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O processo de formação de professores de 

Educação Física e a Universidade de Brasília

El proceso de la formación de los profesores de Educación Física y la Universidad de Brasilia

The formative process of the professor Physical Education and the Brazilian university

 

*Licenciada em Educação Física

Mestranda em Educação Física

Universidade de Brasília

**Professora da Faculdade de Educação Física

Doutora em Sociologia

Universidade de Brasília

Maria Denise Dourado da Silva*

mdourado@gmail.com

Dulce Filgueira de Almeida Suassuna**

dulce@unb.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O trabalho analisa a formação profissional na FEF-UnB, tomando-se por base: as representações do corpo docente; objetivos do projeto político-pedagógico e estratégias utilizadas pelos professores-formadores no desenvolvimento de suas práticas pedagógicas. A pesquisa seguiu abordagem quali-quantitativa, tendo como delineamento o estudo diagnóstico e compreendeu as fases: a) consulta documental e bibliográfica; b) pesquisa de campo, com aplicação de questionário. Resultados apontam que o corpo docente acredita que o egresso da instituição compreende a realidade social sob uma visão crítica articulada aos conhecimentos adquiridos durante a formação acadêmica.

          Unitermos: Formação. Projeto político-pedagógico. Prática pedagógica

 

Resumen

          El trabajo presenta un análisis sobre la formación profesional en la FEF/UnB, tomando como bases: las representaciones de los profesores; los objetivos del proyecto político-pedagógico y las estrategias utilizadas por parte de los profesores-formadores en el desarrollo de sus prácticas pedagógicas. La investigación sigue un abordaje quali-quantitava (estudio diagnóstico) y tiene las siguientes etapas; a) consulta de documentos y de bibliografía; b) investigación de campo, con aplicación de encuestas. Se concluye que los profesores perciben el egreso de la institución como sujetos críticos en relación a la realidad social y también en relación a su formación profesional.

          Palabras claves: Formación. Proyecto político-pedagógico. Práctica pedagógica

 

Abstract

          This work aims to analyses the professional formative at FEF-UnB, through the professors representations, seeking to verify if there is correspondence between the goals formulated in the political-pedagogical project and the strategies used by trainers teachers, when the development of their pedagogical practices. The search followed quali-quantitative approach, taking as design the diagnostic study, and understood the next steps: a) documental and bibliography research; b) work field, taking application of questionnaires. The results indicated that the professors believe that the egress of the institution understands the social reality from a critical vision articulated the knowledge acquired during academic training.

          Keywords: Formative professional. Political-pedagogical project. Pedagogical practices

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 144 - Mayo de 2010

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Introdução

    A universidade é uma instituição educacional com funções específicas de conservação, criação, transformação e divulgação do conhecimento, realizando esse intento por meio do ensino, da pesquisa e da extensão. Seu fim maior é a formação do homem e da mulher, uma vez que, inseridos num contexto de transformações aceleradas, é exigida correspondência nesse dinamismo e transitoriedade de demandas da sociedade contemporânea.

    Criada pela Lei n° 3.998, de 15 de dezembro de 1961, a Fundação Universidade de Brasília (UnB) é uma instituição pública voltada para as transformações, diferente do modelo tradicional da década de 1930. Teve como idealizador, fundador e primeiro reitor o antropólogo Darcy Ribeiro.

    A Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília FEF-UnB foi criada inicialmente como departamento da Faculdade das Ciências da Saúde contemplando o curso de licenciatura, visando à formação de professores, voltando-se prioritariamente para a intervenção na escola. Oficializada institucionalmente em 1974, a FEF-UnB apresenta-se com uma política de formação profissional derivada de um projeto original e arrojado que se propõe a formar um cidadão crítico e engajado nas causas nacionais e militante do interesse público, com atuação primordial na escola.

    Suassuna et al (1996) analisam que em decorrência da situação profissional dos idealizadores e do momento histórico em que ocorreu a proposta de formação do curso de Educação Física da UnB, e que o mesmo “tendo sido idealizado por professores que desenvolviam atividades de treinamento de equipes esportivas e eram responsáveis pela oferta da disciplina Prática Desportiva, não há como não relacionar o perfil dos professores-formadores, a orientação teórico-metodológica e epistemológica que delinearam o curso, em princípio, ao paradigma positivista”.

