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Violência e orientação sexual sob os 

parâmetros da divisão social do trabalho

Violencia y orientación sexual en virtud de los parámetros de la división social del trabajo

 

Especialista em Educação Física Escolar (CESPEB-UFRJ)

Mestrando em Educação (UFRJ)

Professor de Educação Física (Redes municipais de Saquarema e Maricá - RJ)

http://alemdotrivial.blogspot.com

Gabriel Rodrigues Daumas Marques

grdmarques@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          A partir de discussões provenientes das aulas do Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica, o trabalho desenvolve reflexões pertinentes a temáticas que envolvem crianças e adolescentes, mais especificamente violência e orientação sexual. Num primeiro momento, a partir da caracterização de um Estado burguês, problematizam-se as perspectivas da juventude e as dificuldades encontradas em diversas localidades pelo professorado. Em seguida, discorre acerca da estrutura opressora, na qual o machismo e a homofobia podem aparecer de maneira forte e se expandir a partir de práticas competitivistas. É nossa pretensão levantar tais reflexões para contribuir com a perspectiva de que a disciplina Educação Física pode subsidiar uma formação crítica que enfrente as relações sociais vigentes.

          Unitermos: Estado burguês. Violência. Machismo. Orientação sexual. Práticas pedagógicas

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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    O presente trabalho é fruto de temáticas desenvolvidas ao longo das disciplinas Família e Juventude; Violência nas Relações Sociais; e Orientação Sexual, componentes do Módulo II do Curso de Especialização Saberes e Práticas da Educação Básica – Educação Física Escolar (UFRJ). Nosso propósito é apresentar e articular breves e pertinentes reflexões acerca de temáticas atuais que envolvem crianças e adolescentes ao contexto escolar, para que nos seja permitido rever e atualizar valores, conceitos e práticas vinculados ao processo de ensino-aprendizagem. Enfocaremos duas questões bastante corriqueiras, a saber, orientação sexual e violência. Ambas nos apresentam desafios, que, para serem enfrentados, nos forjam a busca de uma abordagem que situe tais questões na totalidade das relações sociais vigentes. A disciplina Educação Física, ancorada numa reflexão sobre a cultura corporal, pode contribuir para subsidiar uma formação crítica de nossos alunos e alunas.

    Muitos questionamentos surgem acerca de nossa atuação profissional e a relação da mesma com as necessidades ou anseios do que podemos considerar nosso público-alvo: os e as estudantes. Crianças e jovens de diferentes faixas etárias que se encontram na instituição escolar pelos mais variados motivos: simplesmente sua obrigatoriedade perante a família ou ao Estado; a busca por um diploma para diminuir as dificuldades de ingresso num mercado de trabalho cada vez mais competitivo; oportunidade de encontrar, dialogar e construir relações pessoais, culturais e sociais com grupos de interesses específicos (idade, gosto musical, prática de esportes, relações amorosas etc.); e a própria busca pela apreensão do conhecimento, alfabetizando-se e formando-se criticamente para a intervenção na sociedade em que estão inseridos. Todavia, se indagações e enfrentamentos por parte da juventude se difundem diariamente com relação ao papel exercido pela escola, precisamos problematizar esse quadro a fim de avançarmos nas proposições que auxiliem a construir um projeto de transformação.

Os jovens de hoje em dia não querem nada

Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento
Mas ninguém diz ser violentas as
margens que o comprimem

Bertolt Brecht

 

Crime de rico a lei encobre

O Estado esmaga o oprimido

Não há direitos para o pobre

Ao rico tudo é permitido

Trecho do Hino da Internacional Comunista

    A oração apresentada no tópico está na boca de diversos profissionais da Educação, seja por conta do conformismo e da naturalização da ordem estabelecida seja por conta das dificuldades de enxergar a possibilidade de mudança potencializada pelas precárias condições de trabalho. A seguir, tentaremos reconhecer a violência enquanto um fenômeno e discorrer algumas considerações por meio de situações vivenciadas em diversas instituições de ensino, sendo interessante perceber que as diferenças entre professores e alunos tendem a desencadear choques de geração e conflitos por conta dos papéis que ocupam nas relações de poderes existentes no ambiente escolar.

