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Natação escolar adaptada: propondo a inclusão 

de corpos (d)eficientes na Educação Física

Natación escolar adaptada: proponiendo la inclusión de cuerpos (d)eficientes en Educación Física

Adapted swimming: proposing (dis)abled bodies inclusion in physical education

 

Mestrado em Ciências da Motricidade Humana da

Universidade Castelo Branco

Rio de Janeiro, RJ

(Brasil)

Andre Gonçalves Yatsuda

Andrea Texeira Vilela | Evaldo Malato

Dra. Maria Auxiliadora Terra Cunha

Dra. Vera Lúcia de Menezes Costa

andreyatsuda@terra.com.br

 

 

 

Resumo

          Estudo qualitativo que objetiva pequenas adaptações para incluir alunos (d)eficientes em aulas de educação física, identificando diferentes sentidos para atividades que compõem o imaginário de pessoas com condições especiais para essas práticas: corpos paralisados e/ou mutilados, déficits sensoriais e/ou intelectuais. Devido à complexidade do tema, adotamos como estratégia metodológica a Seleção e Análise de Conteúdo da Educação Física Adaptada e Observações rotineiras, com corpos (d)eficientes, durante as aulas de educação física realizadas em escolas públicas e privadas no Estado do Rio de Janeiro. Buscamos explicar, pela magia das atividades físicas adaptadas, cumplicidade dos professores e demais alunos, como metamorfoseiam sua aparente (d)eficiência, recobrindo-a de expressões, signos codificados e estabelecidos em diferentes linguagens. (Re)pensamos essas práticas em (re)leituras dos aspectos estéticos, simbólicos, desafiadores, sociais, dando-as colorido eficiente. Essa educação física escolar inclusiva se justifica por subsidiar uma prática corporal de movimento que se expressa nos jogos, danças, lutas, esportes e ginásticas. Propomos adaptações nas aulas de natação. Este estudo, desde a fase de observação, permitiu-nos perceber que a inclusão dos temas transversais na educação física escolar, estimula uma reflexão e permite a formação de cidadãos que participem de atividades corporais, sem discriminação de sexo, idade ou raça (BRASIL, 2000). Assim, impossibilidade foi substituída pelo espaço que o corpo (d)eficiente ocupou, o movimento fluiu, as linguagens re-atualizaram os sentidos de corpo. Ao re-significar suas atividades físicas, (d)eficientes ultrapassam regras e técnicas rígidas, permitindo aos corpos - agentes transformadores de descobertas - alcançarem a tão sonhada inclusão.

          Unitermos: Educação Física Escolar. Inclusão. Corpos (d)eficientes

 

Abstract

          Qualitative research aiming to adapt (dis)abled students in physical education classes, identifying different senses in activities that compose this imaginary. Selection, analysis of context and routine observations, tried to explain by teachers and students complicity how a apparent disability metamorphoses covering itself again in expressions, encode signals, established in different languages. We propose adaptations in swimming, moment when especial people can achieve the dreamed inclusion. Impossibility was replaced by the space occupied by the disable body, movement flew, languages updated body senses. When giving a new meaning to activities they surpass rules, strict techniques, allowing the bodies to achieve efficiency.

          Keywords: Physical Education. Inclusion. (Dis)abled bodies

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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Introdução

    Esta pesquisa qualitativa apresenta uma proposta para incluir (d)eficientes em aulas de educação física. Precisamos inicialmente caracterizar como os percebemos. Deficiente é qualquer pessoa com potencialidades, possibilidades e limitações que os constituem necessitados especiais. Podem apresentar déficits mentais, com funcionamento intelectual abaixo da média; motores ou físicos, referindo-se a uma ampla variedade de condições orgânicas que alteram o funcionamento normal do desenvolvimento do aparelho locomotor e que causam limitações nas áreas de habilidades adaptativas; sensoriais, comprometendo os principais órgãos dos sentidos (visão, audição, comunicação).