    Guiados pelas informações acima, presume-se que a composição do corpo docente fundador da FEF-UnB tenha sido decisiva na definição da perspectiva de formação do egresso.

    Tratar do tema da formação de professores é imprescindível, dada a importância que a mesma adquire para a qualificação necessária à atuação requerida no momento histórico. Debater sobre os desafios, os limites, as possibilidades e as perspectivas que a formação em Educação Física apresenta é assumir a necessidade de conhecer a realidade educacional, para então, a partir desse entendimento, se exercer o compromisso de construção de estratégias de intervenção.

    Ter como locus de investigação a universidade pública por si já constitui justificativa para o estudo, que intenta identificar as bases dos processos formativos de professores de Educação Física e as representações que os professores-formadores têm dos egressos.

    Objetivam-se discutir questões aparentemente complexas referentes à prática pedagógica, a partir da compreensão de que universidade e escola, mediadas pelas intervenções pedagógicas, constituem-se em espaço público de construção e democratização de cultura, servindo as ações, que se realizam sob ingerência das instituições citadas, para a apropriação da idéia de professores e alunos como produtores, consumidores e socializadores de conhecimento, com a responsabilidade de contribuir para mudanças sociais.

    Devem-se identificar, na prática pedagógica de professores-formadores, dados importantes que venham a introduzir novos olhares sobre a construção do projeto político-pedagógico do curso de Educação Física da FEF-UnB, provocando assim uma reflexão acerca da realidade de formação que vem sendo desenvolvida, para então, com foco na análise desses dados, contribuir para a área de estudo por meio da ampliação do debate e a tentativa de introduzir os elementos da organização do trabalho pedagógico que devem interferir em seus resultados.

    Diante desse contexto e considerando a importância do projeto político-pedagógico com seus objetivos educacionais na formação acadêmica dos alunos egressos da FEF-UnB e em sua ação docente, pergunta-se: quais são as representações que o corpo docente da FEF-UnB tem sobre seus alunos, considerando a formação com base no projeto político-pedagógico?

    O objetivo geral deste trabalho é analisar a formação profissional na FEF-UnB, a partir do olhar do corpo docente, buscando verificar se há correspondência entre os objetivos formulados no projeto político-pedagógico e as estratégias utilizadas pelos professores-formadores, quando do desenvolvimento de suas práticas pedagógicas. E como objetivos específicos:

  1. Identificar se a FEF-UnB apresenta, com base no Projeto Político-Pedagógico, a formação crítica que considera articulação entre os conhecimentos da fundamentação e da atividade profissional com as dimensões política, humana e sociocultural.

  2. Construir o perfil profissional do egresso da FEF-UnB de acordo com a percepção do professor-formador.

Procedimentos metodológicos

    A pesquisa seguiu abordagem quali-quantitativa, tendo como delineamento o estudo diagnóstico, e compreendeu as seguintes fases: a) consulta documental e bibliográfica (projeto político-pedagógico da Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília, literatura acerca do tema, artigos, periódicos, dissertações e teses); b) pesquisa de campo, tendo como técnica a aplicação de questionário.

    O corpo docente da FEF-UnB1 compreende o total de trinta e três (33) professores2; destes, vinte e seis (26) compuseram a amostra, sendo-lhes aplicado questionário composto de cinco (5) questões fechadas e duas (2) abertas.

    A análise foi feita a partir das respostas obtidas, que no caso das questões fechadas permitiu obter variáveis quantificadas e processadas pelo computador, por meio do SPSS 13.0. No caso das questões abertas, foram elencadas categorias (projeto político-pedagógico, relação teoria e prática, entre outras), posteriormente analisadas.

O processo de formação de professores de Educação Física e a Universidade de Brasília

    Para compreender o processo de formação de professores de Educação Física no Brasil é necessário um retorno à história deste campo disciplinar. A criação e o desenvolvimento de escolas e cursos de formação de professores de Educação Física se unificaram no período que vai do século XIX até a criação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD)3, cujo quadro docente era constituído basicamente por médicos e militares.

