃO, 1995).

    Dentro desse contexto, percebe-se que os recursos pedagógicos utilizados na educação infantil, em sua tarefa do cuidar e do educar, são, na sua maioria, atividades da cultura corporal provenientes da cultura da criança em que a dança encontra-se inserida e fazendo-se necessária, assim também como outros conhecimentos ligados às vivências na infância.

    Porém, o que muitas vezes se concebe em relação a dança ou às atividades da cultura corporal na educação infantil é uma educação para o corpo, ou do corpo. O trabalho com dança e suas manifestações sempre vem levando em conta a referência dos adultos. Na busca de compreendermos como a dança se apresentava dentro dos CMEIs, primeiramente distinguimos a real situação formativa e acadêmica das professoras e como se apresentam as limitações no trato desta área de conhecimento para a pequena infância.

    Dentre as 20 entrevistadas, cerca de 18 apresentaram a formação como limitação aos conhecimentos e trabalho com áreas diferenciadas, como a própria dança, devido à formação acadêmica pedagógica da mesma. Ao ressaltarmos as dificuldades apresentadas, as professoras citam a subjetividade das crianças e da sua própria individualidade no contato com a dança.

    Também se percebe uma compreensão frágil da dança na maioria das respostas obtidas em nossas entrevistas. Porém, não podemos deixar de considerar que o trato pedagógico da dança na educação infantil ainda não apresenta uma representação metodológica clara e significativa. Então, o que podemos dizer quanto a esta especificidade para a área de pedagogia se mais de 85% das entrevistadas não tiveram nenhuma formação nesta área ou outro conhecimento à parte em busca desta especificidade?

    Bom eu entendo que é, bom chover aqui, a questão de movimentos com ritmos, músicas, que obedecem a um compasso, uma velocidade, há um tempo, inclusive o primeiro projeto que eu desenvolve com as crianças aqui foi sobre a dança, “quem dança seus males espanta”, porque como eles eram muito novinhos é não tinham a questão da oralidade,a expressão corporal deles foi o meio que eu achei para me comunicar com eles. [sic] (P 02).

    Este trabalho também procurou ressaltar vivências possíveis que estão sendo realizadas dentro dos CMEIs, como compartilha a professora 02. Ela afirma que em seu agrupamento e de outros CMEIs são realizadas ricas propostas com a dança e também com outras linguagens. É através da própria realidade que nos deparamos com o fazer concreto, onde devemos buscar ações para constatarmos um trabalho real, e não apenas imaginado.

    Em nossa análise frente às 20 entrevistadas, percebe-se a forte marcação de um trato recreacionista4 e pouco teorizado sobre embasamentos teórico da dança, a ponto de as próprias professoras não terem nenhuma conceituação ou conhecimento da temática e caírem em contradições nos dados coletados, pois, ao ressaltar vivências acerca da dança como elemento da cultura corporal, a mesma não a reconhece dentro destas possibilidades, apenas em sua concepção técnica.

    A gente trabalha a dança de uma forma livre, nada de coreografia, nada de passinhos ensaiados, os meninos dançam, mas eles dançam principalmente o visual, o traje, trabalha muito o vídeo, e esse vídeo musicais tem alguns, como XUXA, por exemplo, eles já tem aqueles passos, então os meninos gostam de reproduzir, então agente oferece um pouco de cada coisa, mais a dança enquanto coreografia enquanto passo trabalhado não. Dança, aquilo que eu imagino que seja é aquilo que eu vou ensaiar alguns passos, ou ele tem, ele da dançando, os meninos estão dançando do modo deles, tem um aninho, ligou a musica eles dançam, só que não há passos, ninguém da dançando igualzinho, ali estão pulando, caindo, eles gostam de pular e cair , então esta mais para movimento corporal do que para dança [sic] (P14).

    Assim como as demais entrevistadas, esta concepção no trato da dança como conhecimento a ser explorado pelas crianças, não foge à regra. Constata-se pouca ou quase nenhuma fundamentação teórico-prática, diante desta linguagem. Isto porque percebemos que, pelas colocações das professoras e a partir do Projeto Político Pedagógico das instituições, a dança é vista como linguagem corporal traçada por aspectos motores.

    Trabalha-se o físico da criança de forma acrítica aos seus sentidos e significados, muitas vezes servindo como legitimação de poder, através das ações festivas, comemorativas e representativas para a instituição. Para a maioria das professoras, a dança é considerada, sinônimo de “coreografia, passos ensaiados”, existindo enquanto seqüência de movimentos ensaiados e reproduzidos pelas crianças. Partindo de nossas análises sobre as considerações das professoras, a dança na educação infantil dentro dos CMEIs se apresenta como danças projetadas e reproduzidas da mídia ou expressadas por movimentos representativos e interligados pela música.