    Pensar historicamente ajuda-nos a compreender a gênese e o movimento dos processos estudados, tornando mais fácil o entendimento no momento atual. E o mesmo pensamento é válido para que possamos responder ao questionamento sobre a terminologia mais adequada para a população atendida pela Educação Inclusiva: Portador de Deficiência, Pessoa Portadora de Deficiência, Pessoa Portadora de Necessidades Educativas Especiais. Como as marcas das imagens da sociedade são definidas pelos diversos relacionamentos estabelecidos, cada época utilizou esses termos segundo os valores sócio-culturais vigentes. Desse modo, hoje, os termos Pessoa Com Deficiência – PCD e Pessoas com Necessidades Educativas Especiais – PNEE, recebem a concordância da maior parte de estudiosos, mas, principalmente, deles mesmos, que não se sentem e não gostam de serem rotulados de “portadores”.

    A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 205, consagra a Educação como Direito de todos e Dever do Estado e Família. Em seu Artigo 208, assegura como Direito Público o acesso ao ensino obrigatório e gratuito, bem como atendimento educacional especializado as pessoas com deficiências, preferencialmente na rede regular de ensino. No artigo 227, podemos ler que ao Estado caberá promover programa de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, inclusive com a participação de entidades governamentais, obedecendo aos seguintes preceitos: criação de programas de prevenção e atendimento especializado para pessoas com deficiência física, mental ou sensorial, bem como de integração social do adolescente deficiente, mediante o treinamento para o trabalho e a conveniência, e a facilitação de acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos. A Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial, resultado de uma Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, teve lugar na Espanha, entre os dias 7 e 10 de junho de 1994. Nesse encontro, foram reafirmados os direitos de cada indivíduo à educação, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e as demandas resultantes da Conferência Mundial de Educação para Todos (1990). Este documento enfatiza que as necessidades educativas especiais incorporam os princípios já aprovados de uma pedagogia equilibrada que beneficia todas as crianças. Parte do princípio de que todas as diferenças humanas são normais e de que a aprendizagem deve, portanto, ajustar-se às necessidades individuais, em vez de cada um se adaptar aos supostos princípios quanto ao ritmo e à natureza do processo educativo. São essas as bases para a construção de uma sociedade centrada nas pessoas, respeitando tanto a dignidade como as diferenças de todos os seres humanos, uma vez que existe a imperiosa necessidade de mudança da perspectiva social. Durante muito tempo, os problemas das pessoas com deficiência foram agravados por uma sociedade mutiladora que se fixava mais em sua incapacidade do que em seu potencial. O Decreto Legislativo nº 198, de 13 de junho de 2001, destaca a impossibilidade de diferenciação dos indivíduos, tendo como base uma deficiência. Em seu artigo 1º, define a discriminação como toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, por parte das pessoas portadoras de deficiência, de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais. (CUNHA, 2004)

    Respaldado nessa legislação vigente, o estudo objetiva propor pequenas adaptações para incluir esses corpos (d)eficientes em aulas de educação física, identificando os diferentes sentidos para atividades que compõem o imaginário de pessoas com condições peculiares para essas práticas - corpos paralisados e/ou mutilados, déficits sensoriais e/ou intelectuais – que, se fundem, intrinsecamente, no (re)encontro dos corpos em movimento, evidenciando relações atribuídas pelos sujeitos entre imagens elaboradas e presentes na sociedade.

    Nosso desafio foi explicar, pela magia das atividades físicas adaptadas, solidariedade dos pares/guias, cumplicidade dos professores e demais alunos, como metamorfoseiam sua aparente (d)eficiência, recobrindo-a de expressões, signos codificados e estabelecidos em diferentes linguagens, estilos. (Re)pensamos essas práticas em (re)leituras dos aspectos estéticos, simbólicos, desafiadores, sociais, dando-as colorido pessoal, individual, eficiente.

    Devido à complexidade do tema estudado, nesta pesquisa qualitativa, que, segundo Alves (1991), obtém dados de um pequeno número de casos sobre um grande número de variáveis, adotaremos como estratégia metodológica a Seleção e Análise de Conteúdo da Educação Física Adaptada e Observações rotineiras, com corpos (d)eficientes, durante as aulas de educação física realizadas em escolas públicas e privadas no Estado do Rio de Janeiro. Acreditamos que alunos especiais podem e devem praticar educação física juntamente com seus colegas, uma vez que também têm movimento, vida, sentimentos, pensamentos.