    Estudiosos da disciplina4, ao analisarem o processo de formação de professores de Educação Física no Brasil desde sua origem, perceberam que esta esteve articulada a uma tradição instrumentalizadora, comprometida com objetivos de fortalecer a raça, preparar esportivamente a sociedade, selecionar os mais hábeis e mais fortes e formá-los estritamente para o mercado de trabalho. Cabe considerar, contudo, essa condição como responsável pelo início de um debate que questiona o objeto de estudo e o papel social do professor de Educação Física, bem como a função social da escola e as propostas educacionais.

    Desde o final da década de 70 e início da década de 80, em função do momento histórico e social caracterizado pela “abertura política”, inaugurado pelo fim da ditadura militar no Brasil, começa um movimento de intensas reflexões sobre o caráter tecnicista, esportivista e biologicista da Educação Física, posto que neste período existia a necessidade de discutir politicamente os interesses e demandas sociais para a Educação Física que estivessem atrelados a um novo projeto de sociedade.

    Somado a esse quadro, o retorno de professores de Educação Física que realizaram seus cursos de mestrado e doutorado nos principais centros de pesquisa do mundo, a abertura de programas de mestrado na área e a possibilidade de alguns professores passarem a cursar o mestrado na Educação, contribuíram para a intensificação do debate sobre o objeto de estudo da Educação Física, que tinha como foco principal as premissas de esta ser ou não uma ciência e se devia estar integrada à universidade. O debate também colaborou para que fosse criado um referencial teórico, apoiado em um paradigma (referências filosóficas, científicas e políticas) que pudesse contribuir para uma compreensão da Educação Física como fenômeno educativo numa perspectiva ampliada.

    Os programas de formação de professores de Educação Física têm sido marcados por tensões que se expressam em diferentes debates, envolvendo questões epistemológicas, ideológicas, perfil do profissional e matriz curricular, encontrados em diferentes orientações.

    A partir de 1987, os programas de formação são divididos em bacharelado e em licenciatura. Essa divisão definiu modelos aparentemente dualistas e opostos, que rompem com a idéia de unicidade da intervenção social e no trato com seres humanos, assim como na própria concepção de ser humano.

    Nessa divisão, Borges (2005:161) afirma que houve posicionamentos de defesa de uma perspectiva em função das exigências do mercado (Passos, 1988; Oliveira, 1988; Costa, 1988; Pellegrini, 1988; Moreira, 1988; 1992). Em contrapartida, a autora destaca que houve um grupo de pensadores a favor de uma formação única e generalista (Faria Jr., 1992; Betti, 1992; Taffarel, 1993), que defendem a Educação Física como um campo de conhecimento no qual certamente devem estar presentes os conhecimentos constituintes das ciências humanas, pedagógicas e biológicas comprometidos com a formação humana do sujeito histórico.

    Em 2001, a Secretaria de Ensino Superior (SESu), órgão do Ministério da Educação, retoma os trabalhos de elaboração de propostas curriculares para a área de Educação Física, situando a Educação Física nos cursos de Ciências Biológicas e da Saúde. As conseqüências mais visíveis e imediatas foram em relação ao comprometimento da formação de professores de Educação Física na dimensão educacional, graças à ênfase dada aos aspectos biológicos e à compreensão da interface da Educação Física com diferentes campos de saberes, o que resultou numa expectativa de perfil profissional mais aproximada ao dos profissionais da área da saúde, mais tarde sintetizado no Parecer n. 138/2002 do Conselho Nacional de Educação (CNE). Em movimento contrário a esse Parecer, foi indicada outra COESP/EF, que o analisou propondo reformulações julgadas necessárias, resultando no Parecer n. 058/2004. Esse parecer possibilita às instituições de ensino superior escolher a matriz epistemológica orientadora de seu currículo de formação em Educação Física, o que permite uma ampliação para além da dimensão biológica que o caracterizava.

    Tratando da formação em cursos de Licenciatura, Ortega (1988: 67) afirma que “o desafio é a formação do educador, mas isso exige o domínio do conteúdo técnico, científico e pedagógico que traduza o compromisso ético e político com os interesses da maioria da população brasileira”.

