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Efeitos da dominância hemisférica cerebral esquerda sobre o acidente

vascular encefálico em adultos hemiplégicos: benefícios do

tratamento cinesioterapêutico. Revisão da literatura

Efectos de la dominancia hemisférica cerebral izquierda sobre el accidente vascular encefálico

en adultos hemipléjicos: los beneficios de la terapia cinestésica. Revisión de la literatura

Effects of brain hemispheric dominance left on stroke in hemiplegic adults: benefits of kinesthetic learning. Literature review

 

*Alunos do Curso de Mestrado em Ciência da Motricidade Humana

**Professor Orientador do Curso de Mestrado em Motricidade Humana

Universidade Castelo Branco

(Brasil)

Soraya da Rocha Belchior*

Sheila Antonelli*

Elaine Guiomar Baeta*

Gustavo Mota Paixão*

André Luiz Menezes da Silva*

Vernon Furtado da Silva**

sorayabelchior@yahoo.com

 

 

 

Resumo

          O Acidente Vascular Encefálico (AVE), causado pelo colapso na circulação encefálica, leva à hemiplegia, a qual apresenta como sequelas a hipertonia, hiperreflexia, atrofias, alterações sensoriais a incapacidade de controle do hemicorpo acometido. Como se trata de uma patologia que acomete um dos hemisférios cerebrais, o desenvolvimento e determinação da lesão hemisférica no hemisfério dominante e não dominante podem provavelmente estar relacionados, de alguma forma, às capacidades de recuperação. Método: revisão sistemática através dos bancos de dados: PUBMED, LILACS, SCIELO, Cochrane; de textos didáticos e revisões publicadas, além das listas de referências destas várias fontes. Os objetivos deste artigo foram apresentar uma revisão da literatura acerca dos efeitos do hemisfério dominante esquerdo sobre sua incidência de lesão por AVE e os benefícios do tratamento cinesioterapêutico. A literatura consultada apontou: (1) a existência de relação entre hemisfério cerebral dominante (motor) esquerdo e sua respectiva incidência de AVE e (2) a não existência de relação entre recuperação funcional e dominância hemisférica; (3) a importância da indicação do tratamento cinesioterapêutico na reabilitação.

          Unitermos: Acidente cerebrovascular. Dominância cerebral. Reabilitação da função

 

Abstract

          The stroke, caused by an encephalic blood circulation disturbance resulting in a clinical disorder known as hemiplegia, with some classical features like hipertonia, hiperreflexia, sensorial changes, atrophies and deficient motor control.collapse changes the inability to control the affected hemisphere. As this is a disease that affects one of the cerebral hemispheres, the development and determination of the hemispheric lesion in the hemisphere dominant and nondominant can probably be related in some way, the recovery capabilities. Method: systematic review using the databases: PUBMED, LILACS, SciELO, Cochrane; of textbooks and published reviews, and reference lists of these various sources. The objectives of this article were to present a literature review on the effects of the dominant left hemisphere on the incidence of stroke injury and benefits of kinesthetic learning. The literature noted: (1) the existence of a relationship between the dominant cerebral hemisphere (motor) and left their respective incidence of stroke and (2) that there is no relationship between functional recovery and hemispheric dominance.

          Keywords: Stroke. Dominance cerebral. Function rehabilitation

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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Introdução

    O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é a forma mais comum de manifestação da doença cérebro-vascular; constitui-se na segunda maior causa de mortalidade no mundo e na maior causa de mortalidade e morbidade no Brasil1; ocorre subitamente e causa déficits neurológicos temporários ou permanentes de variadas intensidades dentre os quais o sinal mais comum é a hemiplegia, que se traduz na perda do movimento de um lado do corpo2.

    O Brasil, entre os países da América Latina, é o que apresenta as maiores taxas de mortalidade decorrentes de AVE, totalizando 128,0 e 98,7 por 100.000 habitantes para homens e mulheres, respectivamente1.

    Nos Estados Unidos da América do Norte (EUA), estima-se que a incidência de AVE seja de 158 casos por 100,000 habitantes3 e, apesar dos avanços em prevenção e tratamento do AVE durante todo o século passado, a incidência de hospitalização não diminuiu naquela população3.

    O AVE é causado pelo colapso na circulação encefálica, seja pela obstrução das artérias (forma isquêmica) ou pelo extravasamento de sangue (forma hemorrágica)4. Essas sequelas são sempre bem conhecidas e se caracterizam pela lesão do primeiro neurônio motor e, também, de neurônios sensitivos4.