    O esporte adaptado, segundo Winnick (2004), foi criado para suprir necessidades especiais dos deficientes, podendo ser realizados em diversos ambientes e padrões de organização, com diversos propósitos. Assim, a educação física escolar se justifica como ferramenta facilitadora por subsidiar uma prática corporal de movimento que se expressa nos jogos, nas danças, nas lutas, nos esportes e nas ginásticas. Em termos de aplicação prática, como atividade direcionada à formação do indivíduo, a educação física é uma matéria como qualquer outra, diferindo de acordo com a filosofia do professor.

    Como área de conhecimento, a educação física inclui disciplinas e fundamentos centrados no fenômeno corpo em movimento e suas bases biológicas, psicológicas e sociais. A atividade física adaptada é um corpo de conhecimentos interdisciplinares dirigido à identificação e solução de problemas psicomotores ao longo do período vital. Esses problemas podem ter origem no indivíduo em si ou no ambiente. Entretanto só se tornam visíveis à medida que as demandas de tarefa não são satisfeitas devido às limitações ou atrasos nas funções adaptativas. É composta de uma variedade de áreas de conhecimento com teorias, modelos, ferramentas de ensino e de reabilitação específicos, além de prestar serviços limitados a competências profissionais especializadas. Objetiva integrar e aplicar fundamentos teórico-práticos das várias disciplinas da motricidade humana e áreas vizinhas da saúde e educação em diferentes programas educacionais e de reabilitação para indivíduos de todas as faixas etárias que não se ajustem total ou parcialmente às demandas das instituições sociais.

    Precisamos re-pensar, compreender como o corpo interpreta, ganha e produz sentidos, em uma relação sócio-histórico-cultural, indo além dos discursos sobre corpo pensado na atividade e corpo pensado da atividade. Praticar atividade física para esses alunos é aventura, vida no movimento, corpos fazendo suas adaptações, criando instrumentos para artes coreográficas, transportando vidas que se movimentam. A educação física adaptada envolve modificações ou ajustes das tradicionais atividades físicas, permitindo que o deficiente possa ter uma participação, eficiente e segura, de acordo com suas capacidades funcionais e diferenças individuais. Essas atividades devem ser oferecidas como uma alternativa, uma opção lúdica, prazerosa, vivida como parte do processo de reabilitação, inclusão, auto-estima, autovalorização. Assim, sugerimos que nas aulas de educação física, os professores procurem fazer as devidas adaptações, permitindo que Todo e qualquer aluno, participe ativamente desta ferramenta de inclusão social.

Projeto Político Pedagógico e a Capacitação na Escola Inclusiva

    As sociedades sempre criaram um conjunto de representações, um imaginário, em cujas práticas sociais distribuem identidades, papéis, necessidades, normas e valores que conduzem os comportamentos dos indivíduos, integrando finalidades comuns. Trata-se de fixações simbólicas, imaginárias, estruturadas sob a forma de rede de sentidos que ultrapassam os gestos, as pessoas, os momentos.

    O imaginário é definido por Durand (1998, p. 117), como uma “re-presentação incontornável, a faculdade de simbolização de onde todos os medos, todas as esperanças e seus frutos culturais jorram continuamente desde os cerca de um milhão e meio de anos que o homo erectus ficou em pé na face da Terra”. Possibilita ao sujeito criar fantasias em torno das representações, caminhando no mundo das crenças.

    Podemos imaginar diferentes olhares sobre o corpo. Cada cultura enfatiza uma imagem corporal que é entendida como a maneira do indivíduo se perceber e se sentir na relação com o seu próprio corpo (d)eficiente. Uma imagem corporal geralmente funda-se nas marcas das imagens corporais da sociedade, construídas pelos diversos relacionamentos estabelecidos. Surge pela proximidade ou distância emocional por ela proporcionada, provocando uma identificação do sujeito com o grupo, instituindo as imagens corporais para cada um dos seus membros. Essas imagens - beleza e feiúra, normalidade e anormalidade, desejo e repúdio - se tornarão instituintes da subjetividade.