    Acreditamos que a dança, em seu campo artístico-estético, não deve ser mera reprodução estilizada ou simbólica da vida, mas encontrar seus fundamentos na expressão da vida. Verderi (2000) buscou a realização de atividades de qualidade acerca deste conhecimento, em oposição a um processo de instrução mecanicista.

    Pedagogicamente falando da forma como a dança é trabalhada, geralmente ela é contemplada nos trabalhos da instituição em:

    Datas comemorativas, que às vezes não se foca muita a data, como no caso dia das mães, dias dos pais, há uma interação entre eles [sic] (P 01). 

    A gente trabalha com dança, dança livre com as crianças, coloca um som lá ai agente dança, ajudando eles se movimentar, mas nada de muito ritmo é muito livre, embora isso no planejamento é só na época de festa mesmo, e o berçário nunca entra nessas atividades de dança, a não ser, por exemplo, na festa junina [sic](P 11).

    De acordo com os Saberes sobre a Infância (GOIÂNIA, 2004, p.24), que sintetiza ideias e propostas pedagógicas para a educação infantil na Rede Municipal de Goiânia, a instituição de educação infantil “deve ser um espaço de criação, produção e expressão cultural”, onde a criança tem o direito de desenvolver a sua identidade. Tendo por base a concepção sócio-histórica, os CMEIs devem proporcionar às crianças um desenvolvimento que se concretize a partir de um conjunto de elementos (aspectos biológicos, sociais e psicológicos) de forma interligada e indissociável, pois a criança é um sujeito histórico e que se estabelece socioculturalmente (VYGOTSKY, 1992).

    Porém, nem sempre estas propostas são desenvolvidas de forma concreta no trato pedagógico com a criança dentro das instituições. Mesmo que nas análises documentais que direcionam as atividades pedagógicas na educação infantil nos CMEIs e no próprio Projeto Político Pedagógico, nesta pesquisa encontramos propostas de possibilidades e de vivências da dança como linguagem de formação da criança no campo das múltiplas linguagens de conhecimentos, estando presente em nove das dez instituições como proposta integrada às atividades e propostas das mesmas, assim como o teatro, jogos, música etc.

    A dança, enquanto um processo educacional, não se resume simplesmente em aquisição de habilidades, mas, sim, poderá estar contribuindo para o aprimoramento das habilidades básicas, dos padrões fundamentais do movimento, no desenvolvimento das potencialidades humanas e sua relação com o mundo (VERDERI, 2000, p.59).

    Proposta esta constatada durante os depoimentos apresentados pelas professoras que, em sua maioria, trabalham a dança com um caráter artístico- cultural, fazendo parte de vivências de meras situações recreativas, com objetivos necessários ao desenvolvimento motor da criança.

    Segundo Verderi (2000) e Marques (2001), esta linguagem, como benefício social, cria condições de relações com as pessoas e com o mundo; entre o desenvolvimento biológico, o conhecimento de seu corpo e de suas possibilidades e no desenvolvimento cognitivo e filosófico, para a reflexão e compreensão do mundo. Tudo isso é bem visto por todas as 20 entrevistadas, por presenciaram experiências bem sucedidas desta vivência.

    São, porque contribui muito na formação da criança, contribui bastante, eu penso seria muito interessante de houvesse um olhar mais voltado para essa área. Pois, as crianças Amam, gostam muito, muito mesmo. Sempre que agente recebe alguma visita aqui, agente recebeu o ano passado o pessoal do SEDUCA, eles trabalharam algumas atividades voltadas assim, foi muito bacana aceitação, a participação de todos foi muito legal [sic] (P 07).

Gerando contribuições

    Todas as entrevistas consideram que o trabalho com elementos da dança na formação traz grandes contribuições necessárias ao desenvolvimento da criança, porém as mesmas ainda visualizam esta apenas no campo motor, para o conhecimento do esquema corporal.

    Muito importante, porque o CMEI a proposta da rede é pensar uma educação integral as múltiplas linguagens, o sujeito integral então como pensar nas múltiplas linguagens se você suprimir a música, suprimir a dança que é uma forma de linguagem porque a gente não pode imaginar que a única forma de linguagem da criança [sic] (P 09).

    Segundo Garida (2005, p.3), a dança apresenta-se como uma ferramenta preciosa para o indivíduo lidar com suas necessidades, desejos, expectativas e também serve como instrumento para seu desenvolvimento individual e social. Consideramos que a inserção de diferentes linguagens na esfera da educação infantil deve significar um avanço para os professores em relação aos conhecimentos acerca da cultura na infância.