    O AVE isquêmico compreende 80% de todos os AVEs, sendo decorrente de um déficit neurológico por insuficiência do fluxo sanguíneo cerebral. Há duas formas de infarto isquêmico - a permanente e a transitória. Representa, na população nacional, segundo diferentes estatísticas, de 53,0%6 a 85,0%6-8 dos casos de AVC, sendo predominante na forma permanente5, 6.

    A hemiplegia, estado caracterizado pela paralisia dos músculos de um lado do corpo, onde existe o acometimento de um dos hemisférios cerebrais, surge como sequela da lesão de neurônio motor superior, além da presença da hipertonia, a hiperreflexia profunda, reações patológicas, hipotrofias, alterações sensoriais, incapacidade de controle do hemicorpo acometido7.

    Sanvito7 chama a atenção de que os hemisférios cerebrais não são funcionalmente equivalentes. A distribuição das capacidades específicas, como linguagem, audição, percepção corporal, memória visual, argumentação não verbal, entre outras funções cerebrais especializadas, é marcadamente diferente, e profundamente assimétrica entre os hemisférios.

    Nesse sentido, a dominância hemisférica está geralmente relacionada com a capacidade perceptiva e de linguagem. O ser humano possui uma dominância hemisférica para cada tipo de atividade. Dessa forma, o hemisfério direito relaciona-se com atividades intuitivas, como a capacidade artística e a imagem corporal; o hemisfério esquerdo parece ser dominante com relação à linguagem e ao pensamento analítico, particularmente pelas funções verbais e matemáticas7.

    De acordo com Guyton8, a cada uma das atividades mais importantes do encéfalo, corresponde um hemisfério cerebral dominante, sendo esse determinante em sua função e gerando um aumento do metabolismo. Durante intensa atividade cerebral, aumenta a utilização de oxigênio o que pode acarretar uma insuficiência do fluxo sanguíneo para o cérebro e, consequentemente, levar à deficiência de oxigênio. Como meio de compensação, o organismo lança mão de uma vasodilatação, com o objetivo de aumentar o fluxo e transportar oxigênio para os tecidos cerebrais, recuperando a homeostasia da região.

    Nesse contexto, por se tratar de uma patologia que acomete um dos hemisférios, o desenvolvimento e determinação da dominância hemisférica cerebral podem estar relacionados, de alguma forma, às capacidades de recuperação.

    Este artigo tem como objetivos apresentar uma revisão da literatura acerca dos efeitos do hemisfério dominante esquerdo sobre sua incidência de lesão por AVE e dos benefícios do tratamento cinesioterapêutico.

2.     Revisão da literatura

2.1.     Anatomia da vascularização encefálica

    De acordo com Rowland e Merri4, a principal irrigação do encéfalo ocorre pelos sistemas anterior e posterior, tendo como responsáveis pela circulação anterior ou carotídea as artérias carótidas internas e pela vascularização posterior as artérias vertebrais. Esses vasos, oriundos das artérias extracranianas da aorta e de outros grandes vasos, apresentam como trajeto à região anterior do pescoço e base do crânio, até a cavidade intracraniana.

    Da mesma forma que a artéria carótida externa, a carótida interna também é originada da bifurcação da artéria carótida comum, passando pelas porções profundas do pescoço até o canal carotídeo.

    Essa volta rostromedialmente e ascende até o interior da cavidade craniana, perfurando a dura-máter e ramifica-se na artéria oftálmica, que vasculariza o nervo óptico e a porção interna da retina e corióidea anterior, responsável pela irrigação das estruturas diencefálicas e telencefálicas. A divisão da artéria carótida interna ocorre próxima à superfície basal dos hemisférios cerebrais, formando, então, as artérias cerebrais anteriores e médias.

    As artérias cerebrais anteriores ligam-se anteriormente à artéria comunicante anterior, formando a porção frontal do polígono de Willis9 que irrigam a porção medial dos hemisférios cerebrais e estruturas subcorticais.

    Quando a oclusão ocorre mais proximal, observam-se alterações funcionais mínimas. No entanto, nas lesões mais distais, surgem deficiências, como hemiparesia contralateral e perda sensorial contralateral, com maior ênfase no membro inferior e face, obstrução que tem capacidade de acarretar edemas cerebrais, que levam frequentemente à morte. Lesões na artéria carótida interna são menos comuns10.

    As artérias vertebrais se originam na região posterior do pescoço e nas artérias subclávias, penetrando no crânio através do forame magno. A união das artérias vertebral direita e esquerda forma a artéria basilar. As artérias cerebrais anteriores e médias provêm da carótida interna; a artéria cerebral posterior faz parte do sistema vertebro-basilar, onde participa da circulação posterior e as artérias vertebrais da vascularização anterior11.