    Para pensarmos no Projeto Político Pedagógico para uma escola inclusiva, precisamos inicialmente analisar o verbo transitivo direto “Incluir”, que vem do latim includere, com seus muitos sentidos: inserir, estar inserido entre outras coisas ou pessoas, abranger; conter em si, envolver, implicar; compreender, introduzir, fazer parte, intercalar, figurar entre outros, pertencer junto com outros. A partir dessa análise conceitual poderemos pensar em uma sociedade realmente inclusiva, onde Todos possam estar convivendo, contribuindo e construindo, fortalecendo a aceitação do igual ou semelhante aos demais aos quais se agregou.

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n. 9394/96, destaca que Educação Especial, é aquela que tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil, sendo oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais, ou seja, com deficiências, altas habilidades / superdotação, condutas típicas de síndromes ou outras condições que os possam diferenciar dos demais colegas. Se houver necessidade, serviços de apoio especializado podem ser oferecidos, na própria escola regular, objetivando o atendimento de peculiaridades deste grupo especial. Em casos de não ser possível a sua integração em classes comuns do ensino regular, sugere-se que a mesma seja feita em classes, escolas ou serviços especializados. Os profissionais que ficarem responsáveis por esses atendimentos, deverão ter uma especialização adequada, em nível médio ou superior, enquanto os do ensino regular precisam estar capacitados para que a integração realmente ocorra em classes comuns.

    Para os professores que não estão familiarizados com este universo de deficiências, incapacidades, limitações, necessidades especiais e desejam planejar suas aulas segundo uma abordagem inclusiva, são oferecidos cursos de capacitação, atualização, especializações, por Instituições da Educação Especial ou áreas afins.

    Para alcançar os objetivos traçados pela inclusão, as escolas precisam assegurar currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender às necessidades dos educandos, bem como, buscar uma terminalidade específica para os que não puderem concluir o ensino fundamental, devido à gravidade de sua deficiência. Ou, ainda, programas escolares de aceleração para conclusão, em um menor tempo, para os superdotados. Educação especial para o trabalho e acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para os níveis do ensino regular, também são preocupações da escola inclusiva.

    Como subsídio aos profissionais da escola inclusiva, atendendo a LDB (BRASIL, 1996), a Secretaria de Educação Fundamental e a Secretaria de Educação Especial, organizaram os Parâmetros Curriculares Nacionais: adaptações curriculares - estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2002). Neste documento encontraremos relatos de experiências pedagógicas, quanto à definição dos objetivos, conteúdos, processos avaliativos, abordagens didático-pedagógicas que facilitem e assegurem uma aprendizagem de qualidade para o aluno.

    O Projeto Pedagógico da escola, por ser uma referência para definir a prática escolar, deve orientar a operacionalização de currículos abertos e propostas diversificadas. Na visão construtivista do conhecimento, o aluno com suas possibilidades e potencialidades, será o centro desta ação, cabendo ao professor, motivá-los e envolvê-los nas atividades escolares. Conteúdos e atividades curriculares partem de um princípio de aprendizagem dos interesses, significados e sentidos atribuídos pelos alunos especiais. Para o êxito do Projeto Pedagógico, cooperação e troca com os responsáveis, terapeutas ou serviços especializados faz-se necessária, enquanto a escola adapta-se para receber alunos com diferentes possibilidades e históricos.

    O professor do ensino especial deverá mediar e articular todas as mudanças do movimento inclusivo, com uma pedagogia previamente planejada para ser desenvolvida por todos, permitindo que dificuldades sejam diluídas e superadas na cooperação vivida com os demais colegas. Precisará selecionar atividades significativas, relacionadas às diferenças e inadaptações, ajustando objetivos, conteúdos, tipo de avaliação, oportunizando, assim, a participação conjunta. Devido às diferenças observadas nesses alunos, a proposta educativa deve ser diversificada, com uma avaliação criteriosa de cada um deles. São necessárias, ainda, as orientações práticas e objetivas da equipe especializada, que também estará observando e registrando o comportamento, as dificuldades, as limitações para, juntos, determinar estratégias metodológicas para superar eventuais dificuldades.

    Para as aulas são sugeridas variadas brincadeiras com o corpo, visando o desenvolvimento do esquema corporal, jogos, contação de histórias, teatro, música, dança, desenho, atividades que reforcem as noções de tempo, espaço, causalidade, construção e reconstrução, sempre de forma lúdica e prazerosa. Elas precisam de começo, meio e fim, estando adaptadas às possibilidades de comunicação, compreensão, ação pertinente ao estágio em que se encontram. Mas, para que todos realmente participem, o professor deverá estar disponível para o diálogo e a mediação, facilitando a comunicação, ajudando na realização das tarefas específicas para cada grau de comprometimento existente em cada limitação / impossibilidade, adaptando-as ou recriando-as, conforme veremos em outras aulas.

