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A noção de disciplina nas análises genealógicas de Michel Foucault

La noción de disciplina en los análisis genealógicos de Michel Foucault

 

*Curso de Graduação em Licenciatura em Educação Física

ex-bolsista Faperj

**Prof. Adjunto, DLCS, ICHS, UFRRJ

(Brasil)

Gláucio Oliveira da Gama*

glaucio_gama@hotmail.com

Cláudio Oliveira da Gama*

claudiodagama@hotmail.com

Luiz Celso Pinho**

 

 

 

Resumo

          A Disciplina “adestra” os corpos no intuito de tanto multiplicar suas forças, para que possam produzir riquezas, quanto diminuir sua capacidade de resistência política. Ela assume dois sentidos distintos: como uma modalidade de saber, um ramo do conhecimento formado e justificado por uma epistemologia inerente, através de um sistema cumulativo de informações; e como algo que separa, ordena e classifica, tornando homogêneos os grupos, para que o mesmo estatuto normalizador vigore, tendo a idéia de um conjunto organizado e, desta forma, controlado, de forma imposta (repressão) ou consentida (estimulação). É a base do “jogo moderno das coerçoes sobre os corpos, os gestos, os comportamentos, exercendo-se através de cinco formas: repartição dos indivíduos no espaço, controle não só do produto, mas da própria atividade, vigilância hierárquica, sanção normalizadora e através do exame. Forma um tipo de conhecimento sob seus alvos, possibilitando uma forma de controle cada vez mais intenso, deixando-os expostos a uma visibilidade que os fazem, eles próprios, “fiscais de si mesmos”. O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação ideológica da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama disciplina.

          Unitermos: Disciplina. Corpo. Poder

 

Abstract

          The Discipline "groom" their bodies in order to both increase their forces in order to produce wealth, as their ability to reduce political resistance. She took two different ways: as a mode of knowledge, formed a branch of knowledge and justified by an inherent epistemology, through a system of cumulative information, and as something that separates, sorts and classifies, making the groups homogeneous, so that same status normalizing force, the idea of an organized whole, and thus controlled, so imposed (repression) or consented to (stimulation). It is the basis of the modern game of constraints on the bodies, gestures, the behavior, so that by five ways: distribution of individuals in space, controlling not only the product but the actual activity, hierarchical surveillance, normalizing sanctions and through the examination. Form a kind of knowledge into their targets, allowing a form of control ever more intense, leaving them exposed to a profile that are themselves "tax for themselves." The individual is no doubt the fictitious atom of an ideological representation of society, but is also produced by this specific technology of power that is called discipline.

          Keywords: Subject. Body. Power

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 139 - Diciembre de 2009

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Introdução

    As análises genealógicas de Foucault descrevem o funcionamento de uma série de mecanismos disciplinares nas sociedades modernas. Esses mecanismos se caracterizam por tornar os gestos dos indivíduos cada vez mais eficientes através de um controle permanente e calculado. A Disciplina “adestra” os corpos no intuito de tanto multiplicar suas forças, para que possam produzir riquezas, quanto diminuir sua capacidade de resistência política. É nesse sentido que a função da disciplina não pode ser confundida com a da opressão. Enquanto esta pode mesmo chegar a destruir o corpo; a disciplina, por sua vez, pretende aproveitá-lo ao máximo, como se ele fosse uma máquina. Este trabalho pretende abordar os procedimentos que caracterizam aquilo que Foucault denominou de Poder Disciplinar.

Objetivos

  • Caracterizar a noção de Disciplina nas pesquisas genealógicas de Foucault.

  • Mostrar como se dá o funcionamento do Poder Disciplinar nas sociedades modernas.

Metodologia

    Análise e interpretação do conteúdo de Vigiar e punir e de textos que abordem o instrumental conceitual de Foucault.

Resultados

    Primeiramente a de se ter um esclarecimento do que vem a ser a disciplina, quando se fala em uma abordagem segundo o método genealógico. Ela assume, sob esta ótica, dois sentidos distintos: como uma modalidade de saber, um ramo do conhecimento formado e justificado por uma epistemologia inerente, através de um sistema cumulativo de informações. Entendida como “um sistema de registro intenso e de acumulação documentária” (Foucault, M. Vigiar e punir, p. 168), no qual aparecerá o “indivíduo como objeto descritível, analisável” (idem, p. 169); como algo que separa, ordena e classifica, tornando homogêneos os grupos, para que o mesmo estatuto normalizador vigore; idéia de um conjunto organizado e, desta forma, controlado, de forma imposta (repressão) ou consentida (estimulação). Entendida como dispositivo responsável pela “organização de campos comparativos que permitam classicar, formar categorias, estabelecer médias, fixar normas” (idem, p. 169), base do “jogo moderno das coerçoes sobre os corpos, os gestos, os comportamentos” (idem, p. 170). Ele se exerce através de um único olhar e de forma permanente, tudo vê, para “agir sobre aquele que abriga, dar domínio sobre seu comportamento, reconduzir até eles os efeitos do poder, oferecê-los a um conhecimento, modificá-los” (idem, p. 154-5).