    As artérias cerebrais posteriores suprem a maior parte do mesencéfalo, em seguida, adentram na fossa média para suprir o lobo occipital e a porção posterior do lobo temporal, além disso, essas artérias irrigam também o tálamo e o diencéfalo. Esses vasos sanguíneos completam a porção posterior do polígono de Willis através da artéria comunicante posterior11, 12.

    A interconexão das três artérias cerebrais por duas artérias comunicantes forma o polígono de Willis, onde as artérias comunicantes anteriores irrigam a região das artérias cerebrais anteriores nos dois hemisférios, e as artérias comunicantes posteriores promovem o fluxo das artérias cerebrais média e posterior. Dessa forma, cada segmento do círculo é denominado de acordo com sua proximidade e, para suprir regiões que apresentam insuficiência circulatória, há ramificações e anastomoses que promovem a colateralização da vascularização em todos os níveis do cérebro11.

    Há anastomoses entre vários vasos sanguíneos terminais nos hemisférios cerebrais. Essas interconexões estão presentes nos ramos localizados na superfície cortical e, quando ocorre uma oclusão de uma artéria maior, essas redes ajudam no fluxo e impedem aumento na extensão da lesão13.

2.2.     Fisiopatologia do AVE

    O cérebro necessita de um suprimento contínuo de glicose e oxigênio e, como não armazena essas substâncias, quando ocorre uma interrupção, inicia-se, em poucos minutos, uma disfunção metabólica, dando início a uma cascata de eventos que podem levar à necrose tecidual. Essas alterações no metabolismo provocam AVE, que se caracteriza por apresentar um déficit neurológico decorrente do extravasamento de sangue em uma região do cérebro (forma hemorrágica) ou da interrupção do suprimento sanguíneo para o cérebro (forma isquêmica)10.

    Dessa forma, a obstrução dos vasos reduz sempre as concentrações de glicose e oxigênio no sistema nervoso central (SNC), podendo promover, após 30s, alterações do metabolismo. Se a disfunção permanecer por mais de 1 minuto, pode ocorrer a perda da função cerebral da região. Após 5 minutos, ocorre infarto na região, mas os danos causados podem ser reversíveis quando o fluxo de oxigênio é retomado rapidamente. No entanto, se não houver o retorno da função, inicia-se uma série de eventos, onde a elevada necessidade metabólica e a baixa reserva de nutrientes provocam lesões isquêmicas focais ou disseminadas no cérebro4.

    A principal causa de lesão no AVE é a isquemia, em cujo processo ocorre liberação de glutamato que vai promover a abertura dos canais de cálcio e seu influxo no citoplasma neuronal em níveis anormais, gerando, então, danos nas organelas e alterações no metabolismo e na função neuronal. A manutenção do excesso de glutamato e, consequentemente de cálcio induzem a perda da função mitocondrial e um aumento na produção de radicais livres, que causam danos à membrana lipídica através da peroxidação lipídica. Uma vez desencadeada a cascata enzimática ocorre a morte neural, através do processo denominado teoria da toxicidade excitatória ou excitotoxicidade.

    O acidente vascular encefálico ocorre comumente na artéria cerebral média, que irriga a região lateral do hemisfério e estruturas subcorticais. A obstrução do vaso leva o indivíduo a apresentar sintomas como sonolência, perda sensorial cortical da face, perna e braço, com predomínio dos sintomas em face e braço e hemiplegia contralateral10.

    Em geral, quando a lesão se dá no hemisfério cerebral esquerdo, ocorre a afasia, classificada em afasia de Broca (disfunção da expressão) e afasia de Wernicke (disfunção receptiva). Por sua vez, a lesão no hemisfério não dominante produz um aspecto de vazio ou sem expressão, sendo comuns alterações no esquema corporal, apraxias e agnosias12.

    No entanto, a sequela mais comum é a hemiplegia, quando os músculos contralaterais ao local da lesão cerebral ficam paralisados14. A hemiplegia possui duas fases básicas de evolução, apresentando como principal característica o comprometimento da função motora, embora haja também disfunções sensoriais, intelectuais, afasia e disartria15.