    Os Parâmetros Curriculares Nacionais – educação física (BRASIL, 2000, p. 41), na abordagem do item ‘Portadores de deficiência física’, reforça que a aula de educação física deverá “favorecer a construção de uma atitude digna e de respeito próprio por parte do deficiente e a convivência com ele pode possibilitar a construção de atitudes de solidariedade, de respeito, de aceitação, sem preconceitos”. Cabe-nos refletir sobre esse papel da Educação Física Escolar, bem como voltar nossa atenção para a preparação do profissional desta área, que deverá ser um agente transformador, uma vez que o ambiente educacional e a prática diária podem propiciar meios para a valorização e diversificação de uma prática pedagógica inclusiva, vivida na relação com uma cultura corporal em movimento.

Natação inclusiva: uma proposta para atendimento em escolas regulares e classes especiais

    A LDB (BRASIL, 1996) reserva um capítulo exclusivo para abordar a educação especial, determinando a importância dos alunos especiais estarem incluídos nas classes regulares. E, caso os mesmos não possam participar nesta modalidade escolar, faz-se necessária criar classes para um atendimento especial. A própria legislação define, ainda, a exigência de que todos os professores (classes regulares ou especiais) devam receber uma especialização adequada para lidar com a diferença, visando na medida do possível, uma integração nas classes comuns. A diferença, segundo Brah (2006), pode ser conceituada como experiência estabelecida entre sujeito e meio social; relação social que produz significados e representações imaginárias, ou seja, as identidades de cada grupo; subjetividade vivida em um processo constante pelo indivíduo e o ambiente social em que vive; e a identidade, construída a partir das relações sociais, como resultado de sua experiência cultural. Pelos motivos expostos, a formação do profissional que irá atuar com a diferença é uma de nossas preocupações.

    Lima & Duarte (2004, p. 62) destacam que inclusão pode ser “um motivo que levará ao aprimoramento da capacitação profissional de professores, constituindo uma ferramenta para que a escola se modernize em prol de uma sociedade sem espaço para preconceitos, discriminações ou barreiras sociais”. Para que realmente essa proposta tenha êxito, é preciso que a escola crie espaços inclusivos, mantendo a qualidade na educação dos alunos, criando situações de participação de Todos, oportunizando, assim, desenvolvimento e aprendizagem.

    Acreditamos que quatro componentes sejam importantes para a definição da promoção da saúde e qualidade de vida para pessoas com limitações: estilo de vida e meio ambiente saudável; prevenção de complicações de saúde (condições médicas secundárias) e outras específicas; compreensão e monitoramento da própria saúde e cuidados especiais; oportunidades para participação em atividades diárias, vencendo barreiras sociais e ambientais.

    A área da educação física, não deve afastar o convívio de uma criança com as diferentes, mas, sim, ser uma das ferramentas educacionais, preparando-as para se tornarem pessoas mais conscientes para a vida e desenvolvendo suas possibilidades. Segundo Gaya (SILVA, 1997, p. 354), “de modo geral o corpo vai à escola, mas normalmente não participa das atividades escolares, ou, quando participa, o faz de maneira muito tímida”. Essa carência de experiências e conhecimento desse corpo diferente é um dos fatores que precisa ser trabalhado.

    Grande parte dos alunos especiais não conhece todas as partes e funções de seu corpo. É responsabilidade da escola e dos professores criarem formas alternativas e aprendizagens mais efetivas. Nossa proposta inclusiva visa à ligação corpo/experiência, limite/possibilidade, condição/vida. As atividades são pensadas levando-se em consideração a potencialidade e as limitações de cada um. Acreditamos que a natação adaptada, como uma das muitas atividades desenvolvidas com o corpo imerso na água, possa e deva ser realizada nas escolas inclusivas que já tenham uma piscina. Dificilmente ela já estará adaptada para essa prática com alunos especiais. Por isso, será preciso estar atento para algumas medidas de segurança, como especial atenção à condição básica, a equipe de apoio e as instalações.