    Compreende-se, a partir do texto acima, que a formação referida pela autora, mesmo que fortemente embasada pela teoria, terá de cumprir ainda a função de colocar o formando em sintonia com as dimensões políticas e sociais que o ato de educar comporta. Compartilhando com as idéias de Ortega, Figueiredo (2006: 222) afirma que “o processo de formação inicial deve ser decisivo na construção do compromisso social e político dos futuros professores que irão atuar na escola”, advertindo sobre a necessidade de se assumir o papel de investigadores da realidade educacional brasileira, para que se possa ter o melhor conhecimento possível das estruturas e práticas que constituem e vigoram na Educação Física, para, a partir daí, desenvolver estratégias de intervenção.

    Dando prosseguimento ao debate ora apresentado, Taffarel (2006) pontua os problemas apresentados na formação como sendo: a) problemas teóricos; b) problemas epistemológicos; c) problemas de financiamento público; d) problemas de oferecimento das condições objetivas para funcionamento dos cursos; e) problemas curriculares; f) problemas políticos. Ao se reportar aos problemas mais gerais dos cursos de formação, a autora afirma que a inconsistente base teórica que configura os cursos se apresenta numa rede de categorias que se interpenetram dialeticamente. São professores-formadores despolitizados, sem titulação, com baixa qualificação e trabalho precarizado, tratando com um corpo discente cada vez mais despreparado pelas péssimas condições de ensino básico em instituições com infra-estrutura inexistente, incompatível ou insuficiente devido aos ajustes estruturais, em que o Estado não assume suas funções precípuas. Identificando, ainda, currículos extensivos e desportivizados, sem articulação entre ensino, pesquisa e extensão e com teorias do conhecimento voltadas para atender demandas do mercado com o perfil de formação direcionado às competências mínimas (Taffarel, 2006).

    Essa autora também apresenta proposta de formação que consolide a identidade do professor de Educação Física para o exercício profissional dentro dos seguintes parâmetros: a) sólida formação teórica; b) unidade teoria e prática; c) gestão democrática; d) compromisso social com ênfase na concepção sociohistórica do trabalho; e) trabalho coletivo, solidário e interdisciplinar; f) formação continuada; g) avaliação permanente como parte das atividades curriculares, de responsabilidade coletiva a ser conduzida à luz do projeto político-pedagógico da instituição.

    Essa perspectiva é partilhada por outros autores que discutem o tema da licenciatura e, particularmente, por professores e pesquisadores que compreendem o curso de Educação Física como vinculado à área sociopedagógica.5

    Todavia, é importante mencionar que, como a Educação Física se encontra numa área limítrofe entre a educação e a saúde, existem posicionamentos divergentes entre os aspectos teórico-metodológicos do campo disciplinar, bem como sobre a atuação dos professores de Educação Física nos diferentes espaços de intervenção. Essas divergências trazem conseqüências diferentes sobre suas organizações, concepções de currículo, projeto político-pedagógico, na divisão curricular licenciatura/bacharelado e no profissional que se quer formar (Coletivo de Autores, 1992).

    Compreendendo o currículo para além de uma simples e desinteressada organização do conhecimento, e, como tal, responsável pela análise e compreensão da realidade, é que se considera o princípio da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão como fundamental nos cursos de formação. Essa perspectiva é também compartilhada por Hernández (2004), que considera a formação como um processo em que professores e alunos se envolvem numa relação na qual juntos constroem novos conhecimentos.

    Neste cenário de formação, a Universidade de Brasília, particularmente no que se refere ao curso de Licenciatura em Educação Física, pode ser considerada um tipo ideal de instituição que apresenta em seu projeto político pedagógico as ambigüidades presentes na formação do licenciado. A última alteração no projeto político-pedagógico da FEF-UnB data de 1996 resultou de uma avaliação constituída por professores de outras instituições de ensino superior que constataram a necessidade de uma revisão no sentido de corrigir distorções quanto à estrutura e funcionalidade da grade curricular.