    Para balizar as situações cada vez mais rotineiras em nossas escolas, é necessário que discutamos o papel histórico que cumpre o Estado, “o produto e a manifestação do antagonismo irreconciliável das classes” (LENIN, 2005, p. 28) e de que maneira o mesmo lançará mão de instrumentos para manter o status quo, visto que sua nitidez e aparecimento ocorrem nos momentos em que não podem ser objetivamente conciliados os antagonismos das classes antagônicas – proletariado e burguesia (idem, ibidem). Tal metodologia nos possibilita inclusive enxergar causas de diversos problemas e não simplesmente o ataque infrutífero e inconsistente às conseqüências que nos assolam.

    Como a força de trabalho é uma mercadoria como outra qualquer, encontra-se sujeita às oscilações de leis como a da oferta e da procura. Na divisão social do trabalho orientada pelo capitalismo, portanto, é necessária a existência de um exército industrial de reserva, uma gama de trabalhadores desempregados para fazer com que o valor dos salários baixe e o lucro dos proprietários aumente. Esse panorama força, por um lado, a migração para cidades urbanizadas e, por outro, a procura de subterfúgios para garantir a sobrevivência.

    Para exemplificar, a zona metropolitana do Rio de Janeiro, que aumenta sua densidade populacional ao acompanhar a multiplicação de comunidades populares ou favelas. Todavia, tais espaços urbanos e moradores dessas localidades são marginalizados e alvo de interesses dominantes, demonstrando um círculo vicioso presente no aparato estatal. O Estado burguês necessita da existência de desempregados; trabalhadores buscam empregos e se deslocam para locais com precárias condições e bastante aglomerados; diante da pobreza e da inexistência de perspectivas, parcela dos desempregados se transforma em lumpenproletariat, ingressando no tráfico de drogas, assaltando, oprimindo e até assassinando demais trabalhadores. Para coibir tais manifestações, é materializado o papel opressor do Estado, elaborando políticas públicas como o Choque de Ordem ou invadindo e amedrontando populações com seus caveirões, o BOPE e a Polícia Militar, realidade do cotidiano fluminense.

    É nesse cenário que muitos de nossos alunos estão submetidos e sujeitos a um incerto futuro, possuindo deveras vezes como referência os chefes do tráfico ou enxergando em tal mercado a única possibilidade de emprego, aceitando inclusive o curto e perigoso mas prazeroso período de vida. Podemos ficar na culpabilização e seguir a lógica da opressão, da punição, da pedagogia do medo ou podemos contextualizar essa realidade e perceber como a mesma determina os rumos de crianças e jovens, que acabam também erroneamente subestimando o papel do professor, da escola e encontrando neles espaços para manifestar suas inseguranças, angústias, fracassos de maneira negativa.

    Resta-nos indagar se não é simplista a constatação de que os jovens não querem nada. Precisamos reconhecer também nossas limitações e construir práticas pedagógicas que instiguem, questionem, desorganizem, enfrentem e desconstruam as idéias dominantes, a partir do que Marx e Engels já nos explicaram:

    Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles a quem são recusados os meios de produção intelectual está submetido igualmente à classe dominante. Os pensamentos dominantes são apenas a expressão ideal das relações materiais dominantes concebidas sob a forma de idéias e, portanto, a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; dizendo de outro modo, são as idéias do seu domínio. Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem entre outras coisas uma consciência, e é em conseqüência disso que pensam; na medida em que dominam enquanto classe e determinam uma época histórica em toda a sua extensão, é lógico que esses indivíduos dominem em todos os sentidos, que tenham, entre outras, uma posição dominante como seres pensantes, como produtores de idéias, que regulamentem a produção e a distribuição dos pensamentos da sua época; as suas idéias são, portanto, as idéias dominantes da sua época (pp. 17-18)

Machismo e homofobia: Meninos não choram e jogam bola!