    Wallon (1979 apud GALVÃO, 1995, p.32), em seus estudos acerca da aprendizagem e desenvolvimento da criança, “propõe um estudo integrado do desenvolvimento infantil, ou seja, que abarque os vários campos funcionais nos quais se distribuía atividade infantil (afetividade, motricidade, inteligência)”. Assim, o campo da educação infantil deve abranger múltiplas linguagens que garantam a formação da criança como sujeito concreto.

    No entanto, sabemos que a construção de uma educação pública, democrática e de qualidade, da qual este conhecimento seja parte integrante, não depende exclusivamente de leis, mas principalmente, de ordens burocráticas e ações governamentais que garantam condições objetivas para a sua concretização.

    Não estamos aqui para citar regras ou propor uma metodologia do ensino e perspectivas de dança na educação infantil, mas sim, aprendermos e compreendermos com erros e acertos acerca desta linguagem que favorece a educação integral dos educandos. Assim, todo movimento é valido, desde que esteja baseado em concepções ampliadas, que dê margem a um trato pedagógico do simples ao complexo, do concreto ao abstrato, do espontâneo ao específico, no qual a criança conheça o que é importante para ela no movimento, na música, no ritmo, na vontade e desejos, sejam eles quais forem.

    Partindo dos dados apresentados acerca da contribuição e integração de outras áreas na formação da criança, as professoras citam exemplos de experiências ricas que representam formas significativas para pensarmos a relevância e importância dos conhecimentos da dança.

    Eu acho super importante, nós já tivemos uma vivencias com apresentação de capoeira, com teatro e danças, jazz foram pessoas que passaram por aqui [sic] (P 08).

    No que diz respeito à cultura corporal para a infância, vários autores (SAYÃO, 1999; PINTO, 2004; BARBOSA, 2001) são a favor das múltiplas relações possíveis e necessárias para a educação das crianças de zero a cinco anos, considerando que a participação de profissionais de áreas diversas na educação infantil leva-nos a perceber que a presença de profissionais “especialistas” (incluído aqui o professor de Educação Física) neste contexto pode constituir-se numa rica possibilidade para o desenvolvimento de trabalhos em parceria nesse nível educacional. Isso foi percebido no discurso das 19 entrevistadas:

    Tenho certeza que o apoio de outros profissionais, ligados a educação que viesse a trabalhar com a gente na educação infantil seria ganho, seria lucro [sic] (P 04).

    Há sim, falta, falta o professor de educação física, eu acho porque ele tem a metodologia, a técnica de trabalhar com o corpo, com a criança que nós não temos, porque nas disciplinas que as pedagogas tiveram relacionada a isto é muito pouco [sic] (P 05).

    É imprescindível que nos preocupemos atualmente com a formação e capacitação de nossos professores nesta área específica do conhecimento, tanto no campo acadêmico quanto na prática pedagógica. Essa preocupação se justifica para que as atividades de dança, nos espaços educacionais, não sejam meras repetições das danças encontradas na mídia.

    Necessitamos assim, de currículos e programas elaborados por profissionais conscientes e interessados em integrar as diferentes áreas do conhecimento e que se relacionam com a educação, principalmente ao questionarmos as professoras sobre a viabilidade na realização destas preposições no âmbito da educação infantil, tanto na formação quanto em suas realizações concretas de trabalhos integrados na realidade dos CMEIs:

    Eu acredito pensando numa reformulação de currículo de outros profissionais porque um profissional que não tem o conhecimento em educação infantil eu acho que ele não conseguiria trabalhar na educação infantil porque é muito especifico, é muito diferente de adolescente e pré-adolescente [sic] (P 09).

    Eu sim, mas eu sei que a rede não, eu como professoras que estou no dia a dia com a criança sei da necessidade de uma atividade física para o desenvolvimento, para aprendizagem da criança, pra integração. [sic](P 19).

    Enfim, em todas as informações analisadas encontramos colocações pertinentes, a formação e atuação de profissionais de linguagens diferenciadas no contexto da educação infantil, mesmo que esta realização ainda se consolida no imaginário dos profissionais que atuam neste contexto como algo utópico.

    Com isso, esta realidade se tornaria viável para a criança, mesmo frente ao silêncio das palavras e ações que encontramos na realização desta pesquisa, em cerca de mais de 50% dos dados, e que foi constatado nos depoimentos das professoras: P10, “Que seria bom seria, eu não acredito que se torne realidade não” e P13, “Acredito e acho muito necessário, só não sei se isto vai ser viável e quando isto vai viável”.