    A estrutura básica de formação está subdividida nas abordagens humanística e técnica. O aspecto humanístico compreende os conhecimentos filosóficos, do ser humano e da sociedade, os quais constituem o conjunto de conhecimentos sobre o homem, a sociedade e a técnica, que possibilitarão uma formação do licenciado com ampla visão e atitude crítica diante da realidade brasileira. Compreendido como licenciatura, o curso da FEF-UnB supostamente dá ênfase à formação humanística, com foco dirigido para a realidade escolar, não significando, porém, descompromisso de formação para atuação em espaços não-formais.

Resultados e discussão

    Para compreender o perfil do egresso do curso de Educação Física da Universidade de Brasília, tendo por base de análise as representações dos professores-formadores do curso foram apresentadas questões sobre o tema, que eram compostas por perguntas fechadas (total de cinco) e abertas (total de duas). Estas questões abordaram aspectos gerais sobre o curso, a formação, o perfil do egresso e o projeto político-pedagógico.

    Sobre as áreas de conhecimentos constantes do currículo do curso que constituem a primeira questão, as respostas apresentadas foram discriminadas pelas seguintes áreas: humanística e técnica, conforme a figura seguinte:

Figura I. Áreas representativas do curso de Educação Física da Universidade de Brasília

Fonte: Autor (2008), com base em dados do trabalho de campo

    De acordo com a ilustração apresentada, percebe-se que 73% dos respondentes apontaram a área humanística como preponderante na formação do egresso do curso da FEF/UnB, o que corresponde a dezenove (19) respostas obtidas, enquanto 27% dos sujeitos investigados – 7 – indicaram que o currículo do curso é técnico.

    Desta forma, os professores do curso de Educação Física da Universidade de Brasília consideram que o currículo de licenciatura apresenta forte teor humanístico. Este dado pode ser considerado importante para a análise à medida que, de acordo com a literatura pertinente, o currículo do curso de licenciatura, por ser da área educacional, deve pressupor a predominância de conteúdos humanistas, ainda que se compreenda a Educação Física como um fato social total, isto é, um campo de conhecimento tradicional e eficaz, que se constitui pelas áreas biológica, psicológica e social, conformando assim sua complexidade (Mauss, 2004).

    A utilização da noção de fato social total de Mauss para compreender a complexidade do campo da Educação Física permite que a compreensão antropológica se alie às perspectivas da Educação e da Educação Física – o que já foi objeto de preocupação de Daólio (1997) quando discute e analisa as concepções norteadoras da Educação Física – como campo de produção de conhecimento e de intervenção pedagógica. Por outro lado, vale ressaltar que na matriz disciplinar crítica e marxista a noção de equilíbrio entre as áreas que constituem o campo da Educação Física também é considerada importante. Ortega (1988) aborda o assunto por meio de uma crítica ao predomínio do aspecto tecnicista nos cursos de formação de professores de Educação Física e lança mão do argumento de que o desafio da área consiste em equilibrar o domínio do conteúdo técnico, científico e pedagógico.

    Contudo, considerando a formação em nível de doutorado do corpo docente da FEF/UnB, tendo por base os professores-doutores do quadro efetivo desta instituição – já investigada por Suassuna et al (2006) – tem-se como cenário o quadro seguinte:

Distribuição do Docente da FEF/UnB por áreas de doutoramento

Número/

Áreas

Professores doutores FEF/UnB

Percentual

%

Saúde e Exatas

16

80

Social

4

20

Total

20

100%

Fonte: Autor (2008), com base em dados do trabalho de campo.

    Observa-se que a formação em nível de doutoramento dos professores do curso de licenciatura em Educação Física da Universidade de Brasília é voltada para a área da saúde (80%), enquanto a área social apresenta apenas 20% dos professores-doutores. Este dado pode contribuir para o redimensionamento da visão apresentada pelos sujeitos investigados sobre o significado dos termos humanístico e técnico, visto que o currículo do curso de Educação Física da UnB6 tem por objetivo trabalhar na perspectiva do equilíbrio entre as formações humanística (social) e técnica (saúde e exatas).

    Ainda sobre a constituição curricular do curso de Educação Física/UnB, foi questionado aos professores sobre qual área de conhecimento a disciplina por ele ministrada se situa no âmbito epistemológico, conforme figura a seguir:

Figura II. Conteúdos das disciplinas do curso de Educação Física/UnB

Fonte: Autor (2008), com base em dados do trabalho de campo.