    Opressões específicas estão indissociavelmente ligadas à base material sobre a qual se erguem as relações sociais de produção. Portanto, na sociedade capitalista, identificamos diversas formas de subjugar as minorias. Negros, mulheres, homossexuais estão subordinados à estrutura majoritária branca, machista e homofóbica.

    Vamos abordar mais especificamente a questão da orientação sexual, dificuldade enfrentada por conta da formação arcaica e conservadora, aliada a valores familiares e/ou religiosos. Nas aulas de Educação Física, quando se evidencia mais claramente um direcionamento das práticas corporais, é possível apresentar esse debate e romper com os preconceitos e até mesmo atitudes hostis e violentas que se apresentam. Reconhecemos a necessidade de pautar tais discussões a partir do materialismo histórico, trazendo como contribuição o qualificado debate feminista da marxista Alexandra Kolontai (2007):

    Não é a primeira vez que a Humanidade atravessa um período de aguda crise sexual. Não é a primeira vez que as aparentemente firmes e claras prescrições da moral cotidiana, no domínio da união sexual, são destruídas pelo afluxo de novos ideais sociais. (...) O código da moral sexual do mundo feudal, nascido no seio da sociedade aristocrática, com um sistema de economia comunal e baseados nos princípios autoritários de castas, devorava a vontade individual dos membros dessa sociedade que tentavam permanecer isolados. O velho código moral entrava em choque com novos princípios, que impunham à classe burguesa em formação. A moral sexual da nova burguesia baseava-se em princípios radicalmente opostos aos princípios morais mais essenciais do código feudal. Em substituição ao princípio de castas, aparecia uma severa individualização: os estreitos limites da pequena família burguesa. (...)

    É inexplicável e injustificável que o vital problema sexual seja relegado, hipocritamente, ao arquivo das questões puramente privadas. (pp. 53-54; grifos nossos)

    É preciso reconhecer, portanto, que a imposição da maneira como devemos nos relacionar amorosamente advém da divisão social do trabalho, das necessidades materiais de propriedade privada e de exploração. Crianças e jovens que venham a se orientar pelo homossexualismo rompem com tradições e incomodam o conservadorismo, que em alguns casos apresenta até mesmo a orientação sexual divergente da majoritária enquanto doença. A utilização de filmes, textos, conversas pode ser feita para superar tais arcaicas posições.

    No caso da Educação Física, o enfoque, quando totalmente desportivista e competitivista; fechar os olhos quando discursos e práticas preconceituosos são protagonizados até mesmo entre os/as profissionais da Educação; a não contextualização e discussão coletivas quando são reproduzidos bordões como meninos jogam bola e meninas dançam por parte dos próprios alunos; a repressão ao usar frases como “Seja macho, menino não chora!” ou “Está parecendo uma mulherzinha”; são processos propícios ao fortalecimento de ações e atitudes machistas e homofóbicas. A orientação sexual figura dentre os temas transversais e já é desenvolvida em muitas escolas (BRASIL, 1998), mas ainda são urgentes demasiados avanços, inclusive na formação docente.

    O conjunto dessa reflexão nos forja cautela, demandando a necessidade de que essas questões sejam tratadas para mediar pertinentes discussões coletivamente, acumulando forças, por conseguinte, atreladas à superação de qualquer forma de exploração e opressão. Em última instância, não reproduzir os valores advindos da base material opressora e desigual. Atividades e projetos pedagógicos que provoquem a reflexão, a crítica, a aceitação perante o diferente e o novo, utilizando como meios as nossas práticas corporais, podem auxiliar nesse âmbito, sendo desenvolvido ao longo de nossas aulas e/ou em parceria com demais disciplinas.

Referências

  • BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental. Temas Transversais. 1998.

  • ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. A Ideologia Alemã. Disponível em http://www.marxists.org/portugues/index.htm. Acesso em 22-abr-2008.

  • KOLONTAI, Alexandra. A nova mulher e a moral sexual. São Paulo: Expressão Popular. 2007.

  • LENIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. Trad. Por Henrique Canary. São Paulo: Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2005.

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