    Para entendermos as proposições foucaultianas em relação ao conceito de disciplina, encontramos na atividade militar uma espécie de ilustração do que está em jogo, notadamente naquilo que a figura do soldado passa a personificar a partir do século XVIII. No século XVII, “o soldado é antes de tudo alguém que se reconhece de longe; que leva os sinais naturais de seu vigor e coragem, as marcas também de seu orgulho: seu corpo é o brasão de sua força e de sua valentia (...) as manobras como a marcha, as atitudes como o porte da cabeça se originam, em boa parte, de uma retórica corporal da honra” (Foucault, M. Vigiar e punir, p. 117). No século XVIII, por sua vez, “o soldado tornou-se algo que se fabrica; de uma massa informe, de um corpo inapto, fez-se a máquina de que se precisa; corrigiram-se aos poucos as posturas” (Ib.).

    Esses exemplos mostram que há uma transição no modo como o corpo humano é abordado na cultura ocidental. O primeiro momento refere-se a uma época em que os mecanismos disciplinares não haviam sido instaurados; já o segundo demonstra que, através do poder disciplinar, este soldado pode ser moldado aos poucos, até atingir um desempenho ideal. Foucault afirma que somente com o exercício pode-se desenvolver aptidão profissional ou alguma técnica. As instituições de ensino exercitam os educandos para que se moldem e aprendam a moldar a si mesmos. No entanto, “o problema é que não raro essa formação foi constituída como um processo de subjetivação externa, heterônoma, constituindo sujeitos para uma máquina social de produção e de reprodução” (Rago, M.; Veiga-Neto, A. Figuras de Foucault, p. 259).

    Ao afirmar que “em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações” (Foucault, M. Vigiar e punir, p.126). Foucault já explicita que formas de micropoderes já perpassam informações, acarretando instantaneamente em transformações e modificações de condutas por todo o corpo social, atribuindo influências de certos tipos de poder nas manifestações dos indivíduos.

    O corpo social, ao longo dos anos, consolida-se como algo fabricado, influenciado por uma coação calculada, esquadrinhado em cada função corpórea, com fins de automatização.

    O homem é o principal alvo e objeto do poder, tendo como meta a tarefa de incorporar nos corpos características de docilidade. Para Foucault, é dócil “um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (Foucault, M. Vigiar e punir, p. 126). Suas formas de modelagens são dadas através do adestramento, sendo utilizado como uma poderosa ferramenta de controle, partilhando-se de forma disciplinadora, considerada como “fórmulas gerais de dominação” (idem, p. 126).

    O que Foucault nos ensina é que a idéia de disciplina faz parte do cotidiano social em que nos encontramos. Ela atinge nossos corpos nos menores detalhes e de forma contínua. Entra aqui a idéia de poder, tão estudada nas obras de Foucault, caracterizado não como algo substancial: “o poder não é uma propriedade, uma realidade centralizada, unitária, que se possui ou não. É algo mais complexo, difundido (...)” (Calomeni, T. C. B. Michel Foucault: entre o murmúrio e a palavra, p. 29). em todos os espaços da sociedade, fazendo valer sempre suas intenções, deslocando sua ideologia de acordo com sua vontade e da forma que melhor lhe couber.

    O poder disciplinar, contudo, não se firma como algo destruidor: configura-se talvez como algo mais tenebroso e mais arrasador, pois adestra seus dominados com o fim de exercer sobre eles um poder que, de forma sutil, é capaz de utilizar toda sua força para torná-lo economicamente produtivo. É nesse sentido que é capaz até mesmo de fazer com que os indivíduos se desenvolvam ainda mais, acreditando estarem fazendo algo resultante de seu querer ou de sua vontade livre. A disciplina produz para a modelagem e controle dos corpos, técnicas que vão nortear todo o processo de construção do poder e normatização das condutas, dotando caracteres para sua aquisição, pois “constrói quadros; prescreve manobras; impõe exercícios; enfim para realizar a combinação das forças, organiza <táticas>” (Foucault, M. Vigiar e punir, p. 150). Diante destes processos progressivos se retira cada momento do tempo dos indivíduos, perpassando uma escala gradual e evolutiva em busca do aumento de suas potencialidades criando assim “uma nova maneira de gerir o tempo e torná-lo útil, por recorte segmentar, por seriação, por síntese e totalização” (idem, p. 145).