    Logo após o derrame, ocorre a hemiplegia flácida, fase em que todos os músculos ficam atônicos e os reflexos tanto profundos quanto superficiais, desaparecem. À medida que o processo de lesão se estabiliza, os reflexos e o tônus voltam progressivamente, dando origem à espasticidade16, manifestação clínica presente nas lesões piramidais e extrapiramidais do sistema nervoso central, mais especificamente da via corticoretículo-bulbo-espinal inibitória. Vale ressaltar que a manifestação desses sintomas é proporcional à área e à extensão da lesão encefálica.

    A maioria dos indivíduos com hemiplegia apresenta algum grau de espasticidade, o que dificulta a execução das atividades e torna os movimentos e a postura estereotipados e típicos, fazendo com que esses sujeitos não consigam mudar de posição ou só a consigam alterar com muito esforço17.

    Daí, a dificuldade de realizar os movimentos finos. Entretanto, quando o espasmo melhora, o paciente volta a realizar algumas dessas tarefas, embora, a capacidade de realizar esses movimentos discretos não seja homogênea em todas as partes do corpo, pois os membros superiores são, em geral, mais acometidos do que os inferiores16.

    Ainda, na fase espástica, o paciente hemiplégico apresenta dificuldade para realizar movimentos seletivos com o tronco, e, muitas vezes, adota “padrões” posturais compensatórios durante a realização das atividades, negligenciando o lado plégico e utilizando, prioritariamente, o lado não acometido. Essa atitude provoca uma série de complicações, como progressivo aumento do tônus do lado plégico, assimetria, fraqueza no lado comprometido, além de diminuição de estímulos educativos e funcionais para o cérebro18.

2.3.     A dominância hemisférica cerebral

    O fato de determinadas áreas cerebrais estarem mais diretamente ligadas a certas funções levou aos diversos tipos de dominância hemisférica cerebral, destacando-se a dominância da atividade motora e da linguagem19.

    Embora o cérebro venha sendo observado pelos cientistas há muitos anos, somente no século XIX, pesquisadores20, 21 descobriram que lesões em determinadas regiões do cérebro causavam comprometimentos específicos. Esses pesquisadores atribuíram esse fato primordialmente pelo fato do cérebro ser dividido em duas metades através da fissura longitudinal, sendo estas chamadas de hemisférios cerebrais.

    Os hemisférios cerebrais se comunicam por um feixe de fibras nervosas, conhecidas como corpo caloso, responsáveis disponibilizar a informação armazenada no córtex de um dos hemisférios à área cortical correspondente do hemisfério oposto8.

    Essa assimetria hemisférica torna o corpo caloso uma estrutura importante, pois proporciona a transmissão de informação entre eles.

    De acordo com Bogen20, cada hemisfério é especializado para um tipo particular de informação. Essa especialização ocorre mesmo entre a variabilidade individual. Como exemplo, as funções matemáticas e o desenvolvimento do sentido de direção, são representados pelo hemisfério direito; a linguagem, a leitura e a escrita, pelo hemisfério esquerdo.

    Dessa forma, há especializações para cada um dos hemisférios cerebrais levando a que os indivíduos apresentem, em geral, um hemisfério mais desenvolvido do que o outro denominado de hemisfério dominante22.

    Segundo Guyton8, aproximadamente 95% de todas as pessoas têm o hemisfério esquerdo como dominante e nos 5% restantes da população, ou ambos os lados se desenvolvem simultaneamente para uma dominância dupla, ou mais raramente, apenas o lado direito torna-se desenvolvido.

    Na prática clínica, existe a impressão de que a recuperação funcional de pacientes com AVE à esquerda é pior22 do que a de pacientes com AVE à direita. Entretanto, não houve confirmação experimental desta ideia. Alguns descrevem uma menor recuperação da simetria e velocidade dos movimentos de levantar-se de uma cadeira nesse tipo de paciente23, mas, como excluíram casos com déficits sensoriais e com heminegligência, os achados são de difícil interpretação. Outros referem recuperação ligeiramente inferior do desempenho, conforme evidenciado pela medida de independência funcional, dois meses após a lesão do hemisfério esquerdo24, 25.

    O impacto funcional de lesões do hemisfério direito também é grande. Pacientes com essas lesões apresentam, inicialmente, prejuízo da imagem corporal, negligência para o espaço extracorpóreo contralesional26, 27 e comprometimento visuomotor28, 29. Como já foi dito, inicialmente, há maior descarga de peso no hemicorpo não acometido e comprometimento do alinhamento postural30.

2.4.     As intervenções cinesioterapêuticas

    Um hemiparético, em fase avançada de reabilitação, necessita de um treinamento motor, visando avanços funcionais, entre os quais, a melhora da marcha. Para tanto, deve receber uma preparação para que os padrões da marcha sejam os mais próximos do normal possível.