    As respostas obtidas foram: 57% dos sujeitos investigados consideram que suas disciplinas se ocupam de 50% ou mais da área humanística, ou seja, quinze (15) professores consideram que a disciplina por eles ministrada é composta por conhecimentos da área humanística, enquanto os 43% restantes – onze (11) professores – acreditam que a disciplina tem 50% ou mais de conteúdos técnicos para a formação de professores.

    Esta perspectiva – que apresenta o olhar dos professores de Educação Física da UnB sobre como trabalham seus conteúdos – vai ao encontro do que observa Taffarel (2006) sobre a proposta de formação de professores. Segundo esta autora, a formação de professores deve pressupor a generalidade e a formação humana, visto que os conhecimentos técnicos representam uma concepção tradicional de educação que se ampara na visão racionalista do mundo. A perspectiva crítica da autora se opõe, portanto, à pedagogia das competências, posto que a dimensão humana (interesses, subjetividades e intencionalidades) deve ser priorizada na formação do licenciado. Deve ser ressaltado, todavia, que ao propor a formação humanística para os licenciados, Taffarel (2006) não contradiz o que afirmou Ortega (1988) sobre o equilíbrio entre o domínio do conteúdo técnico, científico e pedagógico. Entende-se que Taffarel (2006) pretende enfatizar a necessidade de os currículos vislumbrarem a generalidade, omnilateralidade, que corresponde à construção de uma matriz curricular que contemple tanto aspectos teóricos, que norteiam a construção de uma visão humanística, crítica e reflexiva, quanto aspectos técnicos pertinentes ao campo da Educação Física, que estruturam a práxis pedagógica. Deste modo, o fato de 57% dos sujeitos investigados indicarem que desenvolvem em suas disciplinas conteúdos mais voltados para uma visão humanística está de acordo com o projeto de licenciatura, visto que a Universidade de Brasília objetiva formar licenciados em Educação Física numa visão ampliada.

    Neste âmbito, parece importante compreender o perfil profissional do egresso para poder estabelecer uma relação com a proposta de formação apresentada pela instituição formadora. Aqui se ressalta que há coerência entre as respostas indicadas sobre o conteúdo predominante das aulas de Educação Física e a formação indicada pelos sujeitos investigados para o egresso do curso de Educação Física da UnB, como se observa abaixo:

Figura III. Perfil do profissional mais adequado para a área

Fonte: Autor (2008), com base em dados do trabalho de campo.

    Segundo os dados apontados, 76,9%, isto é, vinte (20) professores do curso, indicaram que o profissional formado pela FEF/UnB tem formação em licenciatura como predominante, enquanto 7,9% – 2 (dois) – acreditam ser o bacharelado e 15,3%, o que corresponde a quatro (4) respondentes, acham que a formação pode ser considerada de dupla habilitação.

    Por outro lado, parece intrigante o fato de 76,9% dos professores indicarem que o perfil profissional do egresso da FEF/UnB é de licenciado. Esta preocupação diz respeito à interpretação de que a formação do licenciado pressupõe: (a) intrínseca relação com a escola como lócus de intervenção pedagógica e (b) uma formação humanística, que tenha como substrato o equilíbrio entre os domínios técnico, científico e pedagógico. A incoerência do dado revelado diz respeito ao aspecto de que os professores-doutores da FEF/UnB têm sua formação continuada predominantemente na área da saúde, até porque 83% dos professores do quadro efetivo da FEF/UnB são doutores, 8% dos professores são mestres, 8% são especialistas e/ou graduados.

Considerando o aspecto formação crítica – que é um dos aspectos cruciais da formação humanística –, os sujeitos investigados apresentaram suas respostas conforme a figura abaixo:

Figura IV. Nível de formação crítica

Fonte: Autor (2008), com base em dados do trabalho de campo.