    A disciplina “visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente” (Foucault, M. Vigiar e punir, p. 127). Portanto ela fornece subsídios para o aprimoramento das técnicas, todavia, aumentando em grandeza diretamente proporcional, suas utilidades enraizadas em preceitos de docilidade. Seria, portanto, para Foucault “métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade” (idem, p. 126).

    A disciplina atua sobre as pessoas de forma calculada, pois “em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até as singularidades necessárias e suficientes. ‘Adestra’ as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade de elementos individuais – pequenas células separadas, autonomias orgânicas, identidades e continuidades genéticas, segmentos combinatórios” (Foucault, M. Vigiar e punir, p. 143). Como salienta Machado, “Foucault caracteriza o poder não apenas como repressivo, no sentido em que seu modo único ou básico de intervenção sobre os cidadãos se daria em forma de violência, de coerção, de opressão, mas também como disciplinar, normalizador” (Machado, R. “Duas filosofias sobre as ciências do homem”, p. 29).

    Deste modo, a disciplina em Foucault não exerce um papel de opressão. Não se trata da expressão do desejo de um tirano ou do abuso da violência e da injustiça: ela pode ser entendida como uma “empresa” que pretende desenvolver as aptidões de seus “funcionários” de forma progressiva, com o intuito de aproveitá-los ao máximo para seu próprio uso. Ela gera individualidades a partir de mecanismos de controle, que possuem características específicas. Como sintetiza Machado, a disciplina se exerce através de cinco formas, a saber: pela “repartição dos indivíduos no espaço”; pelo “controle não só do produto, mas da própria atividade”; “através de uma vigilância continua, generalizada, múltipla e hierárquica”; “através de um estado continuo de sanção normalizadora” e “através do exame, procedimento que liga o exercício do poder à formação do saber” (Machado, R. “Duas filosofias sobre as ciências do homem”, p. 31-2).

    Quando pensamos nas ações dessa forma de poder instituída nas disciplinas, devemos identificar algo que vai além de seus mecanismos, responsáveis por efetivar suas intenções: “A disciplina, ao sancionar os atos com exatidão, avalia os indivíduos com verdade; a penalidade que ela põe em execução se integra no ciclo de conhecimentos dos indivíduos” (Foucault, M. Vigiar e punir, p. 162). Este conhecimento gerado possibilita uma forma de controle cada vez mais intenso, deixando os individuos expostos a uma visibilidade que os fazem eles próprios, “fiscais de si mesmos’. Todo tipo de comportamento e de conhecimentos (saberes) referentes ao indivíduo são oriundos dessa produção do poder disciplinar.

    A idéia de empresa permite exemplificar como se dá a ação do poder disciplinar na sociedade moderna, a sociedade do capital. Nela, os corpos são “fabricados” através de “uma localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa rede de relações” (Foucault, M. Vigiar e punir, p.125). Essa rede de relações se verifica nas instituições que regulam as atividades humanas através de normas, penas e sanções. A disciplina tanto incentiva comportamentos positivos e meritocráticos quanto serve como ferramenta para o adestramento e docilidade dos corpos que ocupam os espaços institucionais. O funcionamento da sociedade capitalista se dá, pois, através da distribuição dos corpos e do controle de suas atividades. As disciplinas escolares (assim como o saber científico) são formas da representação de uma tentativa de por ordem, no que tange os saberes escolares, estando envolvidas com os mecanismos de poder. Esta representação foi instituída pelos governos (sob a forma de leis educacionais), como um saber necessário para assegurar um estereótipo de cidadão ideal.

Conclusões

    Foucault situa o corpo como objeto (e instrumento) de manipulação do poder, que precisa ser controlado para ser e permanecer produtivo. Daí afirmar que “um corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente” (Foucault, M. Vigiar e punir, p 130). Essa concepção ganha cada vez mais força na contemporaneidade, visto que o homem ainda deve se submeter a condicionamentos que servem, acima de tudo, para manter o status quo. Esse jogo de influências que atravessa todos os aspectos de nossas vidas se torna cada vez mais forte à medida que se alimenta a crença de que a disciplina é importante para o desenvolvimento de uma sociedade mais próspera. Assim, chega-se a um impasse, onde o indivíduo que, ao mesmo tempo em que é alvo do poder, é também seu produto “O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação ideológica da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama disciplina” (idem, p. 172).

Referências

  • FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1997.

  • GALLO, S. ”(Re) pensar a educação”. In: Rago, M.; Veiga-Neto, A. (Orgs.). Figuras de Foucault, Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p. 253-260.

  • MACHADO, Roberto. “Duas filosofias sobre as ciências do homem”. In: CALOMENI, T. C. B. (Org.). Michel Foucault, entre o murmúrio e a palavra. Campos/RJ: Editora da Faculdade de Direito de Campos, 2004, p.15-37.

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