    Nesse caso, é necessário que todos os profissionais que atuam e discutem a educação de zero a cinco anos incorporem as diferentes manifestações e atividades, de forma a ampliarem o desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Isso a partir de um referencial histórico-cultural que é um dos indicativos dos horizontes a ser alcançados na ampliação da formação humana.

    Segundo Pinto (2004), para esta perspectiva, a criança deve ser considerada, produtor de cultura em processo de desenvolvimento. Ela é um ser presente, vivendo o infinito processo da humanização.

Considerações finais

    Com este trabalho, tivemos o interesse de despertar nos professores de educação infantil a autoreflexão sobre o seu trabalho pedagógico em relação ao trato com a linguagem da dança e suas possibilidades de realização com as crianças nos CMEIs, aplicando, de maneira transformadora e crítica, a expressão da corporalidade aos pequenos. Isso mostraria que os mesmos estão diretamente ligados a vivências na experimentação do corpo como movimento de criação e consciência de sua realidade vivida.

    Cremos que o desafio esteja ainda no início de um fio catalisador, pois buscamos inicialmente balançar os galhos e gerar novas perspectivas de ações para um trabalho amplificado de conhecimentos e ações no campo da educação infantil, contribuindo com a qualidade e com momentos de prazer, criatividade e formação da criança como sujeito integral.

    Através da dança, inicio um leque de intenções palpáveis que primeiramente se esboçam nas linhas deste trabalho, mas que futuramente abrem caminhos para a intenção do movimentar-se e conhecer-se para que os professores, aprendizes e formadores façam de seu ofício uma tarefa repleta de objetivos significativos e intencionais a uma corporeidade da dança.

    A dança como um conhecimento, não deve ser vista como elemento auxiliador do desenvolvimento global das crianças e não somente como linguagem utilizada na educação infantil. A dança é um valioso instrumento pedagógico para o desenvolvimento da expressão corporal, para conhecer a si e os outros num processo de relações dialético, na busca por uma educação integral. Mesmo sabendo que a legislação e a proliferação de eventos de dança recentes no país não garantem um ensino-aprendizagem da dança, sabemos que ela realmente é capaz de educar indivíduos conscientes e capazes de assumir dignamente sua cidadania.

    Ao finalizar este, percebemos que ainda é emergente a luta da dança, mesmo constatando a presença de trabalhos ricos que tratam desta linguagem nos últimos anos com preocupação em pelo menos mencionar a dança em seus trabalhos e programas de ensino de forma crítica e consciente. E que este é o inicio de outros trabalhos e discussões ligados as instituições de educação infantil e do trato pedagógico, atribuídos as múltiplas linguagens como a dança na Infância.

    Buscamos identificar e analisar como vem sendo tratada a dança no contexto da educação infantil no que diz respeito à aprendizagem e desenvolvimento da criança de zero a cinco anos, colocando a importância da cultura corporal e do movimento para a criança, como também a relevante atuação de profissionais que são capacitados em sua formação para realização dos conhecimentos acera deste elemento da cultura corporal, como os professores de dança, educação física e artes, que implicará numa construção e formulação nova no campo da nossa prática pedagógica ou na estruturação de proposta curriculares de formação aos professores (pedagogos) atuantes com e na educação infantil, principalmente pela abertura a novas possibilidades de enriquecimento neste âmbito educacional.

    Esperamos que esta iniciativa possa acima de tudo contribuir com a criança e a formação de professores que trabalham e com a realidade destas instituições, mesmo reconhecendo que as dificuldades e limitações ainda devem ser vencidas para visualizamos mudanças construtivas para com elas.

Notas

  1. Esta nomenclatura é prevista pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, regulamentada pela resolução CEB/CNE n°01/04, fundamentada no Parecer CEB/CNE n°22/98 do Conselho Nacional de Educação, que apresenta princípios de caráter mandatório para as instituições públicas e privadas de Educação Infantil.

  2. “As categorias são classificações referentes a um conceito que abrange elementos ou aspectos com características comuns ou que se relacionam entre si” (MINAYO, 1993, p.70).

  3. Unidades que prestam assistência às regiões central, sul, sudeste, norte e noroeste de Goiânia.

  4. Concepção esta explicitada por Garagnani (2004), conforme (GYOTOKU, 2007).

Referências

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  • ________.Constituição Federal. Brasília, 1998.

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revista digital · Año 15 · N° 145 | Buenos Aires, Junio de 2010  
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