    De acordo com dados exibidos na figura IV a formação em Educação Física da FEF-UnB tem conseguido alcançar os objetivos que são apresentados no projeto político-pedagógico do curso, indicando que os egressos foram caracterizados pelos professores como críticos. A avaliação apresentada por 65,39% dos informantes aponta que os egressos têm formação crítica superior a 50%, isto é, receberam notas entre 7 e 8. Diante dessa constatação confirmam-se as reflexões de Muñoz (2006) a respeito da necessidade de promoção de uma formação crítica que a coloque em orientação ao atendimento das necessidades do contexto escolar e aos objetivos da escola.

    Quanto à aplicabilidade dos conhecimentos construídos ao longo do processo de formação acadêmica, os professores-formadores acreditam estar desenvolvendo juntamente aos seus alunos qualidades imprescindíveis ao exercício crítico docente.

Figura V. Possibilidades de aplicação dos conhecimentos

Fonte: Autor (2008), com base em dados do trabalho de campo.

    A figura V evidencia as escalas de atribuição sobre o nível de aplicabilidade do conhecimento na percepção do corpo docente da FEF/UnB. Conforme pode ser observado, 38% dos sujeitos investigados responderam que a aplicação do conhecimento apresenta-se numa escala de sete (7) e oito (8), enquanto 34% apontaram níveis inferiores de aplicabilidade dos conteúdos ministrados, correspondente à escala de três (3) a seis (6), e 28% consideram que a aplicabilidade do conhecimento está numa escala de nove (9) a dez (10), o que pode ser considerado como excelente. Este dado revela, no entanto, que os professores da FEF/UnB apresentam uma margem de diferenciação pouco significativa, tendendo para uma concentração nos níveis intermediários, isto é, sete (7) e oito (8).

    Esta concentração nos níveis sete (7) e oito (8) pode indicar que a aplicabilidade do conhecimento tende à construção de uma formação crítica prevista no projeto político-pedagógico do curso de licenciatura da FEF/UnB, relacionando aspectos como consciência política, concepção filosófica e formação prática.

    A discussão sobre a aplicabilidade do conhecimento na área da Educação Física foi objeto de preocupação da Comissão de Estudos Curriculares da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (CEC-FEF/UFG), que defende em seus documentos uma formação seguindo determinados princípios:

    os cursos de formação profissional devem superar as características tradicionais de meros reprodutores de conhecimentos técnicos e de informação superficiais, para se transformarem em espaços prioritários de sistematização, transmissão e produção de conhecimentos e de intervenção social que dê sentido a uma prática profissional eficaz num projeto de formação científica, pedagógica e cultural voltada para a melhoria da qualidade da vida humana (1999: s/p).

    As proposições apresentadas pela CEC/UFG (1999), em oposição ao projeto de definição das diretrizes do CNE/MEC, defendem que a formação de professores de Educação Física não pode estar subordinada à lógica de mercado. Esta compreensão vem questionar o modelo das “competências e habilidades” proposto pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e pela LDB (1996), que segue um modelo de formação baseado em um sistema empresarial de produtividade.

    Seguindo o mesmo pensamento, Freitas (2008:127) destaca que “enquanto o capital está interessado em preparar um novo trabalhador, nós estamos interessados em formar um novo homem”.

    Em relação às alterações que poderão ser conduzidas na estrutura curricular do curso que permitam o aprimoramento da formação profissional dos alunos da FEF/UnB, os professores abordaram em suas respostas aspectos como: maior aproximação entre teoria e prática por meio da articulação entre ensino, pesquisa e extensão. Um comentário realizado por um dos entrevistados ajuda na compreensão dessa preocupação, como segue:

    “O futuro na sociedade exige um profissional que seja, simultaneamente, educador e bacharel. No entanto, algumas mentes arcaicas têm nos conduzido a voltar ao modelo que os outros cursos estão abandonando. Por isso, acredito que o curso da FEF deve ser, simultaneamente, com boa base humanística e técnica, para pensar o homem e a sociedade e como atuar com isso” (Q03).

    Ao discutir sobre o currículo do curso de licenciatura Taffarel (2006) defende a necessidade de que o mesmo, necessariamente, deva ser estruturado, tendo as atividades de pesquisa e extensão como mediadoras da formação.