    As metas de as metas de um programa de exercício de pré-deambulação serão:

  1. Aumentar a força muscular;

  2. Aumentar ou manter a amplitude de movimento;

  3. Melhorar a coordenação;

  4. Facilitar o feedback proprioceptivo;

  5. Instruir quanto ao manejo e movimentação do (s) membro (s) afetado (s);

  6. Desenvolver a estabilidade postural sentada e em pé;

  7. Desenvolver as funções de mobilidade controlada, conforme fica evidenciado pela capacidade de movimentar-se dentro das posturas;

  8. Desenvolver o controle nas transições de movimento, como rolamentos e movimentos do decúbito dorsal para a posição sentada;

  9. Melhorar o controle o tronco e da pelve;

  10. Desenvolver o controle do equilíbrio dinâmico, inclusive reações de equilíbrio e de proteção10.

    Em seu estudo, Segura et al.36 verificaram a eficácia de um tratamento baseado especificamente na cinesioterapia, para reabilitação da marcha em pacientes portadores de acidente vascular encefálico, na fase crônica. Foram selecionados 10 pacientes portadores da doença, idade entre 60 e 70 anos, de ambos os gêneros, apresentando grau de espasticidade moderado, segundo a Escala de Ashworth, submetidos a um tratamento fisioterapêutico, durante cinco meses. As fases da marcha foram avaliadas em critério de observação através do meio de filmagens, antes e depois do tratamento, como método comparativo da evolução. De acordo com as autoras, alguns pacientes evoluíram mais, porém todos melhoraram suas disfunções. A percepção em relação ao hemicorpo plégico foi uma das variantes que apresentou resultados melhores. A flexibilidade e redução da espasticidade foram visíveis na maioria dos pacientes. A execução completa da marcha, incluindo suas variantes como equilíbrio, coordenação e velocidade obtiveram melhora em todos os pacientes. Foi possível observar que, através da realização de um tratamento cinesioterapêutico, muitos resultados positivos foram alcançados, visando o benefício da marcha nos pacientes com sequelas de AVE. Outros estudos ratificam a abordagem dessas autoras37, 38,40.

3.     Discussão

    Os resultados apresentados pela literatura apontam uma maior incidência de lesão no hemisfério dominante. Esses dados podem ser explicados pelo fato de o hemisfério cerebral dominante possuir naturalmente maior atividade e especificidade, o que permite inferir que esse hemisfério também possua maiores taxas de metabolismo celular, assim como o sistema circulatório que o irriga19, 20, 21, 23, 28, 29, 30, 35, 36, 37, 38,40.

    Nessa linha, os resultados da literatura visitada, ao apontarem para uma maior incidência de acometimento de AVE no hemisfério dominante, são coerentes, pois, quanto maior sua atividade, maior a propensão a lesões. Dessa forma, apesar dos hemisférios direito e esquerdo possuírem funções diferentes, recebem primeiramente todas as informações novas, para depois as mandar para o hemisfério esquerdo, mantendo assim um ciclo constante de trocas de informações.

    Esses resultados, portanto, chamam a atenção para a importância de se verificarem particularidades, como a dominância hemisférica, que pode trazer indícios sobre a propensão a lesão e perspectivas de prognóstico. A forma de avaliar os pacientes também é importante para o processo de recuperação e seu sucesso.

    Nesse contexto, a literatura mostra a eficiência da utilização da cinesioterapia para a reabilitação da marcha35, 36, 37, 38,40 e, embora reconheça tratar-se de um procedimento conservador, reconhece, também, que a cinesioterapia melhora sensivelmente a realização da marcha de paciente pós-AVE, incluindo fatores importantes como à postura corporal, equilíbrio, coordenação e simetria das passadas, permitindo, dessa forma, que o paciente aceite as novas condições de vida.

4.     Considerações finais

    O estudo permite tecer as seguintes considerações finais:

  1. Existe relação entre hemisfério cerebral dominante (motor) esquerdo e sua respectiva incidência de AVE, isto é, hemiplegia direita;

  2. Não existe diferença em relação ao estado funcional do indivíduo e sua dominância hemisférica;

  3. O tratamento cinesioterapêutico ajuda a desenvolver a ligação entre os hemisférios esquerdo/ direito;

  4. A cinesioterapia proporciona condições para facilitar o controle do tônus e dos movimentos, aquisições de posturas e de padrões normais, pois visa à inibição da atividade reflexa patológica e a facilitação do movimento normal.

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