  • Condição básica: atestado do médico que o acompanha, esclarecendo o quadro clínico e as possíveis limitações. Estes dados estarão disponibilizados na anamnese;

  • Equipe de apoio: o professor precisa de um acompanhante para ajudá-lo no transporte, colocação e retirada do aluno da água. E, ainda, um guarda-vida qualificado, com material de socorro sempre disponível para eventuais emergências. Porém, durante todo o período em que os alunos especiais estiverem em atendimento, o acompanhante e o guarda-vida qualificado estarão atentos a todos os detalhes, principalmente aos casos de epilepsia, tão comuns a esses grupos;

  • Instalações: uso de plataformas para redução da profundidade, evitando que seja superior a 1,50 m. O ideal é estar aproximadamente a 1,30m, pois assim o professor sente mais estabilidade para sustentar os que precisarem de apoio. A escada deve ter seus degraus com pouco espaçamento entre eles e indo até o fundo. A instalação de barras laterais para dar apoio aos que tem dificuldades de locomoção. A borda da piscina deve ter um piso antiderrapante. O material didático a ser utilizado nas aulas deve estar longe da borda e ser organizado de modo a evitar acidentes. Colchonetes podem ser usados para que os mais dependentes deslizem para a piscina, sendo amparado pelo profissional, bem como para retirá-los, evitando contusões, até que se possa identificar a forma mais segura para cuidar deles. O vestiário, parte complementar da piscina, também deve ter piso antiderrapante, barras de segurança e sustentação dentro dos boxes. Não descuidar da presença de um dos membros da equipe de apoio, que com sua cumplicidade e descontração deverá estar sempre atento, bem como de ter toalhas ou mesmo cobertores sempre ao alcance dos que precisarem, em especial o PC, que tem mais dificuldade de se aquecer, reagindo à temperatura da água.

    Para a Association of Swimming Therapy (2000), o primeiro momento da entrada no meio aquático é o de maior importância, e o professor precisará estar proporcionando sustentação máxima, com segurança, descontração, paciência, amabilidade, para evitar constrangimentos com seu aluno. Converse com ele, relaxando-o, deixando-o a vontade, atendendo suas limitações, estimulando-o a perceber gradativamente cada uma das partes do seu corpo. Mesmo que ele ainda não consiga identificá-las ou comunicar-se com você, ajude-o a descobri-las através de um código de comunicação criado por vocês. Com as mãos espalmadas para cima coloque seu aluno apoiado para trás, mantendo-o sempre em equilíbrio através da cabeça e de seus braços, evitando, assim, que o tronco desloque para frente. À proporção que perceba que já desenvolveu a habilidade e o domínio de seus movimentos, vai reduzindo essa ajuda e substituindo-a por outras formas de equilíbrio ou material especial para apoio. Após esta fase de intimidade com a água e o professor é que se pode iniciar o aprendizado da natação, caso haja uma prescrição clínica autorizando-a. Para toda essa adaptação ser funcional, é fundamental uma equipe de apoio acompanhando-a atentamente.

    A respiração, parte fundamental da iniciação ao meio aquático, precisa ser estimulada para que o aluno aprenda a soprar, até que esse ato seja o mais natural possível. Para Damasceno (1992) uma das formas de se estimular o sopro pode ser através do deslocamento de bolinhas coloridas - como as que são utilizadas para o tênis de mesa -, com o rosto bem próximo da água. Para os que não tem dificuldade de deslocamento, pode ser sugerida uma forma competitiva, premiando os que se deslocam até um ponto mais distante, os que conseguem levar mais tempo assoprando-as. O uso de canudos de tamanhos e espessuras diferentes, também oferece uma variedade de atividades que o professor pode utilizar-se: soprando obtém bolhas, que reguladas pela força, geram as pequenas, as médias e as grandes. Com sons, música, toque e muita criatividade o professor vai desenvolvendo essa habilidade e preparando-os para um contato mais íntimo com a água, até conseguir o sopro submerso. A partir de mais esse obstáculo vencido, sugere-se novos desafios, mantendo a boca fechada, reforçando a expiração pelo nariz e abandonando a idéia de prender a respiração, como muitos ainda fazem ao entrar na água.