    Na questão que trata da necessidade de alteração no currículo atual para se adequar às necessidades do mercado de trabalho, a maior parte dos professores questionados alegam que não se pode ignorar as demandas que ora se apresentam nos diversos espaços, mas que independentemente do local de intervenção não se pode negligenciar o componente pedagógico da ação do professor de Educação Física.

    Ao referir-se ao currículo da faculdade foi destacada uma resposta que sintetiza o pensamento da maioria dos professores quando afirma que “acredita que o currículo da faculdade é interessante, mas é necessária uma maior adequação na formação para atender às demandas sociais. O mercado aparecerá como uma conseqüência” (Q11).

Considerações finais

    O objetivo geral deste trabalho foi analisar a formação profissional na FEF-UnB, a partir das representações do corpo docente, buscando verificar se há correspondência entre os objetivos formulados no projeto político-pedagógico e as estratégias utilizadas pelos professores-formadores, quando do desenvolvimento de suas práticas pedagógicas. Pretendeu-se, especificamente, identificar se a FEF-UnB apresenta, com base no Projeto Político-Pedagógico, a formação crítica que considera a articulação entre os conhecimentos da fundamentação e da atividade profissional com as dimensões política, humana e sociocultural e, por fim, caracterizar o aluno que tem sido formado na FEF-UnB de acordo com a percepção do professor-formador.

    A esse respeito, as análises apresentadas demonstraram que o corpo docente da Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília (FEF/UnB) acredita que o egresso da instituição compreende a realidade social sob uma visão crítica articulada aos conhecimentos adquiridos durante a formação acadêmica. As expectativas que os professores nutrem em relação ao perfil do egresso são as que os mesmos tenham uma formação profissional ampliada que os capacite a atuar com postura crítica nos diversos cenários de intervenção, quais sejam: na área escolar, do esporte, do lazer e/ou da saúde; em conformidade com ao perfil do profissional apresentado no projeto político-pedagógico da FEF-UnB.

    Na mesma direção, observa-se uma clara correlação entre o desenho do projeto político-pedagógico da FEF-UnB e a formação do seu corpo docente, tendo-se a constituição de um quadro que segue as referências teórico-metodológicas das Ciências da Saúde, Exatas e Ciências Sociais. Este quadro pode permitir a interpretação de que o egresso da FEF-UnB teve ao longo de sua formação acadêmica desde orientações técnicas, passando pelos aspectos biológicos e esportivos, até o pedagógico, o que poderia reforçar a formação de uma concepção crítica do mundo, do homem, enfim, da sociedade. Todavia, por se tratar de um diagnóstico, acredita-se que é necessária uma investigação mais aprofundada sobre o tema em questão para poder-se afirmar que a formação tem uma referência epistemológica fundamentada numa concepção crítica de Educação Física para além da perspectiva tecnicista, biologicista e esportivista.

    Por fim, pode-se inferir, com base no estudo realizado e tomando por subsídio autores como Suassuna et al (2006), que a concepção de mundo, homem e sociedade presentes no pensamento dos professores-formadores interfere no modo como estes estruturam sua intervenção pedagógica, influenciando assim na formação do futuro profissional de Educação Física. O que também pode remeter ao que afirmou Taffarel (2006) sobre a compreensão de que a efetivação de um projeto de formação humana deve ocorrer em um contexto de definição de política de formação de professores de Educação Física que se oponha à formação com base nas pedagogias das competências e que tenha como paradigma a prática como referência para atuar profissionalmente na escola.

Notas

  1. Do total de trinta e três (33) professores da FEF, vinte e quatro (24) são do quadro da Universidade de Brasília, seis (6) são do Convênio SEE-DF, e três (3) são da Cessão Provisória.

  2. Excetuando-se, portanto, o professor-orientador deste trabalho.

  3. Criada pelo Decreto-lei 1212 de 17 de abril de 1939. Foi a primeira escola de Educação Física de nível superior ligada à Universidade.

  4. Castellani Filho; Betti; Bracht; Darido.

  5. Comissão de Estudos Curriculares da Faculdade de Educação Física da UFG (1999). Muñoz (2006), Ortega (1988).

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revista digital · Año 15 · N° 144 | Buenos Aires, Mayo de 2010  
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