    A natação é um dos esportes mais apropriados para o desenvolvimento integral do aluno com algum tipo de deficiência, auxiliando no condicionamento aeróbio, reduzindo a espasticidade, resultando em menos fadiga que em outras atividades, contribuindo para maior coordenação, processo de reabilitação e redução do grau de fraqueza e outras complicações. Por isso, tem valor terapêutico, recreativo, sócio-afetivo dos mais promissores. Mas nem todos os deficientes podem iniciar-se nesta prática, sem as medidas preventivas. Quanto ao Down, a hipotonia ligamentar pode propiciar uma condição de Instabilidade entre as duas primeiras vértebras (IAA). Caso o raio-X tenha detectado o aumento do espaço intervertebral, sugerindo uma possível sub-luxação mediante esforços maiores na região do pescoço, são contra-indicadas as atividades bruscas com o pescoço, como cambalhotas ou mergulhos. Somente um especialista pode determinar um laudo seguro em relação à Instabilidade Atlanto-Axial, autorizando-a ou proibindo-a.

    Os alunos deficientes visuais, após a adaptação ao meio líquido, devem usar óculos totalmente opacos. Quando estão em aulas e juntamente estão pessoas com outras limitações, faz-se necessária a presença de um assistente técnico, denominado tapper, que irá usar um bastão para tocar o nadador, avisando-o que o final da piscina está próximo. Assim, os alunos melhoram seu desempenho, sentindo-se em segurança, pois não ficam preocupados em se machucarem durante as chegadas e viradas.

    Segundo Araújo Júnior (1993) “educar através do meio líquido pode e deve ser prerrogativa que deveriam os professores de Educação Física ter, quando, visando o cumprimento da missão de educadores”, uma vez que a natação adaptada atende a Todos, sendo que as principais alterações referem-se às largadas, viradas e chegadas. A largada pode ser feita da água ou do bloco, dependendo do grau e do tipo de limitação. Quanto às viradas e chegadas, cabe a equipe de apoio combinar com seu aluno qual a melhor forma de avisá-lo.

Considerações finais

    Uma vez que a educação física adaptada é um programa diversificado de atividades desenvolvimentistas, jogos, esportes, atividades rítmicas e expressivas cuja organização está baseada em interesses, capacidades e limitações de cada indivíduo com deficiência, que geralmente não pode participar das atividades do programa gera, como proposta pedagógica, oferecemos a natação adaptada para aulas de educação física em escolas do ensino infantil, fundamental e médio. Esta proposta inclusiva pode ser oferecida e aplicada durante os Estágios Supervisionados em Educação Física.

    Com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s (BRASIL, 2000), observamos que a inclusão dos temas transversais nas aulas de educação física, estimula uma reflexão e permite a formação de cidadãos que participem de atividades corporais, sem discriminação de sexo, idade ou raça. Muitas escolas públicas ainda não estão preparadas para a inclusão. Isto ocorre desde o ambiente escolar não adequado as necessidades mínimas do aluno, assim como os educadores que não estão capacitados para trabalhar com alunos especiais. No processo de “inclusão” há um grande desafio e, ao mesmo tempo, uma troca afetiva, que se dá exatamente para toda sociedade, o qual deverá ser feito um trabalho de conscientização, um trabalho essencial para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, onde as igualdades prevalecem e nas quais as diferenças sejam consideradas e respeitadas.

    Sabemos que impossibilidades podem ser substituídas pelo espaço que o corpo (d)eficiente ocupa, o movimento flui, as linguagens re-atualizam os sentidos de corpo-outro, corpo-mundo, perpassando emoção, paixão, desejo, transcendência de seu espírito e corpo. Ao re-significar sua atividade física, (d)eficientes ultrapassam técnicas rígidas, permitindo aos corpos fazerem das cadeiras de rodas, muletas, próteses, bengalas, instrumentos, transportes para o movimento, conflitos, vivências, realizações. Assim, esses corpos, agentes transformadores de descobertas, alcançam a tão sonhada inclusão. Espírito atravessa corpo, (re)escrevendo cada movimento (d)eficiente, imprimindo-os com novos matizes, alcançando dimensões imaginárias e humanização na natureza.

